Magda B. Weber** Suzana D. Fortes*** Tânia F. Cestari****
INTRODUÇÃO outros delírios, ou quem sabe doenças
psicossomáticas1. “Todos temos tendência a somatizar toda A dermatite atópica (DA) é uma dermatose vez que as circunstâncias internas ou externas comum entre as crianças, e o seu principal ultrapassam os nossos modos psicol ógicos de sintoma é a coceira, de intensidade variada. A resistência habituais.”(Joyce M cDougall1 ) doença apresenta um curso crônico, e a intensidade e o desconforto dos sintomas A angústia é considerada a principal origem ocasionam sérias implicações na vida do de todos os nossos sintomas. A grande questão paciente e de seus familiares2. é: qual sintoma representará melhor uma A incidência da atopia vem aumentando tentativa de cura de si mesmo? Frente a esta muito nas últimas décadas, principalmente nos questão, internamente, cada indivíduo poderá países industrializados, talvez devido a fatores criar uma forma de apresentação desta externos, que propiciam o agravamento das tentativa. Uns talvez desenvolvam neuroses, lesões e, como conseqüências diretas, trazem dificuldades de adequação escolar, social e familiar2-5. * Médico Especialista em Psiquiatria, Fundação Faculdade Federal de Historicamente, a opinião dos Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Porto Alegre, RS. dermatologistas sobre a participação do Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Pediatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS. componente psíquico na DA varia desde a ** Médica Dermatologista. Professora adjunta. Mestre em Dermatologia, visão de um mecanismo psicossomático como Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas, RS. o principal fator da doença até um *** Psiquiatra pela UFRGS, Porto Alegre, RS. Psicanalista pela Sociedade posicionamento que relega o componente Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), Porto Alegre, RS. Doutora em Saúde psicológico como fator relativo nessa Pública pela Universidade de Illinois, Chicago, EUA. Fellow em Psiquiatria Infantil e Adolescentes, Medical College of Wisconsin, EUA. síndrome com diversas faces 6. **** Médica Dermatologista. Professora adjunta. Doutora em Dermatologia, A visão psiquiátrica das doenças UFRGS, Porto Alegre, RS. psicossomáticas é muito complexa, mas,
78 Recebido em 22/03/2005. Aceito em 26/07/2005.
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objetivamente, entende-se que as descritas incursões de cunho psicanalítico,
manifestações psicossomáticas podem ser cognitivo-comportamental, grupoterápico e compreendidas como uma dificuldade de educacional, mas nenhuma definitiva até o simbolização e verbalização dos sentimentos 1. momento. Dentro desta complexidade das Neste trabalho, apresentaremos algumas manifestações psicossomáticas, encontra-se a observações feitas em uma criança participante participação do apego na gênese destas do Grupo de Apoio à Dermatite Atópica do doenças. Bowlby destacou a importância da Hospital de Clínicas de Porto Alegre. ligação da criança com sua mãe, sendo esta a O Grupo de Apoio à Dermatite Atópica fonte de satisfação de suas necessidades (GADA) funciona no Hospital de Clínicas de biológicas que devem ser satisfeitas, onde a Porto Alegre, com reuniões quinzenais, frustração dessa satisfação pode ser geradora realizadas nos finais de semana, com a de patologias observáveis, quando do processo participação de crianças portadoras da doença de análise do indivíduo adulto. Neste estudo, e seus familiares. As reuniões são divididas em enfatiza que, a partir da primeira relação, se dois momentos, com e sem a presença das estabelece no indivíduo um modo de mães. Este grupo é pioneiro em sua formação, funcionamento, o Modelo Funcional Interno. A pois conta com a presença de dermatologistas, criança que tem em sua experiência um modelo psiquiatra e estudantes de Medicina, atuando seguro de apego vai desenvolver expectativas em uma abordagem combinada, com técnicas positivas em relação ao mundo, acreditando na de grupo de apoio emocional e educativo e possibilidade de satisfação de suas técnicas comportamentais de redução de necessidades. Já uma outra com um modelo sintomas. menos seguro, poderá desenvolver em relação ao mundo expectativas menos positivas7. DESCRIÇÃO DO CASO Dentre estas manifestações do desenvolvimento do vínculo mãe-criança, a José, 2 anos, foi encaminhado ao GADA necessidade do toque, do carinho, se destaca. através do Ambulatório de Dermatologia do A importância deste contato através da pele HCPA. Ele é filho de Maria, 22 anos, com fica bem demonstrado por René Spitz, que em Eduardo, 23 anos, após um relacionamento seu livro “O Primeiro Ano de Vida” relata a fugaz. Maria foi abandonada pelo companheiro comparação entre dois grupos de bebês. A na segunda semana de gestação, sendo conclusão do autor foi de que a criança, para acolhida por sua família, com quem mora desde ter um desenvolvimento normal, necessita ser então. estimulada, assim como que a privação de O menino é portador de DA e displasia contato físico em crianças por tempo ectodérmica, apresentando-se como uma prolongado pode levar à morte. Chama este criança feia, com diversas lesões pruriginosas tipo de privação de “privação afetiva” e sugere e descamativas, acompanhadas de odor fétido. que a forma mais eficaz de suprir essa A informante (mãe) relata que a gestação necessidade é através do contato físico8. foi tranqüila sob o ponto de vista orgânico e Outra questão importante é destacada por muito complicada emocionalmente, sendo que Cramer quando se refere mais especificamente sempre fantasiou sobre o seu futuro bebê, à gravidez. A futura mãe vai desenvolver uma imaginando-o muito parecido com ela. Além imagem ideal para o seu bebê, o que denomina disso, desejava muito realizar um teste de DNA de bebê imaginário, assim como outras e provar a paternidade de seu filho. O menino imagens de bebês diferentes do real que ela nasceu de parto normal, a termo, muito parecido ainda não conhece. Contudo, este mesmo autor com o pai. Desde o nascimento, José adoecia enfatiza também que, quando o bebê não repetidamente, necessitando de cuidados corresponde às expectativas maternas devido médicos freqüentes. Aos 5 meses de idade, foi a uma enfermidade, ela pode ficar muito diagnosticada displasia ectodérmica, o que abalada, não conseguindo responder às gerou um desconforto maior para Maria, pois necessidades de seu filho; assim, o sentia a dor de ter gerado uma criança doente. desenvolvimento do vínculo inicial – o apego – O desenvolvimento neuropsicomotor do menino pode ficar ameaçado9. foi normal, com alguns transtornos relacionados Quanto às abordagens terapêuticas às infecções repetidas. Quanto ao utilizadas atualmente, diversas são as técnicas comportamento, a mãe relata que, na maioria que vêm sendo experimentadas, associadas ou dos dias, a criança ficava deitada sobre o chão não aos tratamentos convencionais. São frio para resfriar-se, e que gostaria de brincar 79
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com outras crianças, mas não consegue, pois é DISCUSSÃO
muito tímido e agressivo. No caso aqui descrito, a aproximação com Avaliação psiquiátrica inicial a terapeuta assistente individual, funcionou como um suporte para o menino, que brincava Menino de aparência mal cuidada, com e sempre solicitava a sua presença. Partiu-se lesões de pele disseminadas e infectadas, então para uma abordagem materna indireta. exalando um odor fétido. Apresentava-se Através de investimentos secundários, tentou- lúcido, ansioso, com baixa tolerância à se mobilizar a mãe para repetir algumas formas frustração, com grande irritabilidade, agressivo de manejo com a criança, fortalecendo sua e tímido em seu comportamento. Utilizava uma capacidade maternal. A aproximação da dupla linguagem difícil, com um tom muito baixo, se iniciou, com manifestações de cuidados assim como olhava indiretamente o seu aparentes, com o melhor tratamento das lesões interlocutor, demonstrando pouco interesse por cutâneas, com o olhar atento para seu filho e o objetos e brincadeiras. Fracassava em toque em sua pele. reconhecer a mãe, era retraído, com pouca Esta abordagem teve como objetivo expressão de afeto e sem interação social. principal um investimento na maternagem, Portador de DA e atraso no desenvolvimento possibilitando e demonstrando para a mãe que das habilidades motoras relacionadas à sua ela é capaz de construir um vínculo natural, que idade. pode minimizar a angústia de seu filho7. O curso clínico da DA é influenciado por Evolução uma gama de fatores genéticos, biológicos e psicológicos 12 . Desta complexa interação, Quando iniciou o acompanhamento no associado a um fator estressante, manifestam- GADA, o menino permanecia sempre afastado se os surtos eczematosos. A piora do quadro do grupo, não participando das atividades dermatológico ocasiona a redução do limiar de propostas. Coçava-se ao menor sinal de algum continência do estresse e, em conseqüência, a fator ansiogênico, auto-agredindo-se e retroalimentação que perpetua as lesões13. provocando um afastamento dos demais. José é uma criança que foi rejeitada pela José ignorava sua terapeuta individual e mãe, possivelmente pela confrontação do bebê permanecia isolado. Com o passar do tempo e fantasmático com o bebê real9. Associado a a chegada de outros pacientes no grupo, o este fato, o menino apresentava ainda muitas menino foi se aproximando, tanto de sua lesões de pele, que impediam o toque no seu terapeuta quanto das outras crianças, tentando corpo. Panconesi & Hautmann destacaram que ensaiar algumas trocas. crianças com DA são muitas vezes rejeitadas Chamava a atenção a relação mãe-criança pelos pais, pois, em função das lesões desta dupla. A mãe de José mostrava-se pouco cutâneas, eles não conseguem tocar em seus empática com ele e não escondia a dificuldade filhos. Esta situação também pode ser auto- de se relacionar com seu filho. Destacava-se a alimentada, ocasionando um conflito na relação inabilidade de segurá-lo e mesmo de atender mãe-criança, com conseqüente piora do quadro às suas solicitações. O menino investia em clínico cutâneo e emocional14. algumas tentativas de pedido de ajuda à mãe, O caso mostra uma criança e seu pedido mas logo desistia, provavelmente em função da de ajuda simbolizado através da manifestação ausência de resposta. psicossomática em forma de DA. Ilustra como Passados 9 meses de encontros do grupo, uma eclosão somática tão intensa pode o menino apresentava-se completamente representar um conflito que ultrapassou a diferente, mostrando-se participativo e capacidade habitual de tolerância da criança. adequado nas brincadeiras. Tinha menos Certamente, uma abordagem dificuldade de relacionamento com os outros dermatológica e psiquiátrica das crianças pacientes e com a terapeuta individual, portadoras de DA e de seus pais possibilita, desenvolvendo suas competências-alicerce10 e, além de um incremento no arsenal terapêutico, concomitantemente, recuperava-se das lesões o reconhecimento e manejo dos fatores dermatológicas. José dava início à recuperação emocionais envolvidos, numa tentativa de de um tempo “perdido”, atravessando todas as compreensão psicodinâmica de sua doença. “fases do brincar” em pouco tempo, como se Assim, uma intervenção interdisciplinar naquele momento tivesse segurança para permite uma intervenção precoce na relação 80 realizá-las11. mãe-criança, podendo ser considerada como
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uma estratégia de prevenção em saúde mental criança de 2 anos de idade,portadora de dermatite
materno-infantil, evitando possíveis patologias atópica,participante do Grupo de Apoio à Dermatite futuras. Atópica,com sua formação pioneira interdisciplinar, Por fim, existe a necessidade de estudos durante 9 meses de acompanhamento da criança no grupo. Como resultados, foram evidenciadas longitudinais, controlados e com metodologias mudanças no comportamento da criança frente ao definidas, com grupos maiores de crianças da livre brincar,uma interação social mais concreta,com mesma idade, visto que não encontrou-se na diminuição da irritabilidade e agressividade e, literatura estudos com intervenções principalmente, maior e melhor vinculação entre a semelhantes com crianças de 2 anos de idade, dupla mãe-criança,assim como marcada melhora do portadores de DA, possibilitando conclusões quadro dermatológico. Conclui-se que a abrangência, mais amplas. proporcionada pelo atendimento interdisciplinar, possibilita uma intervenção precoce na relação mãe- criança, podendo ser considerada como uma REFERÊNCIAS estratégia de prevenção em saúde mental matern- infantil,evitando possíveis patologias futuras. 1. McDougall J. Teatros do corpo – o psicossoma em psicanálise. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes; 2000. Descritores: Dermatite atópica, psicodermatologia, 2. Champion RH, Parish WE. Atopic dermatitis. In: Champion RH, Burton JL, Ebling FJG, eds. Textbook of grupoterapia. dermatology. Oxford: Blackwell Scientific Publications; 1994. p.589-610. 3. Stern D. The interpersonal world of the infant. New York: ABSTRACT Basic Books; 1985. 4. Arvola T, Tahvanaien A, Isolauri E. Concerns and Considering that the skin is our border with the expectations of parents with atopic infants. Pediatr Allergy world, allowing us to make contact and exchanges Immunol. 2000;11(3):183-8. with the environment,could skin alterations be seen 5. Kiebert G, Sorensen SJ, Revicki D, Fagan SC, Doyle JJ, as expressions ofour yearning for the other or our Cohen J, et al. Atopic dermatitis is associated with a decrementing health-related quality of life. Int J Dermatol. need for “affective exchanges”? The authors report an 2002;41:151-8. observation ofthe clinical and emotional evolution of 6. Picardi A, Abeni D. Stressful life events and skin disease: a baby with atopic dermatitis who took part in the disentangling evidence from myth. Psychoter support group ofatopic dermatitis during nine moths. Psychosom. 2001;70:118-36. The results showed changes in the child’ s behavior: 7. Bowlby J. A secure base: parent-child attachment and he could play freely,developed more concrete social healthy human development. New York: Basic Books; interactions, decreased aggressiveness and 1988. irritability, presented a better interaction with his 8. Spitz R. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes; 1998. mother, as well as showed a considerable improvement in the status of the dermatological 9. Cramer B. Profissão bebê. São Paulo: Martins Fontes; 1993. disease. The authors conclude that the covering 10. Montagner H. Competências-alicerces. In: Filho LC, reached by the interdisciplinary approach provided by Corrêa MEG, França OS, eds. Novos olhares sobre a the group enables an early intervention in the mother- gestação e a criança até os 3 anos. Brasília, DF: LGE; baby relation,which could be considered as a mother- 2002. p.388-99. child mental health preventive strategy, avoiding 11. Aberastury A. A criança e seus jogos. 2.ed. Porto Alegre: future pathologies. Artes Médicas; 1992. 12. Ehlers A, Gieler U, Stangier U. Treatment of atopic Keywords: Atopic dermatitis, psychodermatology, dermatitis: a comparison of psychological and dermatological approaches to relapse prevention. J group therapy Consult Clin Psychol. 1995;63(4):624-35. Title: Atopic dermatitis in infants: a psychosomatic 13. Buske-Kirschbaum A, Geiben A, Hellhammer D. approach Psychobiological aspects of atopic dermatitis: an overview. Psychother Psychosom. 2001;70(1):6-16. 14. Panconesi E, Hautmann G. Psychophysiology of stress RESUMEN in dermatology. Dermatol Clin. 1997;14(3):399-421. La piel es nuestra frontera con el mundo, realizando cambios y contacto con el entorno. Así, RESUMO ¿no sería ella capaz de señalar, a través de sus alteraciones,nuestro anhelo por el otro,la necesidad A pele é a nossa fronteira com o mundo,fazendo de “cambios afectivos”? Los autores presentan la trocas e contato com o meio ambiente. Sendo assim, observación de la evolución clínica y emocional de un não seria ela capaz de sinalizar, através de suas niño de 2 años de edad, portadora de dermatitis alterações,o nosso anseio pelo outro,a necessidade atópica, participante del Grupo de Apoyo a la de “trocas afetivas”? Os autores apresentam a Dermatitis Atópica, con su formación innovadora observação da evolução clínica e emocional de uma interdisciplinaria, durante 9 meses de 81
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acompañamiento del niño en el grupo. Como Palabras clave: Dermatitis atópica,