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Simulação: quando fingimento e experimento se encontram

Maria Inês Accioly *

A tecnologia da informação põe à disposição da nossa vida cotidiana um amplo


arsenal de recursos de simulação. Pela Internet podemos simular provas do
Detran, viagens, perfis identitários – enfim, uma enorme variedade de situações
das mais triviais às mais extravagantes. Mas o que é simular? Para o senso
comum, até poucas décadas atrás, era sinônimo de fingir. Hoje é fazer ensaio
com modelo, geralmente computacional, para produzir conhecimento, prever
situações, aprender tarefas ou, simplesmente, para brincar.

Nas enciclopédias da primeira metade do século XX, as definições para o


verbete “simulação” seguem esta linha:

Delito e meio para tentar eludir uma obrigação jurídica (Direito);[ ...] Fingimento
ou imitação de enfermidade (Medicina); [...] Com o fim de produzir nos demais
uma impressão equívoca ou contrária, o homem simula habilmente uma situação
de ânimo favorável ao fim que pretende (Psicologia). (ENCICLOPEDIA
UNIVERSAL, 1927)

A acepção de fingimento tem raízes na teoria do simulacro de Platão, que


hierarquizou o conhecimento do real numa escala descendente formada pelas
noções de modelo, cópia e simulacro, associando esta última aos artifícios que
iludiam os sentidos e, consequentemente, podiam iludir também a consciência.
Assim ocorria com as fascinantes imagens produzidas pelos artistas, que
rivalizavam com a natureza parecendo materializar a própria coisa
representada; e com os sedutores discursos dos atores e dos sofistas, que
emocionavam platéias fazendo ficções parecerem realidade. Simulacro era
signo de disfarce, fingimento, falsa identidade.

Trompe l’oeil
contemporâneo: a arte
de enganar o olho

Por ironia, foi um


platonista convicto,
Galileu, que no
final do século XVI
lançou as bases
para fazer da

simulação o método experimental privilegiado de investigação das “verdades”


da natureza. Imitar fenômenos naturais, reproduzindo-os em ambientes
controlados, foi a estratégia inventada por ele para promover o casamento
entre a matemática a física que pavimentou o caminho da ciência moderna. A
não assimilação desta acepção da simulação ao senso comum durante os três
séculos subsequentes pode ser interpretada como um dos “paradoxos da
modernidade” descritos por Bruno Latour – neste caso, o paradoxo da cisão
entre natureza e cultura que a ciência, embora tenha decretado, nunca chegou
a consumar.

Só partir da década de 1950, com o advento


da simulação computacional, é que a acepção
de ensaio com modelo foi acrescentada às
enciclopédias e dicionários. Em vista desses
sentidos antagônicos podemos decretar que um nada tem a ver com o outro,
isto é, que se trata de homonímia.

Mas convém ponderar a intrigante simetria entre as duas acepções: enquanto o


fingimento se refere ao falso, o experimento aponta para o conhecimento, ou
seja, para a verdade. Essa bipolaridade sugere a hipótese de um eixo
conceitual comum, que encontra respaldo em teorias da cognição
desenvolvidas fora da órbita cartesiana. Pesquisas no campo da fisiologia da
percepção evidenciaram, desde o século XIX, que o conhecimento humano
não pode ser explicado como pura e desinteressada representação do real, e
que os limites entre realidade e ilusão, ou entre realidade e ficção, são
inevitavelmente imprecisos.

William James e Henri Bergson foram pensadores que ainda no século XIX,
sob o peso de três séculos de primazia dos cânones racionalistas, com base
nessas pesquisas
contribuíram para
redefinir a
percepção e o
conhecimento como
categorias
complexas, híbridas e
instáveis, que
misturam
continuamente
subjetividade e objetividade, consciência e inconsciência, vontade e
automatismo.As teorias da cognição desenvolvidas a partir dos anos 40 do
século XX, já sob a influência da cibernética, tenderam a privilegiar ou o
subjetivismo ou o objetivismo, insistindo na dicotomia sujeito-objeto. O
cognitivismo dos anos 50, com sua aposta na hipótese da cognição como
processamento de símbolos – modelo do cérebro eletrônico – recaiu no
representacionismo e deixou sem resposta questões relativas ao modo de
formação das regularidades simbólicas. Já o conexionismo dos anos 70,
inspirado no paradigma da complexidade, teria respondido de maneira
satisfatória essas questões, postulando que as interações subsimbólicas fazem
emergir padrões – modelo das redes neurais – mas gerou dificuldades para
explicar como essas interações chegam a produzir algum tipo de organização.

Os teóricos da auto-organização lograram dissolver esse impasse. Na


perspectiva da enação, conceito proposto por Francisco Varela para dar conta
da complexidade da cognição, há um entrelaçamento e uma co-determinação
recíproca dos níveis simbólico e subsimbólico, o primeiro nível respondendo
por funções cognitivas especialistas e o segundo por funções de
integração/desintegração; o primeiro correspondendo mais diretamente ao
pensar e o segundo se desdobrando no fazer. A atividade cognitiva evolui, na
concepção de Varela, por interações recursivas de modelos mentais (sistemas
de símbolos agregados numa memória) com sua contraparte física, material - a
rede sensório-motora, que por sua vez muda incessantemente nas interações
com o meio. Trata-se de uma relação não hierárquica entre partes
complementares de um sistema que, a exemplo da gravura das mãos que se
desenham, de Escher, nos impede sequer de pôr em questão qual delas surgiu
primeiro.

Mains Dessinant, de Escher

A condição híbrida e processual é


comum às noções de enação e
simulação, permitindo inferir que esta
última, antes de apontar para o
verdadeiro ou para o falso, seja
simplesmente um modo de operar da

cognição humana. Representação (modelo de real) e simulação parecem


operar de forma entrelaçada na atividade cognitiva. Enquanto a representação
concerne aos objetos e aos sistemas, a simulação é uma categoria dinâmica,
processual, que concerne ao movimento ou comportamento desses mesmos
objetos e sistemas. O pensamento compõe representações e ensaia (simula)
comportamentos e eventos a partir delas.

O atributo da interatividade é que distingue, operacionalmente, a simulação da


representação nos processos cognitivos. Enquanto a representação, no sentido
clássico, é uma categoria estática, que supõe uma separação radical entre
sujeito e objeto, a simulação, ao contrário, se define pela dinâmica - pela ação
do observador sobre aquilo que ele constituiu como objeto e, recursivamente,
também pela ação desse objeto sobre o observador.

Humberto Maturana e Francisco Varela constataram em experimentos


neurofisiológicos que nenhum sistema neural de organismo vivo, nem mesmo o
humano, tem a capacidade intrínseca de distinguir realidade de ilusão. Essa
distinção se produz a partir de sucessivos ensaios executados pelo organismo
em questão que confirmam ou não a adequação do modelo de realidade
adotado. Quando não, o evento é classificado como ilusório. Nessa linha de
raciocínio, podemos conceber a simulação como uma estratégia interativa que
consiste em produzir “efeito de real”, ou seja, encenar um modelo de realidade
que, dependendo do contexto e da finalidade pretendida, pode ser tomado
como manifestação do real ou como um simples artifício.

Efeito de real na ONU (2003): Colin Powell e


a “prova” da fabricação de armas químicas no
Iraque

Toda simulação-farsa ensaia um


modelo e toda simulação-experimento
tem uma dimensão mimética
aparentada com a farsa. Não há uma
diferença de natureza entre a
simulação experimental e o fingimento; há no máximo diferenças de propósitos.
O efeito de real, como tática de simulação, implica necessariamente uma
interferência no fluxo sensório-motor-cognitivo visando alterar a percepção – se
em direção à realidade ou à ilusão, é outra questão.

Paradoxalmente, a eficácia da simulação parece depender da sua dissimulação


enquanto tal. Mesmo quando não tem o sentido de farsa, ou seja, quando não
procura iludir a consciência, uma simulação, para ser eficaz, precisa “enganar”
os sentidos. Um exemplo bem conhecido é o do simulador de vôo, um
dispositivo que, para cumprir satisfatoriamente sua função de treinamento,
deve se apresentar da forma mais realista possível para os sentidos do
aprendiz.
Fligth Simulator : voar com os pés no chão

A ambiguidade – ou melhor, o
paradoxo – parece ser uma
condição inescapável da simulação.
Essa estratégia cognitiva burla
qualquer enquadramento dicotômico
e se caracteriza precisamente pela
capacidade de embaralhar as fronteiras cognitivas. A simulação mistura o
subjetivo e o objetivo, o real e o fictício. Antagonizadas pelo pensamento
clássico mas sinônimas nas artes cênicas, as categorias da representação e da
simulação formam um par conceitual. Há um jogo entre elas, que Jean
Baudrillard descreveu com elegância nesta proposição: “enquanto a
representação tenta absorver a simulação interpretando-a como falsa
representação, a simulação envolve todo o edifício da representação como
simulacro”. (Simulacros e Simulação, p. 13).

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* Doutora em Comunicação pela ECO/UFRJ, autora do livro Isto é Simulação:


a estratégia do efeito de real (E-papers, 2010).

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