Resumo: Desde o clássico artigo de Meyer e Rowan (1999), diversos autores têm buscado explicar a
formação e a transformação organizacional com base nos pressupostos da abordagem
neoinstitucionalista, assim como, encontrar soluções aos seus paradoxos. Nesse sentido, o presente
artigo retoma essa discussão, fazendo uma inter-relação entre os pressupostos neoistitucionais e a
abordagem moriniana da complexidade na análise organizacional, tendo como objeto empírico de
estudo a avaliação do Programa Pró-Guaíba, o qual tem como objetivo promover a noção de
desenvolvimento sustentável da Bacia Hidrográfica do Guaíba, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Para isso, fez-se uso da análise de conteúdo dos relatórios do Programa, bem como, de entrevistas em
profundidade realizadas com atores-chave na sua consecução. Dessa forma, com as devidas limitações
que a própria abordagem da complexidade sugere no que se refere aos métodos tradicionais de
pensamento, possibilitou-se uma nova lógica de concepção do campo organizacional, neste caso, auto-
eco-organizacional, aqui denominado de campo organizacional ativo.
Palavras-chave: Análise neoinstitucional; complexidade; Programa Pró-Guaíba.
1. Introdução
A teoria institucional tem oferecido uma extensão importante e distintiva ao repertório de
perspectivas e abordagens teóricas organizacionais ao enfatizar como as pressões institucionais
compelem as organizações a adotarem práticas ou estruturas similares de forma a ganharem legitimidade
e suporte (MEYER e ROWAN, 1999; DIMAGGIO e POWELL, 1999), assim como, o papel das
influências miméticas, normativas e coercitivas para explicar tanto a estabilidade quanto a mudança
institucional (DIMAGGIO, 1999; TOLBERT e ZUCKER, 1999; SEO e CREED, 2002). Contudo, a
questão teórica central que busca compreender como as instituições são criadas e transformadas ainda
permanecem apenas parcialmente respondidas no momento em que se busca incorporar o papel dos
interesses e dos agentes na mudança institucional (BENSON, 1977; SEO e CREED, 2002). Ou seja, se
o poder e os interesses dos agentes desempenham um papel essencial na estruturação e mudança
institucional dos campos organizacionais (DIMAGGIO e POWELL 1999), como pode suas ações,
intenções e racionalidade serem condicionadas pelas mesmas instituições que anseiam mudar (HOLM,
1995)? Ou, ainda, como interpretar o grau de institucionalização quando a institucionalização completa
ou total (JEPPERSON, 1999) reside no mesmo contexto em que se dá os conflitos e as tensões que
podem caracterizar a própria desinstitucionalização (TOLBERT e ZUCKER, 1999)?
Esses evidentes paradoxos institucionais remetem a necessidade da inclusão de outras abordagens
teóricas na análise dos processos de institucionalização, a partir das quais se permita a integração dessas
contradições e/ou conflitos como componentes essenciais às organizações institucionalizadas. Nesse
sentido, o presente estudo busca integrar e ampliar as noções de campo organizacional e isomorfismo de
forma a compreender os processos subjacentes à formação/transformação organizacional de uma
perspectiva dialógica da complexidade (MORIN, 2002).
A observação empírica desse estudo toma como objeto a análise institucional do Programa Pró-
Guaíba, o qual tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável da Bacia Hidrográfica do
Guaíba. Para isso, a metodologia considerada mais adequada foi a análise de conteúdo (SAMPIERI,
2
COLLADO e LUCIO, 1994; BARDIN, 1977; MORAES, 1999) dos principais documentos do
Programa (decretos e leis que instituíram e alteraram a sua estrutura institucional, relatórios de análise,
documentos contratuais, Informe de Projeto (BR-0073) e o Contrato de Empréstimo (776/OC-BR),
relatórios do Plano Diretor de Controle e Administração Ambiental da Região Hidrográfica do Guaíba,
dentre outros documentos de natureza técnica), bem como de entrevistas em profundidade com atores
chave na sua consecução.
2. O Programa Pró-Guaíba
O Programa Pró-Guaíba – Programa para o Desenvolvimento Racional, Recuperação e
Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Guaíba – foi criado pelo Governo do Estado do Rio Grande do
Sul por intermédio do Decreto nº 33.360/89 e modificado, posteriormente, pelos Decretos nos
34.047/91, 35.003/93 e 36.127/95. De acordo com o relatório da Secretaria de Coordenação e
Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul (2001), o Programa Pró-Guaíba estrutura-se com base
em uma visão sistêmica voltada à construção de um modelo “ecologicamente sustentável,
economicamente viável e socialmente justo” de gestão da Bacia Hidrográfica do Guaíba. Com base
nesta concepção, o Programa busca estabelecer as condições necessárias ao desenvolvimento da
autogestão da Bacia, de forma que todos os sujeitos envolvidos possam ser chamados a participar do
processo de formulação e implementação de ações, através de consultas públicas. Entretanto, o próprio
relatório ressalta a complexidade de sua execução, decorrente da interdependência de seus diversos
componentes e entidades ou agências co-executoras, o que leva a um esforço de coordenação intenso,
em virtude das várias instituições envolvidas possuírem características muito diferenciadas.
Conseqüentemente, de acordo com o mesmo relatório, as principais dificuldades encontradas
durante a execução do Programa podem ser classificadas em três tipos: (a) informacionais, (b)
institucionais e (c) setoriais ou culturais. As dificuldades informacionais dizem respeito à difusão dos
objetivos e metas do Programa, assim como, da própria realidade ambiental da Região Hidrográfica do
Guaíba, ao conhecimento de toda a população. As dificuldades institucionais decorrem das estruturas
burocráticas, as quais concebidas em paradigmas desenvolvimentistas convencionais, apresentam baixa
capacidade para integrar a visão sistêmica em seus processos de gestão, de forma a enfrentar a
complexidade dos principais problemas ambientais considerados. As dificuldades setoriais ou culturais,
por sua vez, decorrentes das dificuldades institucionais, estão relacionadas ao problema de que muitas
das ações previstas no Programa acabam por serem concebidas isoladamente e com baixa articulação
entre elas, e não de forma interdependente e inter-relacionada como o desejado e necessário.
Por conseguinte, o fortalecimento institucional somado à consolidação de uma base legal
integradora configura como a principal estratégia do Programa para enfrentar estas dificuldades.
Contudo, os trabalhos relativos à análise do quadro institucional, desenvolvidos no âmbito da concepção
do Plano Diretor de Controle e Administração Ambiental da Região Hidrográfica do Guaíba, a partir dos
quais deveriam resultar propostas de um novo arranjo institucional para a gestão ambiental no Rio
Grande do Sul, ficaram restritos a indicar apenas eventuais vazios e sobreposições de forma a subsidiar a
um estudo mais específico sobre a questão, dada a sua complexidade e desdobramentos.
Da mesma forma, a noção central de desenvolvimento sustentável em que se fundamenta o
Programa Pró-Guaíba remete a uma outra dificuldade – de que forma analisar a efetividade do Programa
na institucionalização deste conceito? Por conseguinte, no âmbito desse estudo, compreende-se que há
uma relação dialógica entre a concepção de desenvolvimento sustentável intrínseca no Programa e a
concepção do próprio Programa. Sendo assim, dirigir-se à questão da eficácia da institucionalização do
conceito de desenvolvimento sustentável pelo Programa, equivale a dirigir-se à eficácia da questão da
institucionalização da concepção do próprio Programa. Logo, torna-se necessário rever alguns dos
principais pressupostos da teoria neoinstitucionalista e integrá-los ao pensamento moriniano da
complexidade, de forma a buscar uma melhor compreensão quanto à ação do Programa na
institucionalização da noção de desenvolvimento sustentável.
3
Interações/
Inter-relações
Integração Adaptação
eco-organização auto-organização
evolução
Figura 4.1 – A adaptação, de Morin (2002)
Ou seja, para Morin (2002) a adaptação não consiste em somente substituir em determinadas
condições geofísicas, mas também a constituir relações complementares e/ou antagônicas com outros
seres vivos, a resistir às concorrências/competições, e a enfrentar os acontecimentos aleatórios próprios
ao ecossistema no qual se integra. Dado que o ecossistema varia e transforma-se, e em que a própria
noção de adaptação varia e transforma-se (MORIN, 2001:67).
Outrossim, segundo Morin (2001), a complementaridade é uma condição sine qua non de
integração, pois todo o ser vivo que não se insere em uma ou várias complementaridades acaba por não
ser selecionado. Ou seja, as complementaridades as quais podem ser de solidariedade ou de
antagonismo são, simultaneamente, selecionadas e selecionadoras, onde são eliminados aqueles que não
são solidários da eco-organização, o que permite vislumbrar o aspecto complexo e ecologizado da
seleção:
A idéia de seleção deve ser ainda mais complexificada, no sentido em que tudo aquilo que é
selecionado é também selecionador, tudo o que é selecionador é também selecionado. A eco-
organização estabelece um ecossistema viável/fiável eliminando outras possibilidades menos
viáveis/fiáveis e, nesse sentido, auto-seleciona-se. Auto-seleciona-se por meio de
complementaridades/competições/antagonismos que selecionam interações, as quais selecionam
indivíduos, cuja seleção determina a seleção de uma população ou espécie – espécies,
população, indivíduos, interações, complementaridades, competições, antagonismos que
selecionam o tipo de eco-organização que produzem. E chegamos à formulação complexa da
idéia de seleção: não é a sobrevivência que obedece a princípios simples de seleção, mas a
seleção daquilo que sobrevive que obedece a princípios complexos de eco-organização, a qual
obedece a princípios complexos de seleção (MORIN, 2001:72).
Portanto, de acordo com Morin (2001), o conceito de seleção torna-se inseparável do anel
recursivo da eco-organização/sistema que, por sua vez, leva a uma modificação permanente de uma eco-
organização em outra em virtude da recorrência integração/seleção como em um ciclo em forma de
espiral, que leva à evolução. Assim, a evolução não consiste apenas em um efeito ou produto, mas em
causa e co-produtora no circuito conceitual complexo, conforme é apresentado na Figura 4.2.
integração
inovação seleção
evolução
Interações
Desenvolvimento
Pró-Guaíba sustentável
Institucionalização/desinstitucionalização
retroatividade/ produção-de-si/
recursividade/ regeneração/
reorganização
permanente
Formação/transformação
Interações Organização ativa
do campo organizacional
Imposições Incorporação de
Produção Transformação regras
institucionalizadas
Complementaridades
Isomorfismo