A pena capital chegou ao Brasil pouco depois de Cabral. Naquela época não existiam
julgamentos: as execuções, geralmente, eram sumárias. Em 1530, ano da chegada da
primeira expedição de ocupação vinda de Portugal, liderada por Martim Afonso de
Souza, começaram os assassinatos feitos em nome do Estado. Um dos primeiros
ocorreu por causa do fidalgo português Pero Lopes Souza. Irmão de Martim Afonso, ele
estava alojado numa fortaleza em Pernambuco que foi atingida por duas flechas. Ele
não se feriu, mas, desconfiado dos franceses que habitavam a região, mandou que todos
eles fossem presos e enforcados. A execução coletiva só parou quando dois dos
estrangeiros assumiram a culpa.
No início do século 16, quem recebia sentenças de morte eram principalmente índios,
piratas, traficantes, hereges e invasores franceses – naquela época, a maioria da
população podia ser encaixada em (pelo menos) uma dessas categorias. Ainda no ano de
sua fundação, em 1549, Salvador foi palco de uma execução exemplar, ordenada pelo
seu governador e fundador, Tomé de Souza. Um índio matou um português e, como
punição, foi amarrado à boca de um canhão. Quando o projétil foi disparado, o
condenado se despedaçou no ar, na frente de uma platéia composta por colonos e
nativos. Em 1551, também em Salvador, mais dois nativos receberam essa punição.
Eram velhos índios que morreram no lugar dos sobrinhos, que haviam fugido após ser
acusados de devorar quatro comerciantes.
Os colonos portugueses não estavam imunes à pena capital, embora ter uma boa posição
social ajudasse bastante. Nos assassinatos, por exemplo, se o acusado fosse um fidalgo,
as Ordenações Filipinas diziam que o caso devia ser bem analisado antes de se optar
pela pena de morte. Mesmo assim, se tornaram comuns as execuções de “homens
bons”. Como o coronel Fernão Bezerra Barbalho, dono de engenho em Pernambuco
que, por suspeitar de infidelidade, assassinou a esposa e as três filhas. Já estávamos na
segunda metade do século 17, quando já existiam julgamentos organizados. Condenado,
o coronel foi degolado em 1687.
Ter o pescoço cortado era o principal método usado para executar nobres e membros da
elite. Morrer na forca era algo vergonhoso, destinado à ralé. Mas a violência das leis
nem sempre era aplicada na prática. Os condenados podiam apelar ao rei – que, com seu
“direito de graça”, muitas vezes os perdoava. “Essa estratégia mantinha toda a força da
autoridade, mas, ao mesmo tempo, permitia ao soberano ser magnânimo”, diz Arno
Wehling, presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
O imperador clemente
Seis meses antes de Elesbão ser executado, havia entrado em vigor a lei de 10 de junho
de 1835. Ela estabelecia que os escravos homicidas não deveriam ser julgados segundo
os princípios liberais do Código Criminal. Se ficasse provado que o escravo tinha
matado ou ferido gravemente seu senhor ou alguém da família dele, a única pena
possível era a de morte. Essa rigidez decorria do medo gerado por uma série de revoltas
escravas acontecidas entre 1807 e 1835, cujos ápices foram a Insurreição de Carrancas,
de 1833, em Minas (que acabou com o enforcamento de 12 escravos), e a Rebelião dos
Malês, de 1835, na Bahia (que resultou no fuzilamento de quatro negros). Se até os
últimos anos do Brasil Colônia os escravos foram minoria entre os executados em nome
da lei, eles passaram a ser maioria durante o Império.
A sentença de morte para os cativos era tão certa que eles já a conheciam de antemão.
Como José Crioulo, que assassinou seu senhor, José Augusto Cisneiros, em 1851, no
Rio de Janeiro, com uma estocada de compasso no peito. Crioulo alegou que estava
sendo espancado pelo dono quando reagiu e o matou, mas sabia que isso nada lhe
adiantaria – legítima defesa não valia para escravos. No interrogatório, reconheceu que
nada que ele dissesse poderia mudar seu destino. E, falando ao juiz, fez uma sábia
comparação: “Vossa Excelência bem sabe, no meio das galinhas, as baratas não têm
razão”. Morreu enforcado em 1852.
No mesmo ano em que José Crioulo foi executado, um homicídio chocou a cidade de
Macaé, no Rio de Janeiro. Manoel da Motta Coqueiro, um rico fazendeiro local, foi
acusado de ter mandado assassinar uma família inteira de colonos que vivia em sua
propriedade. Morreram Francisco Benedito, a mulher dele e seis filhos (incluindo três
crianças), todos abatidos a pauladas e retalhados a golpes de foice. Só uma filha
escapou, Francisca. Ela, que desapareceu, foi tida como o pivô de tudo: estava grávida
de Motta Coqueiro. O povo queria vingança. O fazendeiro foi condenado com base em
depoimentos controversos de alguns de seus escravos – que, por lei, nem poderiam
testemunhar contra ele.
Motta Coqueiro foi enforcado em 1855. Pouco depois, surgiu a versão de que a
mandante do crime teria sido, na verdade, Úrsula das Virgens, a mulher do réu – que
acabou enlouquecendo durante o julgamento. “Se naquele tempo até pessoas ricas e
poderosas podiam ser condenadas à morte sem provas ou certezas, quantos miseráveis e
inocentes teriam sido estupidamente pendurados numa corda antes que a pena de morte
acabasse?”, questiona o jornalista Carlos Marchi em Fera de Macabu, livro em que
conta a história de Motta Coqueiro e afirma que a suposta inocência do fazendeiro
influenciou o imperador Pedro II, que assumira em 1840, a seguir em frente com sua
campanha pessoal para acabar com a pena capital no Brasil.