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Sequer sabe dar valor aos homens que buscam compreender esse seu es tado
doente de ser, os homens retos, comprometido com a verdade e a natureza de sua
doença e da vida. O homem a que chamas ³genial´, mas se e somente se muitos
outros Zés Ninguéns também o chamam. Reich nos diz que esse traço moral é
portanto uma doença que se reflete em massa, uma peste, uma peste emocional . E
quando, no livro, refere -se ao assunto, é com desgosto que vê um homem incapaz até
mesmo de reconhecer os que buscam tratá -lo, os que diferentemente de seus lí deres,
intenta apenas diagnosticá -lo, pois vê no homem-comum uma doença de caráter a
prejudicar toda a sociedade.
Seu comportamento foi assim condicionado para que não seja um home livre .
Ele é só um homem-comum, por ser um homem de opiniões comuns. O homem que
renuncia seu poder metafísico de expressar uma opinião própria e que tenha sentido -
necessariamente fruto de reflexões prévias para as quais não tem tempo em seu
serviço de burocrata público -, que possa engajar mudanças, e não conservadorismo.
Entrega as decisões às mãos de ³homens-superiores´, seus políticos, colunistas ou
locutores de programas favoritos que admira sem nem saber porque. Se indagassem-
o sobre qualquer assunto, poderia facilmente responder sem pensar: ³Sou da mesma
opinião de todos´ -, e não cansaria de se repetir, alternando o tipo de seus argumentos
com exemplos ora quotidianos, ora econômicos, achando estranho, e como tudo que
diverge de seu umbigo, demasiado absurdo, o questionador também não ser da
mesma opinião de todos.
Todos os outros Zés Ninguéns causam-lhe medo, o oprimem. Tanta mídia nos
jornais também. A sociedade, em geral, como essa ³ unidade de coletividade e
dominação ´1, exerce seu poder fuzilador de coerção social, incorporado desde os
primórdios por meio da linguagem, que ³conferia ao que era dito, isto é, às relações de
dominação, aquela universalidade que el a tinha assumido como veículo de uma
sociedade civil.´ 2 É a diária fiscalização dos gestos e opiniões , de cima para baixo e de
baixo para cima, dentro da sala de aula ou no escritório. Em casa. Esses homens,
alguns possuem uma família. É claro que com ³certificado de casamento!´. Se não a
possuem, mantém relações com uma ou outra Maria Ninguém qualquer com quem se
entretêem às vezes, pois sua moral é tão variante quanto sua opinião. Reich chama a
atenção à esse traço permanente do Zé Ninguém, com a frase igualmente grafada à
seguir: ³A INCONSISTÊNCIA DO TEU COMPORTAMENTO.´ (REICH, p. 34). Alguns
tem ações, outros empresas próprias. hivem todos em função de um fim: a inveja
alheia. Suas rotinas lhes trazem frutos: mercadorias. Como Zé Ninguém bem
condicionado, a compra de tais mercadorias, aparentando-lhe favorecerimento na
busca por sobrevivência, a tópica da autoconservação inerente ao conceito de
esclarecimento, exerce-se de forma tão coercitiva que deixar de trabalhar torna -se
indício de vagabundagem ulteriormente para si. Interioriza a vigilância. A única
consequência capaz de perceber, o que por isso mesmo tornou -a tão admirável e
enfeitiçada, é a consequência do ³ reconhecimento por parte dos outros Zés
Ninguéns´.
Entretanto, esse homem de conciência abstrata , que diz ³quem sou eu para ter
opinião própria´, jamais compreenderia que as mercadorias só aparentam-lhe
favoráveis na busca por sobrevivê ncia na medida em que ele foi eficazmente
produzido (condicionado) para enchergá -las assim, de forma que a multiplicidade de
consequências outras, que não o reconhecimento por parte de homens também
devidamente condicionados, permanece obscura para sua compreensão limitada, tão
castigada pelas milhares de violentas pancadas que teve de receber para tornar -se tão
adaptado... ou esforçado. Sua adaptação, ou reificação, faz parte de um processo
histórico de violência contra o indivíduo , onde a abstração do eu corresponde à
abstração dos objetos por ele experienciados , na vitrine. A ausência de sentido
inerente, condição de entendimento dos ³fatos que desfilam velozmente diante de
seus olhos´ (ADORNO, p. 105) nos cinemas, é já pré -determinada pelo esquematismo
kantiano dos catálogos e classificações da indústria cultural, que eliminam assim
qualquer diferença entre universal e particular, ³sujeito e objeto tornam -se ambos
nulos´ (ADORNO, p. 38). É o esquematismo de Kant assim adaptado o primeiro
serviço prestado pela indústria cultural. Evita qualquer necessidade de esforço de seus
consumidores no ato de compra, pois tudo já está devidamente hieraquizado, a
³multiplicidade empírica´ devidamente categorizada de forma válida universal e
objetiva.
Mas o Zé Ninguém jamais compreenderia. Faz o oposto, isso sim. Reclama o
direito a seus bens como decorrentes do esforço empenhado por si. No suor em sua
camisa exibe seu caráter, um trabalhador! Acostumar-se ao ritmo de trabalho foi em
suma seu primeiro deslize. A média de oito horas por dia, durante seis dias por
semana, como dá-se no Brasil, foi tão bem acatada pois h á no Zé Ninguém uma
ambição cientificamente trabalhada . Produziu-se consumidores, aos moldes da
Industria Cultural - pessoas insatistisfazivies. Os produtos que buscam, que sempre
apresenta-se sob a forma de mercadorias da indústria cultural , possuem aqui papel
fundamental. Sem uma indústria, no sentido fabril e técnico do termo, não haveria
padrão quanto à opinião, e esta não seria portanto pública. É a formação de uma
cultura de pontos de vista, uma cultura dócil, o que está em jogo. Aceitação é o
condicionamento buscado. A conduta moral específica do homem comum é sempre
conformada. Entretanto,
pode ser vista em qualquer dos outros produtores da industria cultural, pois sua
influência, apesar de precisa e científica na formação da mentalidade do homem -
comum, permanece dependente dos interesses mais altos, dos pólos que circulam
mais dinheiro pela sociedade.
Ao fim e ao cabo, é o quotidiano o que tornou -se banal. Pouco mais foi preciso
fazer além de igualar o dia -a-dia, a totalidade das relações sociais, de certa forma
condicionado por essa indústria, aos mesmos produtos que ela oferece . A tendência
geral da Indústria Cultural é de sumir com as diferenças entre o filme em três
dimensões e o lugar real onde foi fi lmado. Impressionar como magia.
Não há espaço para o novo. Talvez seja esse o traço que mais aproxima o
Brasil de uma política liberalista. Temos em nosso sistema de cultura o mesmo modelo
norte-americano da reprodução mimética do quotidiano e aquilo que se apresenta
como arte. Nem arte mais pretendem verdadeiramente ser, compreendem -se como
negócio. A cultura, em nosso p aís, tornou-se sinonimo de propaganda. A cultura
popular, os cantos e marchinhas, as músicas que se pretendem originais,
permanecem tão afastadas do pó lo econômico que sequer o fazem cócegas. O
sucateamento de nossos cinemas regionais, ou da televisão que se pretenda diferente
e interativa, com conteúdos voltados para um público não massificado, são em geral
de tão baixa quali dade, que desagradam a todos que há muito demasiado sofrem com
o estilo indústrial permanentemente apresentado, seja nos outdoors , na Veja ou nas
confortáveis salas do Cinemark. Adestraram nossos sentidos justamente por
imperarem sobre eles de forma técnica e cientifica. A harmonia encontrada, a trilha
sonora escolhida a dedo por centenas de funcinários, e tudo o mais que componha
ponto a ponto os produtos culturais da massa, desejam não apenas sua preferência,
mas sua ogeriza perante o diferente.
A indústria cultural, que visa portanto ser enfadiça, desentediante, exerce esse
poder por meio da mecanicidade de apresentação de seus trailers, por meio duma
mutilação dos impulsos sexuais, transformando -os todos em pornografia. A mais bela
moça apresentada nesta seção de domingo , a mesma do filme retrasado, agora veste
um biquine brasileiro, enquanto outrora desfilava num D&G apresentado no último
desfile de moda internacional. É no desejo de ver mercadorias que o cinema se
mantém. O óculos de sol do galã que conquista a mocinha, sua casa de vidro e seus
dois carros na garagem, é isso que desperta o impulso para se amontoar em filas. Os
Best Sellers nada mais representam senão um desejo sexual por ver mercadorias que
dizem conquistar uma noite com um vampiro ou com a bela moça. O Zé Ninguém vai
assim se delineando, um homem de opiniões comuns, moldado pelas mídias e
indústrias privadas ou seja, por interesses dos ditos ³homens -superiores´. Os valores
que defende, utilizando -se de brados eufóricos se necessário, entretanto nada mais
são além do reflexo permanentemente retroativo de sua própria mentalidade,
condicionada tecnicamente por modelos de e ntretenimento de massa. Sua doença se
agrava à medida em que não mais consegue olhar críticamente para nenhuma dessas
instâncias. Situando-se portanto perante o mundo de forma identica à artificialmente
apresentada, acaba padecendo de ³ peste emocinal, o nú cleo da difamação, da intriga,
da inquisição abusiva´ (REICH, 98). Esta doença, como Reich a identifica, seria
portanto de todo homem -comum. É que o Zé Ninguém recebe de braços abertos a
indústria cultural como conduta a ser seguida, e faz dos interesses d os produtores
seus próprios interesses, levando assim uma vida mesquinha e ilusória.
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