ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
SUGESTÕES DE TEMAS
1
10. A TEORIA DOS SISTEMAS ECOLÓGICOS: um paradigma para letramento
3
48. LER E ESCREVER: a importância dessas habilidades na etapa inicial de
alfabetização
doi: 10.1590/S1413-24782004000100002
Magda Soares
Universidade Federal de Minas Gerais,
Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
RESUMO
4
ABSTRACT
Describes how the concepts of literacy and initial reading instruction developed in
Brazilian education throughout the last two decades, characterising this development
as a progressive invention of the word and concept of literacy and a concomitant dis-
invention of the concept of initial reading instruction, which lost its specific
characteristics, bringing about a new type of school failure: the serious reading and
writing difficulties among students at advanced levels of schooling. The text
discusses the causes of this phenomenon and stresses the need to distinguish
clearly between initial reading instruction and literacy, so that each process is seen
as specific and, at the same time, as associated with and dependent on the other.
The present situation is characterised as an attempt to re-invent initial reading
instruction, meaning not a turning back to past methodologies, but as a recovery of
the distinctive features of the initial reading instruction process in its multiple facets,
guaranteeing at the same time its integration with the literacy process.
Introdução
O título e tema deste texto pretendem ser um contraponto ao título e tema de outro
texto de minha autoria, publicado há já quase vinte anos: "As muitas facetas da
alfabetização" (Cadernos de Pesquisa, nº52, de fevereiro de 1985). Uso a palavra
contraponto para indicar que o que aqui intento fazer é um entrelaçamento dos dois
textos, não uma reformulação, muito menos um confronto. É que, relendo, hoje, "As
muitas facetas da alfabetização", encontro ali já anunciado, sem que ainda fosse
nomeado, o conceito de letramento, que se firmaria posteriormente, e, de forma
implícita, as relações entre esse conceito e o conceito de alfabetização; segundo,
porque, passados quase vinte anos, as questões ali propostas à reflexão parecem
continuar atuais, e grande parte dos problemas ali apontados parece ainda não
resolvida. O contraponto que pretendo desenvolver é a retomada de conceitos e
problemas, buscando identificar sua evolução ao longo das duas últimas décadas,
em um movimento que vou propor como sendo de progressiva invenção da palavra
e do conceito de letramento, e concomitante desinvenção da alfabetização,
resultando na polêmica conjuntura atual que me atrevo a denominar de reinvenção
da alfabetização.
5
Para prevenir sobressaltos, adianto, já neste momento inicial de minhas reflexões,
que meu objetivo será defender, numa proposta apenas aparentemente
contraditória, a especificidade e, ao mesmo tempo, a indissociabilidade desses dois
processos alfabetização e letramento, tanto na perspectiva teórica quanto na
perspectiva da prática pedagógica.
A invenção do letramento1
6
desenvolvimento, como o Brasil, e em países desenvolvidos, como a França, os
Estados Unidos, a Inglaterra. Sem pretender uma discussão mais extensa dessas
diferenças, o que ultrapassaria os objetivos e possibilidades deste texto, destaco a
diferença fundamental, que está no grau de ênfase posta nas relações entre as
práticas sociais de leitura e de escrita e a aprendizagem do sistema de escrita, ou
seja, entre o conceito de letramento (illettrisme, literacy) e o conceito de
alfabetização (alphabétisation, reading instruction, beginning literacy).
Essa autonomização, tanto na França quanto nos Estados Unidos, das questões de
letramento em relação às questões de alfabetização não significa que estas últimas
não venham sendo, elas também, objeto de discussões, avaliações, críticas. Como
se verá adiante, neste texto, tem sido também intensa, nos últimos anos, nesses
países, a discussão sobre problemas da aprendizagem inicial da escrita; o que se
quer aqui destacar é que os dois problemas o domínio precário de competências de
leitura e de escrita necessárias para a participação em práticas sociais letradas e as
dificuldades no processo de aprendizagem do sistema de escrita, ou da tecnologia
da escrita são tratados de forma independente, o que revela o reconhecimento de
suas especificidades e uma relação de não-causalidade entre eles.
8
A partir do conceito de alfabetizado, que vigorou até o Censo de 1940, como aquele
que declarasse saber ler e escrever, o que era interpretado como capacidade de
escrever o próprio nome; passando pelo conceito de alfabetizado como aquele
capaz de ler e escrever um bilhete simples, ou seja, capaz de não só saber ler e
escrever, mas de já exercer uma prática de leitura e escrita, ainda que bastante
trivial, adotado a partir do Censo de 1950; até o momento atual, em que os
resultados do Censo têm sido freqüentemente apresentados, sobretudo nos casos
das Pesquisas Nacionais por Amostragem de Domicílios (PNAD), pelo critério de
anos de escolarização, em função dos quais se caracteriza o nível de alfabetização
funcional da população, ficando implícito nesse critério que, após alguns anos de
aprendizagem escolar, o indivíduo terá não só aprendido a ler e escrever, mas
também a fazer uso da leitura e da escrita, verifica-se uma progressiva, embora
cautelosa, extensão do conceito de alfabetização em direção ao conceito de
letramento: do saber ler e escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da leitura e
da escrita.
Desqualificados, segundo a matéria, eram aqueles que, embora declarando saber ler
e escrever um bilhete simples, tinham menos de quatro anos de escolarização,
sendo, assim, analfabetos funcionais. Durante toda a última década e até hoje a
mídia vem usando, em matérias sobre competências de leitura e escrita da
população brasileira, termos como semi-analfabetos, iletrados, analfabetos
funcionais, ao mesmo tempo que vem sistematicamente criticando as informações
sobre índices de alfabetização e analfabetismo que tomam como base apenas o
critério censitário de saber ou não saber "ler e escrever um bilhete simples". A mídia
vem, pois, assumindo e divulgando um conceito de alfabetização que o aproxima do
conceito de letramento.
9
termo letramento, Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso, de Leda Verdiani
Tfouni (1988), aproxima alfabetização e letramento, é verdade que para diferenciar
os dois processos, tema a que retorna em livro posterior, em que a aproximação
entre os dois conceitos aparece já desde o título: Letramento e alfabetização (1995).
Essa mesma aproximação entre os dois conceitos aparece na coletânea organizada
por Roxane Rojo, Alfabetização e letramento (1998), em que está também presente
a proposta de uma diferenciação entre os dois fenômenos, embora não inteiramente
coincidente com a proposta por Leda Verdiani Tfouni. Ângela Kleiman, na coletânea
que organiza Os significados do letramento (1995) -, também discute o conceito de
letramento tomando como contraponto o conceito de alfabetização, e os dois
conceitos se alternam ao longo dos textos da coletânea. No livro Letramento: um
tema em três gêneros (1998), procuro conceituar, confrontando-os, os dois
processos alfabetização e letramento. São apenas exemplos que privilegiam as
obras mais conhecidas sobre o tema, da tendência predominante na literatura
especializada tanto na área das ciências lingüísticas quanto na área da educação: a
aproximação, ainda que para propor diferenças, entre letramento e alfabetização, o
que tem levado à concepção equivocada de que os dois fenômenos se confundem,
e até se fundem. Embora a relação entre alfabetização e letramento seja inegável,
além de necessária e até mesmo imperiosa, ela, ainda que focalize diferenças,
acaba por diluir a especificidade de cada um dos dois fenômenos, como será
discutido posteriormente neste texto.
10
A desinvenção da alfabetização
Várias causas podem ser apontadas para essa perda de especificidade do processo
11
de alfabetização; limitando-me às causas de natureza pedagógica, cito, entre outras,
a reorganização do tempo escolar com a implantação do sistema de ciclos, que, ao
lado dos aspectos positivos que sem dúvida tem, pode trazer e tem trazido uma
diluição ou uma preterição de metas e objetivos a serem atingidos gradativamente
ao longo do processo de escolarização; o princípio da progressão continuada, que,
mal concebido e mal aplicado, pode resultar em descompromisso com o
desenvolvimento gradual e sistemático de habilidades, competências,
conhecimentos. Não me detenho, porém, no aprofundamento das relações entre
esses aspectos sistema de ciclos, princípio da progressão continuada e a perda de
especificidade da alfabetização, porque me parece que a causa maior dessa perda
de especificidade deve ser buscada em fenômeno mais complexo: a mudança
conceitual a respeito da aprendizagem da língua escrita que se difundiu no Brasil a
partir de meados dos anos de 1980.
12
pela atuação formativa de Emilia Ferreiro.9
13
Em segundo lugar, derivou-se da concepção construtivista da alfabetização uma
falsa inferência, a de que seria incompatível com o paradigma conceitual
psicogenético a proposta de métodos de alfabetização. De certa forma, o fato de que
o problema da aprendizagem da leitura e da escrita tenha sido considerado, no
quadro dos paradigmas conceituais "tradicionais", como um problema sobretudo
metodológico contaminou o conceito de método de alfabetização, atribuindo-lhe uma
conotação negativa: é que, quando se fala em "método" de alfabetização, identifica-
se, imediatamente, "método" com os tipos "tradicionais" de métodos sintéticos e
analíticos (fônico, silábico, global etc.), como se esses tipos esgotassem todas as
alternativas metodológicas para a aprendizagem da leitura e da escrita. Talvez se
possa dizer que, para a prática da alfabetização, tinha-se, anteriormente, um
método, e nenhuma teoria; com a mudança de concepção sobre o processo de
aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma teoria, e nenhum método.
14
A reinvenção da alfabetização
15
fondamentaux (Observatoire National de la Lecture, 1998), em que, com apoio em
dados de pesquisas sobre a aprendizagem da leitura, afirma-se que o conhecimento
do código grafofônico e o domínio dos processos de codificação e decodificação
constituem etapa fundamental e indispensável para o acesso à língua escrita,
"condition nécessaire, bien que non suffisante, de la comprehénsion des textes"
(grifo do original), etapa que não pode ser vencida
[...] sans une instruction explicite, visant d'une part la prise de conscience du fait que
la parole peut être décrite comme une séquence linéaire de phonèmes, d'autre part,
que les caractères (ou groupes de caractères) alphabétiques représentent les
phonèmes. (p. 93)
Nos Estados Unidos, desde o início dos anos de 1990 tem sido intensa a discussão
sobre a aprendizagem da língua escrita na escola, discussão que se concentra,
sobretudo, em polêmicas que contrapõem a concepção holística whole language à
concepção grafofônica phonics.11 Em meados dos anos de 1990, a whole language,
que vinha tendo grande difusão no país desde meados dos anos de 1980, passou a
ser contestada, sobretudo por negar o ensino do sistema alfabético e ortográfico e
das relações fonema-grafema de forma direta e explícita. Já em de 1990, a
publicação da obra de Marilyn Jager Adams, Beginning to read: thinking and learning
about print, levara à substituição da oposição phonics versus whole-word, em torno
da qual se desenvolvia, até então, o debate, pela oposição phonics versus whole
language. Identifica-se um paralelo com o que ocorreu no Brasil aproximadamente
na mesma época, quando o debate que até então se fazia em torno da oposição
entre métodos sintéticos (fônico, silabação) e métodos analíticos (palavração,
sentenciação, global) foi suplantado pela introdução da concepção "construtivista" na
alfabetização, bastante semelhante à whole language.
É que, diante dos precários resultados que vêm sendo obtidos, entre nós, na
aprendizagem inicial da língua escrita, com sérios reflexos ao longo de todo o ensino
fundamental, parece ser necessário rever os quadros referenciais e os processos de
ensino que têm predominado em nossas salas de aula, e talvez reconhecer a
possibilidade e mesmo a necessidade de estabelecer a distinção entre o que mais
propriamente se denomina letramento, de que são muitas as facetas imersão das
crianças na cultura escrita, participação em experiências variadas com a leitura e a
escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito
e o que é propriamente a alfabetização, de que também são muitas as facetas
consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações fonema-grafema,
habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e
reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma
gráfica da escrita. Por outro lado, o que não é contraditório, é preciso reconhecer a
19
possibilidade e necessidade de promover a conciliação entre essas duas dimensões
da aprendizagem da língua escrita,16 integrando alfabetização e letramento, sem
perder, porém, a especificidade de cada um desses processos, o que implica
reconhecer as muitas facetas de um e outro e, conseqüentemente, a diversidade de
métodos e procedimentos para ensino de um e de outro, uma vez que, no quadro
desta concepção, não há um método para a aprendizagem inicial da língua escrita,
há múltiplos métodos, pois a natureza de cada faceta determina certos
procedimentos de ensino, além de as características de cada grupo de crianças, e
até de cada criança, exigir formas diferenciadas de ação pedagógica. 17
Desnecessário se torna destacar, por óbvias, as conseqüências, nesse novo quadro
referencial, para a formação de profissionais responsáveis pela aprendizagem inicial
da língua escrita por crianças em processo de escolarização.18
20
REFERÊNCIAS
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reading difficulties in young children. Washington, DC: National Academy Press.
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10 Não se atribui, aqui, ao adjetivo "tradicional" o sentido pejorativo que costuma ter;
o termo é aqui utilizado para caracterizar, de forma descritiva e não avaliativa, os
métodos vigentes até o momento da introdução da perspectiva "construtivista" na
área da alfabetização; é preciso lembrar que esses métodos hoje considerados
"tradicionais" um dia foram "novos" ou "inovadores" - o tradicional não se esgota no
passado, é fruto de um processo permanente que não termina nunca: estamos
construindo hoje o "tradicional" de amanhã, quando outros "novos" surgirão.
25
research program in first-grade reading instruction, mais conhecido comofirst-grade
studies (Bond & Dykstra, 1967/1997) e Learning to read: the great debate (Chall,
1967); em 1985, foram apresentados os resultados de um outro estudo, o relatório
Becoming a nation of readers (Anderson et al., 1985); novo estudo, realizado por
Marilyn Jager Adams, foi publicado em 1990, Beginning to read: thinking and
learning about print (Adams, 1990); em 1998, novo relatório é publicado: Preventing
reading difficulties in young children (Snow, Burns & Griffin, 1998); o último estudo
realizado, aquele que neste texto se comenta, é de 2000, publicado com o título de
Report of the National Reading Panel: teaching children to read (National Institute of
Child Health and Human Development, 2000). Uma análise e crítica desses
relatórios pode ser encontrada em Cowen (2003).
12 Foge aos limites deste texto uma reflexão, no entanto necessária, sobre as
estreitas relações entre pesquisa e ensino que se consolidaram nos Estados Unidos,
particularmente em decorrência do No Child Left Behind Act, lei de 2001, que
vinculou a concessão de recursos a escolas com problemas na área da
alfabetização à fundamentação dos projetos em pesquisa quantitativa, experimental
ou quase-experimental; sobre isso, pelo menos três aspectos mereceriam discussão:
em primeiro lugar, o pressuposto de que resultados de pesquisa, sobretudo com alto
grau de controle de variáveis, podem ser generalizados para toda e qualquer escola
e sala de aula, para todo e qualquer professor, todo e qualquer grupo de alunos; em
segundo lugar, o privilégio concedido à pesquisa quantitativa e experimental, em
detrimento da pesquisa qualitativa e das abordagens etnográficas; em terceiro lugar,
a exclusividade atribuída às evidências "científicas" como fundamento para o ensino,
ignorando-se a contribuição das evidências decorrentes de práticas bem-sucedidas.
Para a reflexão sobre essas questões, sugere-se a leitura de Cunningham (2001) e
da "declaração de princípios" (position statement) da International Reading
Association, What is evidence-based reading instruction? (IRA, 2002).
26
14 Alguns exemplos do antagonismo entre phonics e whole language são: a
coletânea de textos organizada por Kenneth Goodman (1998); a veemente crítica de
Elaine Garan (2002) ao National Reading Panel; em posição oposta, a veemente
crítica da whole language e defesa do National Reading Panel por Louisa Moats
(2000).
18 O que aqui se diz sobre a aprendizagem inicial da língua escrita por crianças em
processo de escolarização também se aplica a adultos; a diferença está,
fundamentalmente, na natureza das experiências e práticas de leitura e escrita
proporcionadas a estes, e na necessária adequação do material escrito envolvido
nessas experiências e práticas. Convém, assim, destacar a necessidade de uma
formação para o responsável pela aprendizagem inicial da escrita por adultos tão
específica e complexa quanto é a formação para o responsável pela aprendizagem
inicial da escrita por crianças.
27
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: conceitos e relações
APRESENTAÇÃO
Preocupado com a consolidação de uma escola que cumpra efetivamente seu papel
de ensino, o Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal
de Pernambuco (CEEL - UFPE) tem estabelecido, como um dos seus desafios,
oportunizar a criação de práticas pedagógicas eficientes e inovadoras, mediante um
processo de formação que contribua para a reflexão e a atuação docente.
Entre as ações propostas pelo CEEL para o alcance desse objetivo, estão: a) a
consolidação e ampliação de uma rede de formação de professores; b) a produção
de materiais didáticos para a formação docente e c) o desenvolvimento de cursos de
formação de educadores-tutores. Para cada uma dessas ações, foram escolhidos
eixos temáticos que norteassem todo o processo de formação promovido pelo
28
CEEL, sendo um deles a problemática da relação entre alfabetização e letramento,
importante para os docentes das classes de alfabetização e do 1o e 2o ciclos do
ensino fundamental.
No capítulo seguinte, Carmi Ferraz Santos discute questões relativas a relação que
se tem estabelecido entre a alfabetização e o processo de escolarização, analisando
de que forma o caráter assumido pela escolarização interferiu na construção de
determinado conceito de alfabetização na sociedade ocidental. Analisa, ainda, a
influência dessa relação na criação e na expansão dos métodos de alfabetização.
As relações entre gêneros textuais, letramento e ensino é o tema central do terceiro
capítulo, de Márcia Mendonça. A autora discorre sobre como os gêneros se inserem
nas teorias sociointeracionista e socioconstrutivista, além de questionar aspectos do
trabalho com os gêneros na sala de aula. Para isso, apresenta definições e quadros
explicativos sobre gêneros, além de exemplificar com depoimentos e trechos de
aulas.
29
O quarto capítulo, de autoria de Márcia Mendonça e Telma Ferraz Leal, aborda os
gêneros na progressão escolar, ou seja, o modo como se pode selecionar e ordenar
os gêneros para o trabalho pedagógico. Priorizando a clareza dos objetivos
pedagógicos, as autoras apresentam critérios de exploração e retomada dos
gêneros ao longo dos anos, em uma perspectiva de letramento.
O capítulo posterior, de Telma Ferraz Leal, trata da organização do trabalho escolar,
o que implica a necessidade de se (re)planejar o cotidiano na escola, para melhor
aproveitamento do tempo pedagógico. Nesse processo, a autora analisa a
pertinência de atividades permanentes, projetos didáticos, atividades seqüenciais,
atividades esporádicas e jogos como alternativas para viabilizar tal organização.
A proposta de alfabetizar letrando é o tema do capítulo seis, escrito por Carmi
Santos e Eliana Albuquerque. No texto, as autoras discutem como, para dar conta
do desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, é preciso, simultaneamente,
apropriar-se de conhecimentos do sistema alfabético e das convenções da norma
culta.
Duas situações didáticas são analisadas, de modo a esclarecer ao professor as
possibilidades dessa proposta.
No sétimo capítulo, Carmi Ferraz Santos, Eliana Albuquerque e Márcia Mendonça
analisam, com exemplos, o tratamento dado por livros didáticos (LDs) de língua
portuguesa às atividades de leitura, escrita e apropriação do sistema alfabético.
Apontam que, mesmo os LDs apresentando avanços ou lacunas, o professor é
sempre o autor das aulas, cabendo-lhe o papel de fazer o melhor uso do material
disponibilizado para seu trabalho.
O letramento digital é o foco do capítulo oito, escrito por Antônio Carlos Xavier.
Nesse texto, o autor discute como, a partir do surgimento de novas tecnologias,
configuram-se novos eventos de letramento e novos gêneros (e-mails, webblogs,
chats, e-foruns, etc.), com conseqüências diretas para a formação dos cidadãos, daí
a necessidade de se letrar digitalmente.
Esperamos que, ao lerem os capítulos deste livro, os professores, participando de
um processo de formação continuada, reflitam sobre suas práticas e pensem com os
autores – e não necessariamente como os autores –, resultando em aprimoramento
profissional e, desejamos, melhor qualidade de ensino nas escolas.
30
Definir o termo “alfabetização” parece ser algo desnecessário, visto que se trata de
um conceito conhecido e familiar. Qualquer pessoa responderia que alfabetizar
corresponde à ação de ensinar a ler e a escrever. No entanto, o que significa ler e
escrever? Ao longo da nossa história, essas ações foram tornando-se mais
complexas, e suas definições se ampliaram, passando a envolver, a partir da década
de 1990 principalmente, um novo termo: o letramento. Buscaremos discutir neste
artigo como esses dois termos – alfabetização e letramento – se relacionam; para
isso, haveremos de nos apoiar em depoimentos de professoras1 sobre sua memória
de alfabetização.
A alfabetização considerada como o ensino das habilidades de “codificação” e
“decodificação” foi transposta para a sala de aula, no final do século XIX, mediante a
criação de diferentes métodos de alfabetização – métodos sintéticos (silábicos ou
fônicos) x métodos analíticos (global) –, que padronizaram a aprendizagem da leitura
e da Conceituando alfabetização e letramento escrita. As cartilhas relacionadas a
esses métodos passaram a ser amplamente utilizadas como livro didático para o
ensino nessa área.
No contexto brasileiro, a mesma sucessão de oposições pode ser constatada
(MORTATTI, 2000).
O escritor Graciliano Ramos, em seu livro autobiográfico Infância, lembra que se
alfabetizou – ainda no final do século XIX, início do século XX – através da carta do
ABC em que primeiro aprendeu todas as letras para, só no final da carta, ter contato
com os primeiros textos – alguns provérbios que, embora soubesse decodificá-los,
desconhecia seus significados:
Respirei, meti-me na soletração, guiado por Mocinha. Gaguejei sílabas um mês. No
fim da carta elas se reuniam, formavam sentenças graves, arrevesadas, que me
atordoavam.
Eu não lia direito, mas, arfando penosamente, conseguia mastigar os conceitos
sisudos: “A preguiça é a chave da pobreza – Quem não ouve conselhos raras vezes
acerta – Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém. Esse Terteão para mim era um
homem, e não pude saber que fazia ele na página final da carta. – Mocinha, quem é
Terteão? Mocinha estranhou a pergunta. Não havia pensado que Terteão fosse
homem. Talvez fosse. Mocinha confessou honestamente que não conhecia Terteão.
1
Eliana Borges Correia de Albuquerque
Os depoimentos aqui utilizados foram produzidos por professoras do ensino fundamental da rede
pública do Recife, participantes do primeiro curso de extensão promovido pelo CEEL, no segundo
semestre de 2004
31
E eu fiquei triste, remoendo a promessa de meu pai, aguardando novas decepções.
Assim, o referido escritor chegou no final da Carta do ABC sabendo “decodificar”
bem as palavras, mas não conseguia entender o que estava lendo. E, para surpresa
dele, nem a sua professora compreendia o que lia. A maioria de nós, que passamos
pela alfabetização até as décadas finais do século passado, também teve uma
experiência escolar com ênfase na “codificação” e “decodificação”. Para muitos,
essa experiência foi traumatizante, como relataram algumas professoras:
O que eu não esqueci até hoje, que para mim foi traumatizante, foi minha
experiência na alfabetização, o meu aprender a ler e escrever, porque foi assim: a
gente usava uma cartilha onde a gente tinha que decorar mesmo aquelas sílabas e
todos os padrões silábicos. E para mim foi traumatizante porque em casa minha mãe
todo dia tomava a lição e para mim aquilo era uma chatice. E chegava na escola a
professora cobrava individualmente e quando a gente errava era aquela tortura. Ela
não admitia de forma alguma que a gente errasse. (DANIELLE FÉLIX2)
Na minha casa o processo foi muito feito na brincadeira, no jogo e muito recheado
de fantasia. Então, eu me lembro que a primeira letra que eu aprendi foi o F do meu
nome, que minha mãe dizia que era meu: “é sua letra”. Eu lembro quanto tempo eu
acreditei que o F era meu, eu era a dona. Então se eu passasse no ônibus e visse o
F que era meu, perguntava porque estava ali. Depois eu comecei a lembrar disso e o
B era da minha mãe, o A era da minha irmã, o P era do meu pai e aos poucos eu
sabia o alfabeto todo, quer dizer era a letra das pessoas com quem eu era próxima.
2
Danielle Felix Trindade da Silva é professora da Escola Municipal Jaboatão dos Guararapes,
no município de Jaboatão dos Guararapes.
³A professora Maria de Fátima Ribeiro Soares ensinava, em 2004, na 1ª série da Escola Pontezinha,
pertencente à Secretaria da Educação de Jaboat
32
E aí, lá em casa você brincava com isso, brincar de escola era uma coisa assim todo
dia [...]
Em casa, as lições não eram seguidas, porque minha mãe trabalhava a letra do
nome de cada um. Então eu poderia escrever só F durante muito tempo, que era o
que eu gostava.
Era a mesma carta do ABC, que minha mãe usava de outro jeito. Por exemplo, as
lições do fim, que na escola você só tinha acesso àqueles textos depois que
decorava as letras e padrões, minha mãe pegava a Carta e lia os textos, aquelas
frases: “Deus ajuda quem cedo madruga”, “Paulina mastigou pimenta”, etc. A gente
achava ótimo porque era cantando. E assim, ela não seguia a seqüência da escola;
mas ela nunca disse que a professora estava errada, porque ela achava que, do jeito
que ela estava ensinando, a gente não aprenderia todas as letras. Então o processo
se complementava.
33
Então, mainha fazia assim: mostrava as vogais maiúsculas e minúsculas da forma
tradicional e eu não achava isso ruim. E em casa minha mãe fazia: escrevia o nome
das minhas bonecas que eram alunas, nunca foram filhas. Minha mãe escrevia o
nome das minhas bonecas, dos meus primos num papel velho e quando eu queria
escrever alguma palavra, ela dizia: é igual o nome de tal boneca, igual o nome de tal
primo. E ler, para mim, era maravilhoso. Tinha os livros de capa dura e atrás tinha
outros contos que não eram ilustrados. Com 5 anos já tava na alfabetização. Entrei
logo na alfabetização numa escola pública e minha mãe tinha duas filhas bem mais
velhas, uma de 18 e a outra de 11, então a vida era cuidar de mim. Mas teve a parte
tradicional na escola que eu não achava ruim e em casa era só a leitura dos contos
mesmo. A cartilha eu já sabia, queria ler o difícil: palavras com: PRA, TRA, tipo
Branca de Neve, eu queria ler o BRAN.
E eu gostava muito quando chegava em casa e minha mãe tinha aquela coleção “Os
Clássicos”, por exemplo: o lobo mau. E eu adorava aquilo. Ela lia pra mim, assim,
todo dia.
Pra mim aquilo era fabuloso: ficar todo dia escutando ela ler aquelas histórias. Eu
amava tanto que até hoje eu me lembro bem que quando eu aprendi a ler, a primeira
leitura que eu fiz foi daqueles contos, né? Eu adorava, amava. Em casa eu passava
a tarde lendo aquilo.
34
No campo da Psicologia, foram muito importantes as contribuições dos estudos
sobre a psicogênese da língua escrita, desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana
Teberosky (1984). Rompendo com a concepção de língua escrita como código, o
qual se aprenderia considerando atividades de memorização, as autoras
defenderam uma concepção de língua escrita como um sistema de notação que, no
nosso caso, é alfabético. E, na aprendizagem desse sistema, elas constataram que
as crianças ou os adultos analfabetos passavam por diferentes fases que vão da
escrita pré-silábica, em que o aprendiz não compreende ainda que a escrita
representa os segmentos sonoros da palavra, até as etapas silábica e a alfabética.
No processo de apropriação do sistema de escrita alfabética, os alunos precisariam
compreender como esse sistema funciona e isso pressupõe que descubram que o
que a escrita alfabética nota no papel são os sons das partes orais das palavras e
que o faz considerando segmentos sonoros menores que a sílaba. É interagindo
com a língua escrita através de seus usos e funções que essa aprendizagem
ocorreria, e não a partir da leitura de textos “forjados” como os presentes nas
“cartilhas tradicionais”.
35
No Brasil, o termo letramento não substituiu a palavra alfabetização, mas aparece
associada a ela. Podemos falar, ainda nos dias de hoje, de um alto índice de
analfabetos, mas não de “iletrados”, pois, sabemos que um sujeito que não domina a
escrita alfabética, seja criança, seja adulto, envolve-se em práticas de leitura e
escrita através da mediação de uma pessoa alfabetizada, e nessas práticas
desenvolve uma série de conhecimentos sobre os gêneros que circulam na
sociedade. Assim, por exemplo, crianças pequenas que escutam freqüentemente
histórias lidas por adultos, são capazes de pegar um livrinho e fingir que lêem a
história, usando, para isso, a linguagem característica desse gênero. Nos
depoimentos das professoras acima citados, observamos como elas vivenciavam a
leitura de histórias e contos pela mediação de pessoas da família que liam para elas.
E, nessas experiências, elas desenvolviam uma série de conhecimentos sobre a
língua e os textos lidos.
Meu marido recebeu uma carta e eu, brincando, comecei a dizer o que tinha na
carta. E muitas coisas eu acertei. Aí minha filha disse: mainha, a senhora já sabe ler!
Que bom!
Por outro lado, o domínio do sistema alfabético de escrita não garante que sejamos
capazes de ler e produzir todos os gêneros de texto. Esse fenômeno foi evidenciado,
pela primeira vez, na primeira metade do século 20, durante a 1ª Guerra Mundial.
Percebeu-se, naquele momento, que soldados americanos que possuíam elevado
grau de escolarização apresentavam dificuldades em ler e compreender textos
instrucionais da guerra. Assim, mesmo em países desenvolvidos onde o índice de
analfabetismo é praticamente inexistente, o fenômeno do letramento passou a ser
amplamente discutido.
36
ocorrem em contextos exteriores a ela. Nessa perspectiva, os alunos saem da
escola com o domínio das habilidades inadequadamente denominadas de
“codificação” e “decodificação”, mas são incapazes de ler e escrever funcionalmente
textos variados em diferentes situações. Como apontado por Soares(1998), muitos
adultos de países desenvolvidos, tendo alcançado um letramento escolar, são
capazes de comportamentos escolares de letramento (ler e produzir textos
escolares), mas são incapazes de lidar com os usos cotidianos da leitura e da escrita
em contextos não-escolares.
Por outro lado, é importante destacar que apenas o convívio intenso com textos que
circulam na sociedade não garante que os alunos se apropriem da escrita alfabética,
uma vez que essa aprendizagem não é espontânea e requer que o aluno reflita
sobre as características do nosso sistema de escrita. Nessa perspectiva,
concordamos com a distinção que Soares (1998a) faz entre alfabetização e
letramento. Para essa autora: alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não
inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e
escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o
indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (p. 47).
5
Dispomos hoje de evidências para julgar errado, conceber ou denominar a escrita alfabética como
“código”. Cremos que o fato de muitos lingüistas e estudiosos da linguagem continuarem assim
designando o sistema de escrita (ou notação) alfabética talvez reflita ainda um descuido em avaliar a
complexidade da alfabetização inicial, no que concerne ao aprendizado da escrita alfabética em si
como objeto de conhecimento.
37
os alunos sejam solicitados a ler e produzir diferentes textos. Por outro lado, é
imprescindível que os alunos desenvolvam autonomia para ler e escrever seus
próprios textos. Assim, a escola deve garantir, desde cedo, que as crianças se
apropriem do sistema de escrita alfabético, e essa apropriação não se dá, pelo
menos para a maioria das pessoas, espontaneamente, valendo-se do contato com
textos diversos. É preciso o desenvolvimento de um trabalho sistemático de reflexão
sobre as características do nosso sistema de escrita alfabético.
A professora Ana Luzia da Silva Pedrosa6, que leciona há mais de 15 anos na rede
pública de ensino, parece ter se apropriado bem do discurso da importância de se
trabalhar a leitura e a produção de diferentes gêneros na sala de alfabetização e
buscava desenvolver uma prática com base na perspectiva do letramento. Assim,
diariamente ela realizava com seus alunos uma seqüência de atividades que
envolvia as seguintes etapas: leitura de um texto feita oralmente por ela, já que seus
alunos não sabiam ainda ler; atividade de interpretação oral do texto; atividade de
produção de texto coletivo tomando-se por base o texto lido; cópia do texto
produzido no quadro e, por último, realização de desenhos relacionados ao texto.
Nos nossos encontros de formação, ela, no entanto, sempre falava da angústia que
sentia porque seus alunos, mesmo no final do ano, não estavam alfabetizados e
tinham muitas dificuldades para ler e escrever sozinhos. Durante o curso, a
professora percebeu que faltava, na sua prática, o desenvolvimento de atividades
que levassem os alunos a refletir sobre o sistema alfabético de escrita. Em um dos
encontros ela desabafou:
Agora eu sei por que meus alunos não se alfabetizam! Eu não faço atividades no
nível da palavra, atividades de análise fonológica, Fico só fazendo leitura e produção
de texto coletivo, e pedindo para eles copiarem e desenharem. Assim, eles não
podem se alfabetizar. Agora vou fazer diferente!
6
A professora Ana Luzia da Silva Pedrosa ensinava, em 2004, em uma turma de 2a série na escola
Professor Fontainha de Abreu, pertencente à Rede Estadual de Ensino de Pernambuco, e na Escola
Municipal Engenho do Meio, da Secretaria de Educação da cidade do Recife, no 1o ano do 1o ciclo.
38
gênero em questão. É preciso ler e produzir textos diferentes para atender a
finalidades diferenciadas, a fim de que superemos o ler e a escrever para apenas
aprender a ler e a escrever.
Enfim, considerando o que foi discutido até agora, sabemos que ser alfabetizado,
hoje, é mais do que “decodificar” e “codificar” os textos. É poder estar inserido em
práticas diferenciadas de leitura e escrita e poder vivenciá-las de forma autônoma,
sem precisar da mediação de outras pessoas que sabem ler e escrever.
40
ALFABETIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO: a instituição do letramento escolar
Alguns estudiosos da história da leitura atribuem essa presença cada vez maior de
leitores comuns sendo representados nas artes plásticas ao aumento do número de
leitores que se inicia no século XV com a invenção da imprensa e que se expande
ainda mais com o processo
de alfabetização efetivado através de uma escolarização de massa ocorrido a partir
do século XVIII como uma exigência da sociedade em pleno processo de
industrialização.
Entretanto, pesquisadores voltados para discussões sobre o letramento têm
questionado essa visão da alfabetização popular como meramente um produto
desse processo de escolarização de massa impulsionado pela industrializacão.1
Nossa proposta neste capítulo é discutir algumas questões relativas à ligação que se
tem estabelecido entre a alfabetização e o processo de escolarização, analisando de
que forma o caráter assumido pela escolarização interferiu na construção de
determinado conceito de alfabetização na sociedade ocidental.
Embora a idéia de uma escola para todos subsidiada pelo Estado remonte à Platão
na Grécia Antiga, é apenas no século XVIII que se vai instaurar, na sociedade
ocidental, um processo de escolarização em massa mediante uma educação
pública.
Assiste-se nesse período ao desenvolvimento de uma sociedade industrial e urbana
que vai aos poucos substituindo o antigo regime baseado numa economia rural e
agrária. Com o estabelecimento de uma nova ordem econômico-social, a exigência
de uma instrução universal torna-se premente. Segundo Manacorda (1989), fábrica e
escolas nascem juntas, uma vez que este duplo processo, de morte da antiga
produção artesanal e do renascimento da nova produção da fábrica, gera o espaço
para o surgimento da moderna instituição escolar pública (p. 249)!
41
partir do século XVIII, passou-se do total analfabetismo para a alfabetização graças
apenas à escolarização.
Pelo contrário, estudos têm mostrado quanto autônoma tem sido a história da
alfabetização em relação à história da escola. Ou seja, não foi preciso que primeiro
fosse implantada uma escolarização em massa para que as pessoas comuns
fossem alfabetizadas.
Cook-Gumperz (1991), discutindo essa relação entre alfabetização e escolarização,
afirma que a alfabetização de uma parcela considerável da população da Europa
precedeu o desenvolvimento industrial. Antes do desenvolvimento de um sistema
burocrático de ensino, o processo de alfabetização ocorria de modo informal, a
aprendizagem da leitura e da escrita se dava nos grupos aos quais as pessoas
faziam parte e nos mais variados ambientes, como a própria casa ou local de
trabalho:
A maioria das crianças aprendia a ler e, talvez, a escrever com seus pais ou
vizinhos, sem licença e sem treinamento, em ambientes que hoje e até mesmo no
século dezenove os observadores teriam hesitado em chamar de escolas
(LAQUEUR, 1976 apud COOK-GUMPERZ, 1991, p. 37)
Embora considerada elementar, essa alfabetização, argumenta Cook-Gumperz, foi
capaz de permitir o crescimento de uma cultura popular letrada, que passou a fazer
parte da vida diária das pessoas comuns. A princípio, as práticas de leitura,
primeiramente, e a escrita mais tarde, possuíam valor nas áreas recreativas e
sociais, assumindo apenas posteriormente um papel na vida econômica dessas
pessoas.
Investigando a cultura popular na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e na Europa,
diferentes pesquisadores revelaram a presença de cartas pessoais, diários, notas,
registros, livros, folhetos e almanaques como parte essencial da vida cotidiana das
populações já no século XVIII, tanto na cidade quanto no campo. Entre esses
pesquisadores, citamos Laqueur, que nos lança as seguintes questões: como e
porque essa cultura letrada veio a existir? Por que razões homens e mulheres foram
impelidos a aprender a ler e a escrever? Questões que ele próprio se propõe a
responder:
Nenhum fator isolado, considerado em si mesmo, pode explicar isso [...] As pessoas
não se alfabetizavam por esta ou aquela razão em particular, mas porque se sentiam
mais e mais tocadas em todas as áreas de suas vidas pelo poder da comunicação
42
que apenas a palavra escrita torna possível.
Havia, portanto, uma motivação para aprender a ler e a escrever; estas habilidades
permitiam que homens e mulheres funcionassem mais efetivamente em uma
variedade de contextos sociais. Isto explica por que, na ausência de escolas
externamente patrocinadas, ambientes apoiados internamente eram responsáveis
pela criação e transmissão da alfabetização.
Embora não possamos, como diz Laquer, deter-nos em um único elemento como
fator motivador dessa expansão da alfabetização, não podemos desconsiderar a
influência dos conflitos religiosos ocorridos a partir do século XVI, na Europa.
Conforme destaca Manacorda (1989), os movimentos populares ligados à Reforma
Protestante promoveram a difusão da instrução como meio de garantir a leitura e a
interpretação da Bíblia por cada fiel. A mediação do clero entre Deus e os fiéis passa
a ser questionada, e a leitura das sagradas escrituras torna-se o modo pelo qual
cada indivíduo teria acesso ao caminho da salvação. A partir desse posicionamento,
as igrejas protestantes passaram a preocupar-se em ensinar a ler aos seus
seguidores e estimularam a prática da leitura familiar diária pelo chefe da família.
Nesse contexto, o material para a aprendizagem se constituía das sagradas
escrituras, dos livros de oração e de catecismo.
Entretanto, não apenas a Reforma, mas também o movimento de Contra-Reforma,
buscou a instrução de seus fiéis como forma de introduzi-los na verdade da fé
católica:
Nos territórios católicos, as ordens religiosas missionárias encarregavam-se da
pregação da doutrina cristã. [...] As crianças deveriam ir à escola para aprender a ler
as orações que constituíam o ritual da missa e aprender o catecismo até a primeira
comunhão (CHARTIER, 2002).
Alfabetização na escola
Essa alfabetização levada a efeito por meio da escolarização teve por base um
processo de ensino no qual a capacidade de ler e escrever foi sendo associada a
características morais e sociais. Isso levou a uma nova divisão da sociedade entre
os educados (escolarizados) e os não-educados (não-escolarizados). Dessa forma,
os detentores do saber escolar passaram a ser considerados sujeitos letrados,
enquanto aqueles deixados à margem da escola eram vistos como sujeitos iletrados,
já que não dominavam o saber da leitura e da escrita requerido pela escola, antes
detinham um saber de “segunda” categoria. A aprendizagem da língua escrita
assume, a partir da escolarização formal, um caráter de alfabetização escolar,
passando a considerar como verdadeiramente alfabetizado apenas o sujeito que
passasse pela escola.
Embora a noção de uma escolarização pública tenha sido construída com base
nessas duas forças contraditórias apresentadas acima, à medida que o processo de
escolarização estava sendo implantado, as práticas populares passaram a ser
controladas, modificadas ou substituídas. Essa relação de domínio da escolarização
sobre a alfabetização popular trouxe profundas conseqüências para a aprendizagem
da escrita e da leitura.
Uma das primeiras conseqüências dessa relação que passa a se estabelecer entre a
alfabetização e a escolarização foi a instituição de um processo de alfabetização
distanciado dos usos e do material de leitura e de escrita presentes no cotidiano das
pessoas. O que passa a ser ensinado mediante a alfabetização escolarizada não faz
parte de uma cultura letrada local, uma vez que um ensino que se quer universal
necessita de um saber padronizado e sistematizado.
Cook-Gumperz (1991), citando Good e Watt (1968), afirma que o movimento em prol
da igualdade através da escolarização e do acesso ao conhecimento escrito estava,
com efeito, cancelando alguns benefícios de um conhecimento anteriormente menos
sistematizado que existia numa tradição oral e letrada pluralista (p. 43).
Os sistemas burocráticos de ensino, embora permitissem o acesso de muitos à
alfabetização, ao redefinirem a alfabetização valendo-se de um sistema de
45
conhecimentos descontextualizados, serviu para separar o povo de sua base cultural
local. A partir de então, o processo de ensino da leitura e da escrita deixa de ser
realizado baseando-se em textos utilizados no cotidiano e passa a utilizar material
escrito elaborado especificamente para uso escolar.
46
SALLE, p. 16 apud MANACORDA, 1989).
Essas lições, por sua vez, eram divididas de modo a atender aos alunos, que eram
classificados, de acordo com o seu rendimento, em principiantes, médios e
avançados. Havia também orientações que determinavam como deveria ser
apresentada a seqüência mostrada
no trecho transcrito acima.
É no contexto da sistematização proposto por La Salle e também por outros que se
iniciam os debates acerca do melhor método para melhor ensinar a um maior
número de alunos. Conforme Chartier (2000), o século XIX constituiu-se como o
século dos manuais de leitura,
quando se instalou a disputa entre os partidários de diferentes métodos: métodos de
leitura com soletração ou sem ela, depois métodos simultâneos de leitura e escrita,
que não utilizavam mais soletração.
Havia ainda os abecedários compostos de uma variedade de listas: de sílabas sem
significado, de palavras classificadas pelo tamanho (uma, duas, três sílabas), etc. E
o sucesso, durante o século dezenove, dos novos manuais de leitura [...] no alto da
página, uma vinheta com uma legenda (ilha, usina), enquadrada pela letra I ou letra
U, em suas diferentes formas de escrever (maiúscula e minúscula de imprensa, à
esquerda; maiúscula e minúscula cursiva à direita), uma linha de sílabas e depois,
palavras ilustrando o som trabalhado, e enfim, uma pequena frase nas duas formas
de escrever. À medida que se avança, os sons aprendidos são combinados aos
novos (CHARTIER, 2000).
Embora estejamos falando do processo de escolarização da alfabetização iniciado
entre os séculos XVIII e XIX, essa forma de se estruturar o processo de aquisição da
língua escrita parece ainda ser algo bem presente e nos lembra as cartilhas
utilizadas ainda hoje.
Vejamos um trecho do relato de uma professora sobre seu processo de
alfabetização7:
Eu me lembro que eu me alfabetizei num processo muito longo, talvez assim dos
dois anos de idade aos doze e talvez, assim, o maior diferencial nesse processo,
que eu vejo as pessoas da minha geração dizer, é que havia um processo na minha
família e um processo na escola e os dois eu entendo que se complementavam [...]
na minha casa o processo muito feito na brincadeira, no jogo e muito recheado de
fantasia.
Então, eu lembro que a primeira letra que eu aprendi foi o F do meu nome [...] Isso
47
era em casa, agora na escola. O que se fazia na escola? Muito trabalho de cópia e
memorização. A carta de ABC, a mesma carta de ABC da minha casa era diferente
na escola, porque na escola você pegava todo o alfabeto para decorar ordenado,
não é?[...] Era a mesma carta do ABC que minha mãe usava de outro jeito. Por
exemplo, as lições do fim que na escola você só tinha acesso àqueles textos depois
que decorava as letras padrões, minha mãe pegava a carta e lia os textos.
Podemos observar pelo relato da professora o quanto o processo de alfabetização
vivenciado por ela nos remete ao mesmo modelo vivido pelas crianças dos séculos
XVIII e XIX. No processo vivido por ela na escola, a seqüência das lições
apresentada na carta de ABC deveria ser rigidamente seguida e só no final era
permitida a leitura de textos. Assim como proposto na “Conduite” de La Salle e nos
manuais de leitura do século XIX, o ensino deveria ser iniciado pelas unidades
menores (letras, sílabas) e levar à sua memorização; passar, então, para às
palavras e, só depois introduzir os textos.
Assim como os mestres dos séculos XVIII e XIX, muitos professores ainda hoje
concebem o ato de ler e escrever como algo neutro e universal e acreditam que o
problema fundamental da alfabetização é uma questão de escolha do método a ser
utilizado.
7
Professora Maria de Fátima Ribeiro Soares participou da 1ª turma do Módulo de Alfabetização e
Letramento do curso de formação do CEEL-UFPE.
48
Embora no relato da professora Fátima a experiência de alfabetização vivenciada
em casa pareça diferenciar-se, em alguns aspectos, do que acontecia na escola, os
estudos mencionados acima mostram que o investimento em uma alfabetização
anterior à escola se traduz, muitas vezes, na reprodução em casa de tarefas
escolares. Isso reflete o peso da alfabetização escolarizada pela qual passaram
gerações e gerações, formadas e influenciadas pela visão de leitura e de escrita na
qual a escola tem fundamentado seu ensino. Essa visão acaba por levar, muitas
vezes, a se considerar apenas como verdadeiros exemplos de material escrito
aqueles prestigiados pela escola, desconsiderando assim as práticas de leitura e
escrita efetivamente utilizadas pelas pessoas no cotidiano.
Entretanto, não se pode negar o papel que a escola exerce hoje em nossa
sociedade e que, para muitos indivíduos, ela seja, talvez, o único meio de acesso à
aprendizagem sistemática da escrita. É preciso considerar também que a escola
apresenta suas especificidades e, por isso, discutir as práticas de alfabetização
realizadas dentro de seus muros não se trata apenas de substituir as formas de
49
trabalho escolar.
Talvez a resposta esteja em começar a fazer uma reflexão acerca dos objetivos e
valores que têm sustentado as práticas de ensino da língua escrita na escola.
Discutindo a noção de método que tem sido entendido como sinônimo de manual, de
regras a ser seguidas, e começar a considerá-lo como soma de ações baseadas em
conjunto de princípios que responde a objetivos determinados (SOARES, 2004),
considerando que a alfabetização e a letramento, embora fenômenos diferenciados,
são interdependentes e intercomplementares.
REFERÊNCIAS
8
A autora se refere aos gêneros mais utilizados no cotidiano, tais como: anotação em agenda, lista
de compras, bilhetes, preenchimento de cheques, etc.
50
CHARTIER, Anne Marie. Réussite et ambivalence de I’innovation pédagogique: le
cas de l’enseignement de la lecture. Recherche et Formation pour professions de l’
éducation. Innovation et réseaux sociaux, INRP, n. 34, p. 41-56, 2000.
Márcia Mendonça
Os estudos sobre gêneros estão em voga, mas não são um modismo. Sejam eles
denominados “gêneros textuais”, “gêneros de texto”, “gêneros discursivos”, sejam
“gêneros do discurso”, o grande interesse pelo tema no Brasil, nos últimos 5 anos
especialmente, fez proliferar inúmeros trabalhos acadêmicos a respeito, com boa
diversidade de abordagem (SANTOS, 2002).
51
Para entender por que esse interesse crescente pelos gêneros é uma opção
respaldada e consistente, e não mero modismo, é necessário remeter aos
paradigmas do socioconstrutivismo e do sociointeracionismo, que vêm se firmando
como referência nas pesquisas teórica e aplicada da Lingüística e da Educação.
Apesar de tais denominações não abrigarem, em cada uma, posições homogêneas,
podemos dizer que se assemelham em certos pontos.
52
De modo similar, para o sociointeracionismo, o ensino de língua não pode restringir-
se à análise de formas lingüísticas em si, como portadoras de significados
invariáveis e pré-definidos. De fato, a língua não existe em estado de dicionário, com
sentidos sempre determinados e estáveis, mas tem complexo funcionamento,
influenciado por fatores sociocognitivos (representações, expectativas, papel social
dos interlocutores, conflito/convergência de identidades, etc.).
Por essa razão, na escola, as análises morfológica e sintática, realizadas sem
qualquer referência aos usos da linguagem – identifique e classifique os
substantivos; classifique as frases em interrogativa, exclamativa; diga se o período é
composto por subordinação ou coordenação -, não se justificariam. Também o
estudo de vocabulário feito com palavras soltas, desvinculadas de seu contexto de
uso, teria sua validade questionada.
É um pressuposto essencial do sociointeracionismo o fato de que os sentidos não
existem por si sós; na verdade, os sentidos constroem-se na interação verbal e são,
portanto, resultado das condições de produção dos discursos: quem diz o que, para
quem, em que situação, através de que gênero textual, com que propósito
comunicativo e com que escolhas lingüísticas e extralingüísticas.
Os gêneros se definem justamente por serem a intersecção dessas condições de
produção, ou seja, são respostas às necessidades humanas de comunicação, são
fenômenos ou entidades sociocomunicativas, conforme detalharemos no tópico a
seguir.
10
Privilegiaremos os comentários sobre os gêneros escritos, embora reconheçamos
o importante papel dos gêneros orais no letramento, conforme aponta ROJO (2001).
5
6
53
leitor ou persuadi-lo em uma conversa livre etc. Essa decisão vai depender do
gênero discursivo em uso no grupo social e de um cálculo de sua pertinência e de
sua eficácia em relação ao objetivo da ação. (BRANDÃO, 2000, p. 26)
Da leitura da epígrafe acima, infere-se que os gêneros são como são porque devem
funcionar para propósitos diversos, assumindo configurações diferentes. Portanto,
podemos dizer que os gêneros são formas culturais e cognitivas de ação social,
estabilizadas ao longo da história, corporificadas de modo particular na linguagem,
caracterizadas pela função sociocomunicativa que preenchem (BAKHTIN, 2000;
MARCUSCHI, 2000, 2002). Uma receita, tal como a conhecemos hoje, tem a função
de registrar, por escrito, a forma como se prepara certo prato, o que possibilita que
outras pessoas, em tempos e lugares diferentes, repitam esse preparo. Por essa
razão, é imprescindível listar os ingredientes e suas quantidades, a forma de
misturá-los e, e alguns casos, o modo de servir.
Quanto à estabilização dos gêneros ao longo do tempo, podemos citar o caso do
que hoje se conhece como artigo científico (o gênero primordial das revistas
científicas), que nem sempre teve a configuração atual. Na verdade, para comunicar
suas reflexões e experimentos, os cientistas utilizavam anotações e cartas pessoais,
estas últimas enviadas a amigos e colegas de ofício. Com o desenvolvimento da
ciência e o estabelecimento das universidades, foi preciso registrar mais
sistematicamente as descobertas e os avanços, além de socializá-los. Começava a
surgir um propósito comunicativo bem específico, em dada situação de interação:
surgia, por isso, um novo gênero, o artigo científico. Este seguiria se modificando ao
longo da história, até chegar a sua forma atual que também continuará a mudar nas
próximas décadas, porque, decerto, haverá alterações nas funções
sociocomunicativas, nas formas de utilizar e de fazer circular o artigo científico.
A propósito, o gênero que você está lendo agora é um artigo de divulgação
científica, semelhante ao artigo científico, mas que difere: a) quanto ao público leitor,
neste caso, o professor, e não apenas os cientistas e acadêmicos; b) quanto ao
propósito comunicativo, o de
servir como material para formação de professores, e não o de apenas socializar
reflexões acadêmicas. Por isso, é comum, nos artigos de divulgação científica, incluir
54
7
55
mais exemplos (o que estamos fazendo neste parágrafo), parafrasear, tudo isso para
tornar o texto mais didático.
Continuando o que foi exposto acima, pode-se dizer que os gêneros se definem, em
primeiro lugar, por seu propósito comunicativo, e não por sua forma lingüística.
Como apresentam um caráter de relativa estabilidade, conforme postula Bakhtin
(2000), os gêneros apresentam plasticidade, ou seja, são maleáveis, mudam de
forma para se adaptar às necessidades humanas, aos diversos eventos de
letramento que vivenciamos a cada dia. A forma dos gêneros é, portanto, resultado
das suas condições de produção: quem diz o que, para quem, em que situação,
através de que gênero textual, com que propósito comunicativo.
Assim, na escola, seria um equívoco trabalhar com os gêneros como se fossem
“moldes” prontos, que o aluno só teria de “preencher”, sem levar em conta a situação
de interação. Mesmo havendo características comuns a vários exemplares do
gênero, ocorrem variações. Por exemplo, no gênero carta pessoal, a saudação
poderá ser bem variada, dependendo dos interlocutores e do grau de intimidade -
Querido papai; Amiga, Fofinho, Prezada Tia Maria, Meu amor, Gabriela, Mainha,
entre outros – ou até poderá nem existir. Os modelos fixos, portanto, podem ser uma
“armadilha”, pois desconsideram que os gêneros são intrinsecamente ligados à
situação de interação social e cultural específica, logo, são maleáveis até certo
ponto.
Os textos, qualquer que seja o gênero, apresentam seqüências textuais típicas,
normalmente divididas em cinco categorias: narrativa, descritiva, expositiva,
argumentativa e injuntiva. As seqüências textuais são o modo de organização
lingüístico-discursiva dos textos.
Por exemplo, as seqüências narrativas são caracterizadas pelo uso de verbos no
passado, indicando o decorrer do tempo, além de marcadores de espaço (naquela
cidade, no Brasil, na Assembléia Legislativa, num reino distante, etc.) e tempo
(então, logo depois, passadas duas horas, etc.). No conto abaixo, produzido por uma
aluna da Rede Municipal do Recife, predominam as seqüências narrativas:
Salientamos que é possível categorizar as seqüências textuais de modo diferente,
de acordo com a linha de investigação adotada. Por exemplo, os pesquisa dores
Dolz, Pasquier e Schneuwly, integrantes do chamado grupo de Genebra,
56
categorizam as seqüências textuais nas seguintes ordens discursivas: narrar
(ficção), relatar (não-ficção), expor, argumentar e descrever ações (instruções e
prescrições). Apesar das pequenas divergências, há sempre mais semelhanças, o
que aponta para um núcleo comum, de consenso, conforme se pode constatar pela
comparação entre as classificações.
A seqüência expositiva, por sua vez, caracteriza-se por preferir os verbos no
presente, além de predicados com declarações sobre fenômenos ou entidades.
Como em outros gêneros de caráter didático, neste artigo de divulgação científica
que você está lendo agora, há varias seqüências expositivas, como esta: “A forma
dos gêneros é, portanto, resultado das suas condições de produção”.
Cada texto, via de regra, apresenta seqüências textuais variadas.
Gêneros como fábula, conto, crônica e notícia, por exemplo, abrigam trechos tanto
narrativos quanto descritivos.
Assim, o termo “narrativo” não se refere a um gênero em especial, mas a uma
seqüência que pode estar presente em vários gêneros diferentes. Por exemplo, diz-
se que um gênero é narrativo se predominam seqüências narrativas, como no caso
da notícia, da biografia e da lenda. Reforçando o que já dissemos, esses mesmos
gêneros, no entanto, podem apresentar outras seqüências, não-predominantes: a
notícia pode trazer também trechos descritivos das pessoas e do local em que o fato
ocorreu, além dos trechos narrativos sobre o fato em si; a biografia pode trazer
trechos expositivos sobre a situação do país do biografado em dada época; a lenda
pode trazer trechos argumentativos, com um personagem tentando convencer outro.
Ensinar a narrar, a descrever, a argumentar, apenas de modo geral, sem considerar
o modo como se narra, se descreve ou se argumenta nos vários gêneros, pode ser
insuficiente para que o aluno domine a constituição de cada um deles.
Vistos os conceitos de gênero e tipo, trataremos das relações entre gêneros e
letramento.
Gêneros e letramento: entrecruzando caminhos Em sociedade, são múltiplos e
diversificados os usos da leitura. Lê-se para conhecer. Lê-se para ficar informado.
Lê-se para aprimorar a sensibilidade estética. Lê-se para fantasiar e imaginar. Lê-se
para resolver problemas. E lê-se também para criticar e, dessa forma, desenvolver
57
posicionamento diante dos fatos e das idéias que circulam através dos textos
(SILVA, 1998, p. 27).
A citação de Silva poderia ser parafraseada, acrescentando-se, a cada propósito
comunicativo citado, alguns gêneros, para exemplificar as variadas práticas de
letramento por que passamos, dentro e fora da escola.
Em sociedade, são múltiplos e diversificados os gêneros que lemos, escrevemos,
falamos/dizemos e ouvimos.
Na enumeração acima, apresentam-se práticas de letramento variadas, que
atendem a objetivos distintos, contemplados nos processos de letramento, escolares
e não-escolares. Para entendermos melhor a relação entre o conceito de letramento
e os gêneros, é necessário retomar alguns pontos.
“Letramento” é um termo relativamente recente, visto que surgiu há cerca de 30
anos, e nomeia o conjunto de práticas sociais de uso da escrita em diversos
contextos socioculturais. Tais práticas de letramento sempre existiram nas
sociedades letradas, ou seja, nas sociedades que fazem uso da escrita. É preciso,
portanto, atentar para o fato de que o conceito de letramento, como prática social de
uso da escrita, não é algo criado pelos meios científicos sem relação com o mundo
que nos rodeia. Menos ainda se trata de um método de alfabetização, como
equivocadamente alguns professores passaram a compreendê-lo. As práticas de
letramento são um fenômeno existente na realidade, que passou a ser estudado,
tendo sido nomeado e definido.
O conceito de letramento (e, por extensão, de sujeito letrado) surgiu para dar conta
da complexidade de eventos que lidam com a escrita. Mais amplo que o conceito
restrito de alfabetização, a noção de letramento inclui não só o domínio das
convenções da escrita, mas também o impacto social que dele advém.
Cada vez mais, o conceito de letramento é considerado central para a compreensão
dos processos de ensino-aprendizagem e para a intervenção dos professores em
sala de aula. Um dos princípios que norteiam a perspectiva do letramento é que a
aquisição da escrita não se dá desvinculada das práticas sociais em que se
inscreve: ninguém lê ou escreve no vazio, sem propósitos comunicativos, sem
interlocutores, descolado de uma situação de interação; as pessoas escrevem, lêem
e/ou interagem por meio da escrita, guiadas por propósitos interacionais, desejando
58
alcançar algum objetivo, inseridas em situações de comunicação. Cabe lembrar
ainda que esse processo é atravessado por valores e crenças dos mais diversos
tipos.
Para alcançar esses objetivos, as pessoas fazem uso dos gêneros, artefatos a
respeito dos quais todos nós temos um impressionante conhecimento intuitivo. Tanto
isso se confirma que é possível identificarmos certos gêneros apenas por sua
abertura e seu fechamento. Tal identificação só é possível em razão da relativa
estabilidade dos gêneros, ao fato de que, em dado gênero, há recorrência de
formas, conteúdos e estratégias. Vejamos:
Pode haver algumas variações, mas boa parte dos exemplares de cada gênero do
QUADRO 2 (verbete, notícia, receita, ata, aula e conto de fadas) começam ou
iniciam de forma similiar: o verbete traz informações relativas a origem, classe
gramatical do termo, entre outras; a notícia inicia com o fato narrado; a receita
começa pelos ingredientes; a ata tem o final marcado explicitamente; a aula pode
finalizar com uma “ponte” para a próxima aula; o conto tem o final feliz clássico.
Bronckart (1999, p. 103) aponta: “A apropriação dos gêneros é um mecanismo
fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas
humanas”. A escola deve, portanto, proporcionar aos alunos o contato com uma
grande diversidade de gêneros orais e escritos, abrangendo várias esferas de
circulação: a familiar ou pessoal – cartas pessoais, bilhetes, diários, e-mails
pessoais, listas de compras, etc. –; a literária – fábulas, contos, lendas da tradição
oral, peças teatrais, poemas, romances, crônicas, contos de fadas, poemas de
cordel, etc. –; a midiática – notícias, reportagens, anúncios publicitários, charges,
cartas do leitor, artigos de opinião, etc., veiculados por distintos meios (rádio, TV,
jornal, revista, internet, etc.) –; a do entretenimento – piadas, histórias em
quadrinhos, trava-línguas –; a jurídica ou de regulação da convivência – estatutos,
leis, regimentos, normas, etc.
É importante lembrar que o acesso aos usos sociais da escrita e da leitura, que se
concretizam nos diversos gêneros textuais, ocorre mesmo com indivíduos
analfabetos. Vejamos o que diz Soares a respeito:
[...] um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser um analfabeto, mas ser,
de certa forma, letrado (atribuindo a esse adjetivo sentido vinculado a letramento).
59
Assim, um adulto pode ser analfabeto porque marginalizado social e
economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm
presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado,
se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado
as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estrutura
próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações
afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso
da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita. Da mesma forma, a
criança que ainda não se alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de
escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e
percebe seu uso e função, essa criança ainda é “analfabeta” porque ainda não
aprendeu a ler e a escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é, de certa
forma, letrada. (SOARES, 2001, p. 24)
Por isso, não é preciso esperar que a criança esteja alfabetizada para deixá-la entrar
em contato com textos dos mais diversos gêneros. Este é, a propósito, o princípio
básico da proposta de alfabetizar letrando: a apropriação do sistema de escrita e a
inserção nas práticas de leitura e escrita se dariam de forma simultânea e
complementar .
Em vista dessas considerações a respeito da noção de gênero e de sua relação com
o conceito de letramento, podemos passar às questões mais específicas do trabalho
em sala de aula, no tópico a seguir.
60
desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da
linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto
(lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s) e seu lugar social; finalidade
ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar,
a partir disso, os gêneros adequados para a produção de texto e a leitura, operando
sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical.
Entretanto, é preciso realizar um processo de didatização para atingir os objetivos
pedagógicos na abordagem dos gêneros. Esse processo de didatização é
desencadeado pela necessidade de ensinar, que exige a modificação do
conhecimento, convertendo-o em objeto de ensino: é preciso selecionar, adaptar e
organizar conteúdos, além de elaborar estratégias e material didático pertinentes aos
objetivos pedagógicos. Assim, o trabalho com gêneros na escola não deve ser a
mera transmissão de conhecimentos construídos na área da lingüística sobre os
gêneros. Por exemplo, o essencial, na escola, não é classificar, definir, conceituar os
gêneros, embora isso possa até fazer parte de alguma situação de ensino-
aprendizagem. O fundamental é que, com base em uma situação-problema, se
selecionem os gênero(s) que pode(m) atender às necessidades de leitura e/ou
escrita, para o desenvolvimento das competências lingüísticas, textuais e
discursivas, como veremos no tópico a seguir.
61
adequação de registro (do mais formal ao menos formal), sobre as características
lingüísticas e discursivas de cada gênero, entre outras.
O depoimento de Andréa Souza, professora do 3º ano do 1º ciclo, da Escola
Municipal Severina Lira, em Recife-PE, demonstra que mesmo uma situação
corriqueira de sala de aula – a necessidade de organização do tempo pedagógico
para as atividades - pode permitir um trabalho significativo com gêneros:
Bom, isso começou porque eu observei que as crianças [...] queriam saber o que
nós iríamos fazer no dia. Então era a aquela coisa: “O que é que vai ter hoje? O que
é que a gente vai fazer hoje? Hoje vai ser o quê? Hoje vai ser Matemática? Hoje vai
ser Português?”.... [...] E aí foi que surgiu a idéia de registrar isso no quadro, de
realmente estar colocando a agenda....Então, a gente conversou sobre isso, né?....
Sobre o que era uma agenda, pra que que ela servia...E aí, eu comecei a realmente
a fazer uso disso no dia-a-dia. [...] Bom, a finalidade dessa agenda é realmente
deles se organizarem. E também pra mim é importante por causa do tempo. [...] E,
com a agenda, é como se eles realmente se organizassem e se preparassem pra
fazer as atividades que vão precisar ser feitas.
A professora ressaltou objetivos claros para o uso da agenda, com o auxílio das
crianças as finalidades.
62
efeitos variarão, dependendo, como já dissemos, dos interlocutores, de seu papel
social, do propósito do gênero, etc.
Outro fator que deve ser levado em conta é que há uma dinâmica de interrelações
entre o funcionamento social dos gêneros e as estratégias lingüísticas e discursivas
que permitem esse funcionamento.
Por exemplo, não se lê um poema do mesmo modo que se lê uma piada ou uma
notícia. Se a notícia tem por objetivo informar, são as informações dadas e o modo
como foram apresentadas que devem ser enfocados preferencialmente. Já no caso
do poema, a leitura de prazer, a leitura-deleite, a leitura de fruição, deve sempre vir
em primeiro lugar ou, muitas vezes, apenas esse tipo de leitura deve ser objeto de
trabalho.
63
custo de quem anuncia. Por isso, a compreensão das abreviaturas é fundamental
para a leitura desse gênero, aspecto explorado pela Profa. Andréa:
P- [...] Vocês também devem procurar as palavras abreviadas...O que são palavras
abreviadas?
A - A primeira letra e um pontinho.
P: Pode ser....mas às vezes são algumas letras.... [...] (momentos depois)
P - Vamos ver aqui (a professora pegou o anúncio deles)...O que é isso? (apontou
para a palavra experiência que no anúncio estava abreviada: exp.)
A: Não sei!
P: Isso significa: experiência....Por exemplo:....Se tem um emprego que está
oferecendo um trabalho de cozinheiro e pedem pessoas que tenham experiência.
Considerações finais
A resposta à questão posta no título – Gêneros: por onde anda o letramento? – pode
ocorrer em duas vertentes.
A primeira delas é a que entende a pergunta como uma provocação: “O letramento
passará mesmo pela questão dos gêneros?” A resposta seria um “claro que sim”,
justificado pelo fato de que os gêneros nos são inescapáveis: sempre que falamos e
escrevemos, fazemos isso por meio de gêneros; e sempre que ouvimos ou lemos,
ouvimos gêneros orais (conversas, palestras, entrevistas, anúncios radiofônicos,
novelas de tevê, discussões, etc.), e lemos gêneros escritos (bulas, receitas,
poemas, notícias, avisos, entrevistas, etc.).
A segunda vertente é a que entende a pergunta como “por onde está o letramento
quando se trabalha com gêneros na escola?” A resposta seria “em todas as práticas
de leitura e de escrita”, além das práticas orais que envolvem a escrita, de alguma
maneira, como no caso das apresentações orais que tiveram a escrita como base ou
da contação de histórias que já foram registradas na tradição escrita.
Em outras palavras, não se pode falar em gêneros sem considerar os processos de
letramento; não se pode falar em letramento sem considerar os gêneros. Por isso, se
a inserção no mundo da escrita passa pelo domínio das formas de interação,
mediadas pelos gêneros, o trabalho com gêneros na escola pode ser um dos eixos
do ensino voltado à formação para a cidadania, inclusiva e crítica por definição.
É preciso ainda não esquecer que, se trabalhar com os gêneros é transbordar as
fronteiras do lingüístico, a abordagem interdisciplinar será ainda mais necessária na
sala de aula, e a aula de português deverá ser cada vez mais centrada em práticas
de letramento, em que a língua(gem) desempenha papel central, por meio dos
gêneros.
O sabor do trabalho com os gêneros está justamente nas suas particularidades, no
seu papel nas práticas de letramento relevantes para as diversas comunidades, na
sua variedade, que, em suma, reflete a própria multiplicidade da experiência
humana. Esses aspectos devem ser (re)conhecidos, explorados e valorizados, seja
nas atividades de leitura, seja nas de produção textual, seja nas de análise
lingüística.
65
REFERÊNCIAS
MILLER, C. R.. “Genre as Social Action”. In: FREEDMAN, A.; MEDWAY, P. (Eds.).
Genre and the New Rhetoric. London: Taylor & Francis, 1994, p. 23-42.
SILVA, Ezequiel T. da. Leitura crítica e suas fronteiras. In: SILVA, Ezequiel Theodoro
da . Criticidade e leitura: ensaios. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 21-30.
VYGOTSKY. Lev Semnovich. A formação social da mente. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1989a.
66
PROGRESSÃO ESCOLAR E GÊNEROS TEXTUAIS
Márcia Mendonça
Telma Ferraz Leal
67
Se tivermos a concepção de que o objetivo central na educação infantil, no ensino
fundamental e ensino médio é formar alunos leitores e produtores de variadas
espécies de textos, como dissemos acima, podemos ter como ponto de partida a
concepção de que:
Os objetivos e propósitos das atividades de leitura e escrita são estabelecidos a
partir do reconhecimento do caráter sócio-interativo da linguagem, da consciência de
que as várias configurações textuais são determinadas pelo conjunto de convenções
estabelecidas socialmente. Assim, as atividades de leitura e produção devem ser
realizadas de forma que o aluno possa refletir sobre o texto, considerando: autor,
destinatário, situação de produção, situação de recepção, projeções das dificuldades
do leitor ou escritor, intenções e fatores motivadores do texto, enfim, suas condições
de produção (LEAL, 1999, p. 37-38).
Nessa perspectiva, tendo os objetivos gerais anteriormente referidos, consideramos
fundamental que nós, professoras e professores, tenhamos clareza de que cada
gênero textual tem especificidades e que, entre os gêneros textuais, existem
semelhanças que podem ser usadas como critérios para que nós os agrupemos.
Tais critérios envolvem objetivos específicos de ensino. Se pensarmos em gêneros
textuais, como, por exemplo, carta de reclamação e artigo de opinião, podemos
decidir que levar os alunos a identificar pontos de vista dos autores e saber localizar
ou inferir seus principais argumentos na defesa desse ponto de vista pode ser um
objetivo didático fundamental para saber lidar com outros textos parecidos com
esses. Saber produzir um texto para defender seus próprios pontos de vista,
justificá-los e antecipar objeções de outros interlocutores acerca do que se está
defendendo pode ser outro objetivo relacionado aos gêneros usados nesse exemplo.
Estamos, assim, apontando que muitos objetivos específicos podem permear nossos
planejamentos didáticos, e precisamos refletir sobre eles e delimitá-los.
Nossas metas e objetivos, portanto, são múltiplos, mas o cerne de nosso trabalho
pedagógico é o de que os alunos precisam aprender a refletir sobre as situações de
interação em que os textos circulam e sobre os diferentes gêneros textuais, a fim de
poder transferir o que aprendem na sala de aula para os contextos diversos em que
convivem fora da escola.
68
Defendemos, portanto, a idéia de que cabe ao professor promover situações de
reflexão sobre os textos, considerando as características particulares dos gêneros
textuais (sociointerativas e estruturais) e as peculiaridades dos textos em foco. Para
que essa escolha seja consciente, é preciso saber que não há consenso a respeito
desse tema. Ou seja, nem todos os autores acham que devemos levar os alunos a
atividades de reflexão sobre os textos.
Vinson e Privat (1994, citados por DOLZ e SCHNEUWLY, 1996), ao refletirem sobre
o ensino da leitura e produção dos diferentes gêneros textuais, defendem que a
aprendizagem sobre os textos dá-se naturalmente através da interação entre o aluno
e as propriedades culturais do gênero, ou seja, bastaria propiciar situações de leitura
e produção de textos para que os alunos aprendessem sobre a linguagem. Não
haveria necessidade de sistematizar situações de reflexão sobre os textos utilizados,
nem sobre os gêneros textuais.
Em contraposição a essa perspectiva, Dolz (1994) defende que a intervenção
sistemática do professor, levando o aluno a refletir sobre as características dos
textos e seus contextos de uso, é indispensável a uma boa apropriação da
capacidade de produzir diferentes gêneros textuais. Dolz e Schneuwly (1996)
denominam o primeiro modelo de “interacionismo intersubjetivo” e o segundo de
“interacionismo instrumental”.
Além dessas duas abordagens, podemos destacar também aquelas mais
tradicionais, segundo as quais, bastaria ensinar as regras de gramática para que os
alunos se tornassem leitores e produtores de textos.
Essas observações nos levam a concluir que as diferentes concepções sobre o
ensino da língua levam, na escola, a diferentes formas de tratamento dos gêneros
textuais e, portanto, diferentes maneiras de acesso a eles pelos alunos.
Esse princípio acima exposto ajuda-nos a pensar sobre a progressão escolar no que
se refere às escolhas dos textos a ser usados.
Já discutimos anteriormente (Cf. cap. 3, “Gêneros: por onde anda o letramento?”)
que existe uma multiplicidade de gêneros textuais em cada sociedade e que,
historicamente, eles são mutáveis. Discutimos, também, que novos gêneros textuais
emergem e outros desaparecem.
Desse modo, não temos como, na escola, ensinar todos os gêneros textuais. Por
outro lado, como Schneuwly e Dolz defendem, não seria necessário tal ensino, visto
que aprendizagens relativas a um gênero são transferíveis para outros gêneros.
71
Além dos fatores já citados, não devemos deixar de considerar que cada situação de
interação tem especificidades que impõem uma construção singular do texto que a
mediará. Schneuwly (1994) aponta que, no processo de construção de um texto, o
agente da escrita realiza um cálculo acerca da adequação de um dado gênero à
situação específica de interação e, ao mesmo tempo, adapta o novo texto às
características do gênero, modificando-o quando necessário.
Bronckart (1999) conclui, então, que:
Esse processo de adoção-adaptação gera novos exemplares de gêneros, mais ou
menos diferentes dos exemplares préexistentes, e que, conseqüentemente, é pelo
acúmulo desses processos individuais que os gêneros se modificam
permanentemente e tomam um estatuto fundamentalmente dinâmico ou histórico (p.
103).
Esse movimento contínuo dos gêneros (que se modificam, desaparecem,
reaparecem, emergem, segundo a dinâmica da vida social) dificulta as
classificações. A falta de fronteiras claras entre muitos gêneros, provocada pelos
processos de adoção-adaptação também é um elemento que impede uma
formalização mais rígida. No entanto, podemos reconhecer que existem
semelhanças entre alguns gêneros textuais que podem servir de referência para
adotarmos um plano de trabalho em que diferentes capacidades textuais e diferentes
conhecimentos sobre a língua possam ser inseridos em cada grau de ensino.
Dolz e Schneuwly (1996) defendem que diversos gêneros textuais podem ser
agrupados em função de algumas características estruturais e sociocomunicativas:
Segundo esses autores, essa forma de agrupamento pode ser o ponto de partida
para pensarmos na organização curricular. A proposta consiste em estabelecer, em
cada ano escolar, gêneros de cada um dos agrupamentos, de modo que os alunos
possam, ao longo da escolaridade, deparar-se com gêneros que tenham
semelhanças entre si e com gêneros diferentes que proporcionem possibilidade de
reflexão sobre diversas dimensões da nossa linguagem. É a proposta da
aprendizagem em espiral, segundo a qual um mesmo gênero poderia ser revisitado
em diferentes momentos da escolarização – na mesma série (ou ciclo) ou em séries
diferentes (ou ciclos) – de modo que, a cada momento, uma outra abordagem fosse
feita, cada vez mais complexa ao longo dos anos. Essa proposta nada tem a ver
72
com a tradição de se trabalhar primeiro a narração, depois a descrição e, por último,
a dissertação (ou os textos expositivo-argumentativos). Na verdade, em todos os
anos, trabalhar-se-ia com gêneros de todos os agrupamentos (relatar, narrar,
descrever ações, expor e argumentar), mudando-se apenas o enfoque: o aspecto
enfatizado, a habilidade explorada, a competência desenvolvida.
Dolz e Scheneuwly (1996) concebem que, dessa forma, os alunos poderão transferir
para outras situações aprendizagens construídas com base na reflexão sobre
gêneros textuais que tenham sido foco de reflexão no contexto escolar. Os autores
chegam a sugerir uma possibilidade – bastante provisória, conforme fazem questão
de ressaltar – de organização da progressão escolar quanto ao tratamento dos
gêneros da ordem do argumentar, ao longo de nove ciclos, como mostra o Quadro 2,
uma adaptação da tabela que eles apresentam: Ver o link do artigo.
73
e podem construir textos escritos com marcação de diferentes pontos de vista
acerca de um tema. Estamos, assim, propondo que uma progressão desse tipo seja
uma forma de orientar o trabalho docente quanto aos focos principais de reflexão
sistemática, e não como um conjunto de “habilidades” que só poderiam começar a
emergir a partir do trabalho em sala de aula. As crianças e os adultos, quando
envolvidos em atividades de leitura e produção de textos, estão sempre se
deparando com os recursos lingüísticos comuns aos gêneros que estão usando. A
sistematização planejada das situações didáticas é que pode ser realizada valendo-
se de previsões como as exemplificadas acima.
Para melhor explicitar nossa proposta (construída com base nos pressupostos
defendidos pelos autores citados até este momento), exemplificaremos com um
projeto de abordagem de gêneros textuais em uma turma de 7ª série, ao longo de
quatro semanas.
O projeto temático, intitulado “Violência na mídia: assunto de menor?” teve como um
dos objetivos a sensibilização dos alunos para o tratamento que a mídia (rádio,
televisão, jornal e revista) dá à violência praticada por menores, o que ajuda a
construir determinada imagem desses menores. O produto final do projeto consistia
em uma campanha de conscientização sobre a questão em pauta, através da
produção dos seguintes gêneros: manifesto, panfleto, cartazes, faixas, propaganda
de rádio e de televisão. Além disso, seria produzido, ao longo de todo o projeto, um
jornal temático para circulação no espaço da escola, em que estariam publicados os
seguintes gêneros: artigo de opinião, carta do leitor, pesquisa de opinião pública,
entrevista e charge.
74
sobre como a imagem dos menores – positiva ou negativa - pode ser construída com
as escolhas lingüísticas feitas nos gêneros da mídia.
Após esse trabalho de leitura crítica, os alunos deveriam escrever, ao final da
semana, uma notícia, buscando reproduzir o tratamento dado à temática violência
praticada por menores, encontrado nos diversos gêneros jornalísticos lidos (e/ou
ouvidos): tratamento neutro, desfavorável, sensacionalista, etc. Nessa atividade de
produção, os alunos seriam desafiados a tomar posições a respeito do tema e a
marcá-las lingüisticamente nos textos, por meio de recursos e estratégias
específicas. Isso pode contribuir para que ao aluno perceba, com maior clareza, o
quanto os textos revelam das posições dos seus autores e o quanto devemos
atentar para isso.
A terceira semana se dedicou à preparação mais intensa da culminância do projeto.
Dividindo-se o trabalho em equipes, a produção dos gêneros componentes da
campanha publicitária – faixa, cartaz, panfleto, manifesto e propaganda de rádio e
televisão – e do jornal - artigo de opinião, carta do leitor, pesquisa de opinião pública,
entrevista e charge – foi orientada pelos professores. Vale salientar que houve
momentos anteriores à produção em que se refletiu sobre as especificidades desses
gêneros, para possibilitar que os alunos estivessem mais instrumentalizados para
escrever sobre eles.
75
cada momento, das estratégias argumentativas usadas nos diversos gêneros.
Nesse exemplo, quisemos mostrar que, em um mesmo momento, podemos
trabalhar com diferentes gêneros textuais, salientando para os alunos as
semelhanças entre alguns deles e o quanto se prestam a uma mesma finalidade.
Gêneros da ordem do relatar, como as notícias, e da ordem do argumentar, como as
cartas de leitores e os artigos de opinião, entre outros, foram lidos e produzidos
pelos alunos. Esses mesmos alunos, na perspectiva adotada, poderiam, em outros
momentos, ler e produzir gêneros da ordem do narrar, como contos ou crônicas; do
descrever ações, como os regulamentos; e do expor, como as notas de
enciclopédias. Nesse mesmo ano, eles seriam desafiados a ler, a escrever e a
refletir sobre textos dos cinco agrupamentos citados.
Seguindo a proposta de progressão apresentada anteriormente, teríamos que
garantir que esses mesmos alunos se deparassem com outras situações, nas séries
seguintes (8a série e Ensino Médio), em que gêneros textuais dos cinco
agrupamentos fossem foco de leitura, produção de textos e reflexão em sala de aula.
Assim, eles iriam rever conceitos focalizados na 7a série, pensar sobre novos
conceitos e desenvolver nova capacidade textual.
Para finalizar
O projeto descrito acima exemplifica, em parte, a proposta de Dolz e Schneuwly
(1996), de que trabalhar com competências – no caso, a argumentativa – implica a
escolha de gêneros em função dos objetivos pedagógicos e, não apenas, em função
de suas características internas. No projeto, privilegiou-se o trabalho com gêneros
dos agrupamentos do relatar e do argumentar, já que se procurava desenvolver a
leitura crítica de textos midiáticos e a competência argumentativa dos alunos.
Não se trata, portanto, de haver gêneros mais fáceis e mais difíceis,
independentemente da situação escolar em que serão explorados. Trata-se, antes,
de realizar uma exploração dos gêneros mais aprofundada ou mais superficial, mais
ampla ou mais restrita, mais focalizada ou mais geral, o que depende,
fundamentalmente, dos objetivos do trabalho. Em princípio, salvo algumas exceções,
qualquer gênero pode ser trabalhado em mais de uma série ou ciclo, depende
apenas de como se dá o encaminhamento pedagógico. A espiral do ensino se
concretizaria nesse “revisitar” constante de gêneros ao longo do processo de
escolarização com um novo olhar a cada um desses momentos, nos quais se pode
76
descobrir sempre outra faceta, outra peculiaridade do gênero, antes não explorada.
Assim, organizar a progressão do trabalho com gêneros na escola implica decidir
sobre as competências e habilidades que se deseja explorar. Por essa razão,
clareza sobre os objetivos pedagógicos é o requisito de base, com base no qual todo
o planejamento pedagógico deve ser construído.
REFERÊNCIAS
77
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR E LETRAMENTO
Nos capítulos anteriores, vimos discutindo sobre o princípio fundamental que rege
hoje as propostas de ensino da língua portuguesa numa perspectiva sócio-histórica:
“Ensinamos língua para que o aluno aprenda a problematizar o cotidiano através da
linguagem, para que possa interagir de forma intensa e consciente nas diferentes
esferas de participação social”. É nessa perspectiva que trataremos sobre a
organização da prática pedagógica e sobre os fenômenos interdisciplinares com os
quais obrigatoriamente lidamos quando encaramos o ensino da língua numa
abordagem sociointeracionista.
As propostas curriculares que vêm sendo construídas a partir da década de 80 do
século passado têm alguns aspectos em comum, oriundos das tentativas de
aproximação desse princípio básico que acima explicitamos: (1) tomam como núcleo
central do ensino da língua portuguesa o desenvolvimento das capacidades de
compreensão e de produção de textos; (2) afirmam a necessidade de utilização de
textos autênticos e pertencentes a diversos tipos e gêneros textuais; (3) propõem
práticas de ensino que aproximem as atividades escolares dos usos e funções da
linguagem nos ambientes extra-escolares, entre outros.
Para atender a esses postulados, essas propostas têm, na maior parte das vezes,
delimitado os objetivos didáticos em quatro eixos básicos: prática de leitura;
produção de textos escritos; análise lingüística e língua oral. O fundamental, nesse
contexto, é entendermos que esses eixos não são independentes, e que diferentes
dimensões da língua se entrecruzam nas práticas de produção e compreensão de
textos orais e escritos, exigindo de nós, agentes nesses processos interlocutivos,
diferentes habilidades, conhecimentos e atitudes ante os eventos de interação
mediados pela língua. É papel da escola ajudar os alunos a desenvolver tais
habilidades, conhecimentos e atitudes.
Na verdade, todos esses eixos, quando tratados na perspectiva que estamos
defendendo, visam à ampliação do grau de letramento dos alunos. Quando tratamos
do ensino da língua portuguesa nas séries iniciais, essa proposta parece, às vezes,
78
incompatível com as possibilidades reais dos alunos nesses graus de escolaridade.
A pergunta geralmente feita é: como ler e produzir textos sem saber ler nem
escrever?
Percebendo a complexidade dessa questão, muitas vezes negligenciada por autores
que tratam da alfabetização, propomos que tenhamos que, como primeira tarefa,
delimitar os objetivos principais do ensino da língua portuguesa, de modo a não
termos a impressão de que precisaremos “dar conta de tudo” nos anos iniciais de
escolarização.
Nossa proposta é que centremos nossa atenção na apropriação do sistema
alfabético e na capacidade de produção e de compreensão de diversos gêneros
orais e escritos, levando os alunos a atentar para as diferentes finalidades que
orientam nossas atividades de leitura, escuta, fala e escrita. Alertamos, portanto, que
não nos detenhamos em conteúdos ligados à definição, classificação, identificação
de classes gramaticais, nem em conhecimentos relativos à análise sintática ou à
memorização de partículas formadoras de palavras (prefixos e sufixos, por exemplo)
em turmas que não tenham de fato desenvolvido a capacidade básica de leitura e de
produção de textos.
Assim, estamos defendendo que, no eixo da análise lingüística, priorizemos
aspectos/objetivos que auxiliem os alunos a produzir/compreender textos, tais como:
sistema alfabético, ortografia, pontuação, paragrafação, concordância, coesão,
estruturação dos períodos, sempre numa perspectiva de criar condições para que os
alunos produzam e compreendam textos. Os objetivos ligados à reflexão sobre os
gêneros textuais, que também vêm permeando as salas de aula, podem, nesse bojo,
também ser considerados nessa mesma concepção. Ou seja, a reflexão sobre os
gêneros deve servir muito mais para que os alunos pensem sobre aspectos
sociodiscursivos dos textos do que para aprender a definir, a classificar, a identificar
textos.
Nosso esforço em delimitar tais objetivos, como foi dito acima, advém da clareza que
temos de que a aprendizagem do sistema alfabético é muito complexa e que aliar
isso ao ensino da leitura e produção de textos, também dotado de alto grau de
complexidade, é tarefa que exige planejamento, atenção, apropriação de saberes
pelos professores, que não podem se sentir solitários diante de tais demandas.
79
Por isso, neste capítulo, tentaremos compartilhar alternativas didáticas discutidas e
vivenciadas por professores que encontraram, coletivamente, muitas respostas ao
como conciliar o ensino da escrita alfabética ao ensino da produção e compreensão
de textos orais e escritos. Sabemos que muito temos ainda para aprender, mas
vamos compartilhar o que já construímos até agora.
80
Para realizarmos planejamento no sentido acima exposto, precisamos desenvolver
atitudes de registro e armazenamento de material, possibilitando-nos reaproveitar
idéias e repensar o que já foi feito.
Magalhães e Yazbek (1999, p. 37), a esse respeito, afirmam que: são as
observações, os registros de situações e as reflexões sobre essas observações que
lhe possibilitam (o professor) distanciar-se de seu fazer e compreendê-lo de forma
mais ampla, não mais como simples agir, mas como uma ação didática possível de
ser generalizada e transferida para novas situações. Sem uma ação reflexiva, suas
experiências, por melhores que sejam, mantém-se no âmbito da vivência,
circunscritas àquele grupo e momentos únicos em que foram concebidas.
Assim, o planejamento assume um papel também de autoformação profissional, na
medida em que permite que retomemos o que fizemos e pensemos sobre o que
faremos em outras situações, possibilitando-nos replanejamentos contínuos e
sistemáticos. Em suma, o que queremos é salientar o quão importante é essa etapa
do ensino e o quanto temos a ganhar quando desenvolvemos boas estratégias de
planejamento e registro do nosso dia-a-dia. A seguir, haveremos de nos deter em
reflexões relativas às diferentes maneiras de organizar as atividades de sala de aula
quando fazemos nossos planejamentos.
81
levava o material que ia ser lido para a sala (do acervo da escola ou do meu acervo
pessoal).
Levava dois ou três para eles escolherem qual gostariam de ler naquele dia, mas
sempre dizia que quem tivesse em casa podia trazer para a gente ler. Depois de um
tempo, os alunos foram se empolgando cada vez mais e faziam questão de
participar, trazendo materiais que tinham em casa, como livrinhos de conto de fadas,
gibis e histórias bíblicas. Notei que com esses momentos meus alunos despertaram
mais para a leitura. Já conseguem perceber, entre outras coisas, se o texto lido se
trata, por exemplo, de um conto, de uma poesia ou de uma história em quadrinhos.
Várias vezes os vi ensaiando leituras de livrinhos e mesmo que ainda não tenham
muito domínio não ficam desestimulados. Isso tornou bem mais fácil o trabalho com
a leitura na sala de aula. (Leila Nascimento da Silva, turma: Infantil VI
(alfabetização), Escola Municipal Santa Catherine Labouré, em Jaboatão dos
Guararapes).
Leila deu um exemplo de uma atividade permanente que realizava: leitura diária. Os
jovens alunos da professora mostraram interesse pelos textos que ela levava para a
sala de aula. Interessante observar, no relato da docente, que, aos poucos, os
próprios alunos começaram a levar textos para a sala. Esse relato leva-nos a
perceber que muitas vezes nós subestimamos nossos alunos, quando dizemos que
não podemos fazer tal solicitação em escolas públicas porque os alunos não
dispõem de livros de literatura. Na verdade, em grande parte dos lares isso se
confirma, mas, na medida em que um ou outro aluno traz esses livros, podemos
verificar que existe a possibilidade, que não pode ser desperdiçada, de conhecermos
melhor o que nossos alunos dispõem em casa ou em outros ambientes nos quais
eles circulam, e que nós não sabemos.
A leitura diária na escola já vem sendo apontada como uma das estratégias mais
eficazes para inserir os alunos no mundo da literatura, da mídia, do humor.
Participando dessas situações, os alunos se familiarizam com variados gêneros
textuais e ampliam seus repertórios de textos, o que pode levá-los a querer ter
acesso a outros textos do mesmo gênero, ou do mesmo autor, ou do mesmo tema.
82
Entre outros “ganhos”, podemos citar a ampliação do vocabulário, que, sem dúvida,
gera mais compreensão em textos de diferentes gêneros. Purcell-Gates (2004, p.
33) salienta a esse respeito que: foi demonstrado que a prática de leitura influi no
aumento de vocabulário. A leitura de contos provoca a aprendizagem de palavras
novas, introduzindo palavras de baixa freqüência no repertório léxico do menino ou
da menina. Por exemplo, Crain-Thoreson e Dale (1999), em um estudo sobre a
leitura de contos, concluíram que a freqüência de leitura de contos aos 2 anos de
idade era um dos melhores indicadores do domínio posterior da linguagem, medido
em conhecimento de sintaxe e vocabulário aos 12 anos.
Foi Dona Iva – não sei se ela ainda vive – quem me ensinou que ler pode ser
delicioso como voar ou como patinar. Ela lia para nós. Não era para aprender nada.
Não havia provas sobre os livros lidos. Ela lia para que tivéssemos o prazer nos
livros. Era pura alegria. Poliana, Heidi, Viagem ao céu, O saci.
Ninguém faltava, ninguém piscava. A voz de dona Iva nos introduziu num mundo
encantado. O tempo passava rápido demais. Era com tristeza que víamos a
professora fechar o livro.
Apesar de ser uma das mais citadas e mais importantes, a leitura diária não é a
única atividade permanente que encontramos nas escolas. Hora da conversa,
chamada, hora da música, hora da arte são outros tipos de atividade permanentes
83
que também são ótimas para desenvolver capacidade de compreensão e produção
de textos dos alunos. Mas, o que são atividades permanentes realmente?
Na hora do desenho, podemos ter como objetivo procedimental fazer com que os
alunos desenvolvam estratégias de representar de diferentes modos a realidade,
diversificando as técnicas de desenho ou pintura.
PROJETOS DIDÁTICOS
84
seis livros e aí foram lidos de dois em dois. Segunda, quarta e sexta é aula de
Português, aí eu pegava, lia os livros e fazia um esquema.
Foram três esquemas que eu fiz com a leitura de dois livros”.
O apoio da figura, segundo a professora, era importante porque muitos ainda não
sabiam ler. Esses alunos escolhiam os livros que tinham figuras de índios. Os
esquemas eram feitos coletivamente, após a leitura dos textos. A professora lia o
texto e perguntava quais informações eram importantes para o que eles estavam
pesquisando. Os alunos destacavam as informações mais importantes dos textos do
dia e ela ia escrevendo em uma cartolina em forma de esquema, que deixou
expostos na sala. Ela falou de sua função enquanto mediadora do processo de
produção de textos: “Eu estava observando [...] Vendo quem estava fazendo... Por
que não estavam... Todos fizeram, entendeu? [...] Foram 32 alunos que conseguiram
fazer”. (Zidinete Maria Alves Caribé, 1ª série, Escola Municipal Marcelo José do
Amaral, Camaragibe - PE).
86
soluções.(p. 64)
ATIVIDADES SEQÜENCIAIS
88
com outra finalidade presente em nossa sociedade: saber informações sobre
eventos culturais e criar expectativas sobre tais eventos, ativando conhecimentos
prévios sobre o que será visto. Após a visita, a discussão sobre os quadros
favoreceu uma retomada sobre o tema da exposição e possibilitou que novos
questionamentos fossem feitos. Assim, a professora fez uma seqüência de
atividades articuladas, utilizando diferentes estratégias didáticas para chegar a
objetivos previamente pensados.
Outro exemplo de atividade seqüencial foi realizado pela professora Ana Luzia da
Silva Pedrosa, da 2a série da Escola Estadual Professor Fontainha de Abreu, em
Recife – PE:
A aula teve início com a história “O aniversário do Saci”, em um álbum seriado.
Depois da leitura feita pela professora, foi retomada a conversa sobre o que é
folclore, e as crianças construíram uma definição coletiva sobre o tema. Depois
dessa conversa, as crianças ouviram novamente a história lida pela professora. Feita
a leitura, foi iniciada uma conversa sobre o texto e foram realizadas as seguintes
atividades: lista de convidados do Saci (os personagens da lenda); construção
coletiva do convite da festa; produção da lista de comidas e bebidas típicas e, para
finalizar, reconto livre da história ouvida. As atividades continuaram por toda a
semana, tratando de uma lenda por dia.
Como podemos ver na descrição feita por Ana Luzia, as atividades realizadas em
cada dia tinham como eixo de articulação os textos lidos. Dessa forma, havia uma
seqüência em cada dia, articulada pelo texto, e, durante toda a semana, as
seqüências se articulavam pelo tema “lendas”.
O trabalho por meio de tema gerador é também uma organização através de
atividades seqüenciais. Nessa forma de organização, os alunos respiram
determinado tema durante um intervalo de tempo, havendo, geralmente, uma
situação de culminância, em que os trabalhos dos alunos realizados durante aquele
período são expostos para um público convidado. Há uma adoção desse tema por
professores de diferentes áreas de conhecimento, de modo a favorecer ao aluno
diferentes momentos para agregar conhecimentos relativos ao assunto.
89
adquiram de uma vez e para sempre todos os significados de um conceito, mas sim
que o façam através da resolução de diferentes tipos de problemas.
Estamos pensando, portanto, num processo de sucessivas aproximações,
organizações e reorganizações.
ATIVIDADES ESPORÁDICAS
A professora, após recordar histórias do “Sítio do Pica-Pau Amarelo” que já haviam
sido trabalhadas com os alunos, propôs a seguinte atividade:
P: Vamos fazer uma lista com os nomes dos personagens (a professora colou uma
cartolina no quadro, com o título “lista dos personagens do sítio do pica-pau
amarelo”). Qual é o primeiro personagem?”.
A: Emília.
A professora chamou três alunos para escrever o nome Emília no quadro. Ela
comparava suas escritas e discutia questões de apropriação do sistema alfabético
pertinentes à palavra.
Quando descobriam como era a escrita correta, colocavam a palavra na cartolina.
O mesmo procedimento acontecia com todas as palavras da lista. Os alunos, após
debate sobre como escrever as palavras, copiavam no caderno a palavra correta
que a professora colocava na cartolina.
P: Qual é o segundo personagem que a gente vai escrever?
A: Pedrinho.
A professora chamou mais três alunos para escrever “Pedrinho”...
Escreveram Tia Anastácia, Saci, Rabicó, Cuca...
No Final da atividade, propôs:
P: Vamos ler o que a gente já fez? (A professora apontou para as palavras e leu com
os alunos cada nome da lista)”. (Relatório de aula elaborado por Kaasy Mary, após
observação de uma aula de Danielle Felix da Silva, 1ª série, Escola Municipal
Jaboatão dos Guararapes, Jaboatão dos Guararapes-PE).
As atividades esporádicas são aquelas que realizamos de modo descontínuo, sem
haver articulação com outras atividades de sala de aula. Aparecem, geralmente,
para estabelecermos objetivos que não estão sendo considerados em outras formas
de trabalho que estamos realizando naquele momento específico.
Um exemplo claro de atividade esporádica foi observado por Kasy Mary, na aula de
90
Danielle. Nesse caso, ela queria realizar a atividade de reflexão sobre a escrita das
palavras. Escrever listas para refletir com os alunos acerca dos princípios do sistema
é uma atividade comum. A docente escolheu um tema para seleção das palavras
que, provavelmente, provocou interesse das crianças: personagens do Sítio do Pica-
Pau Amarelo. Os alunos já tinham conhecido esses personagens em outras
situações – assistindo à televisão e escutando as histórias lidas pela professora em
sala de aula – e estavam, naquela aula, aprendendo a escrever essas palavras que
tinham um conteúdo significativo para elas. A apropriação do sistema alfabético era
a preocupação da docente nessa aula. Assim, verificamos que, embora a atividade
não tivesse articulação com nenhuma outra do dia, não era uma proposta estranha
às crianças. Tentar trabalhar com tarefas que provoquem interesse dos alunos é,
portanto, um desafio que precisamos enfrentar.
Outras atividades que criamos para refletir sobre a escrita alfabética, sobre
pontuação, concordância, ou mesmo atividades de produção de textos para atender
a alguma demanda isolada (bilhete para os pais, carta para uma colega ausente,
convite para uma festa da escola) podem ser pensadas, sem que necessariamente
tenhamos uma seqüência para executar.
JOGOS
91
Cada rótulo chamado era escrito e lido junto com os alunos e quem tinha o rótulo em
sua cartela marcava com um X. A atividade foi muito proveitosa, pois primeiro os
próprios alunos escolheram seus rótulos, lendo o que queriam ou levantando a
hipótese sobre o que escolhiam. E depois a própria leitura e escrita com toda a sala
e leitura individual na hora de marcar o rótulo (Rosenaide Moreira dos Santos, 2ª
ano do 1ª ciclo, Escola Municipal Monte Castelo, em Olinda-PE).
Os jogos são atividades que existem na nossa sociedade e que, portanto, fazem
parte da vida dos alunos. Na escola, eles adquirem uma dimensão diferente, dado
que existem objetivos didáticos associados às finalidades dos jogadores.
92
favorecem múltiplas aprendizagens. No entanto, é importante perceber que existem
algumas estratégias mais apropriadas que outras para determinados objetivos. Por
exemplo, para apropriação do sistema alfabético, nem sempre conseguimos
trabalhar com projetos didáticos. Ou melhor, embora esse eixo possa estar sendo
inserido em vários projetos didáticos, essa aprendizagem requer uma constância e
uma sistematização que exige que planejemos situações freqüentes e que
disponibilizemos material para fazer com que os alunos se apropriem de diferentes
princípios do sistema. Dessa forma, fica difícil abrirmos mão de reservarmos um
tempo diariamente (ou quase diariamente) para dar conta desse propósito. Os jogos
de alfabetização e as atividades seqüenciais ou mesmo as atividades esporádicas
podem ser mais facilmente pensadas com essa freqüência do que os projetos
didáticos.
Por outro lado, para levar os alunos a ler e a produzir textos, atendendo a diferentes
finalidades, o projeto didático é especialmente rico. Nesses casos, é possível
planejarmos, com os alunos, produtos que exigirão atitudes de pesquisa, elaboração
e revisão textual, numa dimensão sociodiscursiva clara.
93
ortografia, pontuação, concordância) é muito bem conduzido no formato de
seqüências didáticas, tal como exemplificamos acima.
Para ajudar os alunos a prever o que será feito em cada dia e para que possamos
planejar nosso dia-a-dia a fundamentados num quadro de expectativa geral,
sugerimos a adoção de quadros de rotinas, uma vez que os alunos, através do
acesso a esses textos, podem participar do planejamento da aula, assumindo, com a
professora, a responsabilidade sobre a utilização do tempo.
94
Para concluir nossa conversa, reafirmamos o princípio geral de que, variando as
formas de gestão da sala de aula, com base nos objetivos didáticos e necessidades
dos nossos alunos, estaremos inserindo-os em situação com diferentes demandas
de engajamento no mundo da linguagem. Em todos os exemplos usados, buscamos
salientar que precisamos conciliar a aprendizagem do sistema alfabético de escrita e
o desenvolvimento de estratégias de compreensão e produção de textos orais e
escritos, sem negligenciarmos nenhuma dessas duas dimensões da escolarização
inicial. Realizando uma ação planejada, temos mais condições de dar conta dessa
complexa tarefa que é alfabetizar letrando.
Vimos refletindo ao longo deste livro sobre o ensino da língua escrita com base na
perspectiva do letramento. No 1o capítulo, Eliana Albuquerque trata dos conceitos
de alfabetização e letramento, e de que modo esses conceitos, embora se refiram a
aspectos diferentes do aprendizado da língua escrita, são complementares e
indissociáveis. No capítulo 2, Carmi Santos analisa como a instituição da
escolarização obrigatória levou à construção de determinado conceito de
alfabetização. No terceiro capítulo, Márcia Mendonça discute questões relativas aos
gêneros textuais e seu tratamento na alfabetização e no ensino de língua materna.
Já o artigo de Telma Leal discute diferentes formas de organização da prática
pedagógica em função do ensino da escrita.
95
escrever de forma autônoma?
A necessidade de que a criança faça uso da língua escrita interagindo com uma
multiplicidade de textos é, de fato, importante, mas seria importante, também, uma
explicitação das condições de “transferência” de alguns textos para o cotidiano da
sala de aula, já que o texto, por si só, não garante o seu funcionamento ou as suas
possibilidades de significação.
96
Outro equívoco no entendimento do que seja alfabetizar letrando, é utilizar a leitura
de diferentes textos apenas como pretexto para o trabalho com palavras que, após
escolhidas do texto lido, são divididas em sílabas para depois ser trabalhadas
valendo-se do estudo das famílias (ou padrões) silábicas. Ou ainda, cair-se em outro
extremo. Acreditar que, apenas com a oportunização da leitura e produção coletiva
de textos, os alunos que ainda não dominam o sistema de escrita podem vir a,
sozinhos, apropriar-se desse conhecimento. Sendo assim, não oportunizam
atividades de reflexão sobre a palavra nem sistematizam o ensino do sistema de
escrita alfabético.
Para aprender a ler, enfim, é preciso estar envolvido pelos escritos os mais variados,
encontrá-los, ser testemunha de e associar-se à utilização que os outros fazem
deles...Ou seja, é impossível tornar-se leitor sem essa contínua interação com um
lugar onde as razões para ler são intensamente vividas – mas é possível ser
alfabetizado sem isso.... (p. 31)
Que finalidades ou razões poderiam ser essas? A leitura para conseguir alguma
informação, para estudo de determinado tema ou, simplesmente, por prazer. Com
relação à produção escrita, poder-se-ia escrever para sistematizar e/ou guardar uma
informação, para se comunicar com alguém, para relatar um fato, etc.
97
Entretanto, a garantia do acesso à leitura e à produção de diferentes gêneros
textuais por si só não assegura a construção de sujeitos leitores e escritores
autônomos. Se Foucambert destaca que se pode até ser alfabetizado, mas não ser
leitor, Albuquerque, no 1o capítulo deste livro, chama-nos a atenção para o fato de
que se pode ser letrado sem ser alfabetizado. Em ambos os casos, não há a
construção de sujeitos leitores e escritores autônomos. É preciso, portanto, que,
nesses momentos de leitura e escrita, seja oportunizado aos alunos compreender a
linguagem que se usa ao escrever os diferentes textos, ou seja, compreender as
características textuais de cada gênero em razão das funções que cumpre na
sociedade. Mas é preciso também que eles se apropriem da escrita que usamos ao
escrever textos, que, no nosso caso, é a escrita alfabética. Não adianta muito o
indivíduo saber identificar a que gênero o texto se refere e para que ele serve, se ele
não é capaz de recuperar sozinho as marcas registradas no papel.
98
pelo CEEL, planejaram uma seqüência de atividades que envolvia a leitura do livro
de literatura infantil “Chapeuzinho Amarelo”, de Chico Buarque com ilustração de
Ziraldo. A seguir, apresentaremos como as atividades foram desenvolvidas na turma
da referida professora, cuja aula foi observada pela bolsista Irlânia do Nascimento
Silva.
99
quis avaliar o conhecimento dos alunos sobre a história de Chapeuzinho Vermelho:
P.: “Olha, tem uma história que todo mundo conhece. É uma história de uma menina
que usa um chapeuzinho vermelho”.
A.: “Chapeuzinho Vermelho” (um aluno afirmou ser esse o nome da história a qual a
professora estava se referindo)
P.: “ Eita, eu ia dar mais pistas” ( a professora fez um comentário para a
turma) P.: “Olha, o que tinha nesta história?”
A.: “ Lobo” ( respondeu um
aluno) P.: “Quem tem medo do
lobo?”
A.: “Chapeuzinho Vermelho e todo mundo” (um outro aluno respondeu para a
professora)
P.: “ Quem mais tinha na história?”
Os alunos falaram dos personagens: Chapeuzinho Vermelho, a vovó, e a professora
lembrou do caçador.
A professora mostra o livro que iria ser lido e explora o autor e o ilustrador, fazendo
questões sobre eles:
P. “Mas, olhem. A surpresa que eu trouxe é uma história que eu acho que ninguém
conhece. Eu vou só mostrar a capa pra vocês verem”
(a professora afirmou isso para os alunos enquanto mostrava a capa do livro de
Chapeuzinho Amarelo para toda a turma) ...
P. “Olha, Chico Buarque é o autor. Ele fez o que mesmo?”
(perguntou a turma)
A.: “Escreveu a história” ( responderam alguns alunos)
P.: “ E a ilustração fala de quê?”
A.: “Quem desenhou a história”( afirmou um aluna)
P.: “Isto sim. Olha, Chico Buarque escreveu a história e deu para Ziraldo desenhar”
P.: “Alguém já ouviu falar de Chico Buarque e Ziraldo?
A.: “ Chico” ( afirmou um aluno)
P.: “ É mesmo? O que ele faz?” ( a professora perguntou a este aluno)
A.: “ Escritor”( respondeu o aluno)
P.: “Sim, mas o que ele é mais? Alguém sabe?”
Como os alunos não se pronunciaram, então a professora revelou-lhes os outros
talentos de Chico Buarque:
100
P.: “Ele é autor. Escreve letras de músicas e dá pra os outros cantarem”.... “E
Ziraldo. Olhem ele também inventou uma história de outro menino... É um menino
que tinha um panela na cabeça”
A.: “Ah! Eu conheço. É o menino maluquinho” ( afirmou um aluno)
P.: “Mas, olha. Quer dizer que Chico Buarque escreveu a história e quem
desenhou?”
A.: “Ziraldo”( respondeu um aluno)
Logo depois de obter essa resposta do aluno, a professora informou à classe que iria
começar a leitura do livro “Chapeuzinho Amarelo”. Enquanto ia lendo a história, ela
apresentava as ilustrações. Os alunos se mostraram interessados durante a leitura.
Em alguns momentos, a professora solicitava que eles completassem a frase,
fazendo antecipações, como no trecho apresentado a seguir:
P.: “E de todos os medos que tinha o medo mais medonho era o medo do tal do?”(a
professora interrompeu a leitura e fez uma pergunta a respeito desse trecho da
história)
A.: “Lobo” ( responderam alguns alunos)
A professora continuou com a leitura:
P.: “Um lobo que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha, cheio de teia de...?” (mais uma vez a professora
interrompe a leitura deste parágrafo e faz uma pergunta aos alunos)
A.: “Aranha” (responderam alguns alunos)
A professora continua a leitura:
P.: “ [...] numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do lobo nem existia”
101
1. Comparação de palavras:
103
P.: “Então, qual é o medo dele?”
A.: “É jibóia”( respondeu o
aluno)
P.: “Mas ele acertou? É jibóia não é?” (a professora pergunta ao outro aluno)
A.: “ É” (o aluno confirmou à professora)
Enfim, os livros de literatura estão cada vez mais presentes na escola e podem ser
lidos em uma atividade de leitura deleite, na qual se pode explorar não só a temática
do livro, mas o jogo de linguagem presente neles, levando o aluno a tentar lê-los
sozinho, identificando as palavras que já conseguem ler e refletindo sobre algumas
delas.
Trabalhando o jornal na sala de aula: ler e produzir textos, refletindo sobre algumas
palavras Objetivando trabalhar diferentes gêneros textuais com seus alunos, a
professora Abda Alves2, que lecionava em uma turma do 2º ano do 1º Ciclo na Rede
104
Municipal de Ensino do Recife, organizou o seu planejamento de modo a trabalhar a
cada semana um gênero específico. Como algumas alunas costumavam trazer para
ela o caderno do jornal intitulado “Revista da TV” desejando saber o que iria
acontecer na novela, a professora escolheu iniciar o trabalho tomando por base os
gêneros presentes no jornal.
2 Esse relato foi vivenciado numa turma do segundo ano do 1º ciclo (1ª série)
descrito pela professora Abda Alves, participante do Curso “Desafios da
Alfabetização” promovido pela Prefeitura do Recife.
Foi trabalhado, então, um anúncio de carro. O anúncio foi lido pela professora e,
após a leitura, ela apresentou o mesmo anúncio escrito num cartaz e destacou com
os alunos quais as informações contidas nele e como esse se estruturava. A
professora chamou a atenção para a necessidade de se colocar o essencial em
relação à descrição do produto e a estratégia de abreviar as palavras, objetivando
tornar o texto mais barato. A professora também questionou com os alunos se o
anúncio no jornal era a única forma de se oferecer um produto para vender, ao que
105
os alunos disseram que não e citaram o hábito de colocar placas na frente das casas
quando se tinha algo para vender.
Foi solicitado, então, aos alunos que destacassem do anúncio lido algumas
informações contidas nele, tais como, modelo, ano, cor, acessórios, etc. À medida
que os alunos destacavam as informações, a professora as escrevia no quadro,
perguntando-lhes como se escrevia a palavra, quantas sílabas tinha, etc. Depois de
colocadas todas as informações, a professora destacou o nome do carro PARATI e
pediu que os alunos verificassem se era possível encontrar nele outras palavras. As
crianças foram capazes de perceber a palavra PARA, mas o TI não conseguiram
perceber. A professora então explicou que o TI era um pronome e assim como nós
falamos “para mim” ao se referir à própria pessoa, ao falarmos com outra, podemos
utilizar o “para ti” no lugar do “para tu”, como normalmente dizemos.
Após a explicação, ela pediu que os alunos citassem palavras que começassem
como a palavra PARATI e ia registrando no quadro essas palavras e refletindo com
eles o número de sílabas que a palavra tinha, qual a primeira sílaba, qual a última,
qual o número de letras, se havia mais letras ou mais sílabas, etc.
Depois foi pedido que cada aluno em seu caderno desenhasse e escrevesse o nome
de objetos que começavam como PARATI. Depois de realizada a tarefa, a
professora pediu que alguns alunos lessem uma das palavras que escreveram e que
a colocassem no quadro.
Nesse momento, ela realiza a análise dessas palavras com os outros alunos, para
que eles verificassem se estava correta, se faltava alguma letra, se alguma foi
trocada e coisas desse tipo.
No final das atividades desse dia, a professora solicitou que os alunos trouxessem
106
de casa um objeto para que, no dia seguinte, eles pudessem elaborar um anúncio de
venda para o objeto trazido de casa.
E, se nossos alunos vêm de um meio social onde essas situações de interação com
o material escrito são escassas, é papel da escola oportunizar o contato com esse
107
tipo de material. Entretanto, sem esquecer de garantir aos alunos atividades de
reflexão sobre a palavra, de modo a permitir a construção de conhecimentos acerca
do sistema alfabético de escrita. E é isso que a professora Abda faz com muita
propriedade.
Enfim...
108
que contemplem os usos sociais da leitura e da escrita e aquelas que se relacionam
à apropriação do sistema de escrita caminhem juntas. Ou seja, é preciso alfabetizar
letrando.
Esse tem sido o desafio colocado para todos os que hoje são responsáveis pela
alfabetização de milhões de crianças deste país.
Proporcionar a essas crianças o efetivo domínio tanto da linguagem escrita quanto
da escrita da linguagem. Só assim poderemos formar sujeitos que leiam e escrevam
com autonomia e competência.
Os relatos das atividades vivenciadas pelas professoras Rosivânia e Abda nos
mostram que é possível vencer o desafio de alfabetizar letrando.
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
110
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: repensando o ensino da língua escrita
Capitaneada pelas publicações de Angela Kleiman, (95) Magda Soares (95, 98) e
Tfouni (95), a concepção de letramento contribuiu para redimensionar a
compreensão que hoje temos sobre: a) as dimensões do aprender a ler e a escrever;
b) o desafio de ensinar a ler e a escrever; c) o significado do aprender a ler e a
escrever, c) o quadro da sociedade leitora no Brasil d) os motivos pelos quais tantos
deixam de aprender a ler e a escrever, e e) as próprias perspectivas das pesquisas
sobre letramento.
111
As dimensões do aprender a ler e a escrever
112
alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas
um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades
mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a
escrita. (1995, p. 19)
113
O desafio de ensinar a ler e a escrever
1) O embate conceitual
114
Note-se, contudo, que a oposição da referida autora circunscreve-se estritamente ao
perigo da dissociação entre o aprender a escrever e o usar a escrita (“retrocesso”
porque representa a volta da tradicional compreensão instrumental da escrita).
Como árdua defensora de práticas pedagógicas contextualizadas e signifcativas
para o sujeito, o trabalho de Emília Ferreiro, tal como o dos estudiosos do
letramento, apela para o resgate das efetivas práticas sociais de língua escrita o que
faz da oposição entre eles um mero embate conceitual.
2) O embate ideológico
Mais severo do que o embate conceitual, a oposição entre os dois modelos descritos
por Street (1984) [vi] representa um posicionamento radicalmente diferente, tanto no
que diz respeito às concepções implícita ou explicitamente assumidas quanto no que
tange à pratica pedagógica por elas sustentadas.
115
O “Modelo Autônomo”, predominante em nossa sociedade, parte do princípio de
que, independentemente do contexto de produção, a língua tem uma autonomia
(resultado de uma lógica intrínseca) que só pode ser apreendida por um processo
único, normalmente associado ao sucesso e desenvolvimento próprios de grupos
“mais civilizados”.
116
O significado do aprender a ler e a escrever
117
redimensionaram as diretrizes para a alfabetização e ampliaram a reflexão sobre o
significado dessa aprendizagem, os estudos sobre o letramento obrigam-nos a
reconfigurar o quadro da sociedade leitora no Brasil. Ao lado do índice nacional de
16.295.000 analfabetos no país (IBGE, 2003), importa considerar um contingente de
indivíduos que, embora formalmente alfabetizados, são incapazes de ler textos
longos, localizar ou relacionar suas informações.
Por que será que tantas crianças e jovens deixam de aprender a ler e a escrever?
Por que é tão difícil integrar-se de modo competente nas práticas sociais de leitura e
escrita?
Com ironia e bom humor, o exemplo acima explica o caso bastante freqüente de
119
jovens inteligentes que aprenderam a lidar com tantas situações complexas da vida
(aquisição da linguagem, transações de dinheiro, jogos de computador, atividades
profissionais, regras e práticas esportivas entre outras), mas que não conseguem
disponibilizar esse reconhecido potencial para superar a condição de analfabetismo
e baixo letramento.
120
Como exemplo de um mecanismo de resistência ao mundo letrado construído por
práticas pedagógicas (ainda que involuntariamnete ideologizantes) no cotidiano da
sala de aula, Kleiman (2001) expõe o caso de um grupo de jovens que se rebelaram
ante a proposta da professora de examinar bulas de remédio. Como recurso didático
até bem intencionado, o objetivo da tarefa era o de aproximar os alunos da escrita,
favorecendo a compreensão de seus usos, nesse caso, chamando a sua atenção
para os perigos da auto-medicação e para a importância de se informar antes de
tomar uma medicação (posologia, reações adversas, efeitos colaterais, etc). Do
ponto de vista dos alunos, o repúdio à tarefa, à escola e muito provavelmente à
escrita foi uma reação contra a implícita proposta de fazer parte de um mundo ao
qual nem todos podem ter livre acesso: o mundo da medicina, da possibilidade de
ser acompanhado por um médico e da compra de remédios.
alfabetização - o longo e difícil caminho que o sujeito pouco letrado tem a percorrer,
a reação dele em face da artificialidade das práticas pedagógica e a negação do
mundo letrado – acaba por expulsar o aluno da escola, um destino cruel, mas
evitável se o professor souber instituir em classe uma interação capaz de mediar as
tensões, negociar significados e construir novos contextos de inserção social.
Embora o termo “letramento” remeta a uma dimensão complexa e plural das práticas
sociais de uso da escrita, a apreensão de uma dada realidade, seja ela de um
determinado grupo social ou de um campo específico de conhecimento (ou prática
profissional) motivou a emergência de inúmeros estudos a respeito de suas
especificidades. É por isso que, nos meios educacionais e acadêmicos, vemos surgir
a referência no plural “letramentos”.
121
“letramento escolar”; analisar particularidades culturais, como por exemplo o
“letramento das comunidades operárias da periferia de São Paulo”, ou ainda
compreender as exigências de aprendizagem em uma área específica, como é o
caso do “letramento científico”, “letramento musical” o “letramento da informática ou
dos internautas”. Em cada um desses universos, é possível delinear práticas
122
NOTAS
[ii] No Brasil, o termo “letramento” foi usado pela 1 a vez por Mary Kato, em 1986, na
obra “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística” (São Paulo, Ática).
Dois anos depois, passa a representar um referencial no discurso da educação, ao
ser definido por Tfouni em “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso” (São
Paulo, Pontes) e retomado em publicações posteriores.
[iv] Como evidência desse paralelismo, é possível, por exemplo, termos casos de
pessoas letradas e não alfabetizadas (indivíduos que, mesmo incapazes de ler e
escrever, compreendem os papéis sociais da escrita, distinguem gêneros ou
reconhecem as diferenças entre a língua escrita e a oralidade) ou de pessoas
alfabetizadas e pouco letradas (aqueles que, mesmo dominando o sistema da
escrita, pouco vislumbram suas possibilidades de uso).
[v] Em uma sociedade como a nossa, o mais comum é que a alfabetização seja
desencadeada por práticas de letramento, tais como ouvir histórias, observar
cartazes, conviver com práticas de troca de correspondência, etc. No entanto, é
possível que indivíduos com baixo nível de letramento (não raro membros de
comunidades analfabetas ou provenientes de meios com reduzidas práticas de
leitura e escrita) só tenham a oportunidade de vivenciar tais eventos na ocasião de
ingresso na escola, com o início do processo formal de alfabetização.
123
[viii] Para mais dados sobre a pesquisa do INAF (objetivos, população envolvida,
critérios de análise e resultados obtidos), remetemos o leitor à leitura de Ribeiro
(2003).
REFERÊNCIAS
125
NOVAS PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA: letramento na cibercultura
Magda Soares*
Conceitos de letramento
126
posterior, a autora declara entender letramento "como as práticas e eventos
relacionados com uso, função e impacto social da escrita" (idem, 1998, p. 181).
Nessa concepção, letramento são as práticas sociais de leitura e escrita e os eventos
em que essas práticas são postas em ação, bem como as conseqüências delas
sobre a sociedade.
Já Tfouni (1988, p. 16), em obra que foi uma das primeiras a não só utilizar, mas
também a definir o termo letramento, conceitua-o em confronto com alfabetização,
conceito que reafirma em obra posterior: "Enquanto a alfabetização ocupa-se da
aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza
os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade"
(idem, 1995, p. 20). A autora reafirma essa diferença entre alfabetização e
letramento insistindo no caráter individual daquela e social deste:
127
Embora mantendo esse foco nas práticas sociais de leitura e de escrita, este texto
fundamenta-se numa concepção de letramento como sendo não as próprias práticas
de leitura e escrita, e/ou os eventos relacionados com o uso e função dessas
práticas, ou ainda o impacto ou as conseqüências da escrita sobre a sociedade, mas,
para além de tudo isso, o estado ou condição de quem exerce as práticas sociais de
leitura e de escrita, de quem participa de eventos em que a escrita é parte integrante
da interação entre pessoas e do processo de interpretação dessa interação – os
eventos de letramento, tal como definidos por Heath (1982, p. 93): "A literacy event is
any occasion in which a piece of writing is integral to the nature of participant's
interactions and their interpretive processes." (Um evento de letramento é qualquer
situação em que um portador qualquer de escrita é parte integrante da natureza das
interações entre os participantes e de seus processos de interpretação.) Ou seja:
coerentemente com o conceito apresentado em Soares (1998b), letramento é, na
argumentação desenvolvida neste texto, o estado ou condição de indivíduos ou de
grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais
de leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento. O que
esta concepção acrescenta às anteriormente citadas é o pressuposto de que
indivíduos ou grupos sociais que dominam o uso da leitura e da escrita e, portanto,
têm as habilidades e atitudes necessárias para uma participação ativa e competente
em situações em que práticas de leitura e/ou de escrita têm uma função essencial,
mantêm com os outros e com o mundo que os cerca formas de interação, atitudes,
competências discursivas e cognitivas que lhes conferem um determinado e
diferenciado estado ou condição de inserção em uma sociedade letrada.3
128
Letramento é, nesta concepção, o contrário de analfabetismo (razão pela qual a
palavra alfabetismo tem sido freqüentemente usada em lugar de letramento, e seria
mesmo mais vernácula que esta última). Se analfabetismo é, como habitualmente
definido nos dicionários, o estado de analfabeto (cf. Michaelis, Moderno dicionário da
língua portuguesa), o estado ou condição de analfabeto (cf. Novo Aurélio Século XXI
e Dicionário HouaiSS da língua portuguesa), o contrário de analfabetismo –
alfabetismo ou letramento – é o estado ou condição de quem não é analfabeto. Aliás,
na própria formação da palavra letramento está presente a idéia de estado: a palavra
traz o sufixo -mento, que forma substantivos de verbos, acrescentando a estes o
sentido de "estado resultante de uma ação", como ocorre, por exemplo, em
acolhimento, ferimento, sofrimento, rompimento, lançamento; assim, de um verbo
letrar (ainda não dicionarizado, mas necessário para designar a ação educativa de
desenvolver o uso de práticas sociais de leitura e de escrita, para além do apenas
ensinar a ler e a escrever, do alfabetizar), forma-se a palavra letramento: estado
resultante da ação de letrar.
129
Da oralidade à escrita
Também os estudos sobre poemas épicos orais, feitos por Milman Parry e Albert
Lord, tomando como objeto de análise Homero e os poetas épicos da antiga
Iugoslávia, relatados em Lord (1960), e ainda os estudos de Havelock (1963, 1982,
1986) sobre a introdução da escrita na Grécia antiga, evidenciam, sempre tendo
como termo de referência o texto escrito, as características dos textos orais,
memorizados e recitados, características determinadas por sua forma de recepção,
por seu gênero, por sua função (preservação da memória), por seus destinatários.
Por outro lado, Goody (1977, 1987) analisa, fundamentando-se em pesquisas
históricas e antropológicas, as diferenças de "mentalidade" entre povos de culturas
ágrafas e povos de culturas letradas. Esses autores evidenciam como a introdução e
prática da escrita trouxeram significativas mudanças na recepção do texto, nos
gêneros e funções do texto, nos processos cognitivos e discursivos, enfim, no estado
ou condição dos destinatários dos textos.
Para Ong, Parry, Lord, Havelock e Goody, o confronto e contraposição entre culturas
letradas e culturas de oralidade primária permitiram uma compreensão mais ampla
não só destas, mas também daquelas; da mesma forma, podemos buscar uma
compreensão mais ampla da natureza do letramento na cultura do papel pela análise
do processo em andamento, na cibercultura, de desenvolvimento de novas práticas
digitais de leitura e de escrita, em confronto e contraposição com as já tradicionais
práticas sociais quirográficas e tipográficas de leitura e de escrita. Ou seja: recuperar
o significado de um letramento já ocorrido e já internalizado, flagrando um novo
letramento que está ocorrendo e apenas começa a ser internalizado.
130
Tecnologias de escrita e letramento
Esse condicionamento tem sido estudado, ora defendido ora contestado, por muitos,
em relação aos efeitos sobre culturas orais ou sobre indivíduos não-letrados, da
introdução e prática da tecnologia de escrita quirográfica e tipográfica (basta citar
aqui a admirável revisão e argumentação em torno desse tema feita por Olson,
1994). O mesmo começa a ocorrer em relação aos efeitos da introdução e prática da
tecnologia de escrita digital sobre culturas de letramento tipográfico; entre os autores
que vêm desenvolvendo essa reflexão, destacam-se Lévy (1993, 1999) e Chartier
(1994, 1998, 2001).
Neste texto, não se pretende discutir propriamente esses efeitos, mas identificar as
principais diferenças entre as tecnologias tipográficas e as tecnologias digitais de
leitura e escrita, para delas tentar inferir as mudanças que provavelmente estão
ocorrendo, ou virão a ocorrer, na natureza do letramento – do estado ou condição de
"letrado", e assim compreender melhor o próprio conceito de letramento.
Os espaços de escrita
Espaço de escrita, na definição de Bolter (1991), é "o campo físico e visual definido
por uma determinada tecnologia de escrita". Todas as formas de escrita são
espaciais, todas exigem um "lugar" em que a escrita se inscreva/escreva, mas a
cada tecnologia corresponde um espaço de escrita diferente. Nos primórdios da
história da escrita, o espaço de escrita foi a superfície de uma tabuinha de argila ou
madeira ou a superfície polida de uma pedra; mais tarde, foi a superfície interna
contínua de um rolo de papiro ou de pergaminho, que o escriba dividia em colunas;
finalmente, com a descoberta do códice, foi, e é, a superfície bem delimitada da
página – inicialmente de papiro, de pergaminho, finalmente a superfície branca da
página de papel. Atualmente, com a escrita digital, surge este novo espaço de
escrita: a tela do computador.
132
escrita pública em monumentos; a página, propiciando o códice, tornou possível a
escrita de variados gêneros, de longos textos.
Em síntese, a tela, como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas
formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e
até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. Embora os
estudos e pesquisas sobre os processos cognitivos envolvidos na escrita e na leitura
de hipertextos sejam ainda poucos (ver, por exemplo, além das já citadas obras de
Lévy, também Rouet, Levonen, Dillon e Spiro, 1996), a hipótese é de que essas
mudanças tenham conseqüências sociais, cognitivas e discursivas, e estejam,
assim, configurando um letramento digital, isto é, um certo estado ou condição que
adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de
leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos
que exercem práticas de leitura e de escrita no papel. Para alguns autores, os
processos cognitivos inerentes a esse letramento digital reaproximam o ser humano
de seus esquemas mentais; Ramal (2002, p. 84) afirma:
134
Estamos chegando à forma de leitura e de escrita mais próxima do nosso próprio
esquema mental: assim como pensamos em hipertexto, sem limites para a
imaginação a cada novo sentido dado a uma palavra, também navegamos nas
múltiplas vias que o novo texto nos abre, não mais em páginas, mas em dimensões
superpostas que se interpenetram e que podemos compor e recompor a cada
leitura.
Também Bolter (1991, p. 21-22) afirma que a escrita no papel, com sua exigência de
uma organização hierárquica e disciplinada das idéias, contraria o fluxo natural do
pensamento, que se dá por associações, em rede – segundo esse autor, é o
hipertexto que veio legitimar o registro desse pensamento por associações, em rede,
tornando-o possível ao escritor e ao leitor.
Já Lévy (1999, p. 157) afirma que a cibercultura traz uma mutação da relação com o
saber. Para este autor, "o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que
amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas",
como a memória, que "se encontra tão objetivada em dispositivos automáticos, tão
separada do corpo dos indivíduos ou dos hábitos coletivos que nos perguntamos se
a própria noção de memória ainda é pertinente" (Lévy, 1993, p. 118); como a
imaginação, que se enriquece com as simulações; como a percepção, que se
amplifica com os sensores digitais, as realidades virtuais. Chartier (1994, p. 100-101)
considera o texto na tela uma revolução do espaço da escrita que altera
fundamentalmente a relação do leitor com o texto, as maneiras de ler, os processos
cognitivos:
135
Pode-se concluir que a tela como espaço de escrita e de leitura traz não apenas
novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos,
novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um
novo letramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem
práticas de escrita e de leitura na tela. É deste novo letramento que nos fala Bolter,
um entusiasta das novas tecnologias, em seu já clássico livro (1991):
The printed book [...] seems destined to move to the margin of our literate culture.
[…] the idea and the ideal of the book will change: print will no longer define the
organization and presentation of knowledge, as it has for the past five centuries. This
shift from print to the computer does not mean the end of literacy. What will be lost is
not literacy itself, but the literacy of print, for electronic technology offers us a new
kind of book and new ways to write and read. The shift to the computer will make
writing more flexible, but it will also threaten the definitions of good writing and careful
reading that have been fostered by the technique of printing. […] The computer is
restructuring our current economy of writing. It is changing the cultural status of
writing as well as the method of producing books. It is changing the relationship of
the author to the text and of both author and text to the reader. (p. 2-3)8
modo que cópias do mesmo texto raramente eram idênticas; além disso, ao
possuidor ou ao leitor do manuscrito era garantida a possibilidade de intervir no
texto, acrescentando títulos, notas, observações pessoais, porque espaços em
branco eram deixados para essa finalidade.
136
Embora a invenção da imprensa, e para isso alertou Chartier (1998, p. 7-9), não
tenha representado uma transformação tão radical como se costuma supor – "um
livro manuscrito (sobretudo nos seus últimos séculos, XIV e XV) e um livro pós-
Gutemberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais, as do códex", a
verdadeira "revolução" tendo sido, na verdade, a descoberta deste, o códex – a
"revolução" de Gutemberg alterou profundamente as formas de produção, de
reprodução e de difusão da escrita, e, conseqüentemente, modificou
significativamente as práticas sociais e individuais de leitura e de escrita – modificou
o letramento, isto é, o estado ou condição de quem participa de eventos em que tem
papel fundamental a escrita.
137
de volta características da cultura do texto manuscrito: como o texto manuscrito, e
ao contrário do texto impresso, também o texto eletrônico não é estável, não é
monumental e é pouco controlado. Não é estável porque, tal como os copistas e os
leitores freqüentemente interferiam no texto, também os leitores de hipertextos
podem interferir neles, acrescentar, alterar, definir seus próprios caminhos de leitura;
não é monumental porque, como conseqüência de sua não-estabilidade, o texto
eletrônico é fugaz, impermanente e mutável; é pouco controlado porque é grande a
liberdade de produção de textos na tela e é quase totalmente ausente o controle da
qualidade e conveniência do que é produzido e difundido.
Enquanto no texto impresso é grande a distância entre autor e leitor – segunto Bolter
(1991, p. 3), o autor do texto impresso é a monumental figure (uma figura
monumental) e o leitor é apenas a visitor in the author's cathedral (um visitante na
catedral do autor) – no texto eletrônico, a distância entre autor e leitor se reduz,
porque o leitor se torna, ele também, autor, tendo liberdade para construir, ativa e
independentemente, a estrutura e o sentido do texto. Na verdade, o hipertexto é
construído pelo leitor no ato mesmo da leitura: optando entre várias alternativas
propostas, é ele quem define o texto, sua estrutura e seu sentido. Enquanto no texto
impresso, cuja linearidade, por si só, já impõe uma estrutura e uma seqüência, o
autor procura controlar o leitor, lançando mão de protocolos de leitura que definam
os limites da interpretação e impeçam a superinterpretação, como propõe Umberto
Eco (1995, 2001), no texto eletrônico, ao contrário, o autor será tanto mais
competente quanto mais alternativas de estruturação e seqüenciação do texto
possibilite, quanto mais opções de interpretação ofereça ao leitor. Na verdade, o
hipertexto não tem propriamente um autor; em primeiro lugar, porque a
intertextualidade, presente, no texto impresso, quase exclusivamente por alusão, no
hipertexto se materializa, na medida em que este se constrói pela articulação de
textos diversos, de diferentes autorias – no hipertexto, não há uma autoria, mas uma
multi-autoria. Assim, o texto eletrônico exige uma reconceituação radical de autoria,
de propriedade sobre a obra, de direitos autorais (questões polêmicas que vêm
sendo amplamente discutidas, mas ainda não resolvidas), o que tem, sem dúvida,
efeitos nas práticas de leitura e de escrita.
138
enquanto, na cultura impressa, editores, conselhos editoriais decidem o que vai ser
impresso, determinam os critérios de qualidade, portanto, instituem autorias e
definem o que é oferecido a leitores, o computador possibilita a publicação e
distribuição na tela de textos que escapam à avaliação e ao controle de qualidade:
qualquer um pode colocar na rede, e para o mundo inteiro, o que quiser; por
exemplo, um artigo científico pode ser posto na rede sem o controle dos conselhos
editoriais, dos referees, e ficar disponível para qualquer um ler e decidir
individualmente sobre sua qualidade ou não.
Pode-se concluir que não é só este novo espaço de escrita que é a tela que gera um
novo letramento, para isso também contribuem os mecanismos de produção,
reprodução e difusão da escrita e da leitura. Segundo Eco (1996), os eventos de
letramento que ocorrem com a intermediação da Internet exigem novas práticas e
novas habilidades de leitura e de escrita: "We need a new form of critical
competence, an as yet unknown art of selection and decimation of information, in
short, a new wisdow" (Precisamos de uma nova forma de competência crítica, uma
ainda desconhecida arte de seleção e eliminação de informação, em síntese, uma
nova sabedoria).
Letramentos, o plural
Dados os limites e objetivos deste texto, esses muitos letramentos não são aqui
discutidos; propõe-se o uso do plural letramentos para enfatizar a idéia de que
diferentes tecnologias de escrita geram diferentes estados ou condições naqueles
que fazem uso dessas tecnologias, em suas práticas de leitura e de escrita:
diferentes espaços de escrita e diferentes mecanismos de produção, reprodução e
difusão da escrita resultam em diferentes letramentos.
Voltando ao primeiro parágrafo deste texto, o que aqui se pretendeu foi perseguir
uma mais ampla compreensão de letramento, buscando, para além do sentido com
que essa palavra e fenômeno vêm sendo usados, limitadamente com referência
apenas a práticas de leitura e de escrita no contexto de uma cultura do papel, um
novo sentido, conseqüência do surgimento, ao lado da cultura do papel, de uma
cibercultura. A conclusão é que letramento é fenômeno plural, historicamente e
contemporaneamente: diferentes letramentos ao longo do tempo, diferentes
letramentos no nosso tempo.
Notas
140
sociais (cf. Scribner & Cole, 1981); essa objeção, porém, não invalida o pressuposto:
se a escolarização tem efeitos sociais, cognitivos, discursivos sobre os indivíduos e
grupos sociais, conseqüentemente as práticas de leitura e escrita também têm, ou
mesmo sobretudo têm, já que o componente mais forte da escolarização são, sem
dúvida, as práticas de leitura e de escrita.
5. Para Ong (1982, p. 6), oralidade primária é "the orality of cultures untouched by
literacy"; para Lévy (1993, p. 77): "A oralidade primária remete ao papel da palavra
antes que uma sociedade tenha adotado a escrita, a oralidade secundária está
relacionada a um estatuto da palavra que é complementar ao da escrita, tal como o
conhecemos hoje. Na oralidade primária, a palavra tem como função básica a
gestão da memória social, e não apenas a livre expressão das pessoas ou a
comunicação prática cotidiana. Hoje em dia, a palavra viva, as palavras que 'se
perdem no vento', destaca-se sobre o fundo de um imenso corpus de textos: 'os
escritos que permanecem'. O mundo da oralidade primária, por outro lado, situa-se
antes de qualquer distinção escrito/falado."
141
7. É preciso lembrar, porém, autores que, já antes do texto na tela, lançaram mão,
no texto no papel, de estratégias do hipertexto; pode-se citar, como exemplos: O
jogo da amarelinha, de Cortázar, O jardim de veredas que se bifurcam, de Borges,
Se numa noite de inverno um viajante, de Calvino.
8. "O livro impresso [...] parece estar destinado a afastar-se para a margem de nossa
cultura letrada. [...] a idéia e o ideal do livro será alterado: o impresso não mais
definirá a organização e a apresentação do conhecimento, como aconteceu nos
últimos cinco séculos. Essa mudança da imprensa para o computador não significa o
fim do letramento. O que será perdido não é propriamente o letramento, mas o
letramento da imprensa, porque a tecnologia eletrônica oferece-nos um novo tipo de
livro e novas maneiras de escrever e de ler. A mudança para o computador tornará a
escrita mais flexível, mas também alterará as definições de escrita de boa qualidade
e de leitura cuidadosa que foram geradas pela técnica da impressão. [...] O
computador está reestruturando nossa atual economia de escrita. Está mudando o
status cultural da escrita e também o método de produção de livros. Está mudando a
relação do autor com o texto e de ambos, autor e texto, com o leitor".
9. Por exemplo, em língua inglesa, são numerosas obras recentes que trazem, em
seu próprio título, a palavra no plural, como: GEE, J.P. Social linguistics and
literacies. London: Taylor & Francis, 1996; BARTON, D.; HAMILTON, M. Local
literacies. London: Routledge, 1998; LANKSHEAR, C. Changing literacies.
Buckingham, Philadelphia: Open University PreSS , 1997; BARTON, D.; HAMILTON,
M.; IVANIC, R. (EDS .) Situated literacies. London: Routledge, 2000; GREGORY, E.;
WILLIANS, A. City literacies. London: Routledge, 2000; COPE, B.; KALANTZIS, M.
(EDS .). Multiliteracies. London: Routledge, 2000. Entre nós, foi recentemente
publicado livro que propõe o conceito de letramentos múltiplos: CAVALCANTE JR.,
F.S. Por uma escola do sujeito: o método (con)texto de letramentos múltiplos.
Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001.
REFERÊNCIAS
142
CHARTIER, R. Do códex à tela: as trajetórias do escrito. In: CHARTIER, R. A
ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e
XVIII. Brasília, DF : UnB, 1994. p. 95-111. [ Links ]
GOODY, J. The interface between the written and the oral. Cambridge:
Cambridge University, 1987. [ Links ]
HAVELOCK, E.A. The literate revolution in Greece and its cultural consequences.
Princeton: Princeton University, 1982. (Trad. português: A revolução da escrita na
Grécia e suas conseqüências culturais. São Paulo: UNESP: Rio de Janeiro: Paz
& Terra, 1996). [ Links ]
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from antiquity to the present. New Haven: Yale University, 1986. [ Links ]
143
LORD, A.B. The singer of tales. Cambridge, Mass .: Harvard
University, 1960. [ Links ]
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writing and reading. Cambridge: Cambridge University, 1994. (Trad. português: O
mundo no papel. São Paulo: Ática, 1997). [ Links ]
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Methuen, 1982. (Trad. português: Oralidade e cultura escrita. Campinas:
Papirus,
1998). [ Links ]
ROUET, J.-F. et al. (EDS .). Hypertext and cognition. Mahwah, N. J.: L.
Erlbaum, 1996. [ Links ]
SOARES, M. Letramento: como definir, como avaliar, como medir. In: SOARES,
M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998a, p. 61-
125. [ Links ]
144
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Catarina Gonçalves
145
contexto de reflexões sobre a importância das habilidades necessárias para o uso
competente da leitura e da escrita, habilidades estas que estariam para além do
simplesmente saber ler e escrever.
Essa proposta de mudança ocorre em virtude da contemporaneidade exigir novas
competências dos cidadãos em relação aos usos da leitura e escrita. É fato que o
índice de alfabetização aumentou bastante nos últimos anos, mas é fato também
que, para a plena participação social do indivíduo, exige-se domínio da língua, pois é
por meio dela que podemos expressar sentimentos, opiniões, idéias, experiências,
etc. Através da língua, interagimos com a sociedade para compreendê-la, recriando-
a, tornando-nos seres ativos, pois o ato de saber se expressar faz parte das
competências socialmente exigidas para o exercício da cidadania, e assim como
MARCUSCHI apud DIONÍZIO (2001, p. 26), acreditamos que a língua é a grande
ferramenta diária da qual ninguém poderá abdicar durante toda a sua vida, venha ele
a fazer seja lá o que for. Assim, o sujeito hoje precisa ser crítico e atuante, o que
requer que ele tenha domínio da língua escrita, esta, sendo vista como algo além de
um sistema de códigos, mas como um sistema que possibilite uma atuação dinâmica
e capaz de ser transformadora da realidade.
Nos PCN 1997 (p.08) encontramos que para o trabalho com a linguagem, “cabe à
escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente,
ensinar a produzi-los e a interpretá-los. Isso inclui os textos das diferentes
disciplinas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar
e que, mesmo assim, não consegue manejar, pois não há um trabalho planejado
com essa finalidade”. Assim, percebe-se que as recomendações para o trabalho
com linguagem escrita em sala de aula, deve-se proporcionar situações de
146
aprendizagem e reflexão sobre a língua. Nessas atividades, devem ser trabalhados
variados textos, dando a possibilidade do aluno compreender os diferentes usos,
refletir sobre a variedade de recursos que a língua oferece para que se alcance
diferentes finalidades comunicativas, além de possibilitarem aquisição do Sistema de
Escrita Alfabética (SEA).
Nas escolas o ensino de português era voltado para a aprendizagem dos códigos
que possibilitavam a capacidade de ler, ou melhor, decodificar. A interação com
textos em sala de aula era limitada, e os materiais escritos que circulavam no
espaço escolar eram textos graduados, produzidos com um objetivo muito
específico: Ensinar a ler e escrever.
A partir dos anos 50 até o último Censo (2000) uma nova realidade começou a ser
demandada. O critério para identificar indivíduos alfabetizados passou a ser ler e
escrever um bilhete simples. A partir de então o cidadão deveria saber usar a leitura
e a escrita para exercer uma prática social em que a escrita é necessária, o que
indica mudanças na expectativa social em termos da funcionalidade da leitura e
escrita, não apenas para o indivíduo alfabetizado, mas para a sociedade como um
todo.
Nas escolas, não houve modificação na mesma época. Apenas em torno dos anos
80, influenciada pelas pesquisas construtivistas, sócio-construtivistas e
psicolingüísticas.
Nos últimos anos, novas pesquisas vem sendo realizadas 1, tomando como base os
anos de escolaridades dos sujeitos, o que pressupõe que o domínio da escrita exige
147
habilidades para além do apenas ser capaz de ler e escrever bilhetes simples. O que
requer portanto, que a escola prepare os indivíduos para a superação dessa
capacidade.
Literacy quer dizer capacidade de ler e escrever. Nessa língua o termo é utilizado
como sinônimo de alfabetização e habilidade de se inserir em práticas sociais de
leitura e escrita.
148
Letramento e Alfabetização são práticas distanciadas, mas que no Brasil, diferente
dos países desenvolvidos, o vocábulo Letramento não substitui o termo
Alfabetização, mas sim são termos complementares e que tem sentido da forma
como a cultura letrada se realiza no Brasil.
Essa discussão em torno da Alfabetização e do Letramento, tem suscitado uma
série de polêmicas e equívocos. Pode-se dizer que a causa desses equívocos é
uma incompreensão do que venha a ser, efetivamente, o Letramento, uma vez que
“no Brasil os conceitos de Alfabetização e Letramento se mesclam, superpõem e
freqüentemente se confundem”, o que leva a perda das especificidades de cada um
dos dois processos. (Soares).
Dentre os teóricos que não citam a palavra Letramento, porém o defendem, mesmo
que de forma implícita, em suas práticas de Alfabetização, citamos Freire, que em
149
seus estudos atribuía à Alfabetização a capacidade do indivíduo organizar
criticamente o seu pensamento, desenvolver consciência critica, e introduzir-se num
processo real de democratização da cultura e de libertação. (Freire, 1996).
Outros teóricos preferem, no entanto, distinguir esses dois termos, apontando suas
especificidades e limites. Como afirma Ribeiro (2004), o termo letramento, está
bastante disseminado no ambiente acadêmico brasileiro e também entre os
educadores; entretanto ainda é desconhecido pela maior parte da população.
Sua aceitação e a delimitação de seu sentido ainda não são unânimes o que torna,
nesse momento, fundamental ressaltar que é preciso além de valorizar o letramento
como elemento fundamental nas práticas docentes, conceituar o que venha a ser
essa prática neste estudo, pois como afirma André (2001: 58) termos como este,
“que podem ser usados para propósitos tão variados, correm o risco de esvaziarem-
se, banalizando a própria idéia”, pois algo que serve para tudo pode não servir para
nada.
Kleiman (1995) define Letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a
escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos.
Para Soares (2003. a), Letramento é o estado ou condição em que vive o indivíduo
que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita
que circulam na sociedade em que vive. No que se refere ao termo Alfabetização a
autora afirma que é o ato de saber ler e escrever. Em outro estudo, (Soares 2004),
complementa a conceituação de Letramento definindo-o como exercício efetivo e
competente da tecnologia da escrita.
150
já o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema
escrito por uma sociedade”.
Britto (2004) chama a atenção para a necessidade de não apenas conceituar, mas
também delimitar o conceito de Letramento, percebendo seus usos e suas
especificidades:
O apontamento feito por Brito é também discutido por Tfouni, quando a autora afirma
que Alfabetização e Letramento são processos interligados, porém separados
enquanto abrangência e natureza. Além de diferenciar os dois fenômenos a autora
chama a atenção para a importância dessa consciência pois:
1995:25)
151
brasileiro vem ocorrendo uma falsa compreensão dos mesmos, acarretando altos
índices de fracasso escolar na aquisição da leitura e escrita.
Esse novo caminho exige das escolas uma revisão das práticas pedagógicas para o
ensino das séries iniciais, o que impõe desafios aos profissionais de educação que
atuam nas escolas. Desse modo a prática pedagógica passa a ter bastante
relevância nas atividades de alfabetização, no sentido de se buscar um equilíbrio
entre o trabalho de aquisição do código, articulado ao domínio da leitura e escrita.
153
formação inicial, ou apresentam uma interpretação equivocada do mesmo. Mas,
embora compreendamos a dificuldade, acreditamos na possibilidade, pois “o saber
dos professores não provém de uma fonte única, mas de várias fontes e de
diferentes momentos da história de vida e da carreira profissional” o que possibilita a
compreensão desse conceito. (Tardif, 2004:18)
Valorizar o professor, sobretudo o alfabetizador, seus saberes e sua prática é buscar
entender, não só a literatura, mas a dinâmica da sala de aula, uma vez que o
conhecimento científico é ressignificado pelo professor no cotidiano escolar.
Assim, à medida que o professor reconstrói seus saberes e sua prática, precisa
pensar em metodologias de ensino que articulem a alfabetização e o letramento. O
processo de aquisição do sistema de escrita alfabética precisa ocorrer inserido no
trabalho com materiais escritos que circulam na sociedade, levando os alunos a
compreenderem seu uso. Ou seja, é necessário alfabetizar em um contexto de
letramento, é necessário ALFABETIZAR LETRANDO. Isto é, fazer com que a
criança se aproprie do sistema alfabético e ortográfico da língua, garantindo-lhe
plenas condições de usar a língua nas práticas sociais de leitura e escrita.
Essa prática de alfabetização, inserida no contexto de letramento, significa ensinar
os educandos a utilizarem a língua, escrita e falada, em diferentes contextos sociais.
Dessa forma, as atividades pedagógicas devem ser centradas no desenvolvimento
das capacidades fundamentais às práticas da linguagem oral e escrita. No contexto
da sala de aula as crianças precisam ouvir e falar, ler e escrever os mais variados
textos possíveis. A prática pedagógica organizada em torno do uso da língua e sua
reflexão deve visar não só o processo de alfabetização em si mesmo, mas também a
possibilidade de inserção e participação ativa dos alunos na cultura escrita, nas
práticas sociais que envolvem a língua escrita, na produção e compreensão de
diferentes gêneros textuais.
1- SAEB e PISA.
2- Entende-se por alfabetismo o mesmo que Letramento. (grifo
nosso) 3- (Gonçalves e Oliveira 2005)
4- No presente estudo adota-se a definição de método de Galvão e Leal 2005, no
qual afirma que método é o caminho que conduz a um fim determinado.
154
REFERÊNCIAS
RIBEIRO, V. (2004) “Por Mais e Melhores Leitores: Uma Introdução”. In: RIBEIRO,
Vera. M. Letramento no Brasil: Reflexões a Partir do INAF 2001. 2ª Edição. São
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Letramento no Brasil, Reflexos a Partir do INAF 2001. 2ª Edição. São Paulo: Global.
Resumo
Abstract
Variáveis familiares podem contribuir para a persistência dos problemas da fase pré-
escolar à escolar (Denham & cols., 2000) e da meninice à adolescência (Fergusson
& cols., 1996). Pesquisas recentes sugerem que, embora o envolvimento do
adolescente em atividades anti-sociais seja influenciado significativamente por seus
relacionamentos com companheiros anti-sociais, a cadeia de eventos que conduz
muitos adolescentes para grupos anti-sociais começa no lar, durante a meninice; os
elos nessa cadeia incluem práticas educativas coercitivas e punitivas, que
contribuem para o desenvolvimento de agressão e fracasso escolar; estes, por sua
vez, levam à seleção de companheiros anti-sociais (Collins, Maccoby, Steinberg,
158
Hetherington & Bornstein, 2000).
160
Método
Participantes
Segundo critérios expostos adiante, foram formados dois grupos a partir da amostra
geral: Grupo 1(G1) - crianças sem problema de comportamento (n=30); Grupo 2
(G2)-crianças com problema de comportamento (n=37). A Tabela 1 apresenta uma
caracterização dos grupos quanto a sexo, idade, escolaridade da criança,
escolaridade dos pais e jornada de trabalho da mãe.
161
Os dados referentes à caracterização dos dois grupos foram submetidos a análise
estatística, através do teste Qui-quadrado para a variável sexo e do teste t de
Student para as demais variáveis, encontrando-se diferença significativa entre os
grupos apenas na variável escolaridade do pai (t = 2,89; p < 0,01).
Local
163
Arranjo espaço-temporal para a lição de casa, Supervisão para a escola, Atividades
diárias com horário definido); 2) Envolvimento e suporte dos pais (tópicos Passeios,
Oferta de brinquedos e outros materiais promotores do desenvolvimento, Atividades
compartilhadas com os pais no lar, Pessoas a quem a criança recorre para pedir
ajuda ou conselho); 3) Indicador sócio-econômico, baseado no tópico Comodidades,
que relaciona 13 itens de conforto disponíveis na moradia, como aparelhos
eletrodomésticos e eletroeletrônicos, computador e veículos, entre outros, e está
baseado na escala proposta por Soares e Fernandes (1989).
164
A EEQ forneceu quatro indicadores de adversidade, correspondendo cada um à
soma dos itens indicados entre parênteses: Condições adversas pessoais da mãe
(sobrecarga de afazeres/tensões diárias, falha no suporte do cônjuge, interferência
de familiares na criação dos filhos, autodepreciação, culpa); Práticas educativas
inadequadas (ameaça, punição, superproteção, permissividade, restritividade,
insegurança, discordância entre os pais); Problemas no relacionamento pais-criança
(agressão física, agressão verbal, tratamento rude, conflitos, relacionamento
distante, depreciação, indiferença/ rejeição); Adversidade extrafamiliar (vizinhança
de risco, depreciação extrafamiliar, agressão extrafamiliar, abuso ou tentativa de
abuso sexual).
Procedimentos
Na clínica-escola onde os dados foram colhidos, cada criança e sua mãe são
entrevistadas separadamente durante a triagem clínica, realizada com a finalidade
de verificar a queixa escolar e subsidiar o atendimento psicopedagógico caso haja
indicação para o mesmo. Os instrumentos empregados neste estudo foram
aplicados nessa oportunidade, junto às mães das 141 crianças. Os dados foram
colhidos por três psicólogos da equipe do referido serviço, com formação em
psicologia clínica e experiência profissional mínima de dez anos. Todos passaram
por treinamento específico para aplicação dos instrumentos.
Resultados
166
viagens e passeios a shopping centers, lanchonetes e
parques de diversão, brincam com os pais e contam casos para eles. Essas
crianças, quando precisam de ajuda ou conselho, recorrem não somente à mãe,
como as crianças de G2, mas também ao pai e a um irmão ou irmã. Ao longo do
desenvolvimento, elas têm tido acesso a maior diversidade de brinquedos e outros
materiais promotores do desenvolvimento.
167
Os itens da EEA com incidência significativamente maior em G2, segundo o Teste
de Intervalo de Confiança para Diferenças entre Proporções, foram: divórcio dos pais
e pai ou mãe abandonou a família (Adversidade nas relações Parentais);
hospitalização/enfermidade grave de um irmão/irmã da criança (Outras adversidades
familiares); hospitalização ou enfermidade grave da criança (Eventos Adversos na
Vida Pessoal); repetência (Eventos Adversos na Vida Escolar); piora no
relacionamento com os colegas e suspensão (Problemas nas Relações
Interpessoais).
168
Foi encontrada diferença significativa entre os dois grupos nos indicadores de
práticas educativas inadequadas e problemas no relacionamento pais-criança, onde
as médias de G2 foram maiores que as de G1.
Discussão
171
segmento em alto risco para distúrbio psicossocial na adolescência, por apresentar
problemas externalizantes com componentes anti-sociais, em ambientes
caracterizados por adversidade múltipla. Em uma perspectiva desenvolvimentista, a
trajetória de desenvolvimento de muitos desses indivíduos já inclui, na meninice
intermediária, mecanismos de vulnerabilidade envolvendo fracasso escolar,
problemas nas relações interpessoais, falhas parentais na supervisão, no
monitoramento e no suporte, investimento pobre dos pais no desenvolvimento da
criança, práticas punitivas e modelos adultos agressivos. Em uma perspectiva
ecológica, todos os contextos interpessoais significativos para seu desenvolvimento
parecem afetados: o lar, a escola e o grupo de companheiros.
172
nos 14 tópicos do RAF. Através de procedimento semelhante ao utilizado para a
EEA, foram obtidos índices de 100%, 99% e 92% de estabilidade entre aplicações
feitas com 20 dias de intervalo (Santos, 1999). Tanto a EEA como o RAF foram
desenvolvidos por Marturano (1999).
173
adversidade incidindo diretamente sobre a criança foram: 1) Eventos adversos na
vida pessoal (soma dos itens "Hospitalização ou enfermidade grave da criança",
"Acidente com seqüela", "Morte de amigo"); 2) Eventos adversos na vida escolar
(soma dos itens "Mudança de escola", "Repetência", "Mais de uma troca de
professora no mesmo ano letivo"); 3) Problemas nas relações interpessoais (soma
dos itens "O relacionamento com os companheiros piorou", "A criança sofreu
agressão por parte da professora", "A criança foi suspensa da escola").
174
Procedimentos
Na clínica-escola onde os dados foram colhidos, cada criança e sua mãe são
entrevistadas separadamente durante a triagem clínica, realizada com a finalidade
de verificar a queixa escolar e subsidiar o atendimento psicopedagógico caso haja
indicação para o mesmo. Os instrumentos empregados neste estudo foram
aplicados nessa oportunidade, junto às mães das 141 crianças. Os dados foram
colhidos por três psicólogos da equipe do referido serviço, com formação em
psicologia clínica e experiência profissional mínima de dez anos. Todos passaram
por treinamento específico para aplicação dos instrumentos.
Resultados
175
Os grupos apresentaram diferenças significativas no escore total do RAF e no
indicador sócio-econômico, assim como nos escores obtidos nos tópicos passeios,
atividades compartilhadas pela criança e pelos pais no lar, pessoas a quem a
criança recorre para pedir ajuda ou conselho, oferta de brinquedos e outros
materiais promotores de desenvolvimento. Em todas essas medidas, as médias de
G1 foram maiores que as de G2. O Teste de Intervalo de Confiança para Diferenças
entre Proporções apontou diferenças significativas em alguns dos itens que
compõem cada tópico, indicando que mais crianças do grupo sem problema de
comportamento brincam dentro de casa quando não estão na escola, têm horário
para brincar e para fazer a lição de casa, recebem supervisão dos pais para o
estudo das provas, fazem viagens e passeios a shopping centers, lanchonetes e
parques de diversão, brincam com os pais e contam casos para eles. Essas
176
crianças, quando precisam de ajuda ou conselho, recorrem não somente à mãe,
como as crianças de G2, mas também ao pai e a um irmão ou irmã. Ao longo do
desenvolvimento, elas têm tido acesso a maior diversidade de brinquedos e outros
materiais promotores do desenvolvimento.
177
A análise dos dados fornecidos pela Entrevista de Esclarecimento da Queixa,
submetida ao Guia de Classificação das Adversidades do Ambiente Familiar, indicou
diferença significativa entre os grupos no número >de adversidades presentes no
ambiente familiar: G2, grupo com problemas de comportamento, apresentou mais
situações de adversidade em seu ambiente familiar que G1, grupo sem problema de
comportamento. Esse resultado e os dados relativos a cada classe de adversidade
ambiental são apresentados na Tabela 4.
178
Discussão
179
resultados relativos à vida familiar, pois o grupo com problemas apresenta maior
índice de problemas nas relações parentais, com mais indicadores de instabilidade
familiar, uma condição que vem sendo apontada como particularmente prejudicial ao
desenvolvimento da criança (Ackerman e cols., 1999).
180
interações entre a criança e seus cuidadores, no contexto das condições ambientais
que afetam o funcionamento da família (Olson & cols., 2000). Quanto ao contexto,
os grupos diferem no indicador sócio-econômico, apontando menos recursos no
grupo com problemas de comportamento. Esse resultado é corroborado pelos dados
relativos à escolaridade do pai, embora não confirmado pelo indicador de
instabilidade financeira nem pelas informações sobre jornada de trabalho da mãe. A
desvantagem socioeconômica tem sido apontada como fator de risco ao
desenvolvimento, associado a variáveis como vizinhança de risco, instabilidade
familiar e depressão parental, estas últimas influenciando as práticas educativas
(Ackerman e cols., 1999; Conger e cols., 1992; Institute of Medicine, 1994; McLoyd,
1998). Dodge e colaboradores (1994) verificaram que a relação entre o status sócio-
econômico e os problemas de comportamento da criança é mediada por processos
de socialização, em que estão presentes, entre outras variáveis, uma disciplina
punitiva, >modelos adultos agressivos e estressores incidindo sobre a família,
ingredientes encontrados com maior freqüência, na presente investigação, entre as
crianças com problemas de comportamento.
181
intermediária, mecanismos de vulnerabilidade envolvendo fracasso escolar,
problemas nas relações interpessoais, falhas parentais na supervisão, no
monitoramento e no suporte, investimento pobre dos pais no desenvolvimento da
criança, práticas punitivas e modelos adultos agressivos. Em uma perspectiva
ecológica, todos os contextos interpessoais significativos para seu desenvolvimento
parecem afetados: o lar, a escola e o grupo de companheiros.
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193
Alfabetização e Letramento na Educação de Jovens e Adultos. 2005.
(Participações em eventos/Outra). Referências adicionais: Brasil/ ...
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194
Na tentativa de clarear o debate sobre alfabetização e letramento é necessário .....
assim define o letramento. Ver bibliografia completa nas referências. ...
www.ucm.es/info/especulo/numero33/alfaletr.html - 47k -
Alfabetização e Letramento
Formato do arquivo: Microsoft Word - Ver em HTML
Alfabetização e Letramento. O processo de construção da escrita infantil ....
Referências bibliográficas. FERREIRO, Emilia; PALACIO, Margarita Gomes. ...
gruhbas2.tempsite.ws/areaatuacao/texto_aracatuba_2004_alfabetizacao_e_letram
ento.doc -
195
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: A PEQUENA DIFERENÇA QUE FAZ MUITA
...
Formato do arquivo: PDF/Adobe Acrobat - Ver em HTML
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das .....
REFERÊNCIAS:. COSTA, Sérgio Roberto. Interação e letramento escolar: uma (re)
... www.futuroeducacao.org.br/biblio/alfabetizacao_e_letramento.pdf -
Artigos acadêmicos sobre referencias de alfabetização e letramento
196
Alfabetização e Letramento: Artigos
Logo Alfabetização e Letramento · Logo Editora Scipione ... indicações de alguns
artigos
ou até mesmo referências para que eu possa acrescentar ao estudo ...
www.scipione.com.br/letramento/duvidas_professor.asp?Pagina=2 - 16k - -
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Formato do arquivo: PDF/Adobe Acrobat - Ver em HTML
noção de letramento e não de alfabetização. Letrar significa inserir a criança ....
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. ...
www.proex.ufu.br/formacaocontinuada/New/eixo1/E1_arquivos/alfabetizacao_letra
mento.pdf -
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Títulos Sugeridos
198
Convite à leitura de Paulo Freire
De Emílio a Emilia - A trajetória da alfabetização
Educação como prática corporal
Educação de corpo inteiro - Teoria e prática da Educação Física
Explorando o universo da música
Fantoche & Cia.
Freinet - Evolução histórica e atualidades
Freud e a educação - O mestre do impossível
Jogos teatrais na escola - Atividades globais de expressão
Literatura infantil - Gostosuras e bobices
Pestalozzi - Educação e ética
Piaget - O diálogo com a criança e o desenvolvimento do raciocínio
Rousseau - A educação na infância
Trabalhando habilidades - construindo ideias
Um caminho do Teatro na escola
Vygotsky - Aprendizado e desenvolvimento: Um processo sócio-histórico
LIVROS
* LDB-Perspectivas e Possibilidades
Neste vídeo, o professor e advogado Arthur Fonseca Filho é entrevistado pelo
jornalista Paulo de Camargo sobre a nova legislação da Educação brasileira.
Mostra as novidades que as leis, especialmente a Lei de Diretrizes e Bases (LDB),
trazem para a escola.
Arthur fala da autonomia conferida à unidade escolar e das profundas
transformações pelas quais podem passar o currículo, o projeto pedagógico, o
regimento e vários outros aspectos presentes no cotidiano escolar.
Sobre o autor:
Arthur Fonseca Filho é professor, advogado, diretor do Colégio Uirapuru e
presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo (1º mandato: 1999-
2000)
199
Cada um dos três vídeos que compõem este programa abrem, por sua riqueza de
imagem e pela amplitude dos conceitos, um imenso campo de reflexões sobre
alguns dos temas mais importantes na educação contemporânea.
200
[vii] O reencontro- Os saberes que não envelhecem
Sobre o autor:
201
coordenador técnico do ECIEL, projeto que pesquisa as políticas de Educação na
América Latina. Como Assessor-Chefe para Educação do BID - Banco
Interamericano de Desenvolvimento, Castro teve uma visão privilegiada do que
ocorre na Educação, em todo o mundo. ISBN: 85-87793-59-4
Volumes: 4 DVDS
Editora:Ciranda Cultural / Atta Mídia e Educação.
DVD's Pedagógicos
ALERTA VERDE
202
FENÔMENOS DA NATUREZA
HISTÓRIA DA ARTE
LDB-Perspectivas e Possibilidades
O UNIVERSO
Qualidade de Ensino
PLURALIDADE CULTURAL
CHILDREN ENGLISH
203
FILÓSOFOS E A EDUCAÇÃO
Construindo um Império
ORIENTAÇAO EDUCACIONAL
ACEITA UM CONSELHO?
COLEGIADO
ESCOLAR (Cod. 11356)
204
Este livro analisa a participação da comunidade no processo
de gerenciamento da educação pública, por meio da exper [...]
CONSELHOS ESCOLARES
O livro Conselhos escolares: implicações na gestão da escola básica contribui
para a discussão da gestão e da organ [...]
ENSINO VOCACIONAL
(Cod. 13999)
A experiência político-pedagógica das Escolas Vocacionais relatada neste
livro demonstra o esforço
permanente de ed [...]
205
(Cod. 11630)
Os textos aqui organizados relatam experiências de orientadores educacionais
e supervisores pedagógicos. Experiênci [...]
ORIENTAÇAO PROFISSIONAL
(Cod. 13736)
Uma proposta prática de programa de orientação profissional em função do
contexto socioeconômico do grupo a ser ate [...]
206
ORIENTAÇAO PROFISSIONAL
(Cod. 13714)
Orientar apresentar um rumo, mostrar o caminho. Escolher a profissão rumo
incerto, vários caminhos. Essa é a condiç
ORIENTAÇAO PROFISSIONAL EM
AÇAO (Cod. 13734)
Diante das grandes transformações no mercado profissional nas
últimas décadas, tem-se tornado cada vez mais valiosa [...]
ORIENTAÇÃO VOCACIONAL
(Cod. 12488)
Este livro reúne textos de colaboradores de diferentes regiões do país,
que pesquisam e atuam em Orientação Vocacio [...]
POPI
(Cod. 13691)
O POPI tem como objetivo principal divulgar essa forma alternativa
de trabalhar a questão da escolha profissional, [...]
PRÁTICA DA LIDERANÇA, A
(Cod. 12524)
O objetivo do autor é fazer com que os profissionais aprendam a aprender,
incorporem e disseminem o espírito de lid
207
As experiências aqui relatadas referem-se a prática do Orientador Educional, de
professores e pesquisadores, da UER [...]
SUPERVISÃO EDUCACIONAL
(Cod. 10535)
Com o objetivo de caracterizar a Supervisão Educacional na realidade brasileira,
a autora realiza uma crítica de su [...]
SUPERVISÃO EDUCACIONAL
(Cod. 11673)
O livro descreve os três principais instrumentos de luta política dos
Supervisores Educacionais Brasileiros: Associ [...]
Saiba Mais
SUPERVISÃO PEDAGÓGICA
(Cod. 10701)
Essa obra se propõe a oferecer para o leitor a possibilidade de compreender
as práticas da supervisão no cotidiano [...]
Saiba Mais
ARTIGOS
208
preparação da prática pedagógica nas suas diferentes ... BIBLIOGRAFIA ...
209
DEPGE CURSO, T EDUCACIONAL, ÉS DE OLIVEIRA - br.geocities.com
... BIBLIOGRAFIA..... 23. ... escolar, visando uma coordenação pedagógica. ...
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PLANO DE DISCIPLINA
C PROGRAMÁTICO, B BÁSICA, B COMPLEMENTAR - pucrs.campus2.br
... BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR. ... Aprendizagem e desenvolvimento
Infantil 3: Psicomotricidadealternativa
pedagógica. ... Negrine, A. A coordenação Psicomotora e suas ...
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210
[PDF] ►A Qualidade no Currículo
E de Brito Silva - portal.mec.gov.br
... iniciado após estudo da legislação e de bibliografia apropriada; ... 40
horas semanais,
10 horas/aula de coordenação pedagógica, em turno contrário, ...
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211
[PDF] ►Curso de Educação de Infância Curso de Professores do 1. ºCiclo
do Ensino
Básico
C Científica - eses.pt
... Programa Coordenação Científica: ... Ensino Básico. • Desenvolver a
capacidade de relação
pedagógica com todos os intervenientes na acção ... BIBLIOGRAFIA ...
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212
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[PDF] ►Programa
C Geral, P TEMÁTICOS - fcm.unl.pt
... Telefones/Faxes Morada Centro de Saúde SRS de Lisboa
Organização pedagógica da
disciplina ... Leitura recomendada e Sites na Internet Bibliografia básica ...
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Objetivo geral
G CENTRAL, P CAMARGOS, APDOE DE, DE AGOSTO-GAP - naeg.prg.usp.br
... estudados com os autores propostos para este período, em continuidade
à discussão
da questão pedagógica da coordenação dos cursos de ... Bibliografia. ...
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213
Revista@ prender Virtu@ l, Vol. 1, No 1 (2008) - ►ufsc.br [PDF]
DX Garcia - Revista@ prender Virtu@ l, 2008 - revistas.cin.ufsc.br
... didáticos, bibliografia e programação das atividades devem constar no ...
A coordenação
pedagógica deverá estar atenta para as práticas pedagógicas dos ...
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214
... tem que ser, também, avaliada no desenvolvimento das funções de coordenação
geral,
coordenação administrativa e coordenação pedagógica. ... Bibliografia. ...
215
EDUCAÇÃO: UM BALANÇO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA …
B de Teses, D da Coordenação, AP do Ensino - lpp-uerj.net
... de Teses e Dissertações da Coordenação e Aperfeiçoamento ... Judith; A
“revisão da
bibliografia” em teses e ... Modernidade e ação pedagógica em Max Weber ...
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212
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
216
Multidisciplinar
LAG Senna - A presentação - senna.pro.br
... após ter alta do hospital, a direção convocará a coordenação pedagógica para
definir ...
BIBLIOGRAFIA GARIN, E. (1995) Ciência e vida civil no Renascimento ...
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217
[DOC] ►PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA VITÓRIA DO PALMAR
SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO CONCURSO PÚBLICO PARA …
C Vagas - furg.br
... nominal e verbal, período composto por coordenação e subordinação ... Papirus,
2002.A
pesquisa como instrumentalização da prática pedagógica. ... BIBLIOGRAFIA: ...
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218
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[DOC] ►Pós-graduação
CG DE - nead.unit.br
... COORDENAÇÃO GERAL DE ... Bibliografia. ... 9 - MORAN, José Manuel,
MASETTO, Marcos T. & BEHRENS, Marilda Aparecida - Novas tecnologias e
mediação Pedagógica. ...
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REFERÊNCIAS
ALONSO,L et al. Projecto PROCUR- Contributo para a mudança nas escolas. Braga:
CESC, 2002.
219
ESTRELA,A. Teoria e Prática de Observação de Classes. Lisboa: INIC, 1986.
PERRENOUD, PH. Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artmed,
2000.
220
Orientações para busca de Artigos Científicos no Scielo.
221
Siga os passos indicados:
Para iniciar sua pesquisa, digite o site do SciELO no campo endereço da
internet e, depois de aberta a página, observe os principais pontos de pesquisa: por
artigos; por periódicos e periódicos por assunto (marcações em círculo).
222
Em seguida, deve-se escolher onde será feita a procura e quais as palavras-
chave deverão ser procuradas, de acordo com assunto do seu TCC (não utilizar “e”,
“ou”, “de”, “a”, pois ele procurará por estas palavras também). Clicar em pesquisar.
223
Lembre-se de que as palavras-chave dirigirão a pesquisa, portanto, escolha-
as com atenção. Várias podem ser testadas. Quanto mais próximas ao tema
escolhido, mais refinada será sua busca. Por exemplo, se o tema escolhido for
224
relacionado à degradação ambiental na cidade de Ipatinga, as palavras-chave
poderiam ser: degradação; ambiental; Ipatinga. Ou algo mais detalhado. Se nada
aparecer, tente outras palavras.
Isso feito, uma nova página aparecerá, com os resultados da pesquisa para
aquelas palavras que você forneceu. Observe o número de referências às palavras
fornecidas e o número de páginas em que elas se encontram (indicado abaixo).
A seguir, estará a lista com os títulos dos artigos encontrados, onde constam:
nome dos autores (Sobrenome, nome), título, nome do periódico, ano de publicação,
volume, número, páginas e número de indexação. Logo abaixo, têm-se as opções de
visualização do resumo do artigo em português/inglês e do artigo na íntegra, em
português. Avalie os títulos e leia o resumo primeiro, para ver se vale à pena ler todo
o artigo.
225
Ao abrir o resumo, tem-se o nome dos autores bem evidente, no início da
página (indicado abaixo). No final, tem-se, ainda, a opção de obter o arquivo do
artigo em PDF, que é um tipo de arquivo compactado e, por isso, mais leve, Caso
queria, você pode fazer download e salvá-lo em seu computador.
226
227
Busca por periódicos
228
É preciso ressaltar que você deve apenas consultar as bases de
dados e os artigos, sendo proibida a cópia de trechos, sem a
devida indicação do nome do autor do texto original (ver na
apostila tipos de citação) e/ou o texto na íntegra. Tais atitudes
podem ser facilmente verificadas por nossos professores, que
farão a correção do artigo.
229