RESUMO
O projeto “Mosaico de unidades de conservação do baixo Rio Negro”, foi submetido pelo IPÊ –
Instituto de Pesquisas Ecológicas e parceiros locais ao Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA, por
meio do Edital 01/2005. O projeto objetiva formar o Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro,
envolvendo os atores sociais na sua gestão e elaborar e implementar o plano de Desenvolvimento Territorial
com Bases Conservacionistas do mosaico, fortalecendo o poder local. Para atingir tais objetivos acoes de
mobilização vem conformando espaços participativos trans-escalares, envolvendo a sociedade civil,
comunidades tradicionais, Estado, municípios e empresas a nível local e instituições a nível regional e
nacional. Em termos de Gestão, trabalha-se para formar o conselho do mosaico, bem como comitês e
grupos de trabalhos. Ao mesmo tempo busca-se articular este espaço com outros instrumentos de Gestão
territorial como Corredores Ecológicos, Reserva da Biosfera e Território da Cidadania. O mosaico
se apresenta como um espaço de zoneamento ecológico do território, tendo em vista as possibilidades de
desenvolvimento territorial fundado no conceito de terroir, com a valorização dos conhecimentos tradicionais
e da biodiversidade, o que chamamos de produtos e serviços da sociobiodiversidade.
1.Introdução
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Figura 1 – Localização do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro
Desta forma, torna-se relevante envolver a diversidade de atores sociais com interesses no
Mosaico, tendo em vista a formação do conselho e a construção dos “caminhos” para a gestão
participativa. O conselho de mosaico pode atuar na implementação da gestão integrada das áreas
protegidas que o compõem e propor diretrizes e ações para compatibilizar, integrar e otimizar as
atividades desenvolvidas em cada unidade de conservação e nas outras áreas. Proporciona
também a relação propositiva com as comunidades residentes na área do mosaico, além da
promoção do desenvolvimento territorial. Cabe ainda ao conselho manifestar-se sobre propostas
que visem solucionar eventuais sobreposições entre áreas protegidas.
Neste ponto torna-se importante encorajar o empoderamento da população local, ou seja,
com o estabelecimento dos mosaicos, os atores sociais destas regiões podem participar
ativamente do planejamento regional e tornam-se parceiros efetivos nas atividades de
conservação in situ da biodiversidade, este direito deve ser garantido. É importante capacitar os
conselheiros em conceitos e práticas específicas sobre gestão de áreas protegidas e que haja o
respeito e a plena possibilidade de participação e expressão por parte das comunidades , dotadas
de culturas diferenciadas. Salienta-se os limites de um instrumento como o conselho consultivo
que decerta forma não permite tomada de decisões relevantes e o mesmo e muitas vezes e
disputado por setores com graus hierarquicamente distintos de poder e conhecimento. De certo,
apesar dos limites legais, o conselho do mosaico terá que deliberar em casos que envolvam temas
regionais e temas que envolva acoes integradas, o que poderá ser um avanço.
A execução desta meta esta sendo feita em etapas, tendo como orientação geral e
metodológica os exemplos e caminhos debatidos na Oficina de Gestão Participativa do SNUC
(MMA, 2004), que versam sobre a formação dos conselhos gestores e a consolidação dos
mosaicos de forma integrada. Nestes casos, o processo deve ser desenvolvido através de etapas
sucessivas de sensibilização-mobilização, articulação institucional, reuniões preparatórias,
escolha e capacitação dos gestores. Tendo como produtos o conselho e o mosaico formalizados,
com seu respectivo regimento aprovado, e os membros capacitados (figura 2).
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desenvolvimento “alternativo” na região do Mosaico significa mais que potencializar as
iniciativas econômicas desta região. O que se pretende é assegurar o bem estar aos beneficiários
deste processo através de uma economia a escala humana (Neff, 1994), baseado na participação
efetiva, na sustentabilidade e numa critica profunda ao crescimento econômico (Sachs, 2000) e
que possua múltiplos indicadores que busquem a “felicidade” das pessoas e não apenas números
(Viveret, 2006). Como apresenta Sen (2000), “...uma perspectiva alternativa vê o
desenvolvimento essencialmente como um processo “amigável” de trocas mutuamente benéficas,
de liberdades políticas, de desenvolvimento social e de segurança protetora”.
A conservação da biodiversidade passa por uma nova visão de desenvolvimento
territorial sustentável e as áreas protegidas devem formar parte de uma estratégia regional de
desenvolvimento e ocupação dos espaços. Tal enfoque é fundamental para que as comunidades
locais se apropriem da gestão do desenvolvimento e das áreas protegidas. Estas últimas poderão
contribuir para a economia através da valorização e utilização sustentável da biodiversidade, dos
serviços ambientais, da proteção aos patrimônios culturais, do incentivo ao manejo dos recursos,
da agroecologia, ao ecoturismo e a negócios sustentáveis baseados na economia solidária.
A estratégia principal do projeto é a incorporação do elemento “Desenvolvimento
Territorial com Bases em Cadeias Produtivas da Sociobiodiversidade” nos espaços de gestão
participativa do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro e, a partir desta estratégia,
gerar ferramentas para implementar o Plano de Desenvolvimento Territorial (DT) que está em
elaboração pelo IPÊ e parceiros. A proposta e fundamentada no conceito de terroir, que são
produtos agrícolas, alimentares, florestais e artesanais da terra provenientes de sistemas
ecológicos diferenciados, produzidos de forma familiar ou micro-industrial com forte componente
de tipicidade e de um saber-fazer próprio e diferenciado (Berard e Marchenay, 1995).
Metodologicamente as acoes do projeto ocorrem de acordo com a proposta de Albagli
(2004), onde no processo de fortalecimento e capitalização do território em favor do
desenvolvimento territorial sustentável, visualiza-se como passos fundamentais a (1)
identificação das unidades territoriais pertinentes (no caso aqui as áreas protegidas formadoras do
mosaico), (2) geração de conhecimento sobre o território (diagnósticos, planos), (3) promoção da
sociabilidade (mobilização, oficinas, identificação de iniciativas) e o (4) reconhecimento e a
valorização da territorialidade (figura 4).
A identificação das unidades territoriais pertinentes se realizou através de diversas
metodologias. A área de abrangência do mosaico foi discutida publicamente em reunião de Novo
Airão em abril de 2007, onde através de um exercício buscou se construir propostas do mosaico a
partir da inclusão das áreas protegidas e de critérios de identidade territorial. Houve quatro
propostas de mosaico distintas, baseados na proximidade das UC’s e no grau de identidade de
gestão (desafios e potencialidades). Neste evento, foram criados dois grupos de trabalho, um de
gestores e outro da organização da oficina. O grupo de gestores junto, com o IPÊ, realizou duas
reuniões que culminou na elaboração de uma “matriz de proximidade” que visou comparar
aspectos comuns entre as áreas protegidas. Esta matriz permitiu visualizar a identidade de gestão
do território a partir de uma análise que englobou os seguintes aspectos: 1) ações já realizadas
conjunto pelos órgãos gestores; 2) questões relacionadas ao uso de recursos pelas comunidades;
3) potencialidades econômicas; 3) ameaças; 4) abrangência dos conselhos; 5) situação fundiária;
6) História, cultura e socioeconomia; 7) Características físicas e ecológicas, entre outras. Coube
também ao GT organizar a documentação necessária para formalizar o mosaico e animar o
processo. Num segundo momento foi solicitado posicionamento dos órgãos gestores em
comporem o mosaico e houve consulta aos conselhos das UC’s, ficando definida, a priori, a
formação do mosaico. Estão sendo realizadas consultas junto aos Waimiri-Atroari, tendo em vista
a incorporação da Terra Indígena no processo.
Tabela 1: Alguns produtos e serviços da sociobiodiversidade mapeados na região do baixo rio Negro.
Artesanato em
fibras e sementes,
cerâmica, comidas
frutas regionais, frutos de pesca subsistência
regionais,
palmeiras, sub-produtos da Fibras, cipós, resinas, e comercial, peixe
ecoturismo, turismo
mandioca, sementes, medicinais, óleos, sementes, ornamental, caca,
de aventura,
medicinais, ornamentais, doces castanhas piscicultura,
turismo com bases
e quitutes, culinária meliponicultura
comunitárias, pesca
esportiva, visitação
educacional
Fonte: Dados coletados junto aos representantes comunitários, Sindicatos, Organizações e Associações sociais de
classe no município de Novo Airão e Barcelos, Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas,
Instituto Chico Mendes de Proteção da Biodiversidade, Fundação Vitória Amazônica (FVA) e IPE – Instituto de
Pesquisas Ecológicas.
De forma geral, a economia dos povos tradicionais da região do baixo rio Negro se apóia
na produção/extração de uma ampla variedade de recursos naturais locais cultivados ou
apropriados pelos comunitários em seu dia-a-dia com a finalidade do autoconsumo familiar e
subsistência, garantindo a própria sobrevivência das famílias. Neste sistema econômico a
produção de excedentes para comercialização é pequena (baixa escala produtiva) e destina-se
principalmente para a troca e obtenção de outros gêneros essenciais à sobrevivência das famílias.
O saber-fazer e as formas de acesso, manejo e exploração dos recursos naturais locais obedecem a
saberes e técnicas de produção tradicionais idealizadas com baixo investimento de capital, baixa
produtividade e pequena escala produtiva, mas respeitando os ciclos ecológicos e a sazonalidade
da produção.
Considerações finais
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i O termo sociobiodiversidade tem sido usado pelas entidades que compõem o Fórum Brasileiro de Organizações Não
governamentais e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Significa que nos ecossistemas tropicais
persiste tanto a diversidade biológica quanto a cultural e que estas estão intimamente ligadas. A biodiversidade produz
diversidade cultural e vice-versa, gerando um sistema simbiótico complexo. O Ministério do Desenvolvimento Agrário
(2008) apresenta a seguinte definição para produtos da sociobiodiversidade: “são bens e serviços gerados a partir de recursos
da biodiversidade local, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos Povos e Comunidades Tradicionais e de
Agricultores Familiares, numa relação harmônica entre si, com sustentabilidade, justiça social e respeito às especificidades
culturais e territoriais, que assegurem a manutenção e a valorização de seus laços sociais, suas práticas e saberes, dos
direitos decorrentes, da melhoria do ambiente em que vivem e da sua qualidade de vida”.
iiUnidades de Conservação (UCs) são espaços territoriais com seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais,
com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites
definidos, sob regime especial de administração. A Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000 regulamenta o art. 225, § 1o,
incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
(SNUC). O SNUC divide as Unidades de Conservação em dois grupos: as de Proteção Integral (cujo objetivo é o de
preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais com exclusão de populações
humanas) e as de Uso Sustentável (que visam compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parte dos
seus recursos naturais).
iii Segundo Drummond et al.(2006)A inclusão das Terras Indígenas no conceito ampliado de áreas protegidas se deve
primeiramente a Constituição de 1988 que consagrou o princípio de que os povos indígenas são os primeiros e naturais
senhores das terras brasileiras. Esta é a fonte primária de seu direito. Em segundo lugar, o reconhecimento constitucional
dessa identidade diferenciada dos povos indígenas se liga à questão territorial, em virtude do papel central da terra e dos
recursos naturais na reprodução econômica, física e cultural desses povos. As terras indígenas têm forte apoio legal e
institucional e estão marcadas pela intenção de perpetuidade. Assim, essas terras têm um caráter de permanência que faz
com que as UCs sejam aparentadas a elas. Em terceiro lugar, na medida em que mantenham os traços fundamentais de suas
práticas produtivas tradicionais, os povos indígenas geralmente não causam modificações radicais nos processos
ecológicos, nos ecossistemas, nas paisagens nativas e nos componentes bióticos e abióticos das terras que usam.
iv O processo de reconhecimento de Territórios de Quilombos no Brasil teve início em momento relativamente recente.
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais com trajetória histórica própria,
dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à
escravidão. Isso implica em direitos reconhecidos pela Constituição de 1988. Foi a partir do texto constitucional em vigor
que o conceito de quilombo adquiriu uma significação atualizada, ao ser inscrito no artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT).
v De acordo com o Decreto nº 4.340/2002 (regulamentação do SNUC), os mosaicos devem ser formalmente reconhecidos
por ato do Ministério do Meio Ambiente e devem ser geridos por um Conselho, de caráter consultivo e presidido pelo chefe
de uma das unidades de conservação.