SOCIAL
social
Priscila Coutinho
Introdução
sala de audiências. O juiz ordena que ele conte sua versão sobre o fato que é
sua condição o impede de cometer o crime do qual está sendo acusado: “os
DP. Aí chegô lá e começaru: 'oh rapá, se tu num falar vai piorar o seu caso'....aí
pra ficar roubando, o sinhô falou pra mim que o muro da casa era alto, como é
que eu vou pular o muro? Aí ele falou: 'ah rapá, isso é história pra boi dormi,
onde é que tão os outros?'(...)”. O juiz não ouve e, impacientemente, sem dirigir
hospital, porque, pô, lá no xadrez lá são 79 lá...”. O juiz interrompe. “O que você
tem, tá doente?.” O réu responde: “Não, pra mim dá uma evacuada tem que
ficar me arrastando no chão, pra tomá banho...lá eu tenho dificuldade pra certas
médico disser que você precisa ser removido, você será removido, fora disso,
então, pergunta ao réu o que este havia falado todo o tempo: “Você foi preso na
paraplégico que havia sido denunciado pelo delito de roubo com escalada de
muro. Após ter sido informado do traço mais marcante daquele corpo submetido
ao seu julgamento, o juiz conclui: “A defensora pública vai analisar essa tua
desviante. Como um paradoxo tão flagrante pode ser dissimulado? Por que ele
deve ser dissimulado? Mostraremos que essas contradições só poderão ser
“sociedade”.
interesses ou prestar contas pela infração à norma e o juiz, com base nas
Estado e, quando ocorresse conflito, o Estado fosse chamado a olhar para baixo,
interferir e dar a solução. Entendendo o Direito dessa forma, fica fácil descobrir
quais são seus grandes problemas: as leis são pouco rigorosas ou atrasadas, o
parcela delinqüente.
equivocada, mas faz parte do nosso imaginário social - construído pela simbiose
realidade social nunca explicitada e sempre escondida pelo ritual que simula
neutralidade.
cotidianamente.
O impensável da instituição.
1
A reconstrução histórica da constituição do nosso Estado de Direito nos
surgimento de um novo modo de ser gente. Essa mudança tem seu marco
1
Florestan Fernandes, na obra “A revolução burguesa no Brasil” explica a nossa peculiar revolução
burguesa de forma particularmente brilhante e esclarecedora.
contexto social, definido pela expansão do mercado capitalista, do Estado
escravos e sertanejos que deram origem à ralé estrutural- não atendiam a esses
seriam levados a cabo por esses arranjos institucionais. Não foi avaliada a
lado, aqueles socializados num contexto de habitus precário não tiveram os pré-
2
Jessé Souza, reconstruindo a teoria bourdieusiana de habitus, subdivide internamente essa categoria
conceitual em habitus precário, primário e secundário. Precário é o habitus caracterizado pela falta das
aptidões mínimas para uma vida com algum sucesso na sociedade capitalista moderna; o secundário, por
sua vez, reúne além das disposições constitutivas do habitus primário, disposições diferenciais
delimitadoras, por exemplo, do “bom gosto”. Interessa-nos aqui primordialmente os habitus primário e
precário. Jessé Souza explica detalhadamente a subdivisão do habitus na obra “A construção social da
subcidadania: para uma sociologia da moderniade periférica”. Belo Horizonte: ed. UFMG; Rio de Janeiro:
IUERJ, 2003.
pessoas com as quais nos identificaremos (pela forma de se vestir, de se portar,
de andar, de falar, pelo conhecimento incorporado, etc), ou seja, cria uma noção
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Usamos aqui uma noção de dignidade diferente daquela normalmente invocada. Costumamos dizer que
todo ser humano é digno, que todo trabalho é digno. Porém, dizemos isso porque nos parece o mais
politicamente correto, sem refletirmos sobre o que, de fato, sentimos e entendemos como dignidade. A
ignidade para nós, homens e mulheres da sociedade moderna ocidental, está ligada à forma como agimos e
a que papel representamos na nossa vida cotidiana: que tipo de relação familiar construímos, que tipo de
trabalho desempenhamos, se nos comportamos de forma disciplinada e auto-controlada. Quando vemos um
bêbado, por exemplo, jogado numa calçada, não sentimos como se ele fosse uma pessoa digna, mas como
um coitado ou como um vadio. Independentemente de o considerarmos um coitado ou um vagabundo, o
fato é que o consideramos indigno porque ele é alguém que não se comporta de modo a atender concepções
morais que nos são essenciais: não tem autocontrole, provavelmente não possui uma boa relação com a
família, não possui um trabalho que exija qualificação, concentração e dedicação cotidianas. A dignidade
não é algo dado por alguma instância transcendental transcendental, ou algo que todos possuem só pelo
fato de terem nascido como seres humanos, a dignidade é uma qualidade moral que se constrói socialmente
e que, por conseguinte, só se pode compreender sociologicamente. Há um consenso social sobre que tipo
de gente é digna e que tipo de vida é digna, e só podemos orientar a nossa vida e os nossos juízos a partir
dessa noção compartilhada de dignidade, já que construímos a nossa identidade a partir dela.
a ser efetivamente o nome próprio do réu. Esse filme é um pedido social de desculpas e é a
reafirmação de que um determinado tipo de gente, independentemente da infração, nunca
será delinqüente.
O olhar crítico ao nosso passado mostra que, por um lado, todo um conjunto de
disposições exigidas pela nova sociedade e que, por outro lado, essa classe
assim caracterizada não foi considerada enquanto tal pelas instituições. Nem
fato a ameaçam. A pressão social para que o direito penal seja a base
dos exemplos desse tipo de tentativa se deu em 2003, com a reforma do código
de processo penal, depois da qual passa a ser dever do juiz a consideração das
como veremos adiante, não há como a intenção desse tipo de norma, inspirada
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No contexto aqui analisado, o princípio da segurança jurídica se refere à necessidade de que as decisões
judiciais atendam minimamente às expectativas sociais e às firmadas em decisões anteriores.
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Essa possibilidade técnica é dada pelo artigo 66 do Código Penal brasileiro.
Por que a pena alternativa não é uma alternativa.
Alan pesa 38 kg. Tem o corpo de um menino de 10 anos, mas tem 18.
Seu semblante pode causar pena, rejeição, estranheza, mas impede qualquer
levanta, caminha, olha, fala, defense-se, vai para a carceragem da Polinter6, sai
da Polinter com os pés tão inchados que parece ter elefantíase, entra no
drogas. A tia de Alan, que o criou, entra na sala de audiências e senta no lugar
sequer consegue se recostar na cadeira, por isso fica na beirada, pronta para
levantar de lá. O juiz pergunta: “A senhora é tia dele, né?” Ela responde: “Sou
tia, criei ele desde seis anos, que ele não tem pai e não tem mãe”. Tem a
respiração ofegante, como se sua pressão tivesse subido abruptamente. Ela fala
com muita dificuldade, está apavorada, mas tenta mostrar que seu sobrinho,
que uma vida em falta obrigou que fosse seu filho, é um bom menino, estudou
até a quinta série. Tenta mostrar que ela o educou bem, apesar de ele ser
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Carceragem no Rio de Janeiro onde os réus aguardavam, presos temporariamente em condições
assustadoras, como mostrado no documentário Justiça, a sentença definitiva. A carceragem da Polinter,
desativada em 2006, foi construída em 1988, com capacidade para abrigar 400 presos, mas chegou a
abrigar 1.680. Várias denúncias foram feitas quanto às humilhantes condições nas quais os presos eram
obrigados a viver. Porém, a carceragem só foi desativada quando, após o episódio de uma fuga, em 2005,
ficou provada a ameaça que o lugar representava à boa sociedade. Os presos foram redistribuídos para
outras carceragens do estado do Rio de Janeiro, muitas das quais com problemas de superlotação. Esses
dados estão disponíveis no site do Fórum de entidades nacionais de Direitos Humanos:
http://www.direitos.org.br/index.php.
asmático e atrofiado. Quando a tia de Alan fala sobre a condição física do
maconha. Ela responde que soube e que, por isso, “deu uma coça nele”,
vividos por Alan na infância também demandam terapia. A tia responde “ah, isso
já vem desde que ele perdeu o pai dele, perdeu a mãe dele, perdeu a irmã
dele...”. O juiz corta novamente a fala da tia de Alan, sugere à defensora que a
tia não sabe responder a essa questão e diz, firmemente: “Certo, e sobre a
maconha em si?”.
determinarem o destino dos réus que a ele são apresentados todos os dias.
Porém, não pode orientar sua prática de aplicador da lei com esse pressuposto.
Por um lado porque não há instituições que possam, de fato, ajudar a mudar a
em que nascem. Por outro lado, porque a única forma de proteger a sociedade,
prisão. Alan, por exemplo, teve sua pena privativa de liberdade (prisão)
da repetição das histórias que lhe chegam todos os dias, que a tia contaria fatos
que, apesar de serem determinantes para que a prática de atividade ilícita tenha
colocaria a instituição em cheque, já que quase todos que são réus têm a
inevitavelmente submetida a maioria dos réus que ele julga, na maioria das
da ralé.
ralé. Vários fatores fazem com que as penas alternativas não funcionem nunca
ou quase nunca a favor dos infratores dessa classe. Do ponto de vista técnico, é
muito fácil afastar a possibilidade de aplicação das penas alternativas para eles.
pena de prisão não exceder quatro anos e se o crime for cometido com violência
conversão da pena. Mais de 34%8 dos presos no Brasil foram condenados pelo
crime de roubo. Como há grave ameaça ou violência, esse tipo de delito não
pode ter a pena privativa de liberdade substituída pela restritiva de direito. Esse
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O conceito de má-fé institucional aqui exposto está presente no texto Desigualdade social e desafios para
poíticas públicas, de Emerson F. Rocha, que será publicado nos anais do III Seminário Internacional
Organizações e Sociedade, Inovações e Transformações Contemporâneas, que será realizado em Porto
Alegre, de 11 a 14 de novembro de 2008, organizado pela PUCRS.
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Dados presentes no artigo:Controle da Criminalidade: mitos e fatos, da socióloga Julita Lemgruber.
Disponível na internet: http://www.condesbm.net/textoseartigos/controledacriminalidademitosefatos.doc.
Acesso em 28 de novembro de 2007.
alternativa. Além disso, a reincidência em virtude da prática do mesmo crime
Alan, por exemplo, sendo membro da ralé, está inevitavelmente mais vulnerável
ao crivo da polícia.
claras e outros escondidos, ora pela solidariedade de classe que poupa alguns
pelo fato de que tendo estes certamente futuro, algumas vezes encarcerá-los
seria um crime maior do que o crime cometido por eles; ora pela “gestão
Embora autores críticos como Michel Foucault ponham toda ênfase sobre
esse tipo de vida sujeita a tantos perigos e prejuízos atrai uma considerável
às normas.
todos sentem, mas é importante perceber que o que leva alguém a seguir
muito provavelmente, foi o que levou Alan a estudar somente até a quinta série
J- Por que você matou seu pai? M-Ele batia na minha mãe, me batia. Chegava em casa
doidão. J-Doidão de quê? M-De cerveja e de cachaça. J-Mas se ele tava dormindo ele não
tava te batendo. M-Mas ele tinha me batido antes J-Sua mãe tava dormindo do lado dele?
M-Minha mãe tava dormindo em cima da laje J-Sua mãe tava dormindo em cima da laje?
Por quê? M-Porque ela não tava falando com ele.
Ela pergunta por que o menino estava acordado àquela hora. Cogita que o menino estava
usando alguma droga. J-Tá arrependido? M-Tô. J-Tá sentindo falta dele? M-Falta não. J-O
que seu pai podia te dar? M-Um pouco de carinho J-Qual lembrança boa você tem de seu
pai? M-Nenhuma. J-Ele batia no menino até desmaiar várias vezes? T-Sim, várias vezes. J-
Várias vezes? T-Não, duas vezes ele desmaiou. Ele disse pra levar o menino no Miguel
Couto. Mas o que eu ia falar quando chegasse lá? J-Enquanto ele te surrava, você
apanhava, você procurou a delegacia de mulheres? T-Não. Porque ele me batia na minha
cabeça e no meu ouvido, pra não deixar marcas.
A juíza finaliza: Pro resto da vida você vai lembrar disso. Se você devia efetivamente fazer
isso ou não...Essa pergunta eu vou deixar pra sua consciência. Você vai ficar marcado com
isso. Qualquer decisão que eu venha a tomar aqui, vai ficar a marca com você e por mais
que você se sinta aliviado porque não vai ter mais alguém te surrando, não vai ser surrado
pelo seu pai, essa marca não vai apagar.
A promotora de justiça, ao opinar sobre a pena de internação, justifica:
“A motivação, apesar de não ter sido violenta, não é suficiente para excluir a medida de
privação da liberdade. O pai tem a figura da lei e matar o pai tem um simbolismo forte
demais. Por isso eu proponho a pena de internação.”
Nessa audiência, a insensibilidade de classe e a visão fragmentada do senso comum casam
muito bem com a justificação substancialista da promotora de justiça que, sem considerar a
socialização do menor, marcada pela total ausência do pai enquanto autoridade e fonte de
afeto e pela presença massacrante e aterrorizadora de algoz, opina pela pena mais grave
justificando que a morte do pai simboliza a morte da lei, baseando tal conclusão numa
pretensa erudição psicanalítica. Na verdade, a morte da lei, na vida do menor, não ocorreu
quando ele matou o pai, já que, como argumentamos mais acima, a norma é internalizada
pela mediação de um vínculo afetivo. Tendo sido torturado pelo pai durante toda sua vida,
sem ter tido, em momento algum, a experiência de ter se sentido amado por ele ou por ele ter
sido reconhecido enquanto sujeito de direito, a autoridade do pai enquanto norma nunca
existiu.
pessoas pobres são “honestas”. Uma família de seis pessoas com uma renda
família com o mesmo número de pessoas e com a mesma renda, mas que vive
um fator criminógeno.
pela vida criminosa. Na medida em que se tem uma vida marcada pela aguda
único modo de vida onde o jovem poderia construir uma identidade positiva,
mesmo que positiva apenas nos limites estreitos de seu contexto de vida. O
em busca dele, vive o delírio de ter uma vida aventureira, porém essa vida não é
uma aventura.
central não localizado na excentricidade da aventura, ou seja, dos que tem uma
totalidade de sua existência e por isso deixa de ser aventura para ser uma vida
fracasso que determina seu destino desde a infância num ambiente familiar
bom grado o seu corpo indisciplinado, “barato” e pobre de sentido: o corpo que
vale pouco e que, por isso, pode ser colocado permanentemente em risco.
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Carlos Eduardo, um dos personagens do documentário “Justiça”, conta a defensora pública como
conseguiu, aos 14 anos de idade, um lugar de relativo poder numa região de tráfico no Rio de Janeiro:
“Sofrendo muito, dando muito tiro em polícia...e vendendo, claro”.
O carisma na instituição: o basta e o ódio de classe em juízo
Simone não demonstra temor nem tampouco angústia; tem a face marcada pela
embrutecimento de quem desistiu, mas tem que continuar vivendo. Talvez por
isso não tenha uma atitude de reverência diante daquelas pessoas que, ela não
sabe muito bem o porquê, só sabe que é assim, decidirão o que será de sua
por um choro contido, choro cuidadoso que mistura vergonha, culpa, medo e
muita dor. Ela é tão condenada quanto sua filha, e sabe muito bem disso. Por
isso, a mãe de Simone deve pensar que é melhor não se expor demais, é
que é, de fato, sua vida, sobre o que de fato ela é; e ela é o que todos ali
reprovariam.
Ela está apreensiva, como se estivesse sentada onde está sua filha. Ela
sim tem uma atitude reverente diante dos julgadores – para ela, todos que ali
estão são julgadores -, pois a vida lhe ensinou que se deve respeitar as coisas
sagradas, senão elas se voltam contra você. Tenta demonstrar que concorda
com tudo o que é dito pelos que dizem a lei, lei que, a léguas de distância, é
capaz de dizer o que deve ser feito da sua vida e de sua filha. Demonstra
A promotora informou a Simone que ela teria uma remissão, uma espécie
de perdão da Justiça porque seu ato infrator foi de baixa gravidade e porque ela
prossegue”, responde a promotora. “Aí eu volto pra lá? Eu não aceito”, responde
Simone; e justifica: “Voltar pra casa é pior”. A mãe se desespera, mas tenta
esconder o real motivo do desespero: “Não filhinha, por favor... nós vamos sair
de lá...”; apela para o discurso fácil, que mascara os sempre viscerais conflitos
na família: “Sabe o que é, a gente briga de vez em quando, sabe? Coisa de mãe
e filha. Eu criei minhas filhas sozinha, tenho que fazer o papel da mãe e do
pai...”.
sagradas, olham para trás, percebem a queda do cenário e por um minuto não
sabem o que fazer. “Mas isso não é normal”, conclui a promotora, demonstrando
a menina a voltar para casa. A juíza volta para seu trono de Têmis e explicita
sua indignação: “Muito mimada, tá sendo beneficiada, pô. Muito marrenta! Não
da juíza Luciana Fiala. A forma como ela reage ao fato de Simone preferir a
11
BOURDIEU. Pierre. Meditações Pascalianas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001.
sentimentos da sociedade “amiga” com relação aos “inimigos”. A não
medidas cada vez mais duras e racistas, é essa magistratura “linha dura” que
do seu público: dos que são por ela “defendidos” e por quem é preciso que se
faça justiça.
“(...) tem que ser humanitário, mas não é humanitário [com relação
aos presos] nesse auê de direitos humanos! Que os presos tão lá
na cadeia em condições subumanas... e as vítimas deles?”
respondem que tinham que comprar leite para os filhos. A juíza continua:
“Roubar os outros não tem justificativa nem por filho nem porque tá sem serviço.
Tá sem serviço, vai procurar! Vocês são ladras? Vocês são ladras?” Elas
respondem que não. “Tão tendo atitude de ladra!”. Quando a juíza pergunta se
depois, repreende as meninas: Que papel hein, as duas com filho. É esse o
exemplo que vocês querem dar pros filhos de vocês? Não têm vergonha não?”.
Uma delas responde: “Jamais quero que meu filho passe o que eu tô passando
filhos, que isso ofenderia os direitos tanto das menores quanto das crianças.
do adolescente, já que devem ser priorizados, nos casos em que menores são
crianças... eu tenho que ver o direito do turista de não ser importunado”, e tenta
perfeitamente bem que casas de correção não reeducam e admite isso algumas
vezes, como quando pergunta, ironicamente, a um menor: “Tá bom lá no Padre
Severino?”.
esse medo fortalece, são retratados em dois momentos que, a princípio, não
toda a sociedade está numa luta contra a delinqüência, luta na qual a Justiça
Penal é a maior arma da “boa sociedade”. A maior arma das classes médias,
modo de vida dos “fracassados” que eles poderiam ser, uma ameaça de morte
social.
Os nossos sócio-enganos
prova de seu sentido12”. Para cumprir esse desiderato, nos concentraremos agora
12
Bauman, Zigmunt.“Modernidade líquida“. Rio de Janeiro, zahar, 2001.
institucional nessa miserabilidade (tratamos aqui, principalmente, da educação,
13
Jessé Souza faz uma inédita e brilhante crítica ao personalismo na obra “A Modernização Seletiva: uma
reinterpretação do dilema brasileiro”. Brasília: EDUNB, 2000. Críticas ao economicismo e também ao
personalismo são feitas, pelo mesmo autor, em alguns artigos da obra, por ele organizada, “ A
invisibilidade da desigualdade brasileira”. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2006.
14
Esse é o conceito de senso comum criado por Machado de Assis e exposto no conto “Teoria do
Medalhão”. Os cem melhores contos do século. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001.
15
Roberto DaMatta é o maior expoente da teoria personalista. Sua tese é exposta com mais profundidade
em “Carnavais, malandros e heróis”. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
16
Segundo Roberto Kant de Lima , antropólogo do direito adepto do
não detectar os problemas viscerais da justiça, trata aquilo que essa teoria chama
colonial.
16
Roberto Kant de Lima é um dos mais conhecidos antropólogos do direito do Brasil. Ver a concepção aqui
exposta em “Por uma antropologia do Direito no Brasil” e “Direitos civis e direitos humanos: uma tradição
judiciária pré-republicana”. Ambos disponíveis no site: http://www.segurancacidada.org.br. Acesso em 10
de setembro de 2008.
imagens mais imediatas do mundo tal qual ele aparece ao senso comum,
compartilhado por todos nós. Mas os conceitos, que deveriam ser fruto de um
esforço racional para tornar perceptíveis coisas que não são perceptíveis para o
fiscalista”? Como este “espírito” veio do Brasil colônia aos dias atuais? Quais os
que nossa justiça é elitista. Porém, a explicação para isso é enganadora. Uma
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menina de 15 anos não é jogada numa cela masculina e submetida a todos os
horrores possíveis porque lhe faltaram relações pessoais ou porque nossa justiça
é corrupta. Da mesma forma, não é por falta de relações pessoais que milhares
heurística das diferenças” poderia orientar uma solução para casos como esses.
searas, mas a análise economicista que mais nos interessa é aquela referente às
mostram que 30% dos presos lá estão porque cometeram crimes sem qualquer
Fica muito caro mandar gente que não é violenta pra cadeia. É melhor condenar a
uma pena alternativa, que é mais barata e, nos casos de prestação de serviços à
prisões e conseguirmos mão de obra a custo zero. O que Lemgrumber, com seu
abrangem desde os Estados Unidos até o Zimbabwe –, não percebe é que não há
objetivos declarados. E que embora a relação custo benefício da prisão não seja
parece muito menos complexo do que é. Julita afirma que: “atualmente, já se tem
clareza de que a pena de prisão é cara e ineficaz: não inibe a criminalidade, não
20
Lemguber, Julita. Controle da criminalidade: mitos e fatos. Disponível no site:
http://www.condesbm.net/textoseartigos/controledacriminalidademitos e fatos.doc
não são atuais, são feitas à prisão desde a primeira metade do século XIX! A
reformada21. Sempre foi ineficaz quanto aos seus objetivos manifestos. Porém,
sempre foi eficaz quanto aos seus objetivos velados. E por isso ela persiste. A
absolutamente lúcida, não há uma explicação para a colocação dos estigmas. Por
estigma recai quase sempre em uma categoria de pessoas e não em outra? Essa
21
Michel Foucault, na obra Vigiar e Punir, fundamental para qualquer estudo sobre delinquência, evidencia
que a utilização das prisões como forma generalizada de punição foi, desde o início, criticada pela
ineficácia em coibir a criminalidade e em cumprir o objetivo de ressocialização.
22
Para uma referência sobre as “teorias do etiquetamento” ver BARATTA, Alessandro. “Criminologia
crítico e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do Direito Penal”. Terceira edição, Editora
Revan: Rio de Janeiro, 2002.
Conclusão
sempre, por meio da punição de pessoas que pertencem a uma classe social
causas.
BIBLIOGRAFIA
BARATA. Alessandro. “Criminologia crítico e crítica do Direito Penal: introdução
2002.
Petrópolis:Vozes,1987.
Brasil. São Paulo Perspectiva. Vol.14, no.1. São Paulo: Jan./Mar. 2000
nainternet:http://www.condesbm.net/textoseartigos/controledacriminalidademitos