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Polêmica Rolex

São Paulo, segunda-feira, 01 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pensamentos quase póstumos


LUCIANO HUCK

Pago todos os impostos. E, como


resultado, depois do cafezinho, em
vez de balas de caramelo, quase
recebo balas de chumbo na testa
LUCIANO HUCK foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem. E eu,
algumas páginas à frente neste diário, provavelmente no caderno policial. E, quem sabe,
uma homenagem póstuma no caderno de cultura.
Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma
família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um
presidente em silêncio.
Por quê? Por causa de um relógio.
Como brasileiro, tenho até pena dos dois pobres coitados montados naquela moto com um
par de capacetes velhos e um 38 bem carregado.
Provavelmente não tiveram infância e educação, muito menos oportunidades. O que não
justifica ficar tentando matar as pessoas em plena luz do dia. O lugar deles é na cadeia.
Agora, como cidadão paulistano, fico revoltado. Juro que pago todos os meus impostos,
uma fortuna. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase
recebo balas de chumbo na testa.
Adoro São Paulo. É a minha cidade. Nasci aqui. As minhas raízes estão aqui. Defendo esta
cidade. Mas a situação está ficando indefensável.
Passei um dia na cidade nesta semana -moro no Rio por motivos profissionais- e três
assaltos passaram por mim. Meu irmão, uma funcionária e eu. Foi-se um relógio que
acabara de ganhar da minha esposa em comemoração ao meu aniversário. Todos nos
Jardins, com assaltantes armados, de motos e revólveres.
Onde está a polícia? Onde está a "Elite da Tropa"? Quem sabe até a "Tropa de Elite"!
Chamem o comandante Nascimento! Está na hora de discutirmos segurança pública de
verdade. Tenho certeza de que esse tipo de assalto ao transeunte, ao motorista, não leva
mais do que 30 dias para ser extinto. Dois ladrões a bordo de uma moto, com uma coleção
de relógios e pertences alheios na mochila e um par de armas de fogo não se
teletransportam da rua Renato Paes de Barros para o infinito.
Passo o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e como tentar fazer este país
mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um trabalho sério e eficiente em sua
missão. Meu prazer passa pelo bem-estar coletivo, não tenho dúvidas disso.
Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia. Concluí que não era isso
que queria para a minha cidade. Não queria assumir que estávamos vivendo em Bogotá.
Errei na mosca. Bogotá melhorou muito. E nós? Bem, nós estamos chafurdados na
violência urbana e não vejo perspectiva de sairmos do atoleiro.
Escrevo este texto não para colocar a revolta de alguém que perdeu o rolex, mas a

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indignação de alguém que de alguma forma dirigiu sua vida e sua energia para ajudar a
construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais equilibrado e justo e concluir
-com um 38 na testa- que o país está em diversas frentes caminhando nessa direção, mas, de
outro lado, continua mergulhado em problemas quase "infantis" para uma sociedade
moderna e justa.
De um lado, a pujança do Brasil. Mas, do outro, crianças sendo assassinadas a golpes de
estilete na periferia, assaltos a mão armada sendo executados em série nos bairros ricos,
corruptos notórios e comprovados mantendo-se no governo. Nem Bogotá é mais aqui.
Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia?
Quem compra as centenas de relógios roubados? Onde vende? Não acredito que a polícia
não saiba. Finge não saber.
Alguém consegue explicar um assassino condenado que passa final de semana em casa!?
Qual é a lógica disso? Ou um par de "extraterrestres" fortemente armado desfilando pelos
bairros nobres de São Paulo?
Estou à procura de um salvador da pátria. Pensei que poderia ser o Mano Brown, mas, no
"Roda Vida" da última segunda-feira, descobri que ele não é nem quer ser o tal. Pensei no
comandante Nascimento, mas descobri que, na verdade, "Tropa de Elite" é uma obra de
ficção e que aquele na tela é o Wagner Moura, o Olavo da novela. Pensei no presidente, mas
não sei no que ele está pensando.
Enfim, pensei, pensei, pensei. Enquanto isso, João Dória Jr. grita: "Cansei". O Lobão canta:
"Peidei".
Pensando, cansado ou peidando, hoje posso dizer que sou parte das estatísticas da violência
em São Paulo. E, se você ainda não tem um assalto para chamar de seu, não se preocupe: a
sua hora vai chegar.
Desculpem o desabafo, mas, hoje amanheci um cidadão envergonhado de ser paulistano,
um brasileiro humilhado por um calibre 38 e um homem que correu o risco de não ver os
seus filhos crescerem por causa de um relógio.
Isso não está certo.

LUCIANO HUCK, 36, apresentador de TV, comanda o programa "Caldeirão do Huck", na TV Globo. É
diretor-presidente do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias.

São Paulo, terça-feira, 02 de outubro de 2007

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PAINEL DO LEITOR

O "Painel do Leitor" recebe colaborações por e-mail (leitor@uol.com.br), fax


(0/xx/11/3223-1644) e correio (al.Barão de Limeira, 425, 4º andar, São Paulo-SP, CEP
01202-900). As mensagens devem ser concisas e conter nome completo, endereço e
telefone. A Folha se reserva o direito de publicar trechos.

Assaltado nos Jardins


"Após ler o artigo de ontem de Luciano Huck ("Pensamentos quase póstumos'), vejo que até
a elite brasileira começa a ficar temerosa da abrangência que a violência tomou em nosso
país.
Assim como o apresentador se viu com um 38 na cabeça e pensou em como seria horrível
deixar sua família, milhares de brasileiros vivem isso no dia-a-dia. E nem todos têm a sorte

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de o bandido não atirar.
Quantas e quantas famílias órfãs existem e se espalham pelo nosso país? O número é
incontável e crescente. E, assim como Huck, a grande maioria paga seus impostos
corretamente. O apresentador acordou de um sonho? Bem-vindo à realidade do Brasil!
Se o seu despertar contribuir para acontecer alguma coisa neste país de elites, pode ter
certeza de que esse assalto não foi em vão."
JANE CARDOSO COSTA (Belo Horizonte, MG)

"Gostaria de dizer a Luciano Huck: bem-vindo ao mundo real.


Aqui, crianças chegam à 5ª série sem saber ler, mas chegam, e isso diminui o índice de
analfabetismo.
Aqui, a gente chega ao posto de saúde e consegue marcar uma consulta -está certo que não é
para agora (só em 120 dias), mas a gente consegue.
Aqui, pela manhã, pedimos "bença" ao traficante e, à noite, à polícia (afinal, a gente tem que
se dar bem com todo mundo...). Aqui, todo mundo sabe o que de errado acontece.
A gente sabe quem vende jogo do bicho, quem pede propina, quais são os políticos que
roubam. Sabe aquelas maquininhas de jogo, aquelas que são proibidas? Aqui tem um monte.
Alguns falam que elas são da polícia, por isso temos de ficar quietos, enquanto nossos pais,
depois de um dia de trabalho, perdem ali o dinheiro daquilo que seria o nosso omelete no
domingo.
Todos nós estamos cansados de gritar, mas nossa voz não é ouvida.
De coração, sinto muito que isso tenha acontecido com o apresentador, pois sei o que é ter
uma jovem esposa e uma pequena criança nos esperando em casa. Mas, agora que ele faz
parte desse nosso seleto grupo, que nos ajude a gritar."
CESAR ALEXANDRE (Osasco, SP)

"Depois de a Folha nos presentear com a entrevista com Eric Hobsbawn, nos cobra a
paciência de ter que engolir Luciano Huck e sua auto-compadecida situação nada
presunçosa, quando sugere o possível noticiário do seu possível desaparecimento no caderno
cultural. A partir de agora, poderemos ter na terceira página da Folha os relatos das
experiências de assaltos sofridos por apresentadores. Sugiro que o assaltante tenha o direito
de resposta."
RICARDO MELLO (Goiânia, GO)

"Luciano Huck queixou-se: "onde está a "Elite da Tropa'? Quem sabe até a "Tropa de
Elite'!". Ele poderia ter sido mais direto e dizer: onde está a "Tropa DA Elite?"."
FERNANDO DA SILVEIRA (São Paulo, SP)

"Os policiais que estão na linha de frente do combate ao crime (todos os que não são
delegados ou oficiais da PM) sabemos onde está o "Rolex roubado" do Luciano Huck
-metáfora para o Graal da segurança pública brasileira. Mas não vou trocar tiro com
bandidos recebendo um salário-base de R$ 568,29 (e, agora, sem o tíquete alimentação de
R$ 80, que nos foi retirado em agosto de 2007). Prefiro correr risco no bico para sustentar os
meus filhos.
Se Huck não está feliz conosco, pode entrar para o movimento "Cansei" e cobrar do
governador Serra o motivo de o PSDB ter tanta raiva da polícia paulista e mantê-la na
miséria há 14 anos. Eu queria fazer minha inscrição naquele movimento, mas será que
aceitam um policial sem dinheiro?"
ROGER FRANCHINI (São Paulo, SP)

"Entendo a indignação de Huck, mas nenhum super-herói daria conta de estar em dois

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lugares ao mesmo tempo para impedir um assalto. Nem a "Rota na rua" dá conta de impedir
todos os crimes da cidade. O problema é e sempre será a injusta distribuição de renda em
nosso país, uma das mais vergonhosas do mundo.
Quantos ricos o apresentador conhece (e ele deve conhecer muitos) que estariam dispostos a
ajudar a reverter este quadro?"
KLEBER EDUARDO MANTOVANI (São Bernardo do Campo, SP)

"Embora tenha sido no calor dos acontecimentos, Luciano Huck retratou de forma clara a
verdade que os políticos responsáveis pela nossa segurança tentam esconder.
O que comemorar no Dia das Crianças, 12 de outubro, diante de tantas barbáries que a mídia
divulgou nos últimos dias, diante da educação escolar que aprova alunos sem o
conhecimento mínimo necessário?
Franco da Rocha, cidade onde nasci, vivo e sou vice-prefeito, foi destaque na mídia nestes
últimos dias por ser um depósito desses bandidos que são presos e passam o fim de semana
"em casa", matando e assaltando.
É preciso investimentos do Estado nas pessoas, nos jovens principalmente, para que sejam
cidadãos, e não distribuidores ou vítimas de estiletes e de bala calibre 38."
MARCELO CYPRIANO, vice-prefeito (Franco da Rocha, SP)

"O senhor Luciano Huck me constrangeu com seu "desabafo". Não pelo fato de ter sido
vítima de violência, afinal, era de esperar que "sua hora" chegasse. Mas por achar que, sendo
pessoa pública e digna da comoção de uma "multidão", estaria imune a ela.
Tenho até pena do senhor Huck, pois ainda acredita que ser cidadão se resuma a votar ou a
pagar impostos ou a dirigir uma ONG. Com o espaço de que goza na mídia, com o carisma
que lhe renderia uma "homenagem no caderno de cultura" e com a renda que concentra,
poderia fazer mais que isso.
Caso seu programa se preocupasse não apenas em "fazer este país mais bacana" mas em
desenvolver uma consciência crítica no público, talvez nosso país fosse socialmente mais
justo. Talvez, se os espectadores fossem incentivados a debater a importância de cada
indivíduo na busca de soluções e estimulados a uma participação política ativa, Huck não
estaria "à procura de um salvador da pátria"."
CLEBER FERREIRA SHIMIZU (Londrina, PR)

Educação em SP
"Quase a metade dos alunos que terminaram o ensino médio têm o nível de alunos de 8ª
série, sendo que 15% têm nível de 4ª série. A educação pública em SP é uma tragédia, fruto
da incompetência dos sucessivos governos do PSDB com sua política de não-repetência para
mascarar a realidade."
MARCIUS AUN PATRIZI (Rio Claro, SP)

Choque de gestão
"Choque de gestão, senhor presidente, é investir em tecnologia e em pessoal especializado
para atender a metas definidas e a resultados esperados ("Lula diz que contratações e criação
de secretarias não incham máquina pública", Folha Online de ontem).
Contratar pessoas indicadas pelos partidos aliados continua sendo "inchaço da máquina",
com toda a burocracia, custos e resultados que já conhecemos."
CARLOS GASPAR (São Paulo, SP)

São Paulo, quarta-feira, 03 de outubro de 2007

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Assalto nos Jardins


"Caramba! Nem a absolvição de Renan provocou tanta indignação dos leitores da Folha
quanto o desabafo justo e consciente de um cidadão que paga seus impostos em dia (e,
convenhamos, isso é mais do que suficiente) acerca uma violência sofrida. Por que tanta
grita? Por que os leitores do jornal se doeram tanto com esse artigo?
Só um lembrete: não é obrigação de Luciano Huck acabar com a violência e a desigualdade.
Essa obrigação é dos governantes, que foram eleitos e recebem montanhas de impostos para
isso. O resto é filosofia barata de botequim."
FERNANDA RAQUEL ALVES (Jundiaí, SP)

"A nossa elite (se é que merece ser assim chamada) é mesmo patética. Só mostra indignação
com a situação do país quando tem o seu Rolex roubado.
Queria ver Luciano Huck escrevendo um texto tão indignado caso presenciasse uma chacina
no Capão Redondo."
ZECA BALEIRO, músico (São Paulo, SP)

"Ao ler o discurso egocentrado de Luciano Huck, me perguntei: se ele desabafa dizendo que
"isso não está certo", o que devem dizer os milhões de brasileiros anônimos que passam fome
e não têm a menor idéia do que são políticas públicas, os que não têm luz nem saneamento
básico em casa, os que vivem do salário mínimo, os que convivem desde criancinhas com os
mais sórdidos tipos de violência e os que pegam quatro horas de condução por dia e são
assaltados lá dentro? Isso só para citar alguns exemplos.
Fica a pergunta filosófica, tão profunda quanto o desabafo burguês que li: o que é certo?"
ANDREA SOUZA (São Paulo, SP)

"Em São Paulo, há dois milhões de pessoas vivendo em favelas, segundo dados da prefeitura.
São cidadãos que, apesar de "abrirem mão" de uma moradia digna, de saúde, de educação e
de transporte de qualidade, direitos mencionados na Constituição, não cansaram, não se
indignaram nem peidaram, como tem feito a elite brasileira.
O apresentador Luciano Huck terá de abrir mão do seu Rolex, incompatível com um país de
contrastes que chegou ao limite. Passar o dia pensando em "como deixar as pessoas mais
felizes e em como tentar fazer este país mais bacana" não basta.
Se a elite brasileira não aceita abrir mão do que conquistou, o povo não consegue mais viver
sem o que nunca teve."
ALFREDO CASEIRO (São Paulo, SP)

"Fico triste em constatar que nós, cidadãos brasileiros, sendo do "povo" ou da "elite"
-atendendo à divisão imaginária que ainda resiste na mente de algumas pessoas- estamos
aceitando a banalização do crime, das ruas à política.
O direito de ir e vir em segurança, assim como outros direitos básicos, devem ser assegurados
a todos os cidadãos brasileiros, independentemente da classe social. Portanto vamos canalizar

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a nossa indignação a todas as esferas de governo, sejam elas federais, estaduais ou
municipais, e olhar o apresentador Huck apenas como mais um cidadão brasileiro violentado
nos seus direitos, sendo esta a questão central."
WILSON APARECIDO DE OLIVEIRA (São Paulo, SP)

São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007

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Leia mais cartas na Folha Online


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Assalto nos jardins


"Sinceramente, é muito difícil entender o raciocínio de alguns leitores da Folha neste painel.
Parece ser "pecado" ou "crime" Luciano Huck ("Pensamentos quase póstumos",
"Tendências/Debates", 1º/10) ser rico e famoso. Será que a dor, o medo e a tristeza desse pai
de família não são levados em conta? Por ser abonado, todo sentimento dele é "café com
leite", não vale ou é só brincadeira de riquinho? Só quem freqüenta a fila do SUS, mora na
favela, estuda em escola pública etc. é que tem sofrimentos?
Se Luciano Huck não enriqueceu desviando dinheiro público (isso, sim, criminoso e
vergonhoso) e não ficou famoso por quebrar ilegalmente o sigilo de um caseiro, vamos ouvir
o seu protesto e juntar com todos os outros, independentemente da classe social e econômica,
e vamos cobrar dos Legislativos projetos práticos para esta nação."
MARGARETH REZENDE ROQUE (Aparecida, SP)

"Na próxima vez que em for assaltado (tomara que isso não aconteça), Luciano Huck deve
escrever um artigo elogiando e, principalmente, agradecendo aos pobres ladrões, pois eles
são vítimas da burguesia e das elites. Quem sabe assim consiga aplacar o ódio e a inveja de
alguns leitores, com certeza simpatizantes do PT. Triste país o nosso, onde ter uma ótima
condição financeira virou crime."
FERNANDO ALMEIDA (São Paulo, SP)

"Depois da longa explanação de Luciano Huck, confesso que esperava, no último parágrafo,
um desfecho sensacional, que explicitasse que todo o arcabouço elitista do qual lançou mão
fosse mero jogo de ironias, numa crítica à burguesia brasileira. Que ingenuidade a minha!
Tudo não passava do "desabafo" de um homem assaltado, "envergonhado" de ser brasileiro

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-mas que de brasileiro pouco tem. A análise simplista causa indignação.
"O lugar deles é na cadeia", diz ele. "Está na hora de discutir segurança pública", diz ele. Ele
deveria continuar: Agora como vou viver sem meu Rolex? Como passearei pelos Jardins sem
preocupação? Talvez esteja na hora de mudar-me para Bogotá. Este país não faz parte da
minha realidade"."
MARCELO PEREIRA INTROÍNI (Campinas, SP)

"Luciano Huck, em seu artigo, desabafou contra o assalto que sofreu em São Paulo. Até aí,
tudo bem. No entanto, estranhei a seguinte frase: "Pensei no presidente, mas não sei no que
ele está pensando".
Por que o presidente? O responsável pela polícia paulista é o governador, no caso, José Serra.
Ao citar Lula, Huck errou o alvo de seu justo desabafo."
JASSON DE OLIVEIRA ANDRADE ( Mogi-Guaçu, SP)

"Como ainda existe preconceito neste país! Para ter um Rolex, Luciano Huck trabalhou
muito -e ainda vai trabalhar muito, se Deus quiser. Ele é um dos mais humanos
apresentadores da TV, e simplesmente desabafou, como qualquer um. Não tem culpa de ter
recebido de Papai do Céu talento e oportunidade.
Ainda bem que, naquele momento, com um 38 na cabeça, se lembrou da família, coisa que
muita gente colocou de lado nos últimos tempos -e por isso estamos vendo tanta violência.
Conte comigo, meu amigo!"
PAULO BARBOZA , Rádio Capital (São Paulo, SP)

"Fico indignada quando leio depoimentos como o de Luciano Huck. Ele mostra que é mais
um pobre moço rico que não conhece nem um pouco a realidade do país em que vive. Parece
que só agora, quando foi assaltado, é que tomou conhecimento de um problema antigo que
afeta todos os cidadãos. Quantas mulheres já ficaram viúvas e quantas crianças já ficaram
órfãs com a violência nas grandes cidades brasileiras?
Agora que o apresentador sentiu na pele o problema, quer achar uma solução para a situação,
como se ela não existisse antes e como se ele fosse a pessoa mais importante do mundo, a
ponto de receber várias homenagens.
É realmente horrível ser assaltado, mas Huck não foi o primeiro e infelizmente não será o
último.
Espero que agora ele resolva se juntar aos "cidadãos comuns" na luta contra a violência. Até
porque ele, mais do que ninguém, tem recursos para isso.
Antes tarde do que nunca."
CAROLINA SOBRAL MALHADO (São Paulo, SP)

São Paulo, sexta-feira, 05 de outubro de 2007

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PAINEL DO LEITOR

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A Folha se reserva o direito de publicar trechos.

Assalto nos Jardins


"Parabenizo a Folha por dar a oportunidade a seus leitores de constatar que existem pessoas
como o senhor Luciano Huck ("Pensamentos quase póstumos", "Tendências/Debates",
1º/10).
Já nos primeiros parágrafos do artigo, deparei com a "humildade" que poderia esperar de
uma pessoa que afirma que vive seus dias para melhorar a vida das pessoas e do país.
Segundo ele, caso fosse assassinado, deixaria uma multidão triste, o governador
envergonhado e o presidente em silêncio.
Pena que uma pessoa que tem a oportunidade de divulgar o seu pensamento em nível
nacional viva tão fora da realidade a ponto de precisar ter seu Rolex roubado para se dar
conta de que a violência escancarada nas ruas não faz parte apenas do roteiro de um filme.
Por fim, sugiro ao apresentador que pergunte a um trabalhador que ganha um salário mínimo
quanto paga de impostos. Adianto a resposta: uma fortuna!"
LUIS FELIPE VELLACICH YUBI (Ourinhos, SP)

"Lamentável o comentário de Zeca Baleiro sobre o texto de Luciano Huck -como se Zeca
Baleiro não fizesse parte dessa elite.
Se a questão da violência chegou à elite por causa de um Rolex, acho ótimo! O que importa é
que chegou.
E quem sabe assim, quando os poderosos descobrirem que estão na mesma linha de fogo que
o pessoal do Capão Redondo, as coisas comecem a mudar. E por falar em Capão Redondo,
dou um doce a Zeca Baleiro se ele um dia já passou por lá.
Estou farta de gente que come caviar e arrota mortadela."
MARIANA PEDREIRA (São Paulo, SP)

São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007

Assalto nos Jardins


"É legítima a indignação do apresentador, mas me pergunto se conveniente ou coerente.
Todos têm direito à propriedade: vivemos num mundo capitalista, e acho este o mais
eficiente dos sistemas. O capitalismo é um sistema justo, desde que sejam dadas a todos
oportunidades iguais. No entanto, sabemos que isso não passa de uma utopia. E, na
conjuntura atual, condeno qualquer forma de ostentação. É degradante ver o
crescimento da cultura do luxo frente a tanta miséria na nossa sociedade. Acho que
Luciano está sim no seu direito de se revoltar, de querer uma sociedade melhor. Mas é
compatível com a nossa realidade pendurar o equivalente a várias casas populares no
pulso?
É melhor a elite entender que, se nada for feito, o usufruto de suas riquezas estará
comprometido. Mesmo forjada, essa consciência é muito importante. É hora de vender
os rolex, arregaçar as mangas e tomar atitudes, temo que mandar cartas aos jornais
dizendo que "está na hora de mudar" não resolva nada."
NATÁLIA REAL PEREIRA (Belo Horizonte, MG)

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"Gostaria de saber o que os leitores que escrevem nesta coluna sobre a artigo do sr.
Luciano Huck entendem por "elite". Elite é um grupo seleto em qualquer atividade
humana -seja intelectual, política, trabalhadora, criminosa etc. Acredito que gostariam
de usar o termo "burguesia", porém como é um cliché comunista em desuso e
comprovadamente fracassado, usam a expressão "elite". Pelo que consta o senhor
Luciano Huck ganha os seus proventos de forma honesta e no mínimo 40% dos seus
ganhos são abocanhados pelo governo em forma de impostos para assim manter seu
"projeto de poder" através de políticas sociais. Infelizmente, ao contrário de outros
países desenvolvidos ou em desenvolvimento, a meritocracia foi jogada no lixo e a
cobiça pelo alheio está substituindo a conquista pelo trabalho honesto."
ULISES CLEMENTE VÁZQUEZ (São Bernardo do Campo, SP)

"Normal. Esta é a palavra mais usada quando o assunto é violência no Brasil. O caso do
assalto ao apresentador Luciano Huck é considerado "normal". A diferença é apenas a
mídia, por Luciano ser uma pessoa pública. Quantos brasileiros já perderam a vida por
valores menores que um relógio? Milhares. Já se matou por briga, preconceito, comida,
passagem de ônibus. A resposta para estes e outros casos é: "normal, isso acontece todo
dia". Bem-vindo ao "normal", Luciano."
ADAUTO JÚNIOR (Recife, PE)

Violência
"Acredito que uma das principais causas pela qual a violência está imensa e sem
controle em toda parte, seja a programação das emissoras de televisão. Quando
assistimos TV, em qualquer horário, notamos isso. Dos simples e antes inofensivos
desenhos animados, passando por novelas, filmes e telejornais, em tudo aparece
violência. As pessoas ficaram habituadas a ver demonstrações de maldade nas telinhas.
Crianças, jovens e adultos já não estranham mais o nível violento dos mais variados
programas. Infelizmente virou costume. Resta a esperança de que os responsáveis pelas
emissoras sintam isso e modifiquem as programações para entretenimentos de melhor
qualidade, onde a violência não faça parte. Já basta o que passamos dia a dia sem a
menor segurança. O incentivo televisivo ao mal só tende a piorar esse lamentável estado
de coisa. Paz!"
FERNANDO AL-EGYPTO (Rio de Janeiro, RJ)

São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Poucos seguem Huck no clube dos não-blindados


Donos de carros de luxo hesitam em abrir mão do reforço de segurança por "filosofia"

Em artigo para a Folha, apresentador, que teve seu Rolex roubado no trânsito, contou
que não concorda em usar veículo blindado

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

9
O executivo Carlos Ferreira, 41, ex-proprietário de um Mercedes-Benz Kompressor, é como
o apresentador Luciano Huck: por motivos filosóficos, não usa mais carro blindado.
"Um dia, parei no sinal e a molecada que tava lá fazendo malabares veio perguntar que carro
era aquele. Eu pensei: "Puta, tô agredindo esses meninos. Não tem necessidade..." Aquilo
pegou minha veia humanística", conta Ferreira, que agora usa um "carro discreto" (Toyota
Corolla, cerca de R$ 65 mil, modelo básico). "Hoje eu paro, abro o vidro, converso e vou
embora em paz", diz.
Soube que Luciano Huck não anda mais de carro blindado em um artigo que o apresentador
escreveu na semana passada para a Folha. Indignado após sofrer um assalto no Itaim Bibi
(zona oeste), Huck conta que perdeu o Rolex, mas poderia ter perdido a vida.
"Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia. Concluí que não era isso
que queria para a minha cidade", escreveu ele.
No texto, ele evoca o filme "Tropa de Elite" e manda chamar o protagonista, o comandante
Nascimento, que é adepto da tortura para fazer cumprir a lei: Huck diz que está na hora de
discutir "segurança pública de verdade".
"Luciano Huck foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem", escreve Huck.
"Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma
família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um
presidente em silêncio."
Até sexta-feira, o jornal recebeu mais de 210 cartas de leitores (críticas e elogios): "A nossa
elite é mesmo patética. (...) Queria ver o Luciano Huck escrevendo um texto tão indignado
caso presenciasse uma chacina no Capão Redondo", escreveu o músico Zeca Baleiro.
Outra leitora de São Paulo, Fernanda Raquel, considerou o artigo "um desabafo justo e
consciente de um cidadão que paga seus impostos em dia". "Por que os leitores do jornal se
doeram tanto?", ela pergunta.
Para ficar apenas na discussão do aspecto "filosófico" do texto de Huck -e entender melhor a
mentalidade do proprietário do carro blindado-, a Folha visitou ambientes onde as pessoas
não cogitam dirigir sem a proteção de vidros e janelas a prova de tiros.
"Só não concordo 100% com o texto do Luciano porque não acho que ele deva usar Rolex
em um carro que não seja blindado", diz o cabeleireiro Wanderley Nunes, 19 vezes assaltado.
Amigo do presidente Lula e cabeleireiro de dona Marisa, Nunes acredita que a questão da
violência não é de "esfera federal". "Isso é problema do governo do estado", acha.
A vítima em potencial do sequestrador ou assaltante tende a lamentar -sempre
filosoficamente- a "necessidade do carro blindado". "A solução para o problema da violência
é utópica: a gente tem de erradicar a pobreza, dar educação e saúde para essa população
carente", diz a dona de butique Alessandra Chade, 33.
Alessandra considera o artigo de Luciano "meio dramático". "Ele foi assaltado, se sentiu
importante. Vive num mundo à parte, não sabe o que é acordar às 5h e pegar quatro ônibus,
como a maioria das minhas estoquistas, para ganhar R$ 450 por mês", reage Alessandra, que
está quase deitada no salão de Wanderley, os pés entregues à pedicure, as mãos à manicure e
a cabeça sendo lavada com uma solução de vitamina C.
Ali perto, a cantora Debora Blando, 35, conta que, até agora, não tinha tido necessidade de
blindar seu Audi. "Há até bem pouco tempo, se você era um apresentador famoso, uma
cantora, o assaltante dizia: "Pô, desculpa aí, foi mal.'"
Para Blando, a recente falta de discernimento do bandido é um sintoma preocupante de
desleixo: "Hoje, ninguém tá aí se o cara é o Luciano Huck."
Por que não comprar um carro menos chamativo?
A engenheira Sônia Freitas, 61, que teve um Mercedes baleado, mas escapou ilesa e hoje tem

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um BMW blindado, alega "o lado do conforto".
"Ah, sei lá, prefiro carro bom. Se vier ladrão, eu ligo o alarmezinho, eles vão embora", diz.
Ela afirma que concorda com o texto de Huck e acredita que, "com a popularidade dele, o
artigo vai atingir muita gente".
Na opinião de Sônia, uma das causas da violência no Brasil é a corrupção. "Todo mundo tem
um preço. De repente, te oferecem a oportunidade de ganhar R$ 5 milhões... Quer dizer, isso
para alguém não tão pobre. Para o pobre seria, digamos, R$ 5 mil. Claro que ele vai se
corromper", acredita ela.
Parece incoerente, mas, em todas as entrevistas, a solução apontada para o fim da violência é
a "educação". Em segundo lugar vem a "saúde". Terceiro, a "segurança". São palavras meio
avulsas, ditas sem a força de uma atitude. "O problema é o descaso da polícia", solta a dona-
de-casa Ivone Bolonhesi, 47, três filhos, todos os carros da casa blindados. "Mas é
complicado mexer nisso", continua, ainda mais vaga.

São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pensamentos de um "correria"
FERRÉZ

"Ele não terá homenagem póstuma


se falhar. Pensa: "Como alguém usa
no braço algo que dá pra comprar
várias casas na quebrada?"

ELE ME olha, cumprimenta rápido e vai pra padaria. Acordou cedo, tratou de acordar o
amigo que vai ser seu garupa e foi tomar café. A mãe já está na padaria também, pedindo
dinheiro pra alguém pra tomar mais uma dose de cachaça. Ele finge não vê-la, toma seu café
de um gole só e sai pra missão, que é como todos chamam fazer um assalto.
Se voltar com algo, seu filho, seus irmãos, sua mãe, sua tia, seu padrasto, todos vão gastar o
dinheiro com ele, sem exigir de onde veio, sem nota fiscal, sem gerar impostos.
Quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar. A selva de pedra criou suas leis, vidro
escuro pra não ver dentro do carro, cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas,
sem tempo pra sentimentalismo. O menino no farol não consegue pedir dinheiro, o vidro
escuro não deixa mostrar nada.
O motoboy tenta se afastar, desconfia, pois ele está com outro na garupa, lembra das 36
prestações que faltam pra quitar a moto, mas tem que arriscar e acelera, só tem 20 minutos
pra entregar uma correspondência do outro lado da cidade, se atrasar a entrega, perde o
serviço, se morrer no caminho, amanhã tem outro na vaga.
Quando passa pelos dois na moto, percebe que é da sua quebrada, dá um toque no acelerador
e sai da reta, sabe que os caras estão pra fazer uma fita.
Enquanto isso, muitos em seus carros ouvem suas músicas, falam em seus celulares e
pensam que estão vivos e num país legal.
Ele anda devagar entre os carros, o garupa está atento, se a missão falhar, não terá

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homenagem póstuma, deixará uma família destroçada, porque a sua já é, e não terá uma
multidão triste por sua morte. Será apenas mais um coitado com capacete velho e um 38
enferrujado jogado no chão, atrapalhando o trânsito.
Teve infância, isso teve, tudo bem que sem nada demais, mas sua mãe o levava ao circo
todos os anos, só parou depois que seu novo marido a proibiu de sair de casa. Ela começou a
beber a mesma bebida que os programas de TV mostram nos seus comerciais, só que, neles,
ninguém sofre por beber.
Teve educação, a mesma que todos da sua comunidade tiveram, quase nada que sirva pro
século 21. A professora passava um monte de coisa na lousa -mas, pra que estudar se, pela
nova lei do governo, todo mundo é aprovado?
Ainda menino, quando assistia às propagandas, entendia que ou você tem ou você não é
nada, sabia que era melhor viver pouco como alguém do que morrer velho como ninguém.
Leu em algum lugar que São Paulo está ficando indefensável, mas não sabia o que queriam
dizer, defesa de quem? Parece assunto de guerra. Não acreditava em heróis, isso não!
Nunca gostou do super-homem nem de nenhum desses caras americanos, preferia respeitar
os malandros mais velhos que moravam no seu bairro, o exemplo é aquele ali e pronto.
Tomava tapa na cara do seu padrasto, tomava tapa na cara dos policiais, mas nunca deu tapa
na cara de nenhuma das suas vítimas. Ou matava logo ou saía fora.
Era da seguinte opinião: nunca iria num programa de auditório se humilhar perante milhões
de brasileiros, se equilibrando numa tábua pra ganhar o suficiente pra cobrir as dívidas, isso
nunca faria, um homem de verdade não pode ser medido por isso.
Ele ganhou logo cedo um kit pobreza, mas sempre pensou que, apesar de morar perto do
lixo, não fazia parte dele, não era lixo.
A hora estava se aproximando, tinha um braço ali vacilando. Se perguntava como alguém
pode usar no braço algo que dá pra comprar várias casas na sua quebrada. Tantas pessoas que
conheceu que trabalharam a vida inteira sendo babá de meninos mimados, fazendo a comida
deles, cuidando da segurança e limpeza deles e, no final, ficaram velhas, morreram e nunca
puderam fazer o mesmo por seus filhos!
Estava decidido, iria vender o relógio e ficaria de boa talvez por alguns meses. O cara pra
quem venderia poderia usar o relógio e se sentir como o apresentador feliz que sempre está
cercado de mulheres seminuas em seu programa.
Se o assalto não desse certo, talvez cadeira de rodas, prisão ou caixão, não teria como
recorrer ao seguro nem teria segunda chance. O correria decidiu agir. Passou, parou, intimou,
levou.
No final das contas, todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais
valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio.
Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo
pra ambas as partes.

REGINALDO FERREIRA DA SILVA , 31, o Ferréz, escritor e rapper, é autor de "Capão Pecado", romance
sobre o cotidiano violento do bairro do Capão Redondo, na periferia de São Paulo, onde ele vive, e de
"Ninguém é Inocente em São Paulo", entre outras obras.

São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Qual é, Mano Huck?


SÃO PAULO - Nunca antes na história deste país um Rolex roubado provocou tanto
barulho. O "Painel do Leitor" da Folha se transformou no palco de uma discussão quente
como há muito não se via, na qual, a despeito das nuances, prevaleceram duas posições
antagônicas: 1. Luciano Huck é a cara da elite brasileira e precisou ser assaltado para cair na
real; 2. o apresentador foi agredido duas vezes, pelo ladrão e pelos leitores -e acabou
pagando por ser rico e famoso.
Não vamos brincar de mocinho e bandido. Nem com os sinais invertidos. É interessante, sem
dúvida, que Ferréz, o escritor do Capão, dramatize o episódio pela ótica do assaltante (na
página ao lado). Mas a conclusão de que "todos saíram ganhando" e, afinal, "num mundo
indefensável, até que o rolo foi justo para ambas as partes" equivale a fazer a apologia do
crime e da barbárie em nome de uma suposta crítica das injustiças sociais. O texto chocará
muita gente de boa-fé e joga água no moinho do preconceito contra pobres, pretos e
motoboys, à revelia das intenções do autor.
Menos chocante para muitos talvez tenha sido a biografia edificante que Huck fez de si.
Primeiro diz que paga todos os seus impostos -"uma fortuna". A seguir, mostra-se
preocupado com o Brasil: "Passo o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e
como tentar fazer este país mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um trabalho
sério e eficiente". Por fim, declara uma opção de vida: "Confesso que já andei de carro
blindado, mas aboli. Por filosofia". Um cara tão legal... O mundo não é justo.
Mas podia ser pior. Entrevistado pela "Veja", Huck frustra a pauta de sempre da revista.
Mostra-se tolerante, defende o ensino público e ainda minimiza o papel do Estado penal no
combate à criminalidade.
É divertido ver como as respostas são melhores que as intenções da entrevista. Mas que
traição de classe. Mano Huck resolveu bancar o progressista otário justamente nas páginas
amarelas. Chama o ladrão!

São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2007

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PAINEL DO LEITOR

O "Painel do Leitor" recebe colaborações por e-mail (leitor@uol.com.br), fax


(0/xx/11/3223-1644) e correio (al.Barão de Limeira, 425, 4º andar, São Paulo-SP, CEP
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Ferréz X Huck
"A apologia da barbárie é um triste sinal de que o "mercado das crenças" continua a
produzir ódios, pois quando se busca uma justificativa para a ação de bandidos abre-se
espaços para a justificativa da ação de justiceiros. Triste Ferréz, que, em seu artigo
("Tendências/Debates", 8/10) apenas pende para um dos lados da balança em que se

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opõem pessoas odiosas, sem reconhecer que a esmagadora maioria da população se
esforça para manter em equilíbrio a marcha da civilização."
RICARDO LEAL DE MELO (Belo Horizonte, MG)

"Após ler o artigo do rapper Ferréz, pude confirmar, mais uma vez, que uma das causas
da grande violência das metrópoles brasileiras, além daquelas inútil e exaustivamente
comentadas, é essa maldita mania de "humanizar" e "glamourizar" não só o ato
delinqüente e marginal como a pessoa do marginal em si. O que o senhor Ferréz faz em
seu artigo é justamente isso: ele transforma o violento marginal em um personagem cuja
alma está repleta de condicionantes sociais e psicológicos onde sua ação segue o rumo
do destino inexorável. O assaltante frio, cruel e disposto a tirar a vida do primeiro otário
desavisado que cruzar seu caminho desaparece, e em seu lugar emerge uma figura
emblemática sobre a qual não se pode depositar nenhuma culpa, mas, pelo contrário, é
preciso visualizar a lástima de seu hipotético fim trágico, com a moto e o sangue sobre o
asfalto. Quanto à vítima real e concreta, resta se felicitar pelo fim onde "todos saem
ganhando"."
CARLOS ROBERTO MERLIN (Curitiba, PR)

"Há cerca de dois meses o sociólogo Alberto Carlos Almeida lançou um livro chamado
"A cabeça do brasileiro". Fruto de pesquisa de opinião, o trabalho concluía, em linhas
gerais, que a assim chamada elite brasileira era mais inclinada a atitudes éticas do que as
classes mais baixas, tendendo a condenar, entre outras coisas, o roubo e a corrupção.
Causou grande polêmica. Embora eu mesma como pesquisadora não tenha gostado do
resultado, devo admitir que comportamentos como os de Mano Brown no "Roda Viva"
(24/9) e de Ferréz na Folha de ontem apenas reforçam as conclusões da pesquisa.
Enquanto os poucos que conseguem espaço para expressar as opiniões dos menos
favorecidos continuarem vindo a público para defender a criminalidade, a ilegalidade, o
roubo e a violência como forma de vida, os estereótipos negativos serão reforçados."
LUCIANA FARIA (São Paulo, SP)

"Não vejo em que o texto do sr. Ferréz publicado por este jornal contribui para o debate.
Além de um amontoado de obviedades, ele aproxima-se perigosamente da apologia ao
crime, tentando justificar socialmente a violência, um método aliás muito caro a um tipo
de esquerda desmiolada. Se o motivo foi dar oportunidade ao "outro lado", acho
lamentável que esse "outro lado" seja o lado do crime. Seguindo nessa toada, por que
então não abrir as páginas do jornal para que pedófilos, traficantes ou exploradores de
trabalho escravo também exponham seus "pontos de vista'? Em uma tentativa
sensacionalista de causar polêmica, este jornal presta um enorme desserviço."
CLAUDIO JOSÉ ADAS (São Paulo, SP)

"Ao ler o artigo de Ferréz, fiquei pasma. Ele defende as atitudes dos bandidos por serem
pobres e terem tido infância sofrida... As pessoas são honestas e têm bom caráter
independentemente de serem pobres ou ricas. Parece que os criminosos já estão tão
disseminados que não temos mais como nos defender deles. Nas cartas sobre o artigo de
Luciano Huck, vemos muitos defendendo os criminosos e justificando seus erros. Fim

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dos tempos!"
ESTER GOMES DE OLIVEIRA (São Paulo, SP)

"Na agora luta de classes que se instituiu com o texto de Ferréz sobre o assalto a
Luciano Huck, gostaria de propor uma terceira via. Fico incomodado quando qualquer
um que tenha uma renda na casa das dezenas ou centenas de milhares de reais se revolte
quando o resultado da desigualdade social bate à sua porta. Por que essa elite não
aumenta os salários de seus empregados de acordo com os seus ganhos, e não de acordo
com o "salário de mercado'? Por outro lado, eu, com 35 anos de periferia estou farto
dessa apologia à bandidagem que alguns fazem. A imensa maioria dos moradores das
"quebradas" não são manos, não fazem "correrias" e não roubam para sobreviver. Que
haja distribuição de renda, não com os "bolsa-qualquer-coisa", e sim com a renda de
quem tem, e que se puna a criminalidade e a apologia ao banditismo. Como fazer isso é
o grande desafio. Essa burrice pseudo-esquerdista dá campo para o crescimento de uma
direita raivosa no país."
JAIR DA SILVA SANTOS (São Paulo, SP)

"Acho que o desabafo do apresentador causou mais barulho do que mereceria, como
causou o tal "Cansei". Estou curioso para ver se o mesmo acontecerá com o texto escrito
por Ferréz, indiscutivelmente mais bem escrito e, na minha opinião, muito mais
polêmico. Mas discordo de Fernando de Barros e Silva, que fala em "apologia ao
crime". Entendi o final do texto mais como uma conclusão irônica e cínica, a exemplo
do que constantemente vemos na TV e em outros meios em palavras de nossos políticos
e governantes ao se defenderem (ou a seus "garupas'). Para mim, nosso Senado,
Câmaras e Supremos têm feito muito mais apologia ao crime que o escritor."
FERNANDO A.B. COLUGNATI (São Paulo, SP)

"Olha, Ferréz, eu gosto muito de você, aliás gosto mais de você do que do Luciano
Huck, mas devo admitir que com o seu artigo "Pensamentos de um "correria" você
pisou feio na bola. Acho que até entendo qual foi a sua intenção (testar até onde vai o
"socialismo" de alguns leitores da Folha), mas não há Rolex no mundo que valha uma
vida, seja essa do "playboy" ou do "correria"."
FERNANDA RAQUEL ALVES (Jundiaí, SP)

"Péssimos. Tanto o artigo do Ferréz como o do Nelson Ascher são péssimos. O do


Ferréz é de um raciocínio primário espantoso e o do Nelson Ascher é preconceituoso e
provoca sono no segundo parágrafo. Todo mundo de esquerda é igual ao que o Ascher
gostaria que fosse? Todo ladrão é um herói? Esses dois articulistas, só porque são
chamados "escritores" podem escrever essas bobagens. Só por isso."
LAURO FREIRE DA SILVA (São Paulo, SP)

São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2007

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CLÓVIS ROSSI

De Rolex e alegria
MONTREUX - Os jornais suíços não deram uma linha sobre a polêmica em torno do Rolex
de Luciano Huck. Talvez porque roubo de um relógio nacional (nacional para eles, claro) não
seja grande coisa, talvez porque esse tipo de crime seja tido como comum em países de "là-
bas".
Mas, em compensação, estão escandalizados com o quebra-quebra de sábado entre militantes
do SVP (Partido do Povo Suíço), de extrema direita, e um pequeno grupo anarquista em
pleno centro velho de Berna, patrimônio cultural da humanidade. Tudo porque o SVP não
esconde seu rechaço aos imigrantes, a ponto de ter usado como cartaz de campanha três
ovelhas brancas sobre a bandeira suíça e uma ovelha negra sendo chutada para fora dela.
A eleição para a qual se preparou o cartaz será dentro de duas semanas. "Jamais uma
campanha eleitoral foi tão agressiva", dizia ontem o jornal "Le Temps". Agressividade não
parece combinar com Suíça: até a presidente do Conselho Federal, Micheline Calmy-Rey,
lamenta: "O ambiente muito duro contradiz a tradição de paz difundida há séculos pela
neutralidade".
Os imigrantes, potenciais vítimas da xenofobia, não parecem muito preocupados com os
seus, digamos, Rolex. "Há muito racismo mesmo por aqui, mas não vai acontecer nada,
porque eles precisam de nós", filosofa José Dias, garçom português com 20 anos de Suíça.
A causa eventual para voltar para Portugal nem é o SVP, apesar de o partido já fazer parte da
coligação que governa a Suíça, desde o pleito anterior. "Aqui, é do trabalho para casa, da
casa do trabalho. Não há alegria", reclama Fernanda Leite, três anos na Suíça. Profissão,
claro, garçonete.
Entre perder um Rolex em São Paulo (ou mesmo um relógio merreca) com um revólver
apontado para a cabeça ou perder a gandaia, você viveria na Suíça?

São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2007

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ELIO GASPARI

O socialismo precisa de um Rolex


Na semana dos 40 anos da morte do Che, Luciano Huck faz lembrar a herança do
guerrilheiro

O CIDADÃO terminou suas pesquisas na biblioteca de Londres e vai para casa, no Soho (rua
Dean, 23). Passa um sujeito, mostra-lhe uma faca e pede o relógio. Ao narrar o caso à sua
mulher, ele diz:
"Estou com 41 anos e a expectativa de vida neste inferno capitalista é de 40. A nossa dieta
ultrapassa as 2.300 calorias que o proletariado consome. As condições de higiene e saúde
desta cidade são infernais. Aos jovens restam poucas alternativas fora da sífilis e das prisões
australianas. São as contradições do capitalismo e, por causa delas, fui assaltado por um
garoto".

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Pode ser que Karl Marx tenha dito diferente:
"Jenny, um lúmpen roubou meu relógio".
Pobre Luciano Huck. Foi assaltado por dois sujeitos que, de revólver na mão, tomaram-lhe o
Rolex. Reclamou num artigo publicado na Folha do dia 1º e teria feito melhor negócio se
saísse por aí, cumprindo "missões" em cima de motoqueiros. Foi acusado de ganhar muito e,
portanto, ser fonte da violência. Mais: quem manda "pendurar o equivalente a várias casas
populares no pulso"? Disse que "isso não está certo" e perguntaram-lhe o que devem dizer as
pessoas que vivem de salário mínimo. Fechando o ciclo, num artigo marginal-chique, o
rapper Ferréz respondeu com o olhar dos assaltantes e os óculos de Madre Teresa de Calcutá:
"Não vejo motivo para reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo
para ambas as partes".
Está mais ou menos entendido que o partido democrata perdeu a confiança dos americanos
nos anos 80 porque deixou-se confundir com os defensores de bandidos. Cada um pode achar
o que quiser (desde que não tome o relógio alheio), mas nesse caminho a discussão da
segurança pública brasileira caminha para a formação de duas tropas, ambas julgando-se elite
do seja lá o que for. Grita-se, para que tudo continue como está. O filme ensina: o traficante
foucaultiano da PUC não foi para a cadeia e o PM larápio e covarde voltou para a tropa.
Por ser um profissional bem-sucedido e ter ganho um Rolex de presente da mulher (a
apresentadora Angélica, igualmente bem-sucedida), Huck foi transformado num obelisco da
desigualdade social brasileira.
Infelizmente, assaltos não melhoram o índice de Gini. No caso do Rolex do apresentador,
especular o destino do dinheiro de sua venda é um exercício carnavalesco. Pode-se sonhar
que tenha ido para uma família carente, mas é mais provável que tenha servido para fechar
um trato de droga. Que tal as duas coisas, meio a meio? Uma coisa é certa, o Rolex voltará ao
pulso de alguém disposto a pagar por ele.
Quis o Padre Eterno que esse debate indigente acontecesse logo na semana do 40º aniversário
da execução de Ernesto Che Guevara, o Guerrilheiro Heróico. Se Angélica dissesse que deu o
Rolex a Huck como parte dessas celebrações, a discussão ganharia um denso conteúdo
ideológico.
Quando o Che foi assassinado, no mato boliviano, tinha dois Rolex. Um, modelo GMT
Master, era dele. O outro, marcado com um X, era uma lembrança que tirara do pulso de um
combatente agonizante. (O índice de com-Rolex dos guerrilheiros cubanos na Bolívia era de
12%, certamente um dos mais altos do mundo.)
Os relógios eram dois, mas há três por aí. Quem quiser pesquisar a herança de Guevara, pode
começar investigando esse mistério.

São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2007

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PAINEL DO LEITOR

O "Painel do Leitor" recebe colaborações por e-mail (leitor@uol.com.br), fax


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01202-900). As mensagens devem ser concisas e conter nome completo, endereço e

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Senado
"Sobre a reportagem "Lobão discute sair do DEM e ir para o PMDB" (Brasil, 9/10, pág.
A7), venho esclarecer que em nenhum momento tratei com o senador Edison Lobão
sobre o Ministério das Minas e Energia nem sobre qualquer assunto administrativo que
envolvesse o governo em sua possível filiação partidária.
Sua decisão, se ocorrer, segundo me afirmou, está ligada única e exclusivamente a seus
interesses eleitorais e políticos no Maranhão, onde vem ouvindo seus correligionários e
amigos e exerce destacada e autonômica liderança pelas suas excepcionais qualidades de
homem público."
JOSÉ SARNEY , senador -PMDB-AP (Brasília, DF)

Ferréz e Huck
"O senhor Luciano Huck acreditava que, por ser famoso e ajudar algumas pessoas em
seu programa e em sua ONG, não seria vítima da violência, pois o criminoso o
reconheceria e saberia que se trata de pessoa pública e altruísta. Ledo engano.
Assim, indignou-se e escreveu um artigo que gerou a revolta de muitos. Até aí, tudo
bem, mas ao ler o artigo de Ferréz ("Pensamentos de um correria", 8/10), fiquei
assustado, pois o autor pretende entender e legitimar a ação criminosa.
Esqueceu-se o articulista, ao dizer que o "rolo foi justo", que o assalto não se relaciona
somente ao assaltante e à vítima. Há a necessidade de colocar a sociedade nesse
contexto. Para que o rolo atingisse a perfeição -ainda que o relógio não fosse recuperado
e tivesse a destinação social trazida por Ferréz-, haveria a necessidade de que a polícia
prendesse o assaltante. Este deveria ser julgado e devidamente condenado. Só então se
poderia falar em Justiça."
MARCELO FERNANDES DOS SANTOS (Alfenas, MG)

"Nunca antes na história deste país a Folha refletiu nos textos de seus colunistas esse
viés tão pequeno-burguês como no caso do texto de Fernando de Barros e Silva de 8/10
("Qual é, Mano Huck?').
A polêmica dele é falsa. Como na maioria das vezes, reflete a psique da pequeno-
burguesia, que não sabe olhar além do umbigo. O Ferréz está correto em sua análise,
bem mais ampla do que a desse moço, Barros e Silva. Infelizmente, parece ser coisa de
classe social mesmo.
Isso para um jornalista que se pretende um intelectual não pega bem, inclusive pelo
estilo pobre e rançoso, por não aceitar as conquistas dos outros.
Nunca antes na história deste país a Folha esteve tão em conflito consigo mesma como
parece estar hoje."
ILSON LIMA (São Paulo, SP)

"Nasci e me criei em São Miguel Paulista, periferia da zona leste. Nos anos 70,
freqüentei a escola pública e orgulho-me de nunca ter sido reprovado -naquela época

18
isso era mérito, não decreto.
Ao concluir o primeiro grau, trabalhei como office-boy para custear o segundo grau
-meu pai era mascate de feira livre, e minha mãe, faxineira. Após três anos trabalhando,
voltei aos estudos. Fiz o último ano ao mesmo tempo em que prestava serviço militar
obrigatório.
Trabalhei mais seis anos para poder pagar uma faculdade, e concluí em cinco anos o
curso de administração de empresas.
Hoje sou casado, não tenho filhos, tenho minha casa, meu carro e um salário razoável.
Lendo o artigo do escritor Ferréz, me pergunto o que um desses "heróis" que abordam
uma pessoa para sustentar seus dependentes com um assalto fizeram na história da vida
deles? Qual a diferença entre mim e eles? Seria um daqueles garotos que debochavam
de mim quando eu ia para a escola?
Por fim, pergunto ao Ferréz: quem compra o livro dele? O que está no carro sendo
assaltado ou o que está na moto assaltando?"
MILTON BATISTUCI DE SOUZA (Guarulhos, SP)

"Com relação ao texto de Ferréz, só tenho uma coisa a dizer: enquanto existir esse
pensamento primitivo e cheio de apologia ao crime e ao criminoso, as coisas só irão
piorar.
Quanto ao Luciano Huck, é fácil entender seu espanto. Uma vida e uma família
destroçada por causa de um relógio.
Sou motoboy e já vi oito pessoas serem assaltadas em um único dia. Já pensou se todas
tivessem a oportunidade de escrever no jornal sobre sua indignação? Não haveria espaço
para outras notícias.
Lamento muito por Huck, mas lamento mais ainda por aqueles que defendem uma
camada da nossa sociedade que gosta de se fazer de coitadinha, de excluída.
Diante de tudo isso, só posso dizer que nós, os menos favorecidos, somos vítimas da
nossa própria negligência e comodismo.
O pior de tudo é que isso só vai mudar quando atingir cada vez mais pessoas da elite,
como o nosso querido Luciano Huck."
FÁBIO BATISTA DA SILVA (São Paulo, SP)

"Presidir uma ONG não deixará Luciano Huck livre de ser assaltado e não resolverá os
problemas sociais que afligem as camadas mais pobres da população.
Não só Huck mas todas as emissoras de TV deveriam refletir sobre sua programação.
Será que se houvesse programas que incentivassem um pensamento mais critico em
relação a problemas sociais, políticos etc. não haveria uma cobrança maior da população
em relação ao governo?
Em vez de ficar pensando que poderia ter morrido ou botar a culpa nas pessoas
marginalizadas que vêem apenas o crime como meio de vida, não só Huck mas todas as
pessoas que de algum modo atingem um grande público deveriam refletir sobre a
responsabilidade que têm quando um assalto ou outro tipo de crime acontece."
HENRIQUE STECANELLA CID (São Paulo, SP)

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São Paulo, quinta-feira, 11 de outubro de 2007

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CONTARDO CALLIGARIS

"Tropa de Elite"
"Nóis goza", mas "nóis sofre" de culpa: somos desculpados de nossa inércia pela culpa

NA SEXTA passada, "Tropa de Elite", de José Padilha, estreou em São Paulo e no Rio;
amanhã, entrará em cartaz no resto do país. O filme é inspirado no livro "Elite da Tropa"
(Objetiva), de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel (os dois últimos são
policiais).
Padilha nos apresenta um momento de crise na vida do capitão Nascimento (o ótimo Wagner
Moura), do Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM do Rio. Além do combate entre
as forças da ordem e os bandidos do tráfico, há quatro eixos de tensão: a oposição entre o
Bope (um pequeno corpo de incorruptíveis treinados para a guerra) e um sistema policial
inepto e corrupto; o conflito entre a vida de família do capitão, que vai ser pai, e, do outro
lado, a brutalidade de sua tarefa; a luta do capitão contra o desgaste e os efeitos traumáticos
de seu dia-a-dia; o embate entre a polícia e os próprios cidadãos de quem ela deveria defender
a vida, a tranqüilidade e as posses.
Para cada um desses eixos, qualquer cinéfilo poderia evocar vários filmes memoráveis,
sobretudo americanos. Mas o embate entre a polícia e os cidadãos que ela defende revela, no
filme de Padilha, uma especificidade nacional: nas classes privilegiadas e supostamente
"ordeiras", a simpatia pelo crime e a antipatia pela polícia não são efeito, como de costume,
de rebeldia e sede de aventuras. Elas nascem de um forte e difuso sentimento de culpa social
ou, no mínimo, justificam-se por ele.
Mas vamos com calma. Em "Tropa de Elite", o cineasta José Padilha conseguiu, de maneira
admirável, suspender o julgamento e apresentar nossa "guerra" cotidiana como um incômodo
dilema moral, sem tomar partido.
Para alguns, essa suspensão do julgamento valeu como uma negação da culpa social que,
aparentemente, segundo eles, deveria orientar nossa compreensão do mundo.
Com isso, o filme foi acusado de "idealizar" o Bope e de fazer uma apologia "fascista" do
"Estado policial" e da tortura instituída.
Essas críticas são descabidas, mas resta a pergunta: será que não é perigoso calar nossa culpa
social? Será que a culpa diante da injustiça não é justamente o que nos levaria a entendê-la
melhor e a agir? Pois é, nada disso. Respondo: 1) Em regra, a culpa não produz ação, mas
descarrego. Funciona da seguinte maneira: somos autorizados a fazer pouco ou nada para que
a situação mude porque o sofrimento de nossa consciência nos absolve.
Inversão da frase de José Simão: "nóis goza" de muitos privilégios, mas "nóis sofre" de muita
culpa. Somos desculpados de nossa inércia pela culpa que sentimos.
2) Também em regra, a culpa é péssima conselheira. Ela induz a acreditar numa contabilidade
estapafúrdia, pela qual há cidadãos que devem e outros aos quais é devido, sem a mediação
de lei alguma. Assim, Ferréz, na Folha da segunda passada, pode achar que o relógio roubado
de Luciano Huck "paga" a miséria de seus assaltantes. Ele se expressa como se a lei não fosse
(não devesse ser) a referência comum para todos: o problema não é que assaltar é crime,
Huck é culpado e devedor, e o "correria" cobra o devido.
Essa maneira de entender o social oferece a todos uma compensação substancial: se a lei não

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é a referência comum, podemos ser assaltados nos faróis, mas também podemos praticar cada
tipo de mediocridade moral e de ilegalidade, sonegar, saquear o bem público, pagar salários
de esmola e por aí vai.
Em agosto, uma versão inacabada de "Tropa de Elite" foi distribuída ilegalmente em DVD, de
camelô em camelô, pelo país afora. Nessa ocasião, houve vozes para justificar a pirataria e
racionalizar um desrespeito endêmico à lei. Havia o estilo "eu não serei o único otário", que,
grosso modo, diz assim: "Se Renan Calheiros é presidente do Senado, eu posso comprar um
DVD pirata". E havia o estilo "está na hora de mudar", em que um ato que nega a propriedade
intelectual é justificado diretamente pela injustiça social dominante. Valia tudo, salvo o óbvio:
pela lei, piratear é crime.
Pois bem, quando a culpa organiza nossa visão do mundo, tudo é permitido, assaltar de moto,
a pé, de carro ou de colarinho branco.
Se você quiser passar uma hora e meia com o coração na mão e se quiser pensar e viver a
realidade nacional um pouco além dos limites impostos pela consciência culpada, não perca
"Tropa de Elite".

São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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Prazeres expressos
POLÊMICAS EM TORNO DO ROUBO DO RELÓGIO DO APRESENTADOR
LUCIANO HUCK NAS RUAS DE SÃO PAULO E ENSAIO FOTOGRÁFICO COM A
JORNALISTA MÔNICA VELOSO SUGEREM EXIBICIONISMO E VOYEURISMO
COMO TRAÇOS CONSTITUTIVOS DA SOCIEDADE

RENATO MEZAN
COLUNISTA DA FOLHA

O artigo em que o apresentador Luciano Huck protesta contra a insegurança nas cidades
brasileiras [publicado na Folha em 1º/10] desencadeou uma polêmica considerável.
Nela, porém, uma pergunta brilha pela ausência: por que um povo conhecido por sua
impontualidade dá tanto valor a um relógio? E não se diga que é apenas a "elite" que o
cobiça: os ladrões provavelmente o venderam a um receptador, mas nada impede que ele
venha a adornar o pulso de um chefão da periferia.
O Rolex foi o primeiro relógio de pulso de precisão, fabricado na Inglaterra por um alemão
chamado Wilsdorf; somente depois da Primeira Guerra é que a empresa se transferiu para
Genebra.
Wilsdorf era um ótimo artesão, e também um gênio da publicidade. Tendo aperfeiçoado um
sistema à prova d'água, colocou um aquário na vitrina e ali deixava suas máquinas
funcionando; num golpe de audácia, ofereceu uma delas a uma nadadora que iria cruzar o
canal da Mancha -e o mecanismo agüentou firme as muitas horas no mar.

Função e imaginário
Desde o início, portanto, a marca ficou associada à excelência, mas igualmente à resistência,
à elegância e à aventura. O curioso é que a mesma combinação de realidade e imaginário
aderiu ao bisavô do Rolex: o relógio de bolso, inventado no século 18.

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Bárbara Soalheiro ("Como Fazíamos sem...", Panda Books, 2006), explica que os primeiros a
ser fabricados custavam pequenas fortunas: assim, chegar na hora a um compromisso se
tornou símbolo de status, já que indicava que o cidadão pontual era rico o suficiente para
possuir um "watch".
A autora conta que era comum as pessoas comprarem um em sociedade, reservando um dia
da semana para cada proprietário: nos outros, na ponta da corrente não havia nada -mas
ninguém precisava saber disso...
Assim, no simples ato de usar um relógio coexistiram desde sempre funcionalidade e
imaginário. Os meios de comunicação -pinturas e gravuras, depois romances e jornais- se
encarregaram de o transformar num objeto de desejo. Mas o que, exatamente, se deseja nesse
desejo?
A palavra "griffe" significa garra: é o leão que deixa na presa morta a marca do seu poder.
Como os poderosos são em pequeno número, usar um objeto de marca prestigiosa é também
sugerir que pertencemos ao conjunto seleto dos que "podem" -e mandam. Eis por que, além
de servir a fantasias de exibição fálica, a roupa, a caneta, o carro (e o relógio) se tornaram
ícones identificatórios, indicando que seu portador faz parte de um grupo valorizado, do qual
a maioria está excluída.
Nesse sentido, cumprem a mesma função que as marcas tribais, a circuncisão, os símbolos
religiosos e políticos etc.
Ora, aquilo que começa nas altas rodas é rapidamente imitado pelas outras camadas da
sociedade. Pense-se no terno de linho branco em voga no início do século passado: pouco
importava que fosse leve e confortável. Tornou-se rapidamente símbolo de ócio -quem o
usava não se sujava trabalhando-, e era esse o recado que passava quando vestido por um
boêmio carioca.
Curiosamente, no Brasil, a mensagem "sou importante" não é veiculada pela pontualidade,
mas pelo seu oposto. Bárbara Soalheiro explica por quê: como aqui o tempo não era marcado
por relógios particulares, mas pelos sinos da igreja, chegar atrasado (à missa ou a um
encontro) era sinal de desprezo pelas obrigações -portanto, privilégio senhorial.

Episódio revelador
Se o Rolex está do lado do que a psicanálise chama exibicionismo (termo que não tem
caráter pejorativo, apenas designando um dos destinos possíveis da libido), outro "fait-
divers" da semana parece ligar-se ao seu par complementar: o voyeurismo. As fotos de
Mônica Veloso despida excitaram a imaginação de muitos brasileiros (e talvez a inveja de
muitas brasileiras). Mais uma vez, funcionalidade e aura se entrelaçam num episódio
revelador.
À primeira vista, o que torna a jornalista desejável são as curvas sedutoras do seu corpo, que
inspiram fantasias nas quais se oferece a quem a contempla. Mas inúmeras modelos adornam
as páginas das publicações masculinas: por que então o auê em torno dessa?
Talvez haja aqui outro fator: ao nos entregarmos ao deleite de a olhar, colocamo-nos na
mesma posição daqueles com quem ela teve relações. Ora, Mônica Veloso certamente teve
outros namorados, mas é com o enlameado senador Calheiros que se identifica quem compra
a "Playboy" ou acessa o site da revista.
E que benefício nos traz essa identificação com Sua Excrescência? A resposta não é difícil:
todos gostaríamos de poder exibir impunemente aquela postura arrogante, de poder pisotear
impunemente as regras do convívio civilizado e de impor nossa vontade aos outros com a
mesma truculência que o representante de Alagoas.
Ao comer com os olhos a mulher que foi dele, usufruímos por um instante dos prazeres que
ele desfrutou. Mas apenas vicariamente: para nossa frustração, o superego, a polícia e o olhar

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reprovador dos outros limitam a realização desses desejos à esfera do devaneio.
Muitas outras questões, é claro, podem ser levantadas a partir de cada um desses episódios.
Mas não deixa de ser interessante a perspectiva que eles abrem sobre nosso inconsciente. Ali,
não nos basta ser amigos do rei: somos o próprio rei, o herói, o caubói -e nosso cavalo nem
precisa falar inglês.

RENATO MEZAN é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na
seção "Autores", do Mais! .

São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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Jogo dos incluídos


DESEJOS COBIÇADOS PELA PARCERIA CALHEIROS/VELOSO E PELA
SIMETRIA HUCK/ASSALTANTES PERDERAM SUA SINGULARIDADE E
CAÍRAM NA VALA COMUM DAS BANALIDADES

ELIANE ROBERT MORAES


ESPECIAL PARA A FOLHA

Há alguma simetria entre os protagonistas das duas notícias que mobilizaram a imprensa
brasileira nas últimas semanas.
De um lado, o casal Renan Calheiros e Mônica Veloso, que vem disputando a atenção dos
leitores com o escandaloso thriller no qual sexo e política se fundem em prol da corrupção.
De outro, o embate entre o apresentador Luciano Huck e dois ladrões de rua, que vem
semeando dúvidas sobre quem é o mocinho e quem é o bandido da história.
Aparentemente, o que aproxima todos esses personagens é a disputa por um objeto do desejo.
No caso dos assaltantes de Huck, por estar no pulso de um "bacana", mais que um relógio, o
objeto em questão aparece como um equivalente geral que pode dar acesso a outros objetos,
cuja demanda pode ser motivada tanto pela necessidade quanto pelo desejo.

Crack ou remédios?
Armas ou alimentos? Pedras de crack ou remédios? Tênis de grife ou aluguel de barraco? Não
se sabe, pois aos que estão à margem do tecido social não é dada a oportunidade de se
manifestar.
No caso do famoso apresentador, o objeto também parece ser mais que um simples relógio, já
que se trata de um caríssimo Rolex. Presente de sua mulher, a igualmente famosa
apresentadora global Angélica, um relógio desse calibre é sinal de prestígio, indicando um
lugar social que, no Brasil, costuma "abrir portas" raras vezes franqueadas à maior parte da
população.
Como não recordar, por exemplo, que Luciano Huck é proprietário de uma pousada
cinematográfica num parque nacional como Fernando de Noronha, cuja legislação é tão
restrita para a hotelaria?
Mais afinado com as tradições patriarcais de seu Estado natal, Renan aparece nos noticiários
por conta de um objeto tradicional, bem de acordo com a chamada "preferência nacional" dos
anúncios de cerveja.

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Escolha por certo incentivada pelo reconhecimento de que, desde a época dos coronéis, os
velhos políticos gozam junto ao público machista quando exibem seus casos extraconjugais.
Ora, em perfeita simetria com o desejo do senador alagoano, Mônica Veloso também parece
desejar exatamente o que Renan podia lhe dar, a saber: dinheiro no bolso e um lugar ao sol no
mundo das celebridades.
Daí que não seja possível, em ambos os episódios, associar os casos em questão àquele
"obscuro objeto do desejo" que dá título a um dos mais instigantes filmes de Luís Buñuel.
Tratava-se, para o cineasta, de mostrar como um desejo singular, único, podia engendrar um
objeto de grande opacidade.
Em direção oposta, tanto na parceria Calheiros/Veloso quanto no confronto Huck/assaltantes,
há uma espécie de exibição ostensiva dos objetos em jogo, como que marcando a
coincidência de desejos que perderam sua singularidade para cair na vala comum das
banalidades.
Nascidos um para o outro, Renan Calheiros e Mônica Veloso formam um par perfeito.
Político experiente, o senador de Alagoas não poupou manobras para conseguir a presidência
da casa.
Da mesma forma, Mônica mostrou-se ambiciosa o bastante para desistir da volumosa pensão
alimentícia de R$ 12 mil -fora o aluguel no valor de R$ 4.500- para sair da sombra do
senador e conquistar um espaço próprio, não sem antes mostrar seus dotes na habitual sessão
de fotos para uma revista "masculina".

As duas mônicas
Com efeito, comparada a ela, talvez a colega americana Monica Lewinsky não passe mesmo
de uma estagiária. Ora, o que chama a atenção, em todo esse processo, é o insistente desejo
de exposição.
Figurinha carimbada, Renan faz questão de tornar públicas as ameaças aos adversários e
aliados, visando a salvar sua pele mais uma vez. Enquanto isso, a Mônica tupiniquim faz de
tudo para conseguir o almejado emprego como apresentadora, não poupando esforços de
qualquer ordem.
Assim também, as reiteradas manifestações de Luciano Huck desde a ocorrência do assalto
não fazem outra coisa senão reforçar seu espaço, já nada desprezível, na mídia.
Nessa economia, ser sujeito significa antes de tudo ser visto.
Ganha quem consegue aparecer. Perde quem fica fora do jogo. Já não é possível estabelecer
nenhuma simetria entre os pólos das duas histórias. Diante das ostensivas figuras de Renan,
Mônica e Huck, os dois anônimos assaltantes sem nome nem voz próprios não podem mesmo
ser outra coisa senão excluídos.

ELIANE ROBERT MORAES é professora de estética e literatura na Pontifícia Universidade Católica (PUC-
SP) e no Centro Universitário Senac-SP. É autora de "Lições de Sade" (Iluminuras), entre outros livro

São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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Ferréz contra Huck: vale publicar tudo?

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Parece um equívoco classificar como "polêmica entre Luciano Huck e Ferréz" o debate
que nas duas últimas semanas animou o "Painel do Leitor".
Foi do apresentador de TV Huck a iniciativa de enviar à Folha o artigo "Pensamentos
quase póstumos", no qual contava o sufoco de ter o relógio Rolex roubado, com a arma
apontada para a cabeça. Saiu na segunda retrasada. Não polemizava com ninguém em
particular.
Quem polemizou com ele, segunda passada, foi Ferréz. O rapper e escritor, também por
sua iniciativa, teve o texto "Pensamentos de um correria" impresso no mesmo espaço.
Ele reconstitui o assalto pelo olhar do ladrão: "Todos saíram ganhando, o assaltado
ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio".
Leitores protestaram. Para uns, o jornal deveria recusar o desabafo "elitista" de Huck.
Para outros, permitiu a "apologia de crime" por Ferréz.
Creio que a Folha, abrigando a divergência, comprovou as virtudes do pluralismo.
Oponho-me à publicação irrestrita de artigos. Por exemplo, o jornal deve vetar autor
duvidando do Holocausto.
Mas Ferréz não louvou o roubo. Elaborou ficção. Ele e Huck enriqueceram a reflexão
sobre violência, concorde-se ou não com suas idéias claras ou subjacentes.

São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2007

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Rolex nascem no luxo e "morrem" no asfalto


Relógios de grife são quase sempre caçados no trânsito, perto de restaurantes e de
lojas

A Figueira Rubayat adotou estratégia após clientes se tornarem alvo; relógio


roubado também é vendido por milhares de reais

DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em seu único mês no pulso da dona, o Rolex Oyster Perpetual da joalheira Natasha
Pinheiro (ele, R$ 10 mil; ela, 26 anos) foi testemunha do lado mais doce do Brasil.
Comprado na butique Daslu "em oito prestações", banhou-se no mar de Angra dos Reis
-"biquíni com relógio é chique", informa Natasha-, passeou pelas vitrines grifadas dos
Jardins e refletiu em seu vidro à prova d'água algumas das melhores festas da cidade.
As aventuras pelo mundo do luxo tiveram fim em um semáforo, como acontece com a
maioria dos relógios de grifes roubados na cidade, segundo o Deic (Departamento de
Investigações Sobre o Crime Organizado). Também foi assim com o Rolex do
apresentador Luciano Huck, que, após ter sido assaltado, contou a história em artigo
sobre violência publicado na Folha, há duas semanas.
Projetado em Genebra, na Suíça, feito com pulseira de aço, o relógio de Natasha era do
mesmo modelo usado pelo James Bond de Sean Connery, mas com fundo de ouro rosa.
Está desaparecido.
O roubo aconteceu em uma esquina próxima ao shopping Iguatemi, de onde Natasha
havia saído com a irmã após uma tarde de compras. Ela havia escondido o acessório.
"Eu sei que "tá" no bolso, me dá o relógio!", gritou o assaltante, na garupa de uma moto,

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de capacete, com uma pistola na mão.

Vida na periferia
E lá se foi o Rolex de Natasha. Mas para onde? Segundo o Deic, o fim mais comum é o
pulso de receptadores também endinheirados, que pagam alguns milhares de reais pela
máquina roubada.
"Se custou R$ 10 mil na loja, sai por R$ 2.000, bem mais caro que meu Citizen", brinca
o delegado Edson Santi.
E quem rouba? "São ladrões que vêm de moto da periferia e de cidades como Francisco
Morato", ele diz. Para Santi, a ousadia dos ladrões aumentou. "Como os relógios têm
um número de registro que permite o reconhecimento, era comum, até há cinco anos,
que fossem vendidos longe dos donos, em países como Argentina e Uruguai. Hoje em
dia estão ficando em São Paulo mesmo." Entre os motivos, ladrões apreenderam a
adulterar esse "chassi".
Na capital paulista, diz Santi, "são revendidos em "bocas de ouro", em escritoriozinhos
da periferia". Ou então entregues aos compradores em locais públicos, como em
lanchonetes de shopping center.
"Peguei trauma de Rolex. Prefiro usar um Cartier de ouro, que também é legal e passa
mais despercebido. Qualquer bandido, hoje, reconhece um Rolex", diz Natasha, que
ainda combina os relógios com biquíni quando vai a Angra.

Rolex de sobremesa
O roubo do relógio de Natasha é típico, segundo as informações do Deic. Os ladrões
caça-Rolex costumam agir perto de lojas e restaurantes de luxo e ficam à espera das
presas no semáforo. Muitas vezes, têm funcionários como informantes.
Há cerca de um ano, o restaurante A Figueira Rubayat, um dos mais chiques e caros de
São Paulo, detectou o problema: seus clientes acabavam de almoçar ou jantar e eram
abordados alguns quarteirões à frente.
Não houve indícios da participação de nenhum empregado, mas, segundo o Deic, o
problema só acabou depois que o restaurante vetou o uso de celular por funcionários.
Belarmino Iglesias, o proprietário, diz que não foi bem assim: "Desde a abertura do
Figueira, nunca permitimos durante o serviço e nas dependências do restaurante o uso
de celulares pelos funcionários. Acho que o que realmente resolveu essa questão foi que
a polícia na região dos Jardins passou a atuar diferentemente, abordando e revistando
motos, colocando mais carros em ronda nessa região." Ele -que diz saber de apenas dois
roubos- também conta que reforçou a vigilância no local.

Lá fora, tudo bem


O piloto de Stock Car Luciano Burti teve um Rolex roubado, segundo ele, pelo filho da
faxineira. Em São Paulo? "Não, foi na Inglaterra. A empregada era de confiança, mas o
filho dela era viciado [em droga]."
Apesar de ter levado o prejuízo na Europa, Burti só costuma circular com sua coleção
de relógios (Chopard, Bulgari, IWC, entre outros) por lá. No Brasil, se sente "inseguro".
"Em São Paulo acabo usando um modelo simples ou vejo horas no celular. Olha, cara, a
gente sabe que o perigo existe, não dá para ficar na neura pensando no relógio", diz o
piloto.
E o Rolex Oyster Perpetual de Natasha? Voltará, um dia, a enfeitar o pulso da dona?
"Tem gente que recupera o relógio. Acontece de o receptador levar na assistência
técnica e o roubo ser descoberto, por exemplo. Mas não é muito provável", conclui o
delegado do Deic.

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São Paulo, domingo, 21 de outubro de 2007

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Os "correrias" do Primeiro Mundo


"A falsificação de preços é um
conluio entre os poderosos do mundo
para lesar os mais fracos" A POLÍCIA Federal conta: 70% das importações de
produtos de informática e telecomunicações realizadas pela Cisco eram subfaturadas. A
manipulação dos preços de transferência, com o propósito de burlar o fisco, era perpetrada, de
acordo com o relatório da PF, na matriz americana. Digo manipulação porque as mercadorias
entravam no país abaixo do custo de produção, incluída a margem de lucro da empresa.
Quem paga a diferença? A resposta é fácil: o Estado brasileiro não recolhe os impostos
devidos, os concorrentes nativos ou estrangeiros são bigodeados pelos espertalhões e,
finalmente, os trabalhadores brasileiros (com uma taxa cambial mais favorável) poderiam
estar empregados na produção dos equipamentos, peças e componentes importados, o que
geraria mais receita fiscal. Certo Mark Smith, diretor-gerente para o hemisfério ocidental da
Câmara Americana de Comércio, declarou que "o subfaturamento é comum no Brasil".
No Brasil e no mundo, diria o empresário Raymond Baker, autor do livro "Capitalism's
Achilles Heel", com o subtítulo "Dirty Money and How to Renew the Free Market System".
Baker declara-se um entusiasta do livre comércio. Manifesta, no entanto, sua decepção e
preocupação com as práticas das grandes empresas transnacionais que deformam o sadio
exercício do intercâmbio de mercadorias.
Ele diz que aproximadamente 65 mil empresas internacionalizadas realizam operações
transfronteiras. As transações entre matrizes e filiais representam, segundo Baker, de 50% a
60% das trocas internacionais. Uma fração importante das transações é feita com preços
falseados. "Isso serve para eliminar impostos, evitar controles aduaneiros e acumular dinheiro
secretamente.
A falsificação de preços é realizada diariamente, em todos os países, numa larga fração das
operações de importação-exportação."
"Essa é a técnica mais comum para gerar e transferir dinheiro sujo, dinheiro que viola a lei na
sua origem, em seu movimento e em seu uso. A falsificação de preços é um conluio entre os
poderosos do mundo para lesar os mais fracos. O fato é que para cada dólar, euro, libra, peso,
rublo ou outra moeda qualquer que se move para fora dos países mais pobres, há um produtor
ou financista do Primeiro Mundo que facilita a operação."
Baker é impiedoso: a combinação entre falsificação de preços de transferência, paraísos
fiscais, empresas fantasmas, jurisdições secretas pode ser comparada "ao tráfico de drogas, ao
crime organizado, ao terrorismo e aos funcionários corruptos". Os executivos das múltis
contribuem para a manutenção desse sistema.
Imagino que, à semelhança da controvérsia Huck-Ferréz, o deplorável episódio Cisco vá
provocar um maremoto de indignação contra as malfeitorias dos "correrias" do Primeiro
Mundo. Os impostos surrupiados aos brasileiros talvez servissem para financiar a educação, a
saúde e a segurança dos cidadãos de Pindorama, fossem eles os "correrias" do Terceiro Mundo
ou os legítimos e indefesos usuários de relógios Rolex.

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 64, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria
Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e
Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2007

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MARCELO COELHO

Identidades em fúria
As manifestações que têm aparecido na esfera pública estão perdendo o caráter
propositivo

MEIOSE, MITOSE, cissiparidade: os nomes eu não lembro direito, mas nas aulas de biologia
do colégio o assunto era explicado em detalhes.
Sei que as células se dividem aos poucos, que no começo há uma duplicação dos
cromossomos. Guardo a imagem de uns desenhos em que, como forquilhas ou asas de
libélula, eles se organizavam em pares.
O núcleo da célula se estendia e só no fim desse processo o citoplasma e a membrana celular
se rompiam, criando duas células onde só havia uma.
Nos últimos tempos venho tendo a impressão de que a sociedade brasileira passa por um
mecanismo semelhante. Claro, sempre houve divisões entre pobres e ricos, brancos e negros,
Sul e Nordeste. Mas o que antes era um dado permanente, uma característica crônica da
estrutura social, parece que agora vai se pondo em movimento: os cromossomos se
"pareiam", as metades se encaram frente a frente, replicam-se, refletem-se e tomam distância
umas das outras.
Há várias linhas de divisão, e parecem acentuar-se a cada dia. Não faz muito tempo,
simpatizantes do PT e do PSDB recebiam apenas o nome de "petistas" e "tucanos". Agora,
"petralhas" e "tucanalhas" são termos que passaram ao uso comum.
Sempre tivemos adeptos de várias religiões em nosso território; acostumei-me a um estado de
coisas em que uma pessoa não se metia com a outra nesse tipo de assunto. Entretanto, se a
rivalidade entre evangélicos, católicos e adeptos do candomblé começa a ser não apenas
"vivida" e "sentida", mas também "explicitada" e "vocalizada", tenho medo de que daqui a
um tempo estejamos num verdadeiro pandemônio.
A polêmica em torno do Rolex de Luciano Huck é sem dúvida outro exemplo em que a
"vocalização" das diferenças sociais adquiriu grande estridência, sem que as partes
envolvidas tivessem tanto assim o que dizer.
Claro que a lei vale para todos; claro que há desemprego, droga e desigualdade. Claro que é
preciso haver ação social nas favelas, que é preciso prender infratores, que é preciso melhorar
as condições dos presídios. Em tese, é fácil concordar com tudo isso.
Ocorre que a vontade de discordar tornou-se mais forte do que a de chegar a um consenso. É
que as manifestações, os artigos, as entrevistas que ultimamente têm aparecido na esfera
pública estão perdendo, a meu ver, o caráter geral, propositivo, civil que deveriam ter.
Tornaram-se desabafos, manifestações de impaciência, de exasperação.
Mutatis mutandis, o "cansei" das elites é também o "senta o dedo" do capitão Nascimento, ou
não sei que grito de guerra do gangsta rap em versão adaptada para a periferia paulistana.

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Não se trata de alternativas políticas em confronto, nem mesmo de expressão de diferentes
pontos de vista subjetivos: a forma dos debates, das polêmicas em curso, tem sido mais e
mais calcada na questão das identidades sociais do que na das propostas políticas.
É como se importasse menos dizer "o que eu quero" e mais "quem eu sou". E a posição de
cada um -se é negro, branco, pobre ou rico- conta mais do que o que cada um diz.
Faço essa avaliação sem querer exagerar no pessimismo. Na verdade, seria estranho que
numa sociedade tão desigual todo debate transcorresse em clima de chá das cinco. Muitos
setores que até recentemente não tiveram acesso a meios públicos de expressão conseguem,
hoje, se fazer ouvir: internet, câmeras digitais, centros culturais estão ao alcance de mais
pessoas, e não haverá de ser sem raiva o recado que têm a transmitir.
Ao mesmo tempo, entretanto, diminuiu o leque das alternativas políticas, das respostas
ideológicas para os problemas a que se dá expressão. O resultado é uma espécie de
radicalismo sem rumo, de extremismo em striptease, de terrorismo confessional, de
provocação via computador.
Durante as eleições presidenciais o caso ficou bem claro: nos blogs e nos e-mails, adeptos de
Lula e de Alckmin se entredevoravam com radicalidade assustadora; eram pouco
perceptíveis, entretanto, as diferenças programáticas entre os candidatos. Mas um era um, e o
outro era o outro; já era o bastante para ninguém se entender.
Nisso -numa questão de identidades, não de alternativas- parecem resumir-se muitas das
polêmicas em curso. Se cada envolvido, narcisisticamente, procura apenas afirmar-se onde
está, é natural que não se chegue a lugar nenhum.

São Paulo, segunda-feira, 29 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O rolo do Rolex
ZECA BALEIRO

Por que um cidadão vem a público


mostrar sua revolta com a situação
do país, alardeando senso de justiça
social, só quando é roubado?

NO INÍCIO do mês, o apresentador Luciano Huck escreveu um texto sobre o roubo de seu
Rolex. O artigo gerou uma avalanche de cartas ao jornal, entre as quais uma escrita por mim.
Não me considero um polemista, pelo menos não no sentido espetaculoso da palavra. Temo,
por ser público, parecer alguém em busca de autopromoção, algo que abomino. Por outro lado,
não arredo pé de uma boa discussão, o que sempre me parece salutar. Por isso resolvi aceitar o
convite a expor minha opinião, já distorcida desde então.
Reconheço que minha carta, curta, grossa e escrita num instante emocionado, num impulso,
não é um primor de clareza e sabia que corria o risco de interpretações toscas. Mas há
momentos em que me parece necessário botar a boca no trombone, nem que seja para não
poluir o fígado com rancores inúteis. Como uma provocação.

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Foi o que fiz. Foi o que fez Huck, revoltado ao ver lesado seu patrimônio, sentimento, aliás,
legítimo. Eu também reclamaria caso roubassem algo comprado com o suor do rosto.
Reclamaria na mesa de bar, em família, na roda de amigos. Nunca num jornal.
Esse argumento, apesar de prosaico, é pra mim o xis da questão. Por que um cidadão vem a
público mostrar sua revolta com a situação do país, alardeando senso de justiça social, só
quando é roubado? Lançando mão de privilégio dado a personalidades, utiliza um espaço de
debates políticos e adultos para reclamações pessoais (sim, não fez mais que isso), escorado
em argumentos quase infantis, como "sou cidadão, pago meus impostos". Dias depois, Ferréz,
um porta-voz da periferia, escreveu texto no mesmo espaço, "romanceando" o ocorrido. Foi
acusado de glamourizar o roubo e de fazer apologia do crime.
Antes que me acusem de ressentido ou revanchista, friso que lamento a violência sofrida por
Huck. Não tenho nada pessoalmente contra ele, de quem não sei muito. Considero-o um bom
profissional, alguém dotado de certa sensibilidade para lidar com o grande público, o que por
si só me parece admirável. À distância, sei de sua rápida ascensão na TV. É, portanto, o que os
mitificadores gostam de chamar de "vencedor". Alguém que conquista seu espaço à custa de
trabalho me parece digno de admiração.
E-mails de leitores que chegaram até mim (os mais brandos me chamavam de "marxista
babaca" e "comunista de museu") revelam uma confusão terrível de conceitos (e preconceitos)
e idéias mal formuladas (há raras exceções) e me fizeram reafirmar minha triste tese de
botequim de que o pensamento do nosso tempo está embotado, e as pessoas, desarticuladas.
Vi dois pobres estereótipos serem fortemente reiterados. Os que espinafraram Huck eram
"comunistas", "petistas", "fascistas". Os que o apoiavam eram "burgueses", "elite", palavra que
desafortunadamente usei em minha carta. Elite é palavra perigosa e, de tão levianamente
usada, esquecemos seu real sentido. Recorro ao "Houaiss": "Elite - 1. o que há de mais
valorizado e de melhor qualidade, especialmente em um grupo social [este sentido não se
aplica à grande maioria dos ricos brasileiros]; 2. minoria que detém o prestígio e o domínio
sobre o grupo social [este, sim]".
A surpreendente repercussão do fato revela que a disparidade social é um calo no pé de nossa
sociedade, para o qual não parece haver remédio -desfilaram intolerância e ódio à flor da pele,
a destacar o espantoso texto de Reinaldo Azevedo, colunista da revista "Veja", notório reduto
da ultradireita caricata, mas nem por isso menos perigosa. Amparado em uma hipócrita
"consciência democrática", propõe vetar o direito à expressão (represália a Ferréz), uma das
maiores conquistas do nosso ralo processo democrático. Não cabendo em si, dispara esta
pérola: "Sem ela [a propriedade privada], estaríamos de tacape na mão, puxando as moças
pelos cabelos". Confesso que me peguei a imaginar esse sr. de tacape em mãos, lutando por
seu lugar à sombra sem o escudo de uma revista fascistóide. Os idiotas devem ter direito à
expressão, sim, sr. Reinaldo. Seu texto é prova disso.
Igual direito de expressão foi dado a Huck e Ferréz. Do imbróglio, sobram-me duas parcas
conclusões. A exclusão social não justifica a delinqüência ou o pendor ao crime, mas ninguém
poderá negar que alguém sem direito à escola, que cresce num cenário de miséria e abandono,
está mais vulnerável aos apelos da vida bandida. Por seu turno, pessoas públicas não são
blindadas (seus carros podem ser) e estão sujeitas a roubos, violências ou à desaprovação de
leitores, especialmente se cometem textos fúteis sobre questões tão críticas como essa ora em
debate.
Por fim, devo dizer que sempre pensei a existência como algo muito mais complexo do que um
mero embate entre ricos e pobres, esquerda e direita, conservadores e progressistas, excluídos
e privilegiados. O tosco debate em torno do desabafo nervoso de Huck pôs novas pulgas na
minha orelha. Ao que parece, desde as priscas eras, o problema do mundo é mesmo um só

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-uma luta de classes cruel e sem fim.

JOSÉ DE RIBAMAR COELHO SANTOS, 41, o Zeca Baleiro, é cantor e compositor maranhense. Tem sete
discos lançados, entre eles, "Pet Shop Mundo Cão".

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