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resenha

BITTENCOURT, C. Livro didático e saber escolar: 1810-1910. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

Livros didáticos na formação do Brasil


Felipe Ziotti Narita*

normais. Esta é justamente a temática à


qual Circe Bittencourt dedica seu livro
“Livro didático e saber escolar”
publicado em 2008 pela editora
Autêntica.
A obra é fruto de uma tese de doutorado
defendida na Universidade de São Paulo
(USP) em 1993: entre a escrita da tese e
a publicação em formato de livro, no
entanto, trechos de sua argumentação
não eram de todo desconhecidos do
público, já que puderam ser publicados
A história em periódicos especializados.1 Se a
dos livros no Brasil do oitocentos e dos autora, professora da Faculdade de
primeiros tempos de República tem Educação da USP e professora de pós-
suscitado interessantes reflexões na graduação da Pontifícia Universidade
historiografia brasileira. Das obras de Católica (PUC) de São Paulo, já era
Nelson Schapochnik (2005) e Marcia amplamente reconhecida por seus
Abreu (2008) até a recente publicação trabalhos na catalogação de livros
organizada por Rafael Cardoso (2009) didáticos e pela organização da obra “O
nota-se o complexo painel em que o saber histórico na sala de aula” (1997),2
espaço social do livro se construía: a publicação de “Livro didático e saber
investigando o processo de escrita, escolar” novamente atesta a grande
publicação, circulação e leitura dos contribuição que Circe Bittencourt tem
impressos (jornais, livros, panfletos oferecido à historiografia brasileira –
etc.), os estudos citados desdobram as especialmente à história da educação.
práticas letradas de uma nação que se
pretendia ilustrar por meio da instrução. A abordagem da autora privilegia um
Não à toa, em meio ao afã civilizador recorte temporal bastante amplo: o
das letras e das ciências, sobretudo a objetivo é analisar, entre 1810 e 1910, o
partir da segunda metade do século
XIX, nota-se a grande difusão de um 1
Trata-se do texto “Autores e editores de
gênero de impresso cujas compêndios e livros de leitura (1810-1910)”
especificidades começam a ser (2004) publicado na revista Educação e
Pesquisa.
devidamente analisadas: os livros 2
Circe Bittencourt coordena o projeto “Livres”,
escolares (compêndios, catecismos, que oferece um amplo banco de dados para
cartilhas, livros de leitura – enfim, os consulta de livros escolares brasileiros entre
chamados livros didáticos) destinados 1810 e 2005. O projeto pode ser acessado em:
às escolas primárias, secundárias e http://www2.fe.usp.br/estrutura/livres/ Último
acesso: 29 dez. 2009.

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lugar do livro didático no momento de “moralidade” na publicação e adoção
constituição do ensino escolar dos livros, por exemplo, fundamentava
brasileiro. Trata-se de estudar o livro uma espécie de política de controle da
escolar de sua concepção à utilização leitura em que, por meio da ação de
em sala de aula, inscrevendo a temática diretores e inspetores – que indicavam
no processo de construção do saber aos professores uma lista das obras
escolar: Bittencourt, dessa forma, recomendadas –, tornava a obra didática
aborda o livro didático e o espaço um objeto passível de vigilância do
escolar por meio de uma pesquisa que Estado. Além do controle do saber
se fundamenta na leitura de programas escolar por meio dos textos, o livro
escolares do Estado, da Igreja e de representava a possibilidade de
instituições particulares, articulando-os unificação do ensino pelo espaço
às legislações de ensino e relatórios de nacional por meio da inserção dos
autoridades – além de contar com o leitores-alunos em uma mesma
levantamento de dados dos grandes comunidade cultural: reveladores, nesse
editores. A obra está dividida em três sentido, são os apelos para produção de
partes que, por sua vez, se subdividem obras didáticas nacionais, em
em capítulos: a primeira parte (“Livro detrimento das adaptações de obras
escolar e Estado”) aborda “as formas estrangeiras, ao longo de todo o século
como o poder instituído concebia o livro XIX: a essa “nacionalização da
e o saber escolar” (BITTENCOURT, literatura escolar”, por exemplo,
2008, p. 19); na segunda parte (“Livro seguiram de perto as ideias de
didático e disciplina”), o livro didático Gonçalves Dias e José Veríssimo, que
surge como uma mercadoria situada deixaram transparecer o livro como
entre os interesses particulares e a ação instrumento de efetivação de programas
do Estado, de modo que Bittencourt de ensino, depositando a sorte da
(2008, p. 21) enfatiza o “processo de formação de professores e alunos no
constituição do saber escolar pela obra recurso ao impresso escolar.
didática, tendo optado pela disciplina de Inserida na política do Estado para uso
História para desvendar esse processo”; dos compêndios nas escolas, a
a terceira parte (“Usos do livro confecção e a difusão da produção
didático”), enfim, apresenta a relação didática levada a cabo pelas editoras
entre professores e autores na utilização cedo transformou as obras didáticas em
dos manuais escolares na sala de aula – mercadorias consumidas em larga
o que implica as diversas utilizações dos escala pela “indústria cultural”
“discursos pedagógicos” dispostos na (BITTENCOURT, 2008, p. 63).
materialidade do texto impresso: desde Seguindo as trilha dessa transformação
as intenções do autor, direcionando – de “objeto cultural” em “bem de
“métodos” de leitura e emprego dos consumo” –, a autora recorre a jornais,
livros, até as disposições de figuras e contratos e catálogos de editoras para
exercícios que orientavam os usos do avaliar a formação das casas de
material na sala de aula. impressão no Brasil, de modo que, além
Palavra impressa era palavra não dos grandes editores do Rio de Janeiro
vulgarizada. O poder investido ao texto (Laemmert, Garnier, Nicolau Alves &
didático, pois, logo tomou as Cia., Francisco Alves etc.), é possível
preocupações dos grupos políticos com observar a presença de algumas
as possibilidades de difusão daquele tipografias provinciais tais como a firma
gênero cultural. A exigência de de Justine Honório José dos Santos

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(Pará), as edições de José Maria C. de influenciou o importante livro de
Frias (Maranhão) e a Livraria Francesa Arlette Gasparello (2004), dedicado à
(Bahia). O que a autora observa a partir investigação das identidades nacionais
das editoras nos anos 1860 e 1870 é que veiculadas pelos livros de História do
o livro didático rapidamente tornava-se Brasil no processo de escolarização do
o texto impresso de maior circulação – a Império.
“carne” da produção livresca –, As matérias de edificação dos
caracterizando-se por “ter tiragens programas de ensino, ademais, se
elevadas, comparando-se à produção de convertiam em formas do saber escolar
livros em geral. A circulação dos livros a partir da mediação entre o suporte
escolares superava todas as demais textual impresso e seus usos em sala de
obras de caráter erudito, possuindo um aula. Na escola, ademais, livro didático
status diferenciado” (BITTENCOURT, e saber letrado desdobravam-se em uma
2008, p. 83). cultura escolar em que os sujeitos do
Os compêndios definitivamente processo de educação – professores,
tomavam a cena na escola, de modo que alunos e livros – encontravam nos
programas curriculares e livros impressos o meio fundamental para
didáticos desempenhavam uma relação mediação entre a palavra do mestre e o
de total interdependência. A autora, saber escolar. O livro, pois, apresentava
nesse sentido, analisa uma disciplina a correta “metodologia” de ensino,
específica, a História, “por permitir sistematizando dois discursos por meio
incluir uma reflexão sobre o seu papel dos usos pedagógicos de figuras e
na constituição de uma identidade técnicas de memorização: se, em uma
nacional e de formação política dos primeira leitura, tornava-se possível
alunos” (BITTENCOURT, 2008, p. 98). “descobrir” o conteúdo das disciplinas,
Acompanhando a presença da História em um segundo momento os livro
Sagrada e da História Universal nas ofereciam questionários e exercícios
escolas, o estudo confronta o conteúdo para fixação das matérias.
dos programas escolares com os textos “Livro didático e saber escolar” é uma
didáticos, evidenciando continuidades e obra de referência para os estudos em
descontinuidades entre os interesses do história da educação. À síntese pioneira
Estado e da Igreja, sobretudo a partir de Circe Bittencourt, certamente, novos
dos anos 1880, na formação moral dos trabalhos acrescentarão análises
alunos: o livro materializava relações de particularizadas da história dos livros
poder por meio da escrita de uma escolares, desdobrando as questões
memória histórica que se situava entre o apontadas pela autora tanto no que diz
tempo sagrado da Criação e a moral respeito à análise da função dos livros
profana do Estado. A História, ainda, dentre diversos programas escolares – a
tornava-se a matéria legitimadora do exemplo da tese de Márcia Razzini
Estado-nação: especificamente no (2000), que estuda a Antologia Nacional
ensino de História do Brasil, Circe (1895) de Fausto Barreto e Carlos de
Bittencourt analisa a articulação entre o Laet articulada à formação das
saber erudito e o saber escolar a partir disciplinas de Português e de Literatura
da escrita dos compêndios de história no Colégio Pedro II – quanto no que
pátria (Bellegarde, Abreu e Lima, tange às especificidades regionais na
Joaquim Manoel de Macedo, Joaquim circulação de obras didáticas – como no
Caetano Fernandes Pinheiro, João recente trabalho de Carlos H. Alves
Ribeiro etc.) – abordagem que, aliás,

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Corrêa (2006). As práticas letradas, Referências:
enfim, lograram vincular, em fins do ABREU, M. (org.). Trajetórias do romance:
século XIX e início do XX, o saber circulação, leitura e escrita nos séculos XVIII e
escolar em estreita dependência dos XIX. Campinas: Mercado de Letras, 2008.
usos de compêndios: ao acervo didático, ABREU, M.; SCHAPOCHNIK, N. (orgs.).
gênero autorizado a orientar os Cultura letrada no Brasil: objetos e práticas.
programas escolares, a cultura escolar Campinas: Mercado das Letras, 2005.
dos anos de República prestará longo BITTENCOURT, C. Autores e editores de
tributo. Afinal, os usos dos livros não se compêndios e livros de leitura (1810-1910).
encerravam na escola: eram também a Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 3,
2004.
mediação para a construção de um
Brasil. ______. Livro didático e saber escolar: 1810-
1910. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
______. O saber histórico na sala de aula. São
Paulo: Contexto, 1997.
CARDOSO, R. (org.). Impresso no Brasil. Rio
de Janeiro: Verso Brasil, 2009.
CORREA, C. H. A. Circuito do livro escolar:
elementos para a compreensão de seu
funcionamento no contexto educacional
amazonense (1852-1910). Tese (Doutorado) –
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade
de Educação. 2006.
GASPARELLO, A. M. Construtores de
identidade: a pedagogia da nação nos livros
didáticos. São Paulo: Iglu, 2004.
RAZZINI, M. P. G. O espelho da nação: a
Antologia Nacional e o ensino de português e de
literatura (1837-1971). Tese (Doutorado) –
Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Estudos da Linguagem. 2000.

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FELIPE ZIOTTI NARITA é Mestrando em História na Faculdade de História, Direito e Serviço
Social (UNESP - campus de Franca).

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