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Índice
Í Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

10 No meio
14 Cartum
18 Saneamento
Do vicioso ao virtuoso
20 Comportamento
O que você faz muda o mundo
24 Especial
Um presente para você!
46 Capa
Entrevista: Marina Silva
70 Soluções
Fogão aliado da Caatinga
78 Artigo
Svetlana Maria
80 Energia
Servidão nutritiva
84 Obras
Jogando em campos mais verdes
86 Artigo
Delson Amador
92 Fauna
Abraço que salva
94 Velho Ambiente O brasileiro carrega a Amazônia no
lado esquerdo do peito. No imaginário
96 Artigo
Edemar Gregorio coletivo de boa parte da população, ela
97 Lente Limpa é um baluarte de nossa soberania e sem
Leandro Dvorak
a qual nossa brasilidade desapareceria.
98 Da Redação Mesmo aqueles que sistematicamente
derrubam as centenárias árvores da
maior floresta equatorial do planeta
parecem não acreditar em seu fim, tal
sua magnitude. Mas as coisas não são
bem assim.

Dezembro/2010 6
34
CApa Amazônia

Carros
conceitos 16
Z-ero E-missão

Economia
Biodiversidade 72
A biodiversidade tem preço?

Urbanismo
gci 88
No topo do índice
Editorial
E
Uma publicação da Novo Ambiente Editora e Produtora Ltda.
CNPJ/MF.: 12.011.957/0001-12
Rua Professor João Doetzer, 280 - Jardim das Américas - 81540-190 - Curitiba/PR
Tel/Fax: (41) 3044-0202 - atendimento@revistanovoambiente.com.br
revistanovoambiente.com.br
Ano 01 - Edição 07 - Dezembro/2010 - Distribuição dirigida e a assinantes

Impressão - Posigraf A tiragem desta edição de 30.000 exemplares

O
Tiragem - 30 mil exemplares é comprovada pela BDO Auditores Independentes.

Diretoria Geral
debate em torno da Amazônia está
Dagoberto Rupp
dagoberto@revistanovoambiente.com.br
cada vez mais efervescente. Para tentar
RELAÇões de mercado financeiro compreender os muitas matizes des-
João Rodrigo Bilhan
rodrigo@revistanovoambiente.com.br
Jaqueline Karatchuk
jaqueline@revistanovoambiente.com.br
te complexo ambiental, a Revista Novo Ambien-
ADMINISTRATIVo te percorreu os caminhos da mata e da capital da
Paula Santos
paula@revistanovoambiente.com.br
Mônica Cardoso
monica@revistanovoambiente.com.br
República. Da densa floresta de informações, bus-
comercial (DEC) camos criar uma matéria que pudesse mostrar a
Paulo Roberto Luz
paulo@revistanovoambiente.com.br
João Augusto Marassi
joao@revistanovoambiente.com.br
você, leitor, nossa responsabilidade ante este patri-
João Claudio Rupp
joaoclaudio@revistanovoambiente.com.br
mônio biodiverso.
conselho editorial Do grande deserto de idéias – típicas de um
Dagoberto Rupp
dagoberto@revistanovoambiente.com.br
João Claudio Rupp
joaoclaudio@revistanovoambiente.com.br tempo em que a urgência por consumir atropela
João Rodrigo Bilhan
rodrigo@revistanovoambiente.com.br
João Augusto Marassi
joao@revistanovoambiente.com.br
debates e esteriliza iniciativas –, levantamos mais
Carlos Marassi Fábio Eduardo C. de Abreu dúvidas que certezas. A Brasília, que recebe novos
marassi@revistanovoambiente.com.br fabio@revistanovoambiente.com.br
Paulo Roberto Luz Edemar Gregorio e nem tão novos inquilinos, caberá em grande me-
paulo@revistanovoambiente.com.br edemar@revistanovoambiente.com.br
dida encontrar soluções para implantação de uma
editor-Chefe - Edemar Gregorio
edemar@revistanovoambiente.com.br
política capaz de reequilibrar nossa relação com o
Projeto gráfico - Rafael de Azevedo Chueire território que nosso senso comum gosta de chamar
rafael@revistanovoambiente.com.br
revisão - Karina Dias Occaso
de “pulmão do mundo”.
karina@revistanovoambiente.com.br
Os caminhos do diálogo podem levar a avanços
Carlos Marassi
Central de Jornalismo
Leonilson Carvalho Gomes
maiores para as populações amazônicas do que as
marassi@revistanovoambiente.com.br leonilson@revistanovoambiente.com.br picadas que insistem em agigantar-se em imensos
Fernando Beker Ronque Estanis Neto
fernando@revistanovoambiente.com.br estanis@revistanovoambiente.com.br clarões na mata. A sustentabilidade não deve ser o
Davi Etelvino
davi@revistanovoambiente.com.br
Marcelo Ferrari
ferrari@revistanovoambiente.com.br ponto de discórdia entre homens e mulheres que,
Leandro Dvorak
leandro@revistanovoambiente.com.br
Oberti Pimentel
oberti@revistanovoambiente.com.br
em última análise, precisarão dos mesmos recur-
Paulo Negreiros Uirá Lopes Fernandes sos naturais para seus descendentes.
negreiros@revistanovoambiente.com.br uira@revistanovoambiente.com.br
Leonardo Pepi Santos
leo@revistanovoambiente.com.br
Dagoberto Rupp Filho
dagoberto.filho@revistanovoambiente.com.br
Complexo como os caprichos da natureza, o
atendimento e assinaturas tema remete a reflexões importantes, como a ne-
Mari Iaciuk
mari@revistanovoambiente.com.br
Raquel Coutinho Kaseker
raquel@revistanovoambiente.com.br
cessidade de controlar as paixões na hora de expor
ILUSTRAÇÕES Webdesign argumentos, ideias e planos, ou seja, compor ações
Marco Jacobsen
marcojabsen@revistanovoambiente.com.br
Fernando Beker Ronque
fernando@revistanovoambiente.com.br
viáveis para a maior floresta equatorial do planeta.
logística
Juliano Grosco

Juvino Grosco
juliano@revistanovoambiente.com.br
Ricardo Adriano da Silva
Boa leitura!
jgrosco@revistanovoambiente.com.br ricardo@revistanovoambiente.com.br
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Bem-Estar
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Maria C. K. de Oliveira Janete Ramos da Silva
maria@revistanovoambiente.com.br janete@revistanovoambiente.com.br

Artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da Revista, sendo de total responsabilidade do autor. 9 Dezembro/2010
Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

Ainda é pouco
O Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) divulgou queda de 14%
no índice de desmatamento da Amazô-
nia Legal este ano. Na região da Mata
Atlântica, a queda média anual foi de
0,04% e, no apanhado de 2002 a 2008,
de 0,25%. O Presidente Lula assinou de-
creto que institui o Macrozoneamento
Econômico-Ecológico da Amazônia Le-
gal, definindo o que é território rural e
território urbano na região, protegendo
a biodiversidade e os recursos hídricos,
agricultura e mudanças climáticas na
Amazônia. Com o macrozoneamento,
poderá ser planejado um modelo de
desenvolvimento sustentável na região
amazônica.

No meio
Construtoras sustentáveis De setor em setor
A ITCnet, responsável pelo ranking das 100 maiores Os 700 funcionários da Caixa Segu-
construtoras por metro quadrado, e o Grupo SustentaX, es- ros receberam uma cuidadosa estrutu-
pecializado em sustentabilidade corporativa, de empreen- ra para atingir o conceito de lixo zero
dimentos, produtos e serviços, uniram-se para criar o Prê- em suas dependências. As 17 unidades
mio ITCnet SustentaX de Sustentabilidade, que reconhe- espalhadas pelo país ganharam coleto-
cerá as construtoras mais sustentáveis nos segmentos de res seletivos e a garantia de que todos
residencial baixa renda, residencial, comercial e industrial. os resíduos gerados nas dependências
O prêmio é inédito no setor e avaliará não apenas as da empresa terão destino certo e am-
ações ambientais nas obras, mas também questões relati- bientalmente correto. Cada dez funcio-
vas a gestão sustentável, garantia de qualidade e de segu- nários terão uma lixeira própria, onde
rança, combate ao desperdício, medidas para aumento de poderão descartar, separadamente,
produtividade e seleção de fornecedores socioambiental- papel, plástico, lixo orgânico e outros
mente responsáveis. Aspectos sociais também serão con- resíduos, além dos espaços especiais
templados, tais como respeito à cidadania, contratação e para pilhas e baterias. Todo o papel e
gestão de pessoal, instalações disponibilizadas aos traba- o plástico coletados serão vendidos a
lhadores, relacionamento com a vizinhança, entre outros. uma empresa de recicláveis, e o dinhei-
As inscrições estão abertas e, para participar, as empresas ro arrecadado será 100% reinvestido no
interessadas devem enviar e-mail para <ranking@itc.etc.br>. programa ambiental da companhia.

Dezembro/2010 10
BNDES investe em empresa que produz madeira certificada
O BNDES adquiriu participação acionária (13%) na Amata, consiste no corte seletivo de algumas espécies de árvores da
empresa do setor florestal especializada em manejo sus- floresta nativa, seguindo critérios de sustentabilidade e bai-
tentável de florestas nativas, que tem como objetivo pro- xo impacto ambiental. Em um projeto de manejo florestal,
duzir madeira certificada e produtos florestais beneficiados apenas uma parcela da área total é explorada por ano, onde
oriundos de processos sustentáveis, com foco na venda para pode ser extraído um volume de madeira compatível com a
os principais mercados internacionais. capacidade de regeneração da floresta. A Amata concentra-
Com o investimento na Amata, o BNDES amplia suas ações rá suas principais atividades na região amazônica, onde já
no combate às emissões e no sequestro de gases de efeito possui uma concessão pública para a realização de manejo
estufa, atuando inclusive como atividade de manejo que florestal na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia.

Uso legal
No dia 1.o de dezembro, 2.850 famílias ganharam, com a presença

zav
do Presidente Lula, concessão de direito de uso real de terras em
sete unidades de conservação geridas pelo Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). São mais de 500 mil
hectares, onde haverá extração sustentável ou agricultura de bai-
xo impacto. A medida faz parte das estratégias do Governo Federal
para reduzir o desmatamento e a pressão de outros tipos de ativi-
dades no entorno das unidades de conservação, além de resolver
problemas históricos de uso irregular da terra. Com isso, sobe para
21.292 o número de famílias beneficiadas desde 2003 com contra-
tos de concessão de uso da terra em unidades de conservação, tota-
lizando 1,6 milhão de hectares. No mesmo evento, o ICMBio passou
a ser responsável por mais quatro unidades de conservação com 1,4
milhões de hectares.

Xixi popular
(pegar algum
Lançada em 2009, a campanha do “Xixi no banho”, criada
pela Agência F/Nazca para a Fundação SOS Mata Atlântica,
mostra, de forma inusitada e divertida, que é possível eco-
nomizar mais de 4 mil litros de água por ano apenas incen-
tivando as pessoas a fazer xixi durante o banho. A peça pu-
blicitária ganhou o gosto do público e da crítica. Foram um
Leão de Prata no Cannes Lions 2010, na categoria Titanium
and Integrated Lions – que também premia as ideias inova-
doras –, e dois prêmios no XIII Festival Internacional El Ojo
de Iberoamérica. No final de novembro, a criação ganhou
mais um prêmio, na categoria Institucional da 32.a edição
do Prêmio Profissionais do Ano da Rede Globo.
Nunca a solicitação para um xixi fora do vaso sanitário
foi tão popular.

11 Dezembro/2010
Beldade de (bela) atitude
Além de bonita e talentosa, ela é cheia de atitude. Karen
Jonz, conhecida por ser a única mulher a competir entre
homens, dentro e fora do país, e vencedora de campeona-
tos importantes como o X-Games, foi uma das esportistas
que participaram do Design For Humanity, evento da pla-
taforma global da marca Billabong realizado no dia 10 de
dezembro em São Paulo. A atleta abraçou a causa social do
evento, que vai destinar toda a verba arrecadada em aju-
da à Plataforma dos Centros Urbanos do Unicef, que apoia
crianças e adolescentes de comunidades carentes de São
Paulo e Rio de Janeiro. “Ninguém pode salvar o mundo
sozinho, mas você pode ajudar a família, amigos, alguém
sempre precisa de alguma coisa. Por estarmos na rua o
tempo todo, nos deparamos muito com situações de po-
breza, uma coisa que não passa batido. Seria hipocrisia não
fazer nada pra ajudar”, disse Karen.

Fotos: Divulgação

Conservando energia
A Rossi, uma das principais incorporadoras e constru- Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normatização
toras do país, será uma das pioneiras a receber, em um dos e Qualidade Industrial), conforme exigências do Procel
seus empreendimentos, a Etiqueta Nacional de Conserva- Edifica. A Rossi se destacou dentro da categoria Multifa-
ção de Energia de Edifícios Residenciais, concedida pela miliar e recebeu a pontuação máxima na etiquetagem ao
Eletrobras e pelo Procel Edifica (Programa Nacional de apresentar o Rossi Atlântida, futuro lançamento no litoral
Eficiência Energética em Edificações). A etiqueta foi conce- gaúcho. A conquista do nível A, ainda, permitirá à incor-
dida a empresas do mercado de construção civil que apre- poradora receber futuramente o reconhecimento do Selo
sentaram projetos com eficiência energética atestada pelo Procel Edifica.

Diminuindo impactos
O 15.o Prêmio Ford Motor Company de Conservação Ambien-
tal recebeu 229 incrições e distribuiu R$ 100 mil como prêmio
para projetos vencedores em seis categorias. Angelo Paccelli
Cipriano Rabelo (Conquista Individual), Instituto de Desenvol-
vimento Sustentável de Energias Renováveis – Ider (Negócios
em Conservação), Associação Mico-Leão-Dourado (Ciência e
Formação de Recursos Humanos), Colégio Dom Bosco (Meio
Ambiente nas Escolas), Wabco do Brasil (Fornecedor) e Cyco-
sa (Distribuidor) foram os premiados.
O programa de premiação incluiu, no período da tarde, um
test drive do Fusion Hybrid com a participação dos vence-
dores e membros do júri. Lançado agora no Brasil com mo-
tores a combustível e elétrico, o veículo representa a tec-
nologia veicular mais avançada voltada à sustentabilidade.
No meio
Fórum de Regiões Metropolitanas Ecomudança
O 2.o Fórum Nacional de Regiões Metropolitanas, ocor- O Itaú ampliou o prazo de inscrições para o Programa Ecomu-
rido no final de novembro, em Santos, concentrou-se na dança, que estimula e fomenta projetos que contribuam para
troca de experiências entre cidades, levando reflexões en- a redução de emissão de gases de efeito estufa. Em 2010, o
tre representantes de vários setores da sociedade. Trans- investimento nos projetos escolhidos envolverá o total de até
portes, saneamento e habitação estiveram no centro das R$ 440 mil. Essa edição traz uma nova categoria, Projetos Flo-
atenções. Argentinos da província de Corrientes também restais, que analisa iniciativas voltadas à recuperação de mata
contaram suas experiências e se disseram impressionados nativa ou ao desmatamento evitado. Temas abordados em
com a organização do painel “Recuperação Socioambiental outros anos, como Eficiência Energética, Energias Renováveis
da Serra do Mar e suas Implicações na Região Metropolita- e Manejo de Resíduos, foram mantidos na edição atual.
na da Baixada Santista”, ministrado pelo Cel. Elizeu Borges,
Coordenador-Geral do Programa. Ele mostrou como o Go-
verno de São Paulo relocou, com grande sucesso, centenas
de famílias que viviam em áreas de alto risco e que, de que-
bra, estavam destruindo uma das últimas reservas de Mata
Atlântica do planeta.

R$2 trilhões até 2022


O ConstruBusiness 2010 – 9.o Congresso Brasileiro de Construção, promovido anualmente pela Fiesp, reúne gigantes da constru-
ção pesada e autoridades para debater sobre as muitas carências da infraestrutura nacional. Estudos da entidade, baseados em
dados do Programa Nacional de Logística e Transportes (PNLT), do Governo Federal, apontam a necessidade de investimentos de
mais de R$ 2 trilhões até 2022 para que o Brasil suporte o crescimento desejado para a próxima década, aspirando estar entre as
cinco maiores economias do planeta.
Veja qual é a necessidade de investimento em infraestrutura segundo a Fiesp:

• R$ 410 bilhões em transportes (somando todos os


modais);
• R$ 200 bilhões para o transporte rodoviário;
• R$ 130 bilhões para o transporte ferroviário;
• R$ 60 bilhões para o transporte aquaviário;
• R$ 20 bilhões para o transporte aeroviário;
• R$ 1,34 trilhão em eletricidade, petróleo e gás, com
destaque para o pré-sal;
• R$ 100 bilhões para as telecomunicações, com ênfa-
se na modernização e expansão do uso de serviços em
função da proximidade da Copa e das Olimpíadas;
• R$ 206 bilhões em saneamento, a fim de atender a
meta de universalização.

13 Dezembro/2010
Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen

Dezembro/2010 14
carros Conceitos

Inovação sempre foi o fio condutor da marca do losango. Por vezes


controversos, mas sempre com soluções inteligentes e funcionais, os veículos
Renault pavimentaram sua história com características que foram sendo
incorporadas ao longo do tempo à indústria automobilística. Representante
dessa linhagem, o Renault Z.E., ou Zero Emissão, baseado na plataforma do
Renault BeBop, mistura as virtudes de um carro lógico, urbano e racional do
ponto de vista ambiental.
C
arros conceitos ou concept cars normal- baterias de íon lítio, que, a exemplo de outros auto-
mente são um exercício de criatividade. móveis elétricos, precisam apenas de algumas horas
Por excelência, eles são não os sonhos de na tomada para sair com o “tanque cheio”. Com tra-
consumo que compõem o ideário dos automobilistas, ção dianteira, ele desenvolve 70 kW de potência ou
mas os devaneios de designers e departamentos de 94 cavalos e tem seu consumo energético otimizado
uma empresa quando a ideia é tomar uma diretriz pelos faróis de LED, que reconhecidamente deman-
e explorá-la em todos as suas possibilidades – ou a dam pouca energia, e pela diminuição do “arrasto”
maior parte delas. Carros conceitos também têm aerodinâmico, uma vez que até mesmo os retroviso-
uma faceta curiosa: na maior parte das vezes, não res foram suprimidos e substituídos por pequenas
chegam a ser sequer produzidos. No máximo, colabo- câmeras de vídeo.
ram para incorporar às linhas já existentes e consoli-
dadas algumas das novidades que introduzem. Tec-
nológicos, futurísticos, charmosos ou simplesmente Ar-condicionado, pra quê?
bizarros, eles entram para as páginas da história dos
automóveis como as previsões de Nostradamus, às Um dos pontos mais curiosos deste modelo é o
vezes corretas, às vezes totalmente equivocadas. fato de ele não necessitar de um equipamento que
Equívoco certamente não foi uma palavra cogita- influi diretamente no desempenho – e no consumo
da quando a Renault convocou seus projetistas para de combustível – de forma negativa em qualquer
estabelecer os parâmetros do projeto Zero Emissão, automóvel, o ar-condicionado. A climatização do co-
que visa alinhar os veículos da marca com essa con- ckpit é regulada por sensores ou painéis solares ins-
cepção. Urbano e “Verde” – inclusive em alguns ele- talados no teto da carroceria, que conta com pare-
mentos translúcidos de sua carroceria –, o Z.E. tem des isolantes. O princípio é similar ao de uma garrafa
sua viabilidade assegurada pela inteligência presente térmica: o ar “ensanduichado” entre as paredes isola
até nas interfaces de navegação, que fornecem infor- o interior do veículo, garantindo uma variação térmi-
mações sobre o comportamento do veículo e suas ca mínima, visando maior conforto dos ocupantes. A
necessidades energéticas, como autonomia e postos pintura externa também colabora neste sentido, pois
de recarga mais próximos em função dela. Postos de foi desenvolvida em um tipo de pigmento que reflete
recarga? Sim. Ele é impulsionado eletricamente por o calor dos raios solares.

Será que cabe?


O primeiro carro elétrico Cabe. Os 3,95 m do Z.E. garantem a manobrabi-
lidade necessária para os grandes centros urbanos.
da Renault será lançado Pouco maior que um Smart e menor do que um Pa-
inicialmente no mundo virtual lio, o Z.E. tem no seu DNA a anatomia e a conforma-
de The Sims 3, com o modelo ção de um carro para uso diário, exposto aos dissa-
bores das vagas, balizas e estacionamentos absur-
Twizy Z.E. Passeando por damente apertados, que por vezes causam calafrios
Sunset Valley, os jogadores até mesmo nos motoristas mais experimentados. A
serão os primeiros a conhecer exemplo de outros carros conceitos, o Z.E. ainda não
tem previsão de produção, mas felizmente, além de
o conceito automobilístico da representar uma marca, ele representa uma visão de
Renault Z.E. futuro, bastante adequada à realidade.

17 Dezembro/2010
saneamento Investimentos

Do vicioso
ao virtuoso

vv
Rui é filho de Marta e Carlos. Rui pisa descalço o chão por onde
corre uma veia de água baça e mal cheirosa. Rui é baixo, magro e
incrivelmente pequeno para os seus dez anos de vida. Seus pais, assim
como ele, sofrem de constantes irritações na pele, cólicas, mal-estar e
outras “maleitas”, mas ninguém sabe por quê. Rui também não sabe
por que as coisas são assim, por que não estuda. Dedica a maior parte
do tempo a revirar o lixo que encontra na cava. A mesma cava que
encheu e levou embora, além da casa da Dona Matilde, o seu cachorro
Bope, que ele nunca mais viu.

R
ui é uma analogia que possibilita a explica- área poluída e de risco, provavelmente teria de visitar
ção de um ciclo. Um ciclo que atenta contra menos o hospital. Fato explicado pelo Instituto Trata
a sociedade brasileira, contra o meio am- Brasil e amplamente repisado durante o horário eleito-
biente e, em última análise, contra a economia do país. ral: cada R$ 1,00 investido em saneamento traduz-se
Quando ele pisa descalço o chão, na inocência de sua na economia de R$ 4,00 nos gastos com saúde. Uma
figura de criança, participa de um processo que atin- vez que o hospital teria uma demanda mais baixa,
ge notadamente a base da população e culmina com parte de sua verba agora “ociosa” poderia ser alocada
o problema das enchentes, descrito na “enxurrada para a educação de Rui, que passaria a compreender
da cava” e que causa transtornos a todos, indiferen- que sua boa saúde, também depende da preservação
temente da posição ocupada na pirâmide social. “Sa- ambiental, tornando ele próprio um fiscal, por exem-
neamento” é uma palavra vaga, dita quando se quer plo, dos pais, que não mais “alimentariam” a cava com
operância e diligência em uma situação, como a que o lixo de sua própria casa, reduzindo, entre outras
se pretendia fazer no sistema financeiro, ou quando se coisas, o assoreamento. Por sua vez, se a canalização
quer amealhar simpatizantes ligados a causas sociais. desta fosse feita, o estado seria desonerado, por não
Aí o saneamento vira uma bandeira, um estandarte ter de indenizar nem organizar estripulias para abrigar
que é defendido por todos, mesmo sem ter ao certo a pessoas vítimas de enchente como a Dona Matilde,
dimensão completa do que ele representa. Sanear, sa- que de outra forma ainda teria sua casa, a qual não
nar significa higienizar, curar, tornar limpo, asséptico, precisaria ser reconstruída, careceria apenas de ajustes
puro. E é entre estes significados que o saneamento para ser integrada à rede pluvial e de esgoto. A saber:
orbita e faz da sua solução a solução implícita de várias existem 100 milhões de Ruis no Brasil, 9.º pior coloca-
mazelas do país. Ora, se Rui pisasse em uma rua calça- do no ranking da OMS (Organização Mundial da Saúde)
da, com esgoto segregado e não se divertisse em uma nos índices de saneamento básico.

Dezembro/2010 18
Esgoto a céu aberto. Uma realidade brasileira.

Para reverter:
“Planejar, Construir e Crescer”

Foi durante o 9.º ConstruBusiness (Congresso Bra- do setor. Eles expuseram como meta “crível” a univer-
sileiro da Construção) que a situação do saneamento salização do acesso à rede de água e esgoto até 2022.
no Brasil, classificada como “indecente” pelo Instituto A linha do tempo proposta e os investimentos médios
Trata Brasil, foi também abordada pelos empresários anuais e acumulados você vê no infográfico abaixo.

19 Dezembro/2010
comportamento Voluntariado

O que você faz

muda o mundo
Dezembro/2010 20
Fotos: Revista Novo Ambiente/Leonardo Pepi

Ação do SocioAmbientar no centro de Itajaí

Projeto social que começou com poucas crianças de um abrigo para menores
em Itajaí (SC) começa a ganhar adesão popular no município. O plano é
ambicioso: mudar o mundo!

Q
uando três amigos decidiram lançar se- segunda safras de multiplicadores). Depois de um ano
mentes de cidadania e educação ambiental e meio de atividades, o programa está perto de formar
nas mentes férteis de crianças e adolescen- duas dezenas de potenciais “revolucionários da socie-
tes, não esperavam que a colheita viesse tão rápido. dade moderna”. A munição para esses combatentes
Na teoria, o plano para dominar o mundo já vem das oficinas pedagógicas e ecopedagógicas sema-
nasceu infalível. Os mentores do Programa Socio- nais, teóricas e práticas, e principalmente do material
Ambientar – Multiplicando Sonhos basearam-se em humano que eles estão refinando.
regras matemáticas. A conta é simples e utiliza a fa- A equipe técnica também ganhou reforço. Hoje,
mosa regra de Progressão Geométrica (P.G.), onde 1 tem entre os coordenadores uma engenheira ambien-
vira 2, 2 vira 4, depois 8, 16, 32… tal, uma bióloga e educadora, uma psicóloga, uma
Depois de alguns projetos-pilotos, o SocioAm- jornalista e um advogado e contador. A variedade de
bientar começou a operar oficialmente em julho de profissionais envolvidos é percebida na riqueza das
2009. A base pedagógica é o “Caderno de Cidadania”, pautas trabalhadas, que vai desde o que comemos até
desenvolvido na Universidade do Vale do Itajaí (Univa- como são feitas as leis que regem nossa sociedade.
li). Além da universidade, o programa tem outros dois Com frequência, o grupo participa de mutirões
importantes parceiros: a Associação Lar da Criança Fe- ecológicos ou de outras atividades que tenham inte-
liz e a Associação PróMenor Padre Jacó (casas de aco- ração da comunidade itajaiense. A mais recente acon-
lhimento institucional de onde vieram a primeira e a teceu no coração da cidade, o calçadão da Hercílio Luz.

21 Dezembro/2010
O que você sabe sobre cidadania e
meio ambiente?

No mesmo instante em que o navio apitava para


atracar no porto, há poucos metros dali, um menino
do SocioAmbientar puxava pelo braço um homem de
boina que caminhava apressado pelo calçadão e le-
vava consigo uma sacola na outra mão. Dentro, um
embrulho feito com jornal, um peixe fresco, compra-
do há pouco no Mercado Público. O sisudo senhor
cedeu à investida insistente. Atrasou o caldo de fei-
jão com tainha frita do almoço para responder a um
questionário com perguntas sobre nossas vidas. So-
bre o que realmente importa para toda a sociedade.
Durante uma movimentada manhã de sábado,
foram mais de 150 abordagens, algumas bem aceitas
e outras nem tanto. Depois de convencer os cidadãos
a parar por alguns minutos e dar-lhes atenção, os
integrantes do SocioAmbientar iniciavam o questio-
nário sobre cidadania e meio ambiente. Esse estudo
será utilizado em pesquisas do próprio programa.

A espontaneidade que vem da base

Um dos entrevistados do dia foi o analista políti-


É uma mobilização espontânea
co e itajaiense de berço Magru Floriano. Ele acredita e organizada da sociedade.
no sucesso do programa, principalmente pela forma Cabe ao poder público estimular,
como foi concebido. “Movimentos que vêm da base
são autênticos”, diz Magru, que foi um dos entusiastas
incentivar e abrir espaço para
para a instalação do curso de jornalismo na Univali, o estas manifestações. Mas é
segundo mais antigo do estado, atrás apenas da Uni- fundamental não depender
versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “É uma
mobilização espontânea e organizada da sociedade.
exclusivamente deste poder.
Cabe ao poder público estimular, incentivar e abrir
Magru Floriano, analista político
espaço para estas manifestações. Mas é fundamental
não depender exclusivamente deste poder.”

Integrantes do SocioAmbientar entrevistam população


“Crescei e multiplicai-vos”

Os primeiros participantes do SocioAmbientar ét


que estão monitorando a segunda turma, com super-
visão da equipe técnica. Em 2011, outros novos moni-
tores estarão formados e transmitindo suas histórias
e conhecimentos a uma terceira geração. “É a ideia da
multiplicação, de crescer em Progressão Geométrica. O
ideal é que cada criança que se forme vire um multipli-
cador e faça uma nova turma”, avalia Eduardo “Duka”
dos Santos, um dos coordenadores.
especial Natal

Um presente para
você!

Dezembro/2010 24
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

Não importa qual é sua religião,


dificilmente você ficará impassível
ao dia em que se comemora o
nascimento de Cristo. Geralmente,
no Natal, refletimos sobre o que
fizemos durante todo o ano; e, no
ano-novo, sobre o que faremos
dali para frente. Que tal ter orgulho
do que fez e do que pode fazer?
Esqueça por alguns minutos o que
o dinheiro pode comprar como
presente e dê um espaço para que
seu coração se expanda. Faça a
diferença dando presentes para
você e para o mundo. Presentes
que não custam quase nada e
valem muito.
Um novo futuro

“O
mundo possui muitas mentes bri-
lhantes, o que precisamos agora é Embora não tão fosforescentes quanto no filme
de corações brilhantes.” Esta frase é Avatar, as plantas são realmente o sistema nervoso
atribuída ao 14.o Dalai Lama, em sua última visita ao e o couro capilar do planeta. Elas produzem oxigênio,
Brasil. Budistas ou cristãos, os ensinamentos sagra- alimentos e matéria-prima para moradia, seja para
dos quase sempre pregam a compaixão e o respei- castores, pica-paus ou homens. Desta forma, se você
to às criaturas vivas, o amor à natureza e ao homem acredita que a grandeza do mundo vai além de uma
como parte indissociável dela. Mas nem todos colo- vida, então está preparado para plantar uma árvore
cam estes ensinamentos em prática, seja por falta de com seu filho, ou com seu pai.
tempo ou falta de interesse. As árvores podem chegar a milhares de anos, e
Por falta de palpite não vai ser. A Revista Novo podemos usá-las como mensageiras do futuro. Cal-
Ambiente sugere cinco presentes para você dar a si cula-se que uma peroba-de-campo que existia no
mesmo ou a alguém que você ama. Presentes que Espírito Santo tinha mais de 800 anos quando foi cor-
não se encontram em lojas e que ainda são exclusi- tada, na década de 1930. Talvez vivesse outras cente-
vos e carregam uma história única. É uma chance de nas de anos. Assim, com o avanço da ciência médica
você deixar de lado o egoísmo e a frieza que o dia a e uma missão clara, você poderá plantar uma árvore
dia impõe e tomar uma decisão radical que deixará e se sentar à sua sombra com seu bisneto. E quando
marcas indeléveis em sua existência. É um esforço- você não mais estiver aqui, terá deixado muito mais
-formiga, mas, parafraseando outro pensador: se do que uma árvore, terá plantado sementes no cora-
quiser mudar o mundo, comece por você mesmo. ção de suas próximas gerações.
Fotos: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel
Gestos que germinam o futuro.

• O que devo saber?


Que, logicamente, só se pode plantar uma árvo- seu neto faça isso com os netos dele. Com o passar do
re em local para o qual se tenha autorização. Mesmo tempo, seu compromisso é zelar por aquela árvore e
em parques públicos, isso não é possível nem reco- deixar esta missão para as próximas gerações.
mendado. Se tiver espaço para isso, ou autorização
de quem tenha, plante uma ou mais mudas (prefira
mudas mais desenvolvidas). Grande parte das cida- • O que eu ganho com isso?
des possui um horto florestal ou um jardim botânico
que cedem ou vendem mudas de espécies nativas.
Consulte a Prefeitura ou pesquise na internet. Mais respeito próprio, uns quilos de dióxido de
Se você mora em apartamento ou em uma casa carbono a menos na atmosfera e admiração de seus
pequena, pode fazer uma (ou várias) simpática florei- entes queridos. O planeta Terra também agradece
ra ou mesmo uma mini-horta, com tomates-cereja, muito. Tem dúvida? Vai lá, iniciativa!
rúcula e rabanetes. Observar o ciclo de desenvolvi-
mento dos frutos ou verduras é por si uma terapia.
Comer o que se plantou não tem preço.
• Contraindicações

• Quais são meus compromissos? As espécies, tanto da fauna quanto da flora, que
não são naturais de um lugar são chamadas exóticas.
Enquanto as árvores nativas são parte intrínseca do ecos-
Como tudo na vida, apenas plantar não basta. É sistema, as exóticas podem causar sérios danos a ele. É
necessário regar e acompanhar de tempos em tempos o caso do pinus e do eucalipto – inicialmente plantados
para ver se as formigas, que adoram ramos novos, não para corte, já que se desenvolvem muito rápido, acaba-
vão acabar com a muda. É necessário estudar um pou- ram por proliferar também com extrema rapidez, infes-
quinho sobre a árvore, pois muitas não resistem ao tando as matas e florestas por todo o Brasil, ressecando
sol direto, enquanto outras só se desenvolvem assim. a terra, matando as árvores nativas e acabando com o
Mesmo que seja no quintal, faça deliciosos piqueni- alimento dos animais. Verifique em qual bioma você está
ques em torno da(s) sua(s) árvore(s) e torça para que e vai encontrar facilmente indicações de árvores nativas.

27 Dezembro/2010
Bartolomeu de 2 anos espera por um lar no abrigo Cão Sem Dono como todos os cães destas páginas.

Um novo amigo
• O que devo saber?
Amáveis, companheiros e obedientes, os cães
são criaturas dedicadas a iluminar a vida de pessoas Para adotar, é preciso que você leia e pergunte
sós ou a fortalecer os laços familiares. São excelen- bastante a respeito. Algumas vezes, as pessoas pegam
tes companhias. Embora sejam os mais “humanos” cachorros pequenos e, quando eles crescem, “perdem
dos animais, muitos vagam por aí, quase sempre a graça” e logo acabam sendo passados para frente. Se
por irresponsabilidade das pessoas que os largaram. você pegar um animal, é para toda a vida (sua ou dele),
Muitas vezes, o cachorro se torna um real ente da fa- por isso pense em tudo o que pode vir pela frente. Cães,
mília, e é assim que deve ser se você está disposto como humanos, têm personalidade própria e única; por
a corresponder o afeto que recebe. Os abrigos para isso, quando for adotar, deixe a empatia fazer a escolha.
cães funcionam quase sempre por heroísmo de seus Não escolha pela beleza. Escolha pelo coração e não vai
mantenedores voluntários, já que ainda não existe ter erro. Nem que seja um animal com problemas físi-
uma política pública para animais domésticos. Ape- cos, ele pode te dar uma lição de vida inesquecível. Em-
sar disso, quase sempre estes animais vivem em- bora exista a preferência por filhotes, adotar um adulto
pilhados pela falta de estrutura, sem espaço para tem boas vantagens, pois eles sabem valorizar mais o
brincar ou correr. Se você for adotar um cão de um espaço que ganham e já têm personalidade formada.
abrigo, ganhará um amigo eterno, ajudará aqueles Na maioria das vezes, eles sempre são deixados de lado
que lutam pelo bem-estar dos bichos e de quebra ga- na hora da escolha. Quer mesmo fazer a diferença na
nhará um espacinho no céu dos animais. vida de um bicho? Adote um adulto.

Dezembro/2010 28
Fotos: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

• Quais são meus compromissos?

Os cães precisam de alimentação diária, água,


cantinho para as fezes e espaço para se movimentar,
que depende do tamanho do pet. Você terá que gas-
tar com ração nutritiva, veterinário pelo menos uma
vez ao ano, castração, remédios, vacinas e apetrechos,
mas vai valer cada centavo. Você também tem que ti-
rar alguns minutos diários para afagos. Quanto maior
a dedicação, maior o retorno que você terá do bicho.
Olhe em seus olhos e você confirmará isso. Lembre-se
de que, antes de adotar, deve ter em mente pessoas
que possam cuidar do bicho quando você viajar.
Belinha de 2 anos.

• Contraindicações
• O que eu ganho com isso?
Antes de adotar, certifique-se de que houve em-
Cuidar de um animal faz tão bem que muitas te- patia entre você e o cão. Leve-o imediatamente a um
rapias recomendam o convívio com os bichos. Quem veterinário de confiança e ouça suas recomendações
tem animal tem menos estresse, torna-se mais cari- para evitar transmissão de doenças para outros bi-
nhoso e sensível. No mais, os cães também cuidam chos que existam na casa ou mesmo para você. Da
da gente, alertando para ameaças, e, muitas vezes, mesma forma, consulte seu médico para ver se o ani-
chegam a oferecer a própria vida para salvar o dono. mal não te trará alergia ou outro problema de saúde.

• Onde adotar?

Roque de 3 anos.
Em toda cidade existe ao menos um pequeno grupo de pessoas engaja-
das no salvamento e bem-estar animal. Procure pela internet e você cer-
tamente vai encontrar. Pesquise detalhadamente, sem pressa, antes de
escolher. Abaixo, seguem três links como sugestão:

• Rede de adoção
Reúne entidades de vários estados.
www.rededeadocao.com.br

• Adotar é tudo de bom


É uma ótima iniciativa da marca de rações Pedigree, que, além de manter
o site, ainda destina parte do dinheiro de suas vendas para as organiza-
ções que cuidam de animais.
www.adotaretudodebom.com.br

• Cão Sem Dono


É uma chácara em Itapecerica da Serra, São Paulo, que luta contra a falta
de espaço e a falta de dinheiro para dar um lar para os cães abandonados.
www.caosemdono.com.br
Um novo companheiro
• O que devo saber?
Excelente companheiro, nenhum ani-
mal é mais carinhoso que o gato, quando
é respeitado e compreendido pelo dono. Os gatos são mais inteligentes e com-
Vítima de muitos preconceitos, os gatos plexos do que os cães e não fazem tudo o
são vistos como traiçoeiros e perigosos, que mandamos, apenas o que eles que-
mas isso não é verdade. São animais rem. Mas, em vez de isso ser um proble-
frágeis e, por isso, se defendem como ma, conquistar um gato é um delicioso
podem quando se sentem acuados ou desafio, e o prêmio será amor e compa-
maltratados. São extremamente higiê- nhia sem limites. Leia bastante para en-
nicos, não têm cheiro e, em geral, são si- tender sobre esse animal, mas suas des-
lenciosos (a menos que estejam no cio). cobertas diárias a respeito dos bichanos
Quando vivem dentro de casa, dedicam vão fascinar você. Não é à toa que eram
todo seu tempo a fazer companhia a seus sagrados para várias civilizações.
donos e, além de ornamentar a casa (já
que quase não existem gatos feios), eles
são ótimos contra aranhas, baratas e até
moscas. Sua audição aguçada também os • Quais são meus
ajuda a alertar o dono.
compromissos?

A influência hormonal sobre o hu-


mor dos gatos é muito grande; portanto,
a menos que você realmente queira ga-
tinhos e animais bravos, o melhor para
você (que não terá que aguentar os mia-
dos rasgando a noite) e para o próprio
animal é castrá-lo. Mesmo que seja ma-
cho, castre-o para que não deixe filhotes
largados por aí. O bicho ficará muito mais
calmo e viverá mais e melhor. Embora
sejam mais independentes, os gatos tam-
bém precisam de carinho, alimentação
adequada, vacinas e veterinário. Um gato
vive, em média, entre 12 e 15 anos, mas
pode chegar com certa facilidade a 20
anos se bem tratado. Pense nisso.

Todos os gatos destas páginas esperam por adoção no Beco da Esperança.

Dezembro/2010 30
Fotos: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

• O que eu ganho com isso?

Enquanto no Japão existem cafés cheios de gatos


para os clientes relaxarem, na Inglaterra existe até a
“ronronoterapia”, que utiliza os bichanos para a recupe-
ração de doenças psíquicas e problemas psicológicos. O
poder curativo do bichano é enorme, e seu ronronar, um
barulho produzido pelo coração, é uma prova audível de
amor que leva o dono a uma sensação de acolhimento e
bem-estar. Gatos têm um porte belo e movimentos gra-
ciosos. Só contemplar já é relaxante.

• Contraindicações

Crianças tendem, naturalmente, a “descobrir” do cipalmente se viver preso dentro de casa, como é reco-
que os bichos são feitos. Ao contrário dos cachorros, os mendado. Muitas pessoas também têm alergia aos pe-
gatos, até mesmo pela sua ultrassensibilidade corporal, los e recomenda-se igualmente uma consulta imediata
não toleram maus-tratos e reagem com arranhões e ao veterinário para ele (certifique-se de que seja um
mordidas. Assim, não é um animal recomendado para bom profissional e que goste e entenda de gatos) e ao
os pequenos. Se você não castrar, seja macho ou fêmea, seu médico para saber que implicações seu futuro com-
ele vai “perfumar” a casa toda com sua forte urina, prin- panheiro pode trazer para sua saúde.

• Onde adotar?
Em toda cidade existe ao menos um pequeno grupo de pessoas engajadas no
salvamento e bem-estar animal. Procure pela internet e você certamente vai
encontrar. Pesquise detalhadamente, sem pressa, antes de escolher. Abaixo, se-
guem três links como sugestão:

• Beco da Esperança
ONG que acolhe cerca de 300 gatos e luta com dificuldade para mantê-los.
www.becodaesperança.org

• Adote um Gato
Vários felinos à espera de um lar.
www.adoteumgato.com.br

• De Toda Parte
Blog que reúne informações e imagens de gatos para adoção em várias cidades
do Brasil.
www.gatinhosdetodaparte.blogspot.com
Uma minirrevolução
• O que é isso?

Pequenos grupos de pessoas já redefiniram o Exercite o bem social e sinta o prazer de ser um ci-
destino do planeta, para melhor ou para pior, por dadão que luta por si, pelos seus e pela Terra como
causa das atitudes que tomaram. Mudar o mundo à um todo. Saia da inércia, revolucione! Uma ou duas
sua volta é bastante possível. Toda região apresenta horas por semana dedicadas a uma atividade socio-
problemas que podem ser resolvidos com engaja- ambiental vai, com certeza, mudar o mundo. Expe-
mento e organização, seja por meio da extinção de rimente! Comece usando sacolas de pano em suas
um lixão ou da proteção de um animal específico compras, separando o lixo dos resíduos recicláveis ou
de determinadas áreas. Se você percebe uma cau- recusando-se a comprar produtos cuja origem seja
sa legítima à sua volta gritando por socorro, tome o trabalho ilegal ou seja nociva ao meio ambiente,
uma iniciativa. Ajude, denuncie, colabore, fiscalize. mesmo que muito mais baratos.

Dezembro/2010 32
• O que devo saber?

Antes de tomar iniciativas organizadas ou individu-


ais, verifique o que a legislação prevê e a respeite sem-
pre. As leis brasileiras possuem mecanismos eficientes • O que eu ganho com isso?
para a defesa dos direitos humanos, proteção da nature-
za e contra injustiças, mas, para isso, é necessário traçar
seus caminhos corretamente. Muitos manifestos, como Existem atividades muito legais para se fazer
abaixo-assinados, são importantes para legitimar a ação sozinho, a dois, em família ou com amigos. Plantar
pública. Ações criativas de conscientização ambiental, árvores e cuidar de animais pode ser muito mais di-
voluntariado para limpeza de rios e praias, promoção de vertido do que trabalhoso, mas quanto mais suada a
eventos culturais, criação de grupos de proteção à natu- conquista, maior o prazer dos vencedores.
reza, promoção da reciclagem, criação de grupos de re- Comemore, emocione-se, compartilhe, una.
florestamento, enfim, existem milhares de atividades ao Mas não vire as costas ao prêmio depois das vitórias.
seu alcance e da sua família e amigos.

• Contraindicações
• Quais são meus compromissos?
Manifestações públicas são uma poderosa forma
Toda ação que pretende trazer melhorias de longo de expressão popular, basta ver a força que o movi-
prazo deve ter acompanhamento, para não ser apenas mento hippie teve durante a Guerra do Vietnã ou os
simbólica. Conscientizar os moradores ribeirinhos, por caras-pintadas tiveram no processo de impeachment
exemplo, de que não podem jogar lixo ou esgoto den- do Presidente Fernando Collor. No entanto, vá com
tro do rio pode ser um processo bastante demorado, calma. Hoje temos garantias de direito de expressão
mas pode ser mais fácil do que você pensa. Em geral, e de intervenção em questões da nossa comunidade,
ações do bem ganham aliados rapidamente, e aí é que então não é preciso dizer que, a exemplo do próprio
se pode ver a beleza do espírito cooperativo da raça espírito brasileiro, tudo deve ser feito de forma pacífi-
humana. Comprometa-se com sua revolução, mante- ca e respeitosa. Existem conselhos de saúde, direitos
nha-a sempre viva. Nem sempre é fácil resistir ao pre- humanos, ambientais e culturais em quase todas as
ço mais baixo da carne de regiões de desmatamento cidades. Se a sua não tem, você pode criar. Procure in-
ou da madeira ilegal, mas você vai se sentir melhor ao formações com o Ministério relativo ao assunto. Pro-
fechar esta pequena torneira dos negócios ilegais, que cure também saber como você e seus amigos podem
começa ali mesmo, no consumidor. criar uma Organização Não Governamental (ONG).

Mestre Celin Du Batuk faz trabalho com a comunidade pelo grupo cultural Batukenjé.
capa Amazônia

Última chance
O brasileiro carrega a Amazônia
no lado esquerdo do peito.
No imaginário coletivo de boa
parte da população, ela é um
baluarte de nossa soberania e
sem a qual nossa brasilidade
desapareceria. Mesmo
aqueles que sistematicamente
derrubam as centenárias
árvores da maior floresta
equatorial do planeta parecem
não acreditar em seu fim, tal sua
magnitude. Mas as coisas não
são bem assim.

Dezembro/2010 34
Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

U
ma boa notícia: 2010 foi o tureza e que, no entanto, prestam
ano em que menos se des- desserviços à Amazônia, abalando a
matou na história da Ama- credibilidade do terceiro setor, utili-
zônia civilizada. Uma má notícia: esse zando-o para desvio de dinheiro pú-
recorde equivale a nada menos que o blico ou para interesses de grandes
desaparecimento de mais de 6 mil hec- corporações internacionais.
tares de floresta. Ainda é muito. Mes- Não faltam projetos, planos e es-
mo com uma redução significativa no tratégias, sejam utópicos, consisten-
desmatamento na última década, fruto tes ou desvirtuados de seu propósito
de ações governamentais e do terceiro inicial. O que faltam são condições
setor (organizações não governamen- reais de executar tais projetos, prin-
tais, sem fins lucrativos) que, bem di- cipalmente por dificuldade estrutural
recionadas, refletem bons resultados, e falta de pessoal. Tanto para a fisca-
a Amazônia ainda padece, e a previsão lização quanto para a execução das
é que sua agonia, embora amenizada, leis. Tanto para as pesquisas quanto
não tenha um fim tão cedo. O tema é para as aplicações de conceitos de
realmente complexo, imenso e profun- sustentabilidade. Os investimentos
do como a própria floresta. necessários para um quadro ideal são
Os vilões esgueiram-se pelas elevados e quase impossíveis em um
sombras das árvores, protegidos pela primeiro instante, ao menos se de-
selva que destroem, ou deslizam pe- pender apenas do Estado brasileiro.
los corredores do Congresso Nacio- A Revista Novo Ambiente foi ao
nal, traficando influência entre os Amazonas, no coração da floresta, e
gabinetes para atender interesses de cruzou todos os estados amazônicos,
pequenos grupos que querem lucro onde as árvores centenárias são ape-
rápido e fácil, adeptos de uma econo- nas lembranças, fantasmas sobre o
mia rançosa que extrai sem investir, pasto africano ali plantado ou sobre
nem tempo, nem dinheiro, nem inte- as plantações de soja, muitas aban-
ligência. Mas, muitas vezes, esse vilão donadas por se mostrarem inviáveis.
ambiental é o homem que nem faz Mas, embora as entrevistas com a po-
ideia de que o mundo o tem na mais pulação nos tenham dado um panora-
baixa estima. É aquele que outrora ma das necessidades e aspirações de
era visto como corajoso caboclo que quem vive lá, foi em Brasília que ouvi-
ocupava o Brasil para nós, brasileiros. mos as maiores autoridades nacionais
Ele quer apenas sobreviver e dar dig- sobre o assunto, porque, no final das
nidade aos seus, mas não conhece contas, é ali que o destino da maior flo-
outra forma que não utilizar o solo resta equatorial do planeta é decidido.
amazônico para plantar, já que há até Depois de reunir as mais atuali-
poucos anos era o próprio Governo zadas informações sobre a Amazônia,
quem o empurrava para lá e distri- trazemos para o leitor os principais
buía motosserras para “limpar” a ter- aspectos que é preciso trabalhar para
ra, na única política para ocupação da salvá-la. Chegou a hora de botarmos
região Norte até então plausível. à prova nosso amor por este bioma
Heróis anônimos atuando em fantástico e acompanhar atentamen-
minúsculas e engajadas ONGs ou te a atuação dos governos recém-
mundialmente famosos por sintetizar -eleitos no que se refere à floresta
a luta pela selva em pé e pela susten- amazônica. Se as ações que nortea-
tabilidade têm conseguido grandes rão a próxima década não forem ime-
conquistas para frear a devastação, diatas ou falharem, podemos ferir de
mas não são poucos aqueles que os- morte a floresta e não teremos outra
tentam a pose de paladinos da na- chance para tentar outra vez.

35 Dezembro/2010
Infopágina
37 Dezembro/2010
capa Estratégia Foto:Chico Batata

Uma questão de estratégia


P ara preservar, conservar e usufruir de forma sus-
tentável uma área tão complexa quanto vasta
como a Amazônia Legal e seus mais de 5 milhões de km2,
te ao avanço das fronteiras de atividades de grande
impacto ambiental, como a pecuária e a monocultu-
ra de produtos como soja e cana-de-açúcar.
que incluem diversos tipos de ecossistemas, é necessá- O plano do Governo Federal também incluiu le-
ria uma estratégia de Estado. var a infraestrutura para a região, tanto que “80%
Como em uma guerra ou batalha, não é possível dos recursos do PAC para a Amazônia são para trans-
vencer inimigos como o desmatamento, o garim- portes”, lembrou o Secretário de Desenvolvimento
po, as atividades que causam impactos ambientais Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos
(como mineração, pecuária ou monoculturas agríco- (SAE), Alberto Lourenço, durante entrevista exclusiva
las) sem um plano claro. O Governo Federal deu um à Revista Novo Ambiente.
passo importante na direção da preservação e do de- Quanto ao desafio de valorizar a floresta e en-
senvolvimento ambiental para a região quando ini- contrar alternativas econômicas em grande escala
ciou a elaboração do Plano Amazônia Sustentável, o que sejam compatíveis com a floresta em pé, “fracas-
PAS. Com a Amazônia no centro do debate mundial, samos nisso”, confessou o Secretário, que acrescen-
o PAS propôs, desde sua idealização, em 2003, ações ta: “Esse é um desafio do próximo governo.”
para solucionar grandes desafios. O PAS, que teoricamente representa uma política
Lançado em 2008, o plano apontou estratégias nacional para uma região em constante mutação, deve
fundamentais como a regularização fundiária, o igualmente se transformar e se desenvolver. Com as
combate ao desmatamento, o manejo sustentável inovações propostas em Nagoya (COP-10) em relação à
e a valorização da floresta em pé com crescimento biodiversidade e ao patrimônio genético ou à ampliação
econômico acelerado para a região, além do comba- das áreas protegidas – quesito no qual o Brasil pode ser

Dezembro/2010 40
• Entrevista

Alberto Lourenço, Secretário de Desenvolvimento


Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)

Economista com doutorado em Planejamento Urbano e Regio-


• Eixos estratégicos do PAS nal (School of Public Affairs, University of California, Los Ange-
les), foi membro da equipe técnica responsável pela elaboração
da proposta do Plano Amazônia Sustentável (PAS), Diretor de
• Regularização fundiária Programas da Secretaria de Coordenação da Amazônia do Mi-
nistério do Meio Ambiente e Coordenador do Programa Piloto
• Combate ao desmatamento para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil.

• Regularização e organização da produção Podemos encarar o Plano Amazônia Sustentável, o PAS, como
agroextrativista parte relevante de uma política nacional para a região?
• O propósito dele é justamente o de tratar as grandes linhas da
• Reorganização e intensificação da agricul- política nacional para a Amazônia. O que ele tem é um conjunto
tura e pecuária muito conceituado de diretrizes que, em síntese, procuram con-
ciliar o desenvolvimento acelerado da região. Vale notar que a
• Criação de rede de polos industriais Amazônia ainda tem uma renda per capita de menos de 60% da
média nacional, ou seja, é uma das regiões pobres do Brasil. En-
• Implementação de infraestrutura, espe- tão, basicamente, a ideia é conciliar estas duas vertentes – sus-
cialmente logística integrada e multimodal tentabilidade e crescimento acelerado. E acreditamos que isso é
perfeitamente possível.

• Ampliação da capacidade de geração tec- As novidades advindas da COP-10 vão gerar mudanças no PAS?
nológica e novo modelo de educação e ca- • Desde que conheci a região pela primeira vez, há mais de
pacitação profissional 25 anos atrás, o que sempre me espantou foi a velocidade de
transformação da Amazônia. No caso específico da COP-10, foi
um avanço inesperado e extraordinário no reconhecimento do
direito sobre o patrimônio genético. Nós no Governo Federal
ainda estamos por concluir a nossa parte, que é deixar ao país
um marco legal que possibilite o acesso da pesquisa e da ciência
considerado “campeão mundial”, já que foi o que mais a esse inigualável tesouro genético, sem os problemas do mo-
criou áreas do tipo nos últimos anos –, tal plano mostra- delo atual. Temos um modelo hoje de acesso a este patrimônio
-se como grande oportunidade de se pensar e repensar que é extremamente rígido, o próprio Governo reconhece isso.
temas para a maior diversidade biológica do planeta e Ele vem ainda do governo anterior, é cerceador e foi construído
sua inserção na economia global, sem esquecer as mais em uma época em que pouco se conhecia sobre a questão, que
de 25 milhões de pessoas que lá vivem. torna praticamente impossível a pesquisa legal.
No entanto, apenas um plano não pode ser con- Como você encara o movimento global rumo à valoração da
siderado suficiente para assunto tão complexo. É natureza?
preciso fiscalizar, combater, punir os criminosos am- • Tem duas formas de pôr preço. Uma, considero inútil, que é a
bientais, ao mesmo tempo incentivar a criatividade, valoração dos serviços ambientais. Por exemplo, um economista
a produtividade local, o respeito étnico. É uma bata- vai lá e vai estudar qual é o valor da chuva gerada pela floresta,
lha que, para ser vencida, exige mais do que conhe- no Mato Grosso ou no Sul do Brasil, calcula o valor deste serviço
cimento do terreno, precisa de ação. “Não dá mais e chega a um número. Isso não adianta nada, pois não existe um
para fazermos um projeto experimental de embalar mercado comprador para isso.
polpa de cupuaçu, nós já fizemos isso há quase 40 Uma outra forma de criar valor no serviço ambiental é criar um
anos! Precisamos ganhar escala na intervenção da mercado de forma institucional, isso foi feito com o carbono.
Amazônia e, com isso, negociar com a sociedade Instituíram metas internacionais por lei, e quem emite carbo-
que está ali”, finaliza o Presidente do Instituto Chico no tem que pagar. Aí sim tem um mercado, tem dinheiro, e aí
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), funciona. Redd [Redução de Emissões por Desmatamento e De-
Rômulo Mello, que também recebeu a Revista Novo gradação Florestal] também é uma forma de criar um mercado
Ambiente em seu gabinete, em Brasília. para o serviço ambiental de se estocar carbono, mas está enga-
tinhando ainda, está começando. Temos por enquanto somente
o Redd voluntário [leia mais sobre Redd na página 60].
capa Propriedades

Terra de alguém
M ais de 1,5 milhão de pessoas vivem em ter-
ras amazônicas que pertencem à União, ou
seja, são posseiros que não têm condição legal para
São mais de 500 mil hectares onde ou haverá extração
sustentável ou agricultura de baixo impacto. Com isso,
21.292 famílias foram beneficiadas desde 2003 com
tal ocupação. Uma das apostas do governo Lula para contratos de concessão de uso da terra em unidades
a redução do desmatamento na Amazônia foi a regu- de conservação, totalizando 1,6 milhão de hectares.
larização fundiária. Dar destinação às terras públicas, Em 2009, o Ministério do Desenvolvimento Agrá-
transformando-as em áreas indígenas ou parques, rio implantou o programa Terra Legal, que propõe a re-
tem sido uma boa estratégia para conter a grilagem gularização fundiária de cerca de 300 mil posseiros até
de terras. “O Estado criou um grande maciço de áre- o final de 2011, concentrando ações nos 43 municípios
as protegidas, no coração da floresta amazônica, que que mais desmatam na região Norte. O programa já ca-
estavam ameaçadas pelo avanço do Arco do Desmata- dastrou mais de 80 mil famílias em 9 milhões de hecta-
mento [veja no mapa]. Assim, o desmatador, associa- res e, apesar de dizer que os novos proprietários devem
do à grilagem de terras, perde o interesse de ocupar evitar o desmatamento e promover a recomposição da
este espaço”, conta Mauro Pires, Diretor do Departa- floresta, não existem regras claras, além do que prevê a
mento de Combate ao Desmatamento na Amazônia, legislação atual, que os obriguem a tais ações. Assim, se
do Ministério do Meio Ambiente, e responsável pelo a fiscalização não for muito bem feita, o programa pode
Núcleo de Articulação de Ações pela Amazônia. Pires surtir efeitos contrários, já que, com a regularização, a
acredita que esta destinação de terras para áreas pro- atividade agrícola será aquecida por investimentos pro-
tegidas é um dos principais fatores de redução do des- venientes do crédito bancário concedido mediante a ga-
matamento nos últimos anos. “O grileiro ocupa a terra rantia das terras agora legais.
e tenta convencer alguém de que aquele título tem al- A intenção do programa Terra Legal é regularizar
guma validade e deve ser reconhecido pelo Governo. as ocupações legítimas, anteriores a 2004, com prio-
Quando o Governo estabelece que vai criar uma área ridade aos pequenos produtores e às comunidades
indígena ou um parque, isso cai por terra, porque ja- locais. No entanto, não há como saber se as terras fo-
mais ele vai conseguir grilar aquela área”, conclui. ram ocupadas após o ano-base simplesmente porque
No início de dezembro, 2.850 famílias ganharam o número de posseiros ultrapassa as centenas de mi-
a Concessão de Direito de Uso Real de Terras em sete lhares. O anúncio da regularização pode, inclusive, em
unidades de conservação geridas pelo Instituto Chico alguns casos, ter desencadeado uma grande corrida
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). por ocupação irregular de terras.

Para evitar o desmatamento é necessário regularizar terras.


• Entrevista

Mauro Pires, Diretor do Departamento de Políticas


de Combate ao Desmatamento na Amazônia, do
Ministério do Meio Ambiente, e responsável pelo
Núcleo de Articulação de Ações pela Amazônia.
Outro ponto vulnerável no Terra Legal é que ele
não encara o problema da regularização das gran-
Quais são as projeções para o desmatamento na Amazônia?
des propriedades, que correspondem a um terço
da Amazônia. Apenas são tratadas áreas inferiores a • Existe um bom cenário que se avizinha. Na virada do século,
1.500 hectares. As áreas de 1.500 a 2.500 hectares o desmatamento subiu e quase chegamos a uma situação de
devem ser leiloadas segundo o programa; e acima descontrole total. De lá para cá, há uma curva descendente no
gráfico do desmatamento na Amazônia. Em 2010 foi de 6.400
disto, devem ser devolvidas à União. Nada impede,
km, é o segundo recorde histórico de baixa no desmatamento
no entanto, que, na prática, um grande latifundiário
em anos consecutivos. É um cenário positivo com melhor gover-
divida suas terras até o limite do programa e as colo-
nabilidade.
que em nome de laranjas, mantendo assim seu po-
der de uso sobre a terra. Como ocupar a terra sem necessariamente derrubar a floresta?
• Existem dois modelos para a Amazônia em conflito hoje no
Brasil. O modelo agroexportador, que considera a Amazônia
Estrangeiros apenas como solo e a mata como um empecilho ao uso deste,
que é o antigo padrão de ocupação do Brasil, e o segundo é o
modelo sustentável, que explora os recursos amazônicos e deixa
O Governo Federal também procurou trabalhar a floresta como está.
sobre as terras nacionais limitando a compra por es- Quais são os fatores que levaram a uma grande queda no des-
trangeiros ou empresas brasileiras controladas por matamento nos últimos anos?
estrangeiros. Sob a alegação de assegurar a sobera- • Um dos motivos da redução no desmatamento da Amazônia
nia nacional em área estratégica para a economia e é a fiscalização, principalmente porque começamos a trabalhar
o desenvolvimento, desde outubro de 2010, com a com monitoramento via satélite. O segundo fator é o processo
publicação de um parecer que fixa nova interpreta- de destinação de áreas. O estado criou um grande maciço de
ção para uma lei de 1971, as vendas para o público áreas protegidas, no coração da floresta amazônica, que esta-
descrito não podem ultrapassar os 5 mil hectares. vam sendo ameaçadas pelo avanço do Arco do Desmatamento.
Outro ponto determina que a soma das áreas rurais O terceiro fator foi a Lei de Gestão de Florestas Públicas, que é
um efeito indireto, para que a floresta tenha rendimento, ofere-
controladas por estrangeiros não pode ultrapassar 25%
ça madeira mas continue como floresta.
da área (superfície) do município que integram. Por ou-
tro lado, não existem dados oficiais das aquisições de

Foto:AGECOM
terras por estes grupos (estrangeiros ou empresas con-
troladas por estrangeiros) entre 1994 e 2010.
Na época de sua aprovação, o parecer causou for-
te queda em ações de empresas estrangeiras do setor
de agronegócio listadas na Bolsa de Valores de São
Paulo (Bovespa), já que o mercado entendeu que estas
foram diretamente prejudicadas ao se verem limitadas
na expansão de seus negócios em terras brasileiras.
Ficam as dúvidas: os estrangeiros ou empresas contro-
ladas por eles teriam papel de vilões ou de salvadores
nas terras brasileiras? E sua ausência ou engessamen-
to no mercado brasileiro serão benéficos para o Brasil
ou apenas retardarão o desenvolvimento do agrone-
gócio? Para a Advocacia Geral da União, a medida “fa-
vorecerá o relacionamento dos estrangeiros com em-
presas brasileiras de forma colaborativa”.

43 Dezembro/2010
Dar destinação às terras públicas,
transformando-as em áreas indígenas
ou parques, tem sido uma boa
estratégia para conter a grilagem
de terras. O Estado criou um grande
maciço de áreas protegidas, no
coração da floresta amazônica, que
estavam ameaçadas pelo avanço do
Arco do Desmatamento (na cor rosa
no mapa abaixo).
capa Agropecuária

Fronteiras movediças
A fronteira agrícola avança diariamente sobre a
Amazônia, mas já foi muito pior. Em 2006, um
dos maiores produtores de soja individuais do planeta,
o então Governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, usou
sua influência no meio rural para convencer os maiores
comercializadores do grão no país a decretar a morató-
ria da soja proveniente de áreas desmatadas. “As traders
de soja adotaram a moratória da soja, não comprando
mais soja plantada em áreas desmatadas. Isso foi im-
portante porque de 2002 a 2005 a soja estava sendo um
vetor direto de desmatamento, principalmente no Mato
Grosso”, aponta o Diretor do Departamento de Com-
bate ao Desmatamento na Amazônia, do Ministério do
Meio Ambiente, e responsável pelo Núcleo de Articula-
ção de Ações pela Amazônia, Mauro Pires.
Maggi, que há pouco menos de uma década dizia
que desmatar a metade da Amazônia não significava
nada, desde que ali se produzisse soja, mudou o discur-
so e hoje se autodenomina verde. Ele percebeu que o desmatamento, o que hoje se considera uma área bastan-
Mato Grosso, que colocou boa parte da floresta ao chão te reduzida perto do que existia antes da moratória.
para plantar soja, logo começaria a sentir os efeitos ne- A pecuária extensiva também é um dos grandes
gativos da devastação se acabasse com as áreas nativas problemas, pois grandes áreas são ocupadas por pe-
restantes. Mais que isso: como um grande homem de quenos e esparsos rebanhos. Um desperdício de terra
negócios, viu que, logo, a soja receberia sérias restrições e da floresta. Segundo um estudo da Empresa Brasilei-
do mercado internacional, que cada dia mais pressiona ra de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) realizado no
para que a procedência do produto não esteja relaciona- ano passado, 10% de toda a carne bovina consumida no
da a desmatamento e mão de obra escrava. planeta vem da Amazônia. Os estados de Mato Grosso,
Popular em seu estado por promover um desenvol- Rondônia e Tocantins estão entre os maiores produtores
vimento econômico espantoso (a cidade com melhor do país. O estudo também aponta que antigas áreas de
Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil é Lucas do pastagens agora estão sendo ocupadas por plantações
Rio Verde, no Mato Grosso, que nasceu há poucas déca- de soja, obrigando a derrubada de novas áreas de flores-
das e ergueu-se da economia da soja), o agora Senador ta para comportar o gado. “A pecuária extensiva é a mais
Blairo Maggi é fundamental para reverter os estragos destruidora das formas de ocupação e menos produti-
na Amazônia e tem apresentado projetos inovadores va. E qualquer agricultura ou indústria mais organizada
que realmente farão a diferença. Para isso, tem recebi- precisa das estradas para se abastecer ou para escoar
do apoio e orientação de ONGs historicamente inimigas sua produção”, aponta o Secretário de Desenvolvimen-
(como Greenpeace e WWF) e que hoje veem na influên- to Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos
cia de Blairo um instrumento fundamental na contenção (SAE), Alberto Lourenço, que reforça a necessidade de
do avanço da fronteira agrícola. ações sustentáveis imediatas como alternativa a essa
A moratória da soja, que inicialmente tinha a validade que é uma das principais atividades econômicas da re-
de dois anos, foi adotada pelos órgãos do Governo e tem gião. “O grande avanço na geração de renda na Amazô-
sido sucessivamente prorrogada. No início de dezembro, nia hoje tem sido a retirada da floresta principalmente
o Banco do Brasil anunciou que vetará crédito rural a fa- para a produção pecuária. Nas últimas décadas, quase
zendeiros de soja que estiverem plantando em áreas da nove em cada dez cabeças a mais no território brasileiro
floresta recém-derrubadas. Em 2008, com o monitora- foram aumentadas na Amazônia, ou seja, o crescimento
mento do Inpe em cerca de 300 mil hectares, foi identi- do rebanho brasileiro está praticamente todo na Amazô-
ficado o plantio de 6,3 mil hectares de soja em áreas de nia”, completa Lourenço.

45 Dezembro/2010
entrevista Marina Silva

A mãe do PAS
Foto: Renato Araujo/ABr

T
odo mundo sabe quem é Marina Silva, mes- na, enquanto questionadora dos impactos de obras e
mo assim, nunca se dispensam apresenta- atividades agrícolas, era vista por muitos de seus pa-
ções sobre ela. Tal qual a floresta amazôni- res, ministros, como um “entrave”. A destinação do
ca, Marina Silva é um patrimônio brasileiro. E tal qual PAS a Mangabeira Unger foi um golpe doloroso que,
a natureza do meio ambiente precisa ser preservada, como você verá na entrevista seguinte, a Senadora
a natureza política que a fez uma das mais influentes Marina não esqueceu. O episódio culminou com sua
personalidades do mundo precisa ser preservada na saída do Ministério e sua desfiliação do Partido dos
política nacional. Determinada, saiu da floresta onde Trabalhadores. Isso, por sua vez, acabou por lançá-la
a família vivia da extração de látex de borracha nos à Presidência da República pelo Partido Verde. Estre-
seringais acreanos para conquistar um espaço polí- la absoluta do primeiro turno das eleições deste ano,
tico carente de suas qualidades marcantes. Quando amealhou 20 milhões de votos e conquistou espaço
Ministra, teve papel fundamental na implantação da definitivo para a sustentabilidade na política nacional.
Política Nacional de Resíduos Sólidos, na criação do Com sua vivacidade e simpatia características,
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversi- Marina Silva conversou por telefone com a reporta-
dade (ICMBio), que hoje administra as áreas de pro- gem da Revista Novo Ambiente, minutos antes de
teção federais, criou o Plano Amazônia Sustentável embarcar em um voo para Cancun, onde participaria
(PAS), considerado seu filho – e, por isso mesmo, o da COP-16. Uma conversa rápida e exclusiva com uma
Presidente Lula disse que ela não estava “isenta” para pessoa que, embora no centro das atenções, sempre
coordená-lo, passando-o à mão do então Secretário arruma tempo para falar sobre as causas que defende
de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger. Mari- e sobre sua amada terra natal, a Amazônia.

Dezembro/2010 46
tável. O PAS conta com cinco eixos programáticos,
Como a senhora vê as mudanças no PAS (Programa temáticos, e um deles era essa questão da infraestru-
Amazônia Sustentável) após sua saída e quais são as tura para o desenvolvimento sustentável. As ações do
expectativas de sucesso deste projeto tal qual está PAC terão que ser adequadas a esse eixo da infraes-
configurado agora? trutura para o desenvolvimento sustentável, o que
ainda não foi. É só verificar o que continua a aconte-
• Primeiro eu acho que PAS foi um projeto bem cer, no qual o exemplo mais gritante é a questão das
recebido, ele passou por um processo de articulação hidrelétricas de Belo Monte, que não contou com a
entre 18 Ministérios que participaram do processo de devida aprovação de diversos setores da sociedade,
elaboração, os governos estaduais e diversos setores comunidades indígenas, Ministério Público. O próprio
da sociedade civil, abrangendo as questões de infraes- Ibama tinha muita resistência a dar a licença.
trutura para o desenvolvimento sustentável, a ques-
tão do ordenamento territorial e fundiário, a inclusão Existe uma substancial queda no desmatamento
social, educação, ciência, tecnologia, enfim, é um pro- da Amazônia. Nos últimos cinco anos houve uma re-
jeto bem abrangente, e principalmente as ações volta- dução acumulada de 53%, isso vem de ações e proje-
das para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. tos da época em que era responsável pelo Ministério
Quando eu saí do Ministério, o PAS estava pronto, foi do Meio Ambiente. Quais pontos motivaram essa
um trabalho bem intenso da minha equipe, eu tive a queda do desmatamento?
oportunidade de fazer a coordenação executiva desse
projeto. Ele foi delegado ao Ministro Mangabeira Un- • Bem, as ações foram muito bem planejadas. E
ger e lamentavelmente as ações que precisavam ser o fato de ter sido um programa realizado de forma
levadas a cabo para que o PAS se tornasse uma reali- transparente, com acompanhamento e controle da
dade não foram realizadas. Sorte que o projeto conti- sociedade, fez com que ele se tornasse uma política
nua válido e abrangente, mas eu acredito que precisa pública efetiva. Quando houve uma tentativa de revo-
ser implementado e incrementado em todas as suas gar as medidas que haviam sido tomadas, eu pedi pra
dimensões, porque a única coisa que o Ministro Un- sair e, com a pressão da sociedade civil, as medidas
ger fez foi a medida provisória que destinou cerca de foram mantidas e isso fez com que o desmatamento
67 milhões [de hectares] para particulares sem os de- continuasse caindo até hoje. É um programa de su-
vidos critérios. O PAS é um programa importante, ele cesso porque foi feito de forma estruturante e não
dialoga com a dimensão da sustentabilidade econômi- pirotécnica, no qual as últimas medidas – aquelas que
ca, social e cultural, mas não foi implementado. levaram a um tensionamento muito grande com o
Ministério da Agricultura e com o Ministro Mangabei-
E a senhora não acha que existe incompatibilidade ra, o que levou à minha saída –, que eram a moratória
entre o PAS e o PAC? nos 36 municípios que mais desmatam, a vedação do
crédito para os ilegais e a questão das ações voltadas
• É fundamental que as obras que estão previstas para a criminalização da cadeia produtiva ilegal, é que
e outras que possam ser efetivamente planejadas se têm feito com que o desmatamento continue caindo.
enquadrem no eixo de política do PAS, que é a ques- Essas medidas foram tomadas durante minha gestão
tão da infraestrutura para o desenvolvimento susten- e mantidas por pressão da sociedade, fazendo com

Quando eu saí do Ministério, o PAS estava pronto, foi um


trabalho bem intenso da minha equipe, eu tive a oportunidade
de fazer a coordenação executiva desse projeto. Ele foi delegado
ao Ministro Mangabeira Unger e lamentavelmente as ações que
precisavam ser levadas a cabo para que o PAS se tornasse uma
realidade não foram realizadas.

47 Dezembro/2010
que o desmatamento continue caindo até hoje. fazendo apenas um discurso retórico.

A Presidente eleita, Dilma Rouseff, assumiu metas Quais são seus planos a partir de fevereiro, quando
arrojadas de redução de emissões de CO², mas não deixa o Senado? Para quem você vai emprestar seu
explicou claramente como vai fazer isso. Consegue conhecimento, popularidade e a força de suas ações?
enxergar uma estratégia clara pra que isso seja fei-
to ou virou mais uma daquelas promessas fáceis ou, • Com certeza estarei me articulando com a so-
com a expressão que a senhora usou, “pirotécnicas”, ciedade civil, de um modo geral, enfim, com os dife-
descompromissadas, típico do que vem acontecendo rentes setores da sociedade e algumas propostas que
com as questões que são abordadas nas COPs? eu estou analisando tanto pra estudar e aprofundar os
estudos quanto o trabalho efetivo nessa parte de mo-
• As metas que o Brasil assumiu são um processo bilização para sustentabilidade ambiental, que é o que
que vem em negociação desde 2005 em Nairobi, no venho fazendo. Mas com certeza irei continuar imersa
Quênia, e depois nós tivemos a continuidade desse nessa agenda de desenvolvimento sustentável.
processo em Bali e na Noruega, onde nós consagra-
mos as metas que foram assumidas, de redução de
80% das emissões brasileiras, incluindo aí desma-
tamento. Elas vão sendo negociadas e trabalhadas
progressivamente ao longo desses anos. As metas
Foto: Valter Campanato/ABr
foram assumidas pelo governo em Copenhague por
pressão da sociedade, o setor empresarial com mais
consciência e a comunidade científica. Agora estão
querendo mudar o código florestal no Congresso
com o relatório do Deputado Aldo Rebelo e mudar
a competência do Ibama, evitar que o Ibama faça a
fiscalização de desmatamento e aplique multas para
os ilegais previstas na regulamentação do artigo 23.
Se essas duas ações forem aprovadas, vão inviabilizar
as metas assumidas pelo governo. Nesse caso, tan-
to o atual como o futuro governo têm que fazer um
esforço pra não permitir essas mudanças que a sua
base, na maioria, quer promover, sob pena de estar

Estão querendo mudar o Código


Florestal no Congresso com
o relatório do Deputado Aldo
Rebelo e mudar a competência
do Ibama, evitar que o
Ibama faça a fiscalização de
desmatamento e aplique multas
para os ilegais previstas na
regulamentação do artigo 23.

Dezembro/2010 48
capa Política

Brasília decide
O novo Código Florestal foi um dos temas mais
polêmicos da política nacional em 2010.
Como relator deste projeto de lei, o Deputado Federal
Se o novo Código Florestal for aprovado tal qual
está, 70 milhões de hectares da Amazônia podem de-
saparecer, conforme anuncia a carta que cientistas bra-
Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ganhou a simpatia dos agro- sileiros publicaram em 16 de julho na revista Science.
pecuaristas propondo a redução das áreas de preser- Hoje, dentro das propriedades privadas, 20% das áreas
vação em torno dos rios e topos de morro, áreas con- já podem ser convertidos em pasto ou plantações.
sideradas de preservação permanente – só para usar Outro ponto de tensão na proposta é a anistia aos
um exemplo das mudanças profundas que prevê a lei, desmatadores e a regularização da terra que ocupam, o
se aprovada, em rios com menos de 5 m de largura, que enfraquece todo o sistema de repressão e punição
que representam 80% do total de rios brasileiros, a dos crimes ambientais no Brasil, que já não são poucos.
mata ciliar passaria de 30 m para 15 m. Com isso, tam- A luta dos setores ambientais, no entanto, ocorre
bém despertou a fúria de vários segmentos, como o no sentido de provar que a floresta em pé rende mais
dos ambientalistas e cientistas, que alegam que não do que sua derrubada para a utilização do solo para
há estudos consistentes na proposta, além de todos outros fins. “Temos que evitar esta dicotomia entre
aqueles que já consideravam um tanto quanto escas- desmatamento e prosperidade, apostando na econo-
sas as áreas destinadas aos biomas nativos. mia da floresta, ou seja, criar meios para que a floresta

População ribeirinha em Santarém/PA.


Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes
• Entrevista

Jorge Khoury, Deputado Federal (DEM-BA),


Ex-Presidente da Comissão de Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável da Câmara

possa gerar mais dividendos do que sua conversão”, Khoury foi Prefeito duas vezes de Juazeiro e Deputado por cinco
expõe o Diretor do Departamento de Combate ao mandatos. Não se reelegeu nas últimas eleições. Ele fala com ex-
Desmatamento na Amazônia, do Ministério do Meio clusividade à Revista Novo Ambiente sobre a aprovação do proje-
to de lei que institui o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e
Ambiente, e responsável pelo Núcleo de Articulação
outro que regulamenta a Redução de Emissões por Desmatamen-
de Ações pela Amazônia Mauro Pires. E ele ainda con-
to e Degradação Florestal (Redd), minutos após a aprovação.
clui: “A economia da floresta baseia-se em usá-la de
forma sustentável. Manejo florestal pode ser o grande
diferencial econômico da Amazônia no médio prazo, O senhor acredita que instrumentos como esses podem redu-
porque a madeira nativa está acabando no mundo. A zir as tensões em torno da discussão do novo Código Florestal?
exploração do ecoturismo, óleos, resinas e indústria • Tanto a aprovação do Redd quanto do PSA são propostas que
farmacêutica são grandes possibilidades econômicas.” vão desaquecer essa discussão entre o setor ruralista e o setor
Para isso, uma das mais importantes contribuições ambientalista, cada um com suas razões. O radicalismo não
do meio político brasileiro é a criação de dispositivos contribui para nada. Propostas como estas começam a dar uma
que regulamentem instrumentos de apoio a quem pre- segurança jurídica para que se possa fazer este tipo de investi-
serva, como incentivos e até mesmo pagamentos por mento e para que se possa ter retorno.
este serviço. Uma equipe da Revista Novo Ambiente O que a aprovação de hoje significa na prática?
acompanhou, em Brasília, a aprovação do projeto de • É o início da aprovação de um marco regulatório e de uma visão
lei que institui o Pagamento por Serviços Ambientais muito clara do desenvolvimento sustentável. Temos um exemplo
(PSA) e do projeto que regulamenta a Redução de muito interessante em Montes Claros/MG, onde se estipulou a
Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal recompensa de R$ 150 por hectare protegido em uma área de
(Redd), pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvol- nascente. Com isso, ele [o proprietário da terra protegida] passa
vimento Sustentável, da Câmara dos Deputados. “É o a ter o ecocrédito, ou seja, a Prefeitura da cidade não pode pagar
início da aprovação de um marco regulatório e de uma este dinheiro, mas ele passa a ter créditos para o pagamento de
visão muito clara do desenvolvimento sustentável. Os taxas e impostos que deveriam ser feitos ao município.
dois projetos aprovados hoje mostram que o Brasil É uma aposta no proprietário como principal defensor das áre-
está na vanguarda”, disse à Revista Novo Ambiente o as naturais de suas propriedades?
Deputado Jorge Khoury (DEM-BA), ex-Presidente da • Exato. Assim, ele passa a proteger áreas que seriam transfor-
Comissão. Pela proposta, serão remuneradas, princi- madas em lenha. Ninguém melhor para preservar do que o pró-
palmente em ecossistemas sob maior risco socioam- prio proprietário. Muitos dos crimes ambientais acontecem por
biental, iniciativas como a proteção ou renovação dos falta de uma regularização fundiária real em nosso país.
solos; a manutenção da biodiversidade; o controle das
emissões de gases causadores de efeito estufa; a ma-
nutenção do ciclo da água; entre outras ações de pro-
teção ambiental. O texto também determina que só
pode participar do programa quem comprovar o uso
ou ocupação regular do imóvel.
A agenda ambiental terá muitos desdobramen-
tos políticos nos próximos anos e há de se fazer o É o início da aprovação de um
caminho do Legislativo ao Executivo de forma rápi- marco regulatório e de uma visão
da, pois as questões climáticas cada dia preocupam
mais. Na Amazônia, já se estuda se as drásticas va-
muito clara do desenvolvimento
riações no regime de chuvas que estão assustando sustentável. Os dois projetos
as populações da região Norte são motivadas pela aprovados hoje mostram que o
intervenção humana. A bancada federal dos estados
amazônicos, no entanto, possui muito mais políticos
Brasil está na vanguarda.
com perfis desenvolvimentistas do que preservacio- Jorge Khoury, Presidente da Comissão de Meio
nistas, podendo indicar o que as populações da re- Ambiente e Desenvolvimento Sustentável .

gião esperam de seus representantes.

51 Dezembro/2010
capa Segurança

O braço da Justiça
Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

T abatinga/AM é uma das 28 cidades


consideradas gêmeas de outras cida-
des que ficam além da fronteira, unidas por
interesses e afinidades e separadas por uma
linha de fronteira imaginária, quase sempre
uma praça ou um canteiro verde. Nesses lo-
cais, em geral, a riqueza cultural intensa é
fruto do relacionamento estreito com povos
latinos. Mas também nesses lugares, é muito
difícil controlar a entrada/saída de drogas e
armas e outros produtos contrabandeados,
bem como veículos roubados.
Unida à cidade de Letícia, na Venezue-
la, Tabatinga tem apenas um analista tribu-
tário da Receita Federal fazendo o trabalho
de fiscalização nessa fronteira. Desarma-
do e sem nenhuma segurança, o solitário
agente tenta impor a autoridade do Estado,
mas isso é muito perigoso quando se traba-
lha só em uma das maiores rotas de tráfico
de cocaína do mundo, à mercê dos bandi-
dos. Embora a Força Nacional tenha realiza-
do importantes operações na região, a re-
alidade das fronteiras brasileiras é caótica.
O recém-lançado “Fronteiras Abertas”,
um livro-reportagem escrito pelo jornalista
Rafael Godói e pelo analista tributário Sér-
gio de Castro, ambos da Receita Federal,
mostra o drama da falta de fiscalização nas
fronteiras brasileiras. “Para fazer o controle
em passagens terrestres em toda a região
Norte, a Receita Federal do Brasil dispõe
apenas de oito unidades com apenas 30
servidores, 14 auditores fiscais e 16 Ana-
listas Tributários para cobrir uma área de
mais de 5 mil km de fronteira seca” contam
os autores. Além de ser uma questão de
segurança nacional, o número reduzido de
funcionários emperra o escoamento legal
de produtos entre o Brasil e países vizinhos
e atravanca a economia. Caminhões che-
gam a ficar uma semana na fila de espera
para que um único funcionário faça a con-
ferência física da carga. “As deficiências da
Receita são um drama nacional. É um de-
boche com o povo brasileiro”, disse o Depu-
tado Paulo Pimenta (PT-RS), Relator da CPI
da Violência Urbana na Câmara dos Depu-
tados, durante o lançamento do livro, que
ocorreu no Congresso Nacional no fim de
novembro.

Presença da Marinha em águas interiores da Amazônia.

53 Dezembro/2010
Pefron
“Não há política de Estado Fronteira, é um megaprojeto de tados do país que têm fronteira
para as fronteiras. Tem esforços inteligência e integração de forças seca (são quase 17 mil km ao todo).
individuais da Polícia Federal, de segurança na fronteira brasi- A previsão é de investimentos de
eventualmente das polícias Civil e leira, criado pelo Ministério da R$ 90 milhões em equipamentos.
Militar em algum lugar”, aponta o Justiça, que tem como objetivo Cada estado receberá entre R$ 8
Deputado Paulo Pimenta (PT-RS), combater o crime organizado in- milhões e R$ 9 milhões para ins-
um dos principais defensores do ternacional (veja quadro). tituir o projeto. A ideia é que cada
Pefron no Congresso. O Pefron, O projeto prevê 11 unidades região possua pelo menos um ba-
Policiamento Especializado de instaladas em cada um dos 11 es- talhão com 46 policiais (civis e mi-
litares) treinados pelo Ministério
da Justiça. Mas, de acordo com o
cronograma divulgado em 2008,
o início efetivo do projeto já está
atrasado em quase um ano e deve
ocorrer somente em 2011, para
se tornar um programa definitivo
de Estado. Por enquanto, existem
pré-operações Pefron, que ajudam
a controlar a criminalidade em re-
giões como a cidade de Tabatinga,
citada no início deste texto.
Toneladas de maconha e co-
caína, além de armas e outros
produtos contrabandeados, foram
apreendidas nessas investidas e
cerca de 1,6 mil pessoas foram pre-
sas. O tráfico não degrada apenas
as pessoas, ele devasta a floresta,
como, por exemplo, por meio de
potentes produtos químicos de
refino ali despejados. O combate à
biopirataria e a crimes ambientais
também deve ganhar força com a
implantação do Pefron. Os resulta-
dos já demonstrados pelo incipien-
te projeto mostram seu acerto e
sua necessidade urgente.

Foto: Revista Novo Ambiente/Paulo Negreiros


Foto: CCS/EB
Exército
O Comando Militar da Amazônia (CMA) possui
26 mil homens, todos, segundo o Exército brasileiro,
com treinamento específico para atuar em ambiente
de selva, caso necessário. Esta força tem sido impor-
tante nas entranhas da floresta, tanto em questões
sociais quanto ambientais, principalmente em locais
aonde somente verdadeiros guerreiros conseguem
chegar, sejam eles os que estão do lado da lei ou à
margem dela, como é o caso dos guerrilheiros e dos
soldados da cocaína.
Mas o quadro ideal para esta força na Amazônia
ainda está bastante distante: “O Programa Amazônia
Protegida, presente na Estratégia Nacional de Defe-
sa, possui um horizonte de longo prazo (até 2030) e
objetiva a criação de 28 Pelotões Especiais de Fron-
teira (PEF) e o reforço aos Grandes Comandos do
CMA. Com a consecução deste programa, o quadro
para a proteção das fronteiras, complementado por
meio de vigilância eletrônico-satelital, ficará próximo
do ideal”, responde o Centro de Comunicação Social
do Exército à Revista Novo Ambiente.
A integração de forças de fiscalização, policia-
mento e segurança nacional precisa de maior eficiên-
cia. Muitas parcerias entre elas têm dado resultados,
mas a continuidade das operações – o que garantiria
o controle real de regiões de floresta e de fronteira
– é prejudicada tanto pela descontinuidade de políti-
cas quanto pela dificuldade de relacionamento entre
os órgãos do Estado.

Marinha
A guerra da Marinha brasileira na Amazônia é
sobretudo contra as doenças. Os soldados das águas
levam atendimento médico às populações ribeiri-
nhas, preservando milhares de vidas a cada ano. As
pesquisas nesta área têm sido fundamentais para a
melhoria na qualidade de vida das comunidades iso-
ladas. No entanto, não há operações de segurança Soldado da Brigada de Infantaria da Selva.
relevantes no que tange às águas interiores da Ama-
zônia, mas existe é um interessante conceito sobre a
Amazônia Azul: “Hoje, os espaços marítimos brasilei- Após serem aceitas as recomendações da CLPC
ros atingem aproximadamente 3,5 milhões de km². pelo Brasil, os espaços marítimos brasileiros poderão
O Brasil está pleiteando, junto à Comissão de Limites atingir aproximadamente 4,5 milhões de km².
da Plataforma Continental (CLPC) da Convenção das Uma área maior do que a Amazônia verde. Uma
Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), a outra Amazônia em pleno mar, assim chamada, não
extensão dos limites de sua Plataforma Continental, por sua localização geográfica, mas pelos seus in-
além das 200 milhas náuticas (370 km), correspon- comensuráveis recursos naturais e grandes dimen-
dente a uma área de 963 mil km². sões”, divulgou a Marinha brasileira em seu site.

55 Dezembro/2010
capa Exploração Florestal

Ativos naturais
Mais produtividade
Q ue a Amazônia, com suas qualidades superla-
tivas, reserva tesouros possivelmente intermi-
náveis na biodiversidade, todos já sabem. O que ainda
não sabemos é exatamente como, onde e quando estas Outro problema que atinge a floresta amazônica
riquezas escondidas se transformarão em recursos, co- é a baixa produtividade de setores responsáveis por
nhecimento, desenvolvimento e dinheiro para o Brasil. impactos ambientais significativos, como a indústria
Muitas delas já se revelaram para a sociedade e o mun- madeireira e a pecuária. Dados do relatório Fatos
do, desde produtos naturais benéficos à saúde, passan- Florestais 2009, elaborado pelo Instituto do Homem
do por uma infinidade de cosméticos que utilizam ativos e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), mostram
biológicos fornecidos pela floresta, até medicamentos que o rendimento do processamento de toda a ma-
para diferentes doenças criados pela indústria farma- deira extraída na Amazônia Legal chega a apenas
cêutica a partir do patrimônio genético. 41%. Isto quer dizer que mais da metade de toda a
Mas ainda é pouco, como lembra o Presidente do extração é inutilizada ou não é aproveitada de ma-
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversida- neira economicamente racional, ou seja, lucrativa.
de (ICMBio), Rômulo Mello, durante entrevista exclusi- Na pecuária não é diferente. O Diretor do Depar-
va à Revista Novo Ambiente: “Se hoje nós conhecemos tamento de Combate ao Desmatamento na Amazônia,
menos de 5% da nossa biodiversidade e mais de 55% do Ministério do Meio Ambiente, e responsável pelo
dos cosméticos e medicamentos têm origem na natu- Núcleo de Articulação de Ações pela Amazônia ilustra
reza, imagine o potencial que temos para desenvolver!” bem: “Temos que melhorar a produtividade. O proble-

Dezembro/2010 58
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

• Entrevista

Rômulo Mello, Presidente do Instituto Chico Mendes


de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)

Paraense, engenheiro agronômo pela Faculdade de Ciências


Agrárias do Pará, Rômulo Mello foi Presidente do Ibama em
2002. No Ministério do Meio Ambiente, exerceu os cargos de
Diretor de Formulação de Políticas e Programa Ambientais, Che-
fe de Gabinete da Secretaria de Coordenação dos Assuntos do
Meio Ambiente e Coordenador-Geral da Secretaria de Coorde-
nação dos Assuntos da Amazônia Legal.

O potencial da floresta é enorme, mas os entraves ao seu apro-


veitamento também. Há saída?
• Sim. Por exemplo, hoje temos mais bois do que pessoas no
Brasil, todo mundo sabe disso. O gado é uma poupança com
uma liquidez fantástica. Como a gente não vai mudar a econo-
mia do boi, nós precisamos mudar a economia da floresta. Pre-
cisamos fazer com que a floresta em pé tenha um valor maior do
que a floresta deitada para viabilizar a pata do boi.
E como você enxerga o caminho para esta valorização?
• O que precisamos é de ação, de políticas públicas concretas
com ferramentas concretas. Se temos 160 milhões de hectares
já desmatados no Brasil, por que não posso orientar minha pro-
dução para onde já foi desmatado? Por que não posso ter um
Extrativismo de açaí no rio Preguiças, Maranhão. crédito diferenciado que impõe restrições maiores à necessida-
de de derrubar?
E as mudanças climáticas, como podem influir na configuração
ma é que na pecuária da Amazônia se utiliza menos de das florestas e sua exploração, do ponto de vista das unidades
de conservação?
uma cabeça de gado por hectare, enquanto estudos
apontam que é possível colocar entre seis e sete bois por • Eu acho que deve se discutir um pouco mais a questão de
hectare. Ou seja, os 100 hectares onde hoje são criadas adaptabilidade no que diz respeito a clima. E isso tem um im-
menos de 90 cabeças comportam 600, 700 animais”, diz pacto sobre o nosso trabalho também. Estudos demonstram e
Mauro Pires. simulam o que será o comportamento da fauna em função das
variações climáticas previstas. E nós vamos ter que nos prevenir
Outras alternativas, como utilizar terras já desmata-
com relação a isso, nos adaptar a isso. Isso quer dizer fazer uma
das, devem ser consideradas. Segundo Pires, por exem-
unidade de conservação andar. Porque a fauna vai se deslocar,
plo, nos 20% de floresta “aberta” onde dificilmente se
então temos que ter uma estratégia que seja ou de expansão
conseguirá a restauração original existe uma boa opor-
das áreas protegidas na direção desse deslocamento, ou a cria-
tunidade para a agropecuária; no entanto, “muitas des- ção de modelos diferenciados com mosaicos e corredores, para
tas áreas hoje estão abandonadas”, lamenta. poder prever esse processo de proteção. A maioria das áreas
De qualquer maneira, é preciso celebrar a forte protegidas tem como objetivo a proteção de espécies amea-
ampliação de áreas protegidas brasileiras. A gestão das çadas, agora esse processo de mudanças climáticas cria condi-
unidades de conservação no país é responsabilidade do ções de ameaças a outras. Então vamos ter que analisar o nosso
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversi- processo de criação e reformulá-lo em função das necessárias
dade (ICMBio), criado em 2007 com quadros de pessoal adaptações às mudanças climáticas.
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama). São 310 unidades de con-
servação, com 77 milhões de hectares e aproximada-
mente 8,5% do território nacional sob a tutela do institu-
to, segundo o Presidente do ICMBio, Rômulo Mello.

59 Dezembro/2010
capa Instrumentos

Nasce o ecocrédito
U m instrumento pouco conhecido pela maio-
ria das pessoas – até agora – está em franco
desenvolvimento nas esferas do poder e do merca-
do mundiais, atento aos créditos de carbono e suas Redd e PSA (Pagamentos por
possibilidades. É uma interessante forma criada para
remunerar a conservação, ou, em outras palavras, di- Serviços Ambientais) são novos
nheiro em troca da preservação. Exemplo de que é exemplos de instrumentos em
possível, sim, ter lucro e gerar renda evitando o des- desenvolvimento que se inserem
matamento e as emissões de gases de efeito estufa.
A Redução de Emissões por Degradação e Desma- em um mundo de possibilidades
tamento (Redd) é uma nova modalidade de créditos para salvar áreas naturais.
de carbono que promete arejar o ambiente carregado
das discussões entre segmentos da sociedade que de-
batem em lados que deveriam andar de mãos dadas:
aqueles que querem preservar a floresta e aqueles
que a enxergam como entrave ao desenvolvimento.
Neste tema, mais uma vez, parece que o Brasil sai
na frente. A ideia consiste em remunerar a preserva-
ção florestal baseada no cálculo de monóxido de car-
bono que deixaria de ser emitido com a manutenção
de florestas. Como o Protocolo de Kyoto (que instituiu
o mercado de carbono) ainda não prevê, de maneira
detalhada, o pagamento de créditos de carbono pelo
desmatamento evitado, os projetos atuais de Redd
são comercializados voluntariamente. Entretanto, a
aprovação de propostas elaboradas na Comissão de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da
Câmara dos Deputados, em Brasília, deu um passo
adiante. A força provável de um mercado de Redd foi
calculada em 2008 por técnicos do Instituto de Pes-
quisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e divulgadas no
Plano Amazônia Sustentável (PAS) – nada menos que
valores entre US$ 41 milhões e US$ 63 bilhões.
Redd e PSA (Pagamentos por Serviços Ambientais)
são novos exemplos de instrumentos em desenvolvi-
mento que se inserem em um mundo de possibilida-
des para salvar áreas naturais. Precisam ainda de mais
divulgação e conhecimento, sobretudo por aqueles
que estão na ponta do problema, com a motosserra
na mão. Fazer estes segmentos da sociedade perce-
Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

berem que desligar a motosserra é mais rentável do


que utilizá-la para derrubar outra árvore é desafio tão
árduo quanto o desenvolvimento de um ecocrédito
global ou o refinamento do mercado de carbono.

Dezembro/2010 60
capa Pesquisa

Pesquisar e descobrir
S e o Brasil vai ou não ser uma das potências
mundiais, economicamente falando, só o
tempo dirá. Mas o mundo reconhece seu papel de lí-
“O Protocolo de Nagoya (acesso e repartição dos
benefícios oriundos da exploração da biodiversidade)
surge como um reconhecimento dos direitos dos indí-
der quando o assunto é o meio ambiente e a sua me- genas e das populações tradicionais, além de ser um
gabiodiversidade. passo importante no combate à biopirataria”, explica
Por outro lado, de nada adianta ser mega na bio- a Secretária de Estado do Meio Ambiente e do Desen-
diversidade e mini em tecnologia que permita des- volvimento Sustentável do Amazonas (SDS), Nádia
cobrir o universo escondido sob as folhas, árvores, Ferreira. Segundo ela, a biopirataria desafia o Brasil a
insetos, microrganismos, animais, aves, rochas, flo- cuidar da Amazônia. “É estratégico ampliar os inves-
res e águas da Amazônia. Para isso, os especialistas, timentos em ciência e tecnologia e desenvolver uma
líderes políticos e estudiosos que entrevistamos con- legislação que regule a exploração dos recursos natu-
cordam que é necessária uma política de investimen- rais”, complementa.
tos efetiva em ciência e tecnologia (C&T), para o fo- Apesar de os olhares voltados para os anúncios
mento da pesquisa. Atualmente, são investidos entre de Nagoya enxergarem novidades e avanços, se olhar-
1% e 2% do PIB em C&T no Brasil (segundo dados do mos para nada menos que dez anos atrás, encontrare-
Ministério da Ciência e Tecnologia). mos um documento do Ministério do Meio Ambiente
A importância da pesquisa vai além da sua ca- elaborado no ano 2000, intitulado “Política Nacional
pacidade de trazer descobertas sobre nosso patri- de Biodiversidade”. Nele, são tratados os temas prio-
mônio genético e assim incentivar o surgimento de ritários (e mais de uma década depois, continuam):
inovações nas mais diferentes áreas da economia. inventários e identificação da biodiversidade; monito-
Trata-se de uma ação estratégica no combate à bio- ramento e avaliação e mitigação de impactos; conser-
pirataria. Com mais pesquisa, há mais atenção so- vação; utilização sustentável de componentes; distri-
bre o patrimônio e, portanto, pode-se evitar o apro- buição de benefícios; gestão da biotecnologia; educa-
veitamento ilícito de informações valiosas antes ção e conscientização pública; cooperação científica e
que sejam obtidas soberana e legalmente por nós tecnológica e transferência de tecnologia. Mesmo no
mesmos. Os instrumentos politicamente e mundial- Plano Amazônia Sustentável (PAS), desde 2008 está si-
mente reconhecidos existem, como é o caso do Pro- nalizada a importância dos investimentos em centros
tocolo de Nagoya. de pesquisa e o envolvimento das universidades.

Foto: Arquivo

A superfície da asa de uma


borboleta é uma estrutura de
partículas sem pigmento. Enxerga-
se a cor – azulada iridescente,
no caso da borboleta morpho –
devido a um padrão de reflexão
e refração nas diversas camadas
nanométricas das partículas.
capa Tecnologia

Recursos inteligentes
P roteger uma área do tamanho da Amazônia
Legal, que representa nada menos que 59%
do território nacional, é um desafio que dificilmente
será vencido sem o apoio tecnológico. Como obser-
vou o Presidente do Instituto Chico Mendes de Con-
servação da Biodiversidade (ICMBio), Rômulo Mello,
ao exemplificar a extensão de alguns parques sob a
responsabilidade de gestão do órgão, como no caso
do Tumucumaque, no Amapá, uma das maiores uni-
dades de conservação do mundo, “não é possível co-
locarmos 300 pessoas lá para cuidar do parque, mes-
mo porque este número talvez ainda fosse pouco, já
que são 3,8 milhões de hectares”.
É preciso investir em tecnologia de forma racio-
nal e produtiva para ter à disposição recursos de úl-
tima geração e inteligentes. Algumas iniciativas pa-
recem não ter seguido nenhuma destas diretrizes,
como no caso do obsoleto Sistema de Vigilância da
Amazônia (Sivam). Informações não oficiais apon-
tam custos de mais de US$ 1,7 bilhão em inves-
timentos em um sistema que não funciona. Cria-
do em 1997 para que a Aeronáutica pudesse mo-
nitorar o espaço aéreo da Amazônia e assim con-
tribuir no combate ao desmatamento, a incêndios
e detectar rotas de tráfico de drogas transportadas
por pequenas aeronaves nas regiões de fronteira,
o Sivam foi sucateado. Pior ainda: estudos afirmam
que o software utilizado no sistema foi desenvolvido
por uma empresa norte-americana especializada em
espionagem. Especulações à parte, o sistema é fun-
damental para somar esforços nas ações estratégicas
para uma Amazônia saudável. O Ministério da Defesa
tenta reaparelhar as Forças Armadas.
O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, declarou
em meados de 2010 que “os planos de equipamento
das Forças Armadas, ajustados às necessidades futu-
ras, ainda estão em elaboração e terão horizonte de
20 anos”. São projetos que incluem a construção de
submarinos, blindados, helicópteros de transporte,
aquisição de aviões de combate e carga, além de inves-
timentos no Sistema Integrado de Monitoramento de
Fronteiras (Sisfron) e no Sistema de Gerenciamento da
Amazônia Azul (SisGAAz), ambos baseados em satélites.

Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel


• Entrevista

Milton Kampel, Chefe da Divisão de Sensoriamento


Remoto do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe)

No espaço
Outras importantes ferramentas tecnológicas em O sensoriamento remoto tem se mostrado de extrema im-
uso atualmente vêm da atuação do Instituto Nacional de portância no apoio à preservação de florestas. O Inpe ape-
Pesquisas Espaciais, o Inpe. Pioneiro no sensoriamento nas envia as imagens comprovando o fato para o órgão res-
remoto, o instituto mantém dois programas que utili- ponsável? Ou possui algum outro sistema de comunicação
zam tecnologia de ponta na proteção da floresta: o Pro- de ocorrências do tipo?
des (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Ama- • A relação se dá de diferentes formas. No caso do desmata-
zônia, que produz relatórios anuais desde 1988) e o De- mento, é um relacionamento; no caso de queimadas, é outro.
ter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo No caso do desmatamento, temos dois projetos com o Minis-
Real, que produz relatórios mensais desde 2004). Am- tério do Meio Ambiente, que inclui o Ibama. Fazemos traba-
bos os programas são reconhecidos internacionalmente lho de mapeamento e sem nenhuma informação prévia, ba-
por sua eficácia e são fontes oficiais de informações. seados só nas informações de satélite. Existem desmatamen-
tos que são autorizados legalmente, por exemplo, mas nós
“Um dos motivos da redução no desmatamento da
não temos essa informação – isso na entrada, no input. En-
Amazônia é a fiscalização, principalmente porque co-
viamos a informação, mas não recebemos nenhum feedback.
meçamos a trabalhar com monitoramento via satélite
graças ao Inpe, que desenvolveu instrumentos como o Como as imagens geradas pelo sensoriamento remoto po-
Deter, que é um sistema que junta as imagens de satéli- dem ajudar a prevenir desastres como queimadas?
tes a cada 15 dias e emite alertas para o Ibama”, conta o • Temos estações de coletas de dados e ainda modelos mate-
Diretor do Departamento de Combate ao Desmatamen- máticos e numéricos que podem fazer cenários de previsão, e
to na Amazônia e responsável pelo Núcleo de Articula- toda esta integração, este tipo de ferramenta, permite fazer
ção de Ações pela Amazônia, Mauro Pires, que aponta cenários de ritmos de fogo e até mesmo de prevenção.
os importantes avanços metodológicos proporcionados Além de o sensoriamento remoto colaborar com a observa-
pelos satélites: “Há até pouco tempo nós criávamos as ção e o acompanhamento do desmatamento na Amazônia,
operações, que saíam de Brasília em direção à Amazô- o Inpe também atua diretamente na região?
nia, apenas seguindo as estradas, sem saber onde exa- • Sim. Foi criado recentemente o Centro Regional da Amazô-
tamente estava o problema. Era uma fiscalização pouco nia, no Pará, e uma das missões desse centro é assumir a res-
eficiente, e agora isso melhorou.” ponsabilidade por treinamentos para capacitação de pessoal
Os investimentos e projetos para fazer avançar o e transferência de conhecimento e tecnologia, inclusive para
uso da tecnologia como aliada na proteção ambiental técnicos de outros países, que nos procuram para saber mais
ainda podem ser ampliados para outros setores, como sobre nossos métodos e modelos de sensoriamento.
no fomento das pesquisas científicas sobre a biodiversi- Existem áreas cujas imagens não podem ser disponibiliza-
dade, questões climáticas e inovação. das, por serem consideradas estratégicas para a segurança
nacional?
Foto:IMPE
• Não. Todo o acervo do Inpe está disponível para a socieda-
de. O Inpe tem enfrentado um sério problema de não contra-
tação nos últimos anos, não houve renovação do quadro de
pessoas, o orçamento do Programa Espacial Brasileiro não
cresce como gostaríamos de ver ele continuar crescendo, bus-
cando recursos externos.

63 Dezembro/2010
capa Amazonas

Um país chamado Amazonas


N os últimos meses, nossas equipes percor-
reram distâncias e conheceram diferentes
locais em estados da Amazônia Legal, registrando
Com a criação da Agência de Desenvolvimento
Sustentável (ADS) e da Secretaria Adjunta de Flores-
tas e Extrativismo (Seafe), ambas vinculadas à Secre-
impressões, depoimentos e histórias no Pará, Mato taria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimen-
Grosso e Amazonas. to Sustentável do Amazonas (SDS), ampliaram-se as
O Amazonas ganha destaque por abrigar a maior oportunidades para garantir a comercialização dos
porção de floresta e por seus recursos hídricos de es- produtos oriundos das UCs e a formulação de marcos
cala continental, nas bacias dos rios Negro, Solimões, regulatórios específicos para pequenos produtores.
Madeira e os muitos afluentes deles todos, como Programas como o Bolsa Floresta, iniciado em
Urucu, Coari, Juruá, Purus, Aripuanã, Iça, Puduari, 2007, beneficia 7.143 famílias, cerca de 35.715 mo-
Jaú, apenas para citar alguns. Mais que isso, o esta- radores de 15 unidades de conservação do Amazo-
do vem se reinventando para enfrentar e evitar os nas. No mesmo ano foi criado o Centro Estadual de
problemas que já assombraram e devastaram gran- Mudanças Climáticas (Ceclima), órgão vinculado
de parte dos territórios de seus vizinhos – a pressão à SDS, o primeiro centro governamental do Brasil
agropecuária, a necessidade de repensar as formas especializado em articular políticas públicas sobre
de se relacionar com a sua porção de Amazônia. mudanças climáticas. O pioneirismo repete-se na
O governo do Amazonas ampliou suas áreas pro- criação da Secretaria Estadual dos Povos Indígenas
tegidas, a exemplo do Governo Federal, e hoje tem (Seind).
54% de seu território assegurado em unidades de A lição de casa em dia, no entanto, não exime o
conservação (UCs) ou terras indígenas, correspon- estado que pode ser coroado “Coração da Amazô-
dendo a 85,5 milhões de hectares. O Sistema Estadu- nia” de suas responsabilidades diante de problemas
al de Unidades de Conservação (SEUC) contabiliza 41 sérios. Durante nossas incursões na floresta e repor-
unidades de conservação estaduais. tagens na capital, Manaus, conflitos de interesses

Dezembro/2010 64
• Entrevista

Nádia Ferreira, Secretária de Estado do Meio Ambiente


e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas

sociais entre populações ribeirinhas e grupos indíge- Quais as principais ações que a senhora destaca dentro da polí-
nas emolduravam a caça e a pesca ilegais praticadas, tica estadual amazonense para o meio ambiente?
muitas vezes, por turistas estrangeiros e guiadas por • O governo do Amazonas tem sido uma referência na formu-
barqueiros em suas horas vagas. lação e gestão de políticas de meio ambiente. Dentre as várias
Os manauaras aprendem, não sem dor, a convi- iniciativas, destacamos programas como o Zona Franca Verde,
ver com um trânsito caótico e cada dia mais feroz, e de 2003, que permitiu assegurar a manutenção dos níveis ele-
se esforçam para não esquecer sua alma histórica e o vados de conservação da biodiversidade do Amazonas, sem se
glamour da “Paris dos Trópicos” – o que fica cada dia descuidar de coibir as pressões ambientais, sobretudo no sul do
mais difícil, diante do lixo que se acumula nas margens Amazonas e nas regiões de fronteira; a ampliação das áreas pro-
das regiões portuárias e das palafitas que continuam tegidas do estado; a inserção da sociedade na construção das
tentando encontrar equilíbrio nos igarapés. políticas públicas ambientais; a formulação de políticas de mu-
Outros programas também existem para solucio- danças climáticas; e a formulação dos diversos marcos regulató-
nar problemas como este das palafitas. É o caso do rios nas áreas florestal, de recursos hídricos, de geodiversidade.
Prosamin (Programa Social e Ambiental dos Igarapés E nas questões climáticas, especialmente importantes no esta-
de Manaus), que retira as famílias dessas moradias do que sofreu com seca recorde no fim de 2010?
para habitações dignas de alvenaria em bairros plane- • O Centro Estadual de Mudanças Climáticas (Ceclima), órgão
jados da cidade. vinculado à SDS [Secretaria de Estado do Meio Ambiente e De-
Mas enquanto botos-cor-de-rosa viram o ganha- senvolvimento Sustentável do Amazonas] e criado em 2007, é
-pão individual sob o disfarce de “turismo sustentável” o primeiro centro governamental do Brasil especializado em
e obras pouco planejadas e com suspeitas de superfa- articular políticas públicas sobre mudanças climáticas. O Cecli-
turamento eclodem em municípios isolados, o estado ma trabalhou intensamente para desenvolver, junto ao Fórum
que, por seu tamanho, poderia ser um país segue bus- Amazonense de Mudanças Climáticas (FAMC), instrumentos de
cando o caminho do equilíbrio. política pública. Entre aqueles que foram concluídos em 2010,
destaca-se o primeiro inventário de emissões do setor elétrico
do Amazonas. Essa publicação, por exemplo, diagnosticou que
Foto:AGECOM em 2008 foi lançado para a atmosfera o equivalente a 3,97 mi-
lhões de toneladas de CO2, o que corresponderia a manter
preservada uma área de 25 mil campos de futebol de floresta
para compensar essas emissões. Temos agora uma base de refe-
rência importante, pois, com a entrada do gás natural na matriz
energética do Estado, prevê-se a redução de 33% nas emissões,
o que será possível confirmar a partir da comparação desse pri-
meiro inventário com os próximos.
O futuro da Amazônia: o que podemos esperar, em termos de
ações de conservação e preservação para os próximos anos do
atual governo?
• Tão importante quanto criar áreas protegidas é implementá-
-las. Isso é essencial no processo de garantia da infraestrutura
necessária para o pleno funcionamento dessas reservas e par-
ques. O governo do Amazonas tem recebido a colaboração téc-
nica e financeira de organizações que nos apoiam na elaboração
dos planos de gestão e instalação dos conselhos gestores das
unidades de conservação estaduais (UCs). Implementar ações
que reduzam as taxas de desmatamento e a perda da biodiver-
sidade, principalmente no sul do Amazonas e nas áreas de fron-
teira, continua sendo o nosso maior desafio, além de estabele-
cer um marco regulatório sobre serviços ambientais que valorize
as nossas populações tradicionais e indígenas.
capa Fiscalização

Ausência de diálogo
A ausência de diálogo em alguns casos, como
percebemos na postura de alguns grupos in-
dígenas, que se recusaram a falar com nossa reporta-
Na questão das terras indígenas, a Funai nos traz
números de 488 terras com processos de demar-
cação na fase “delimitada” e outras 123 por serem
gem no Amazonas, ou da própria entidade que os re- identificadas, o que totaliza 611 áreas. “Registra-se,
presenta em âmbito nacional – a Fundação Nacional ainda, que há várias referências a terras presumivel-
do Índio (Funai) – em não nos receber em Brasília, só mente ocupadas por índios e que estão por serem
prejudica os próprios protagonistas do desenvolvi- pesquisadas, no sentido de se definir se são ou não
mento de uma região que precisa do debate, da tro- indígenas”, diz o portal oficial da fundação.
ca de ideias, do respeito mútuo, do conhecimento, São 14 etnias no Acre, 65 no Amazonas, 28 em
do intercâmbio de culturas e da transparência. Rondônia, 42 no Mato Grosso, 9 em Roraima, 6 no
Amapá, 34 no Pará, 6 no Maranhão e 8 no Tocantins,
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes totalizando 212 etnias apenas na Amazônia Legal. Es-
tes números significam uma quantidade importante
de áreas que guardam, além das riquezas naturais,
cultura milenar, conhecimento tradicional e pessoas
capazes de conviver em verdadeira harmonia com a
natureza da “floresta das chuvas”.
Outra instituição que exerce papel de grande im-
portância na Amazônia, o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama),
igualmente se absteve de participar desta reportagem.
O Ibama tem relevância na fiscalização capaz de
coibir as inúmeras ações predatórias presentes nos
ecossistemas amazônicos, no combate às quadrilhas
de traficantes de animais silvestres, produção ilegal
de carvão, madeireiras clandestinas e biopirataria.
Apesar das grandes pressões políticas que os funcio-
nários sofrem para a liberação de licenças ambien-
tais, principalmente para obras, o órgão resiste com
alguns poucos prejuízos à sua integridade.
Em conjunto com a Polícia Federal, o Ibama tem
realizado operações pontuais emblemáticas e desba-
ratado grandes redes de contraventores da floresta,
como tem sido noticiado na imprensa nacional com
certa frequência. Agora a instituição deixou de ad-
ministrar as áreas de proteção para concentrar-se na
fiscalização. Segundo a Ministra do Meio Ambiente,
Izabella Teixeira, o Ibama faz parte do rol de institui-
ções que merecem ser reforçadas e seu trabalho é
cada vez mais qualificado.

Índios de reserva à beira da BR-230 (Transamazônica).

Dezembro/2010 66
Principais atividades ilegais na Amazônia

Em conjunto com a Polícia Federal, o


Ibama tem realizado operações pontuais
emblemáticas e desbaratado redes
inteiras de contraventores da floresta,
como tem sido noticiado na imprensa
nacional com certa frequência.
capa Futuro

Um passado presente
em nosso futuro

Bichos-Preguiça em Novo Airão, Amazonas.


Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

E ntre 1539 e 1541, o navegador espanhol


Francisco Orellana teria liderado a primeira
expedição a percorrer toda a extensão do rio Amazo-
As Icamiabas sucumbiram diante de incessantes
expedições que se seguiram. Assim como boa parte
da floresta, que ano a ano vem diminuindo.
nas. Os espanhóis desceram as cordilheiras do Andes Há um levantamento que comprova que a área
e dois anos mais tarde desembocaram no Atlântico. desmatada em 2009-2010 corresponde a quatro ve-
É válido lembrar que, nesse período, a érea do atual zes o tamanho da cidade de São Paulo. Diante de nú-
estado do Amazonas não era de propriedade da co- meros como estes, até mesmo as destemidas guer-
roa portuguesa, e sim de domínio espanhol, confor- reias Icamiabas esmoreceriam. Porém, em 2010 o ín-
me os termos do Tratado de Tordesilhas. dice de desmatamento da Amazônia Legal caiu 14%
Orellana, que na verdade buscava encontrar em relação ao ano de 2009 e ficou em 6.450 km2, o
a lendária cidade do El Dorado, se deparou com as menor número járegistrado pelo monitoramento do
primeiras defensoras das riquezas da Amazônia, Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
as Icamiabas (ou Amazonas). Essa tribo de valentes Esse é, sem dúvida, um dado a ser comemorado;
guerreiras teria sido isolada por não aceitar a substi- afinal, depois de séculos de uma cultura extrativista
tuição do regime matriarcal pelo patriarcal (sistema descuidada, foi possível, por meio de monitoramen-
que teria sido adotado por todas as outras tribos da to, transparência e participação da sociedade, redu-
região), obrigando-as a desenvolver técnicas avança- zir o desmate.
das de batalha que as tornaram respeitadas e temi- Há ainda muito a ser feito. O Brasil emerge no sé-
das por todos. culo XXI com a grande responsabilidade de equilibrar
Para justificar a vexatória derrota para essa tribo desenvolvimento com preservação ambiental. Diversos
de mulheres guerreiras, os relatos feitos ao rei es- setores da nossa sociedade procuram apontar os cami-
panhol, Carlos V, falavam de mulheres gigantes, ex- nhos a serem seguidos. E por conta dessa premissa, a
tremamente fortes e habilidosas na arte da guerra. Revista Novo Ambiente ouviu os principais pensadores
Algumas chegavam a amputar um dos seios para me- e articuladores de projetos para a Amazônia.
lhor manipular o arco e assim disparar suas flechas Ao ir a campo e conviver de perto com esses per-
certeiras. sonagens, é relativamente fácil associar os novos de-
fensores da Amazônia às Icamiabas, seja pelo amor à
floresta, seja simplesmente pelos parcos recursos de
que dispõem para enfrentar a ganância dos podero-
sos. Porém, essa associação simplista não pode ser
feita em relação aos desenvolvimentistas, que, ao con-
trário de Orellana, não estão visando apenas extrair
riquezas para o rei. O fato é que a Amazônia, por conta
da sua dimensão continental ou por sua riqueza mine-
ral, deve ser pensada de forma estratégica para o país,
e isso por vezes vai de encontro à preservação.
Nesta edição, a Revista Novo Ambiente aponta
alguns dos passos que acredita serem o início de um
(longo) caminho para nos desenvolver como um país
forte e sustentável. A realização de tal feito é pos-
sível, mas ainda distante. Depende de cada um, do
político que tem a caneta, do eleitor que fiscaliza o
político, da empresa que entende que a sustentabi-
lidade é rentável, do homem que segura o machado
e que poderá ter alternativas para não aceitar essa
função. A nós, brasileiros, cabe entender que a Ama-
zônia não é apenas uma foto de vitória-régia, é a cor
predominante de nossa bandeira e sem ela não exis-
te brasilidade, tal qual lembrado lá no começo desta
extensa matéria.

69 Dezembro/2010
SOLUÇões Ecoeficiência

Fogão aliado
da Caatinga  
Um dos grandes problemas da caatinga é que ela está virando lenha para
as populações de baixa renda que nela habitam. Um projeto simples,
desenvolvido pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Energias
Renováveis (Ider), do Ceará, não resolve o problema, mas criou uma solução
que pode reduzir em muito este tipo de desmatamento e ainda contribui para
a saúde pública. 

C
omo um fogão que queima lenha pode ser grandes desmatadores de biomas como a Amazônia
considerado aliado da caatinga? Sendo e o cerrado, que em geral são grandes fazendeiros
ecoeficiente, ou seja, usando menos le- ou empresários, aqueles que colaborando para que
nha. Um dos grandes problemas do bioma da caatin- a caatinga desapareça são pessoas que o fazem para
ga é justamente o corte das já escassas árvores para poder cozinhar seus alimentos, e não contraventores
alimentar os fogões. É um desmatamento “formi- que executam um ataque premeditado contra o pa-
ga”, quase impossível de combater. Ao contrário dos trimônio natural.
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

O fogão ecoeficiente, desenvolvido pelo Ider, vai dreiros dos próprios municípios, que recebem R$ 20 por
ajudar 22 mil famílias do interior cearense com me- unidade instalada. O Ider aproveita e também executa
lhorias na área de saúde e meio ambiente, além de atividades de educação e preservação ambiental com o
ajudar a gerar renda em comunidades rurais. objetivo de promover o uso racional da lenha e reforçar
Criado a partir de modelos que obtiveram suces- o combate à desertificação na caatinga.
so em outros países, os fogões ecoeficientes reduzem O projeto já recebeu a certificação da Fundação
em até 40% o consumo de lenha e acabam com o pro- Banco do Brasil de Tecnologia Social e foi finalista do
blema da fumaça dentro das residências, uma séria Prêmio Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,
ameaça para a qualidade de vida no campo, causa- promovido pelo Governo Federal em parceria com o
dora de várias doenças, sobretudo respiratórias. De Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimen-
acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), to. O fogão ecoeficiente também recebeu o Prêmio
1,6 milhão de pessoas morrem todos os anos por do- Planeta Casa 2010, da revista Casa Cláudia, na cate-
enças causadas pela fumaça da queima da lenha. goria ação social, assim como o terceiro lugar do Prê-
Em 2006 e 2007, foram instaladas 100 unidades em mio Finep de Inovação 2010 na categoria Tecnologia
três comunidades. Os resultados positivos levaram o Social. O Prêmio Ford de Conservação Ambiental, re-
Governo do estado do Ceará a financiar mais 22 mil uni- cebido em dezembro, acabou por consagrar o reco-
dades. A construção começa com o treinamento de pe- nhecimento da iniciativa.

Típica casa da caatinga cearense.

71 Dezembro/2010
economia biodiversidade

A biodiversidade
tem preço?
O setor privado foi presença marcante na Conferência do Ano Internacional
da Biodiversidade 2010, realizada em São Paulo, no dia 23 de novembro.
Após o encontro de Nagoya (COP10), a conferência na capital paulista trouxe
um leque de ações e observações de executivos, empresários, acadêmicos,
representantes do setor público federal, ONU e organizações da sociedade
civil. Apesar do engajamento de todos os setores em prol do meio ambiente, o
caminho da salvação das gerações futuras ainda parece árduo.

Dezembro/2010 72
Fotos: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes

Q
uem esteve na Conferência do Ano Inter-
nacional da Biodiversidade 2010, evento
organizado pelo Instituto Humanitare e
reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU),
participou de um dia repleto de apresentações sobre o
tripé da sustentabilidade – ambiente, sociedade e dinhei-
ro. A predominância das palestras ficou por conta dos
representantes do setor privado, com a presença de pro-
fissionais de alto escalão de empresas como Vale, HSBC,
Bosch, Renault, Análise Editorial e Grupo Abril.
A tônica dos discursos girou em torno da importân-
cia de se precificar e valorar o meio ambiente e a biodi-
versidade, ou os “serviços” prestados pelas florestas. “É
importante a realização desta conferência aqui no Brasil,
porque simbolicamente há uma razão especial, já que é
um país com uma das maiores biodiversidades do pla-
neta. Sabemos também do grande interesse econômico
sobre a biodiversidade. Ela é uma enorme fonte de rique-
za. Assim como é muito mais rentável manter as florestas
em pé”, ilustrou Giancarlo Summa, Diretor do Centro de
Informação da ONU – Secretariado Geral.
“A economia e o mundo estão mudando e não exis-
te mais a opção de sermos sustentáveis ou não”, acres-
Conrado Engel centou o CEO e Presidente do HSBC Bank Brasil, Conrado
Engel. “A sustentabilidade começa nas instituições finan-
Presidente do HSBC Bank Brasil ceiras. Se elas detêm o poder de conceder crédito, podem
vincular a liberação destes recursos a ações ambiental-
mente responsáveis”, lembrou o executivo do primeiro
banco de carbono neutro do mundo e com investimen-
tos sociais em mais de 300 projetos que envolvem mais
de 180 mil pessoas somente no Brasil.

73 Dezembro/2010
Difícil discordar de tal ideia enquanto o enfoque
“business” sobre os bens naturais parece ganhar for-
ça com a participação crescente dos principais grupos
empresariais e financeiros do mundo na causa “verde”.
Bom para o meio ambiente e o planeta? Os aspectos
econômicos da vida na floresta exemplificados pelo
ambientalista e biólogo Paulo Nogueira Neto, membro
do Conselho Nacional de Meio Ambiente e patrono da
conferência, mostram a complexidade da relação entre
negócios e natureza. “Os grandes problemas nacionais
estão na Amazônia. A floresta amazônica ainda é des-
truída em grande escala. Conseguiu-se reduzir muito
o desmatamento, mas há muito a fazer. As populações
locais, os pequenos sitiantes da floresta, não exploram
mais a borracha por questões econômicas, e começa-
ram a criar gado, pois é a única maneira que encontram
para sobreviver economicamente, e isso impacta na flo-
resta”, exemplifica.
Ou seja, lá nos rincões da floresta amazônica, a
insustentabilidade econômica causa prejuízos dolo-
rosos para a biodiversidade local, parte de um patri-
mônio de importância global. “É preciso encontrar
uma maneira para que os que vivem na floresta pos-
sam proteger a floresta. Existem muitas árvores que
produzem sementes e frutos que podem ser utiliza-
dos para os mais variados fins, desde óleos vegetais
Paulo Nogueira Neto
à indústria de cosméticos e derivados. Isso poderia Ambientalista e biólogo
ser feito em maior escala para que os pequenos cria-
dores de gado possam ser coletores e participantes
destas fontes de riqueza, de forma orientada pelos
governos e por instituições privadas e organizações”,
complementou Paulo Nogueira Neto.

Dezembro/2010 74
Poder ambiental
Palavras de outro representante da ONU, Jonas
Rabinovich (Departamento de Assuntos Econômicos
e Sociais), reforçaram a realidade: “Fica difícil falar em
sustentabilidade em um mundo que desperdiça US$ 1,5
trilhão em armamentos, US$ 1 trilhão em corrupção, e
onde 2% das pessoas controlam 50% dos recursos do pla-
neta.” Por outro lado, o palestrante ressaltou avanços
como o crescimento do interesse da sociedade civil,
da mídia e de atores internacionais, além de destacar
a importância do desenvolvimento de uma “gover-
nança global” focada nas questões ambientais.
Thomas Lovejoy, Conselheiro-Chefe da Biodiversi-
dade do Heinz Cof Economics of Ecosystems do Banco
Mundial (Washington), alertou que a “pegada da hu-
manidade na biodiversidade é muito maior do que se
imagina. O Ano Internacional da Biodiversidade está
fechando e foi muito importante. Nosso planeta tem
suas funções físicas e biológicas e está vivo. Nos ali-
Jonas Rabinovich
menta como espécie. Os oceanos, por exemplo, desco- Representante da ONU
brimos, não faz muito tempo, que eles são uma sopa
de microrganismos jamais vistos antes. A humanidade
vai melhor onde a natureza e a biodiversidade são pre-
servadas”. E completou: “O Brasil tem um papel muito
importante em liderar seu poder ambiental.”

LEGENDA
Em 2011: Química e Florestas

O encontro em São Paulo também divulgou as cidades e o modo de vida urbano será igualmente
ações da Organização das Nações Unidas para o ano importante. O crescimento contínuo das populações
de 2011. A ONU oficializou 2011 como Ano Interna- urbanas gera problemas com a vida nas cidades,
cional da Química e Ano Internacional das Florestas. principais consumidoras de energia e geradoras de
O objetivo é divulgar a química e suas contribui- emissões no planeta.
ções para a humanidade, despertando o interesse das E como o mercado ou o pensamento “business” se
pessoas para um futuro criativo da área que é rele- interessa tanto pelos valores e riquezas presentes na
vante em praticamente todos os setores da economia natureza, outro dado interessante da ONU sobre as flo-
e da sociedade civil, como alimentação, transportes, restas, de 2004, traz novamente à tona o preço da bio-
recursos hídricos, saúde, energia e meio ambiente. diversidade – estima-se que o comércio de produtos
Para as florestas, números interessantes mos- advindos das florestas movimentou nada menos que
tram a necessidade de se pensar com profundidade US$ 327 bilhões naquele ano. Portanto, os valores exis-
a sua existência e relação com a humanidade. Se- tem e podem ser medidos, mas quanto vale viver em
gundo dados da ONU, as florestas são o lar para 300 um mundo com ar puro, água cristalina e biodiversida-
milhões de pessoas no mundo. Sua relação com as de preservada, cifra alguma jamais poderá apontar.

Dezembro/2010 76
78 Svetlana Maria de Miranda
advogada especialista em Direito Ambiental

Meio ambiente do trabalho

A defesa do meio ambiente incorporou-se


definitivamente como uma das principais
reivindicações dos movimentos sociais no Brasil e
do trata das relações unicamente empregatícias com
vínculos de subordinação.
O ambiente do trabalho está amplamente am-
no mundo. Dessa forma, o ser humano foi inserido parado na legislação infraconstitucional e nas con-
no conceito mais amplo de ambiente, de forma que venções internacionais destinadas a garantir-lhe as
deve ser considerado como bem a ser protegido pe- qualidades de salubridade e segurança. Infelizmente,
las legislações para que possa usufruir de uma me- ainda convivemos com a realidade negativa de traba-
lhor qualidade de vida e esteja no caminho para o lhadores lesionados e até mesmo considerados inva-
desenvolvimento sustentável preconizado pela nova lidados para o labor em virtude do descumprimento
ordem ambiental mundial. dos parâmetros legais previstos.
Fundamentado nas disposições constitucionais Noutro rumo, importa-nos enfatizar que a obser-
que classificaram o meio ambiente em natural, cul- vância das comentadas normas representa um sig-
tural, artificial e do trabalho, o meio ambiente do nificativo instrumento estratégico para as empresas
trabalho configura-se como o conjunto de condições na obtenção de maior receita e, consequentemente,
existentes no local de trabalho cujo equilíbrio está de lucro, pois trabalhadores motivados, com um am-
baseado na salubridade do meio e na ausência de biente de trabalho confortável, seguro e agradável,
agentes que comprometam a incolumidade físico- certamente terão maior produtividade e comprome-
-psíquica dos trabalhadores. timento.
Convém salientar, nessa seara, a necessária dis- Em alguns segmentos, já se vislumbra uma pro-
tinção entre proteção ao meio ambiente de trabalho cura cada vez maior por melhor qualidade no am-
e proteção do direito do trabalho, pois o primeiro biente do trabalho até em detrimento de benefícios
tem por objeto jurídico a saúde e a segurança do tra- e estabilidade profissional. Quem sabe não possa o
balhador, para que desfrute a vida com qualidade, meio ambiente do trabalho saudável e com qualida-
por meio de processos adequados para que se evite de de vida, direito de todo trabalhador, iniciar uma
a degradação e a poluição em sua vida. Já o segun- nova era na relação lucro/ética/ser humano.

Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen


energia Terras Ociosas

Servidão Nutritiva

Dezembro/2010 80
Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen

Empresa de geração e transmissão de energia mostra que a sensibilidade às


questões socioambientais traz grandes vantagens na manutenção de suas
linhas e na imagem institucional. As hortas comunitárias instaladas na “faixa
de servidão”, sob as linhas de transmissão, envolvem milhares de pessoas e
entidades como escolas e associações.

M
ais de 4 mil pessoas são atendidas pe- de ações judiciais por ocupações irregulares na fai-
las hortas instaladas nas terras locali- xa de servidão e facilita a manutenção das linhas de
zadas sob as linhas de transmissão de transmissão e, ao mesmo tempo, promove a inclu-
energia da Eletrosul, subsidiária da Eletrobrás. Como são social, envolvendo escolas, associações, prefeitu-
essas áreas sob domínio da empresa, chamadas de ras e colônias penais na produção e comercialização
“faixas de servidão”, precisam estar livres de árvores das hortaliças. Com este projeto que já existe desde
de grande porte ou de construções por questões de 2003, a Eletrosul conquistou o Prêmio Ética nos Ne-
segurança, sua utilização resgata uma significativa gócios, do Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios,
área produzida. na categoria Meio Ambiente e mostra um bom cami-
Somente no Paraná, são quase 40 hectares des- nho para que, ao invés de promover o desmatamen-
tinados a 24 hortas de uso das comunidades auto- to, o Brasil produza mais ocupando áreas ociosas que
rizadas a plantar ali seus produtos orgânicos, para já não possuem mais vegetação nativa. Nada mais
consumo próprio e comercialização do excedente. triste do que uma cerca que separa pessoas apinha-
Em geral, são regiões próximas aos centros urbanos. das em espaços minúsculos das imensas áreas públi-
É bom para os dois lados, visto que reduz a demanda cas abandonadas.

81 Dezembro/2010
obras Estádios

Jogando em
campos mais verdes
Os estádios brasileiros que receberão a Copa do Mundo de futebol em 2014
ainda são uma incógnita. Enquanto alguns já estão em estágios avançados
de construção/reformas, outros ainda sequer esboçaram ações concretas.
O que se sabe ao certo é que todos aqueles que pretendem receber jogos
do Mundial terão que demonstrar respeito e compromisso com questões
sustentáveis.

A
Copa do Mundo não terá só o campo sim- talha intensa contra o tempo. O Sócio-Diretor do
bolizando o verde, ela deverá ser marcada Grupo Stadia, que é responsável pelo projeto, Danilo
como aquela que mais investiu em susten- Carvalho, informou: “Não se pode pensar em obras
tabilidade. O estádio Mineirão, por exemplo, investe sem pensar em sustentabilidade. A Arena da Ama-
pesado para encontrar um equilíbrio entre as obras que zônia será uma das grandes obras deste estilo para a
são necessárias para cobrir todas as exigências da Fifa e Copa de 2014, pois tudo passará por aprovação, até
ainda assim contribuir com o meio ambiente, utilizando mesmo a demolição”.
um recurso por meio do qual todos os resíduos gerados O estádio do Beira-Rio foi palco, literalmente, do
nas primeiras demolições, como concreto armado, blo- recente show de Paul McCartney. Na próxima Copa,
cos e até argamassa, depois de preparados, serão reu- o show deve ficar por conta da conciliação entre a
tilizados na construção de outras obras que preparam modernidade das obras e o meio ambiente – a cons-
Belo Horizonte para receber jogos do Mundial. trução de uma grande rede pluvial, cujo objetivo é
A escolha das cidades-sede para o evento causou aproveitar a água em atividades cotidianas, como ir-
algumas surpresas. Manaus e Cuiabá, que não são fa- rigar o campo, por exemplo.
mosas pelo futebol vistoso, acabaram por se transfor- Outro estádio que desperta olhares pelo mundo
mar nas “vitrines verdes” da nação. A capital do Mato afora, o Maracanã, e que deve acolher a final do Mun-
Grosso nem tirou seu projeto do papel e já ganhou um dial tem intenção de gerar sua própria energia por
prêmio (Americas Property Awards, na categoria Em- meio da construção de coberturas de vidro com pai-
preendimentos Públicos) pelo comprometimento com néis solares. O legado deixado pela Copa do Mundo
a sustentabilidade, a responsabilidade socioambiental valerá a pena, desde que tenhamos responsabilidade
e a requalificação urbana da cidade. ao fazê-lo. Futebol e natureza têm tudo a ver e espera-
Já as obras para a construção da Arena da Ama- mos que a bola role no campo “mais verde” possível,
zônia continuam engatinhando, travando uma ba- seja ele formado por grama ou por conceitos.

Dezembro/2010 84
Foto: Revista Novo Ambiente/Oberti Pimentel

Copa de 2014 pode ser a primeira movida a energia solar


Energia limpa e renovável. Funcionando de forma rendimento do sistema de 500 kWh. Caso seja
que os raios solares, incidindo sobre os painéis de autorizada a aplicação das placas fotovoltai-
células fotovoltaicas, entrem em contato com o cas sobre o policarbonato, então esta potência
silício (metal semicondutor constitutivo das célu- deve subir para 1 MWh, afirma o executivo da
las), provocando assim uma corrente elétrica, que Cemig.
é capturada e conduzida à Cemig, diretamente, O Mineirão (Belo Horizonte) e o Verdão (Cuiabá)
para armazenamento e distribuição à rede. devem contar com o novo sistema e passarão a ser
Considerando que o sistema seja utilizado ape- “centros de energia solar”. O jogo no domingo de
nas na laje de concreto, nesse caso haveria um sol vai ficar ainda mais proveitoso.

85 Dezembro/2010
86 Delson Amador
engenheiro eletricista

“Amazônia insônia do mundo”


O título deste artigo é uma referência a um
dos sucessos do rei Roberto Carlos. Ele re-
flete a apreensão de todos os que são nativos deste
ras, atitudes, princípios e perfis que lá convivem, jun-
to com as miríades de espécies de plantas e animais
únicos que são encontrados apenas lá.
país, o que também me força, mais uma vez, a pres- O tratamento episódico, lotérico que demos
sionar as teclas deste computador não como enge- para a região até hoje apenas fez fortalecer a inse-
nheiro, nem como planejador, mas como brasileiro. gurança e a certa sensação de “terra de ninguém”
Foi pela minha caixa de correio eletrônico que che- que temos ao associar as imagens que vemos no no-
gou a sugestão para que eu discorresse a respeito da ticiário, de áreas degradadas, apreensões e contra-
questão amazônica. Sugestão dada e aceita, divido bandos ilegais, em um “seriado” cujos capítulos não
com o leitor algumas opiniões. têm necessariamente uma correlação entre si. Pode
Minha percepção é a de que a Amazônia é sem- soar estranho, mas a Amazônia carece de um “pla-
pre uma agenda permanente para qualquer gover- no diretor”, que trace rumos e metas pontuais, como
nante. Um assunto tratado como espinhoso – que se faz com qualquer tipo de objeto que se pretende
o é, assim como todas as questões de ordem fun- administrar. Suas muitas variantes devem ter um
damental para a soberania do país – e que envolve propósito estruturado, dentro de um planejamento
interesses (por que não?) mundiais. Foco de confli- claro, que seja em sua maior parte consensual para
tos, que resultam apenas em mais desavenças, não a sociedade brasileira. Por meio dele, seria possível
temos soluções convergentes que tornem possível o não apenas coibir atos pautados na ilegalidade e no
desenvolvimento sustentável que ela necessita sem lucro e ganância desmedidos, como a biopirataria,
prejuízo ao patrimônio ambiental que lá existe. O mas também efetuar uma fiscalização territorial mais
que se vê é a disputa de grupos em extremos. Como ostensiva e controlada.
se não existisse nenhum ponto intermediário. Um É tempo de, em primeiro lugar, adquirirmos
confronto, mas não um confronto construtivo, entre consciência do que representa um patrimônio desta
os que nada querem fazer e os que querem fazer a magnitude. Somos o simplório que acertou os nú-
qualquer preço. meros da sena e da noite para o dia se depara com
Há 30, 40 anos, quando se deu um processo um absurdo montante de dinheiro sem sequer pos-
maior de ocupação propriamente dito da Amazônia, suir cultura suficiente para aproveitá-lo. Tomada
ele ocorreu de forma tão desordenada que acabou esta consciência, é necessário que a transparência
por estigmatizar o tema. Qualquer intervenção que do como proceder esteja à disposição do grande pú-
se faça lá, por menor que seja, gera polêmica. A Ama- blico, o que é diametralmente o oposto do que hoje
zônia é um mundo, não apenas do ponto de vista de ocorre, com informações truncadas, parciais, impre-
sua biodiversidade, mas do próprio caldo de cultu- cisas e, quando muito, defasadas.

Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen


Urbanismo gci

No topo do
Índice

Dezembro/2010 88
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonardo Pepi

Curitiba está à frente de grandes conquistas urbanísticas há


décadas, exportando boas estratégias para a qualidade de vida
de sua população, entendendo que, para isso, é indissociável
o respeito ao meio ambiente. Planejamento e ações sólidas e
contínuas levaram a capital paranaense a ficar no topo do GCI,
índice criado pela Siemens e pela revista The Economist.

Jardim Botânico de Curitiba.

89 Dezembro/2010
O
movimento por cidades sustentáveis não meio ambiente da prefeitura. “A ferramenta permitirá às
tem volta. Quem já se adiantou ganha cidades aprender mais de suas respectivas situações e
prêmios, quem ainda não se adiantou fomentará a troca sobre estratégias eficazes partindo de
aprende com quem ganha. E nesse aspecto, Curitiba uma base objetiva”, explica Pedro Miranda, executivo da
tem muito a ensinar. No dia 21 de novembro, a capital Siemens e diretor do estudo. Para a empresa, o objetivo
paranaense foi consagrada como a cidade mais susten- é que as cidades aprendam mais umas com as outras e
tável da América Latina no Latin America Green City In- possam exportar estratégias bem-sucedidas.
dex (Índice de Cidades Verdes), durante a Cúpula Mun- Para Leo Abruzzese, Diretor Global da Unidade de
dial de Prefeitos sobre o Clima, na Cidade do México. Inteligência da The Economist, “o estudo demonstra
Este novo índice da Siemens, que contratou a Eco- que as cidades que seguem uma colocação integral
nomist Intelligence Unit (Unidade de Inteligência da alcançam resultados muito notáveis”. A revista The
revista The Economist) para desenvolvê-lo, considera a Economist, uma das mais conceituadas do mundo no
eficiência energética e emissões de dióxido de carbono, setor de economia, está procedendo ao levantamen-
o uso do solo e edifícios, tráfego, resíduos, água, situa- to de informações na Ásia, África, América do Norte e
ção das águas residuais, qualidade do ar e agenda do Oceania, para que o índice ganhe escala global.

Curitiba trabalha determinada na busca


da sustentabilidade e prova que ações
locais podem servir como instrumento de
um grande projeto de conservação das
diferentes formas de vida em todo o mundo.
Luciano Ducci, Prefeito de Curitiba

Foto: Revista Novo Ambiente/Leonilson Gomes


Cidade conceitual
Curitiba sempre foi considerada um laboratório
para a experimentação de novas tecnologias, seja por
sua estrutura bem planejada, seja por seu povo exi-
gente, acostumado a boas soluções urbanas. “Esse tí-
tulo tem muitos significados, mas apenas uma origem:
a capacidade que os curitibanos vêm demonstrando,
ano após ano, de adotar uma agenda sustentável de
maneira consciente e consistente”, disse o Prefeito Lu-
ciano Ducci, no México, onde recebeu troféu pelo de-
sempenho de Curitiba no Green City Index.
Da capital paranaense, fervilhante em suas pes-
quisas urbanísticas e ambientais, saíram casos tão
bem-sucedidos que rapidamente viraram referência
mundial. É o caso do sistema de transporte coletivo,
principalmente os ônibus das linhas expressas, que
possui linhas próprias bem desenhadas e um funcio-
namento eficiente e pontual que agradaria o mais exi-
gente londrino. A Linha Verde, uma via formada por
oito pistas, foi a primeira a receber ônibus que utilizam
biocombustível e também o trecho onde o ônibus mo-
vido a hidrogênio passou por testes recentes.
Os grandes e belos parques urbanos (em um dos
quais funciona a Universidade Livre do Meio Ambien-
te), assim como os espaços culturais, ampliam consi-
deravelmente a qualidade do dia a dia do curitibano
e dos turistas, cada vez mais numerosos, que se delei-
tam pelas ruas da Cidade Sorriso.
Também pioneira na implantação da coleta seleti-
va do lixo, a cidade teve rápida adesão da população,
atraída por simpáticas campanhas da Família Folha,
mascotes da reciclagem. “Curitiba trabalha determi-
nada na busca da sustentabilidade e prova que ações
locais podem servir como instrumento de um grande
projeto de conservação das diferentes formas de
vida em todo o mundo”, apontou Ducci sabiamente,
orgulhoso por representar uma cidade com esse cur-
rículo e que empresta, a cada dia, novos exemplos de
desenvolvimento com equilíbrio.
Apesar de Curitiba ter sido considerada pelo GCI
a única cidade “muito acima” da média quanto às
normas ambientais, ainda enfrenta muitos desafios
por causa de seu crescimento acelerado. Hoje com
cerca de 1,7 milhão de habitantes, tem como desafio
a resolução de sérios problemas com aterros muni-
cipais e a revitalização de seus rios, degradados há
décadas e que, embora não tenham piorado, per-
manecem como água morta correndo por canaletas
dentro da área urbana.

91 Dezembro/2010
Fauna Muriqui

Abraço que salva

Dezembro/2010 92
Foto: Revista Novo Ambiente/Leonardo Pepi

Campanha lança o muriqui,


maior primata das Américas,
como candidato a mascote das
Olimpíadas do Rio de Janeiro de
2016. Os macacos sofrem com a
degradação da Mata Atlântica,
seu habitat, e com os caçadores
e estão criticamente ameaçados
de extinção. ONGs e associações
lutam para salvar o bicho.

Q
uando ameaçados, os maiores primatas
das Américas se abraçam em coopera-
ção. Os muriquis (nome que em tupi sig-
nifica algo como “gente tranquila”) são animais muito
dóceis e estão criticamente ameaçados de extinção.
Nativos da Mata Atlântica, podem chegar a 1,5 m de
altura, possuem braços longos e cauda longa e pênsil,
o que lhes atribuiu o sugestivo nome científico de Bra-
chyteles arachnoides, já que não deixam de parecer
aranhas gigantes circulando pelas árvores. Como vi-
vem no topo da mata, têm enfrentado inimigos como
os caçadores e a derrubada das árvores mais altas.
A Associação Pró-Muriqui, coordenada por Mau-
rício Talebi, doutor em Biologia Comportamental e
Conservação de Espécies Ameaçadas pela Univer-
sidade de Cambridge, na Inglaterra, desenvolve um
importante trabalho de pesquisa e de conservação
desde 1986. É o mais longo projeto em execução no
Brasil com a espécie primata muriqui-do-sul, geran-
do um rico, sério e apurado conhecimento sobre a
espécie. É disso que o país precisa, e muito.
Durante o evento ONG Brasil 2010, realizado no
final de novembro em São Paulo, a Pró-Muriqui e o
Instituto Supereco, primeira ONG em prol da educa-
ção pela preservação do muriqui, lançaram a logo-
marca da campanha “Salve com um abraço” e tam-
bém apoiaram a candidatura do simpático muriqui
para mascote das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em
2016. Dizem que os primatas formam verdadeiros
“cachos de macacos” quando querem se proteger,
mostrando uma intensa integração e confiança, um
exemplo aos humanos.

Muriquis no Passeio Público de Curitiba.

93 Dezembro/2010
As incertezas do pré-sal
Primeiro as dúvidas em torno da capitaliza-
ção da Petrobrás derrubaram o valor das ações
da empresa. À época, declarações da empre-
sa e da União deixaram investidores e o merca-
do desconfiados quanto ao aumento de capital.
Passados os trâmites do negócio, que foi a maior
oferta de ações do mundo – US$ 70 bilhões –,
segundo as principais agências de notícias de
mercado e negócios, outras incertezas parecem
manter os preços dos papéis da companhia em
baixa. Uma teoria sobre as razões que afugen-
tam os investidores do papel, curiosamente, não
está diretamente relacionada à empresa, e sim a
uma concorrente: a British Petroleum (BP). Com
o vazamento catastrófico que causou a “maré
negra” no Atlântico Norte e inundou praias das
costas norte-americana e mexicana com óleo,
causando a morte de incontáveis animais e danos
incalculáveis à biodiversidade marítima local, a
opinião pública agora está de olho na exploração
do pré-sal. Como o acidente com a BP aconteceu
justamente em águas profundas e o pré-sal exige
tecnologias para a perfuração de poços em pro-
fundidades extremas, surge a pergunta: “E se o tidade de óleo derramado segue causando es-
pré-sal causar acidente semelhante ao da BP?” tragos, conforme afirma a comunidade científica
Se a preocupação existe ou não, se procede internacional. A devastação é tamanha que espé-
ou é apenas fantasia, não há quem possa confir- cies como o cavalo-marinho-anão Hippocampus
mar. Mas os números não mentem. Nos últimos zosterae, considerado o menor do mundo, cor-
12 meses, o valor da ação preferencial da Petro- rem sérios riscos de extinção, segundo o Projeto
brás (PETR4) caiu nada menos que 36%. Em valor Seahorse, dos Estados Unidos. Outro problema
de mercado, a empresa deixou o posto de maior apontado pela entidade é o fato de o petróleo
empresa da América Latina para a Vale. Em agos- acumulado em algas da superfície ter sido quei-
to, seu valor caiu R$ 94 bilhões. Tal preocupação mado, causando a morte de muitos outros ani-
ainda pode ser reforçada com as tristes lembran- mais, além, é claro, de destruir a biodiversidade.
ças do vazamento da BP. Em abril, a explosão Dados como estes podem facilmente entrar na
matou 11 operários e deu início ao vazamento conta da desvalorização de uma gigante petrolí-
de centenas de milhões de litros de petróleo no fera, ainda que, para a natureza, para a humani-
mar ao longo de quase três meses. Apesar de a dade e a saúde do planeta, tais prejuízos tenham
BP afirmar ter solucionado o vazamento, a quan- valor incalculável.

Dezembro/2010 94
Outra vez?
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é
acusada de ser a responsável por um vazamen-
to de resíduos no rio Paraíba do Sul, estado do
Rio de Janeiro, no dia 27 de novembro. Notícias
apontam o vazamento de dois milhões de litros
de resíduos tóxicos de uma Estação de Tratamen-
to de Efluentes do Alto Forno 2 da siderúrgica ins-
talada no município de Volta Redonda. Segundo
dados da Companhia Estadual de Águas e Esgo-
tos (Cedae), do estado, o acidente prejudicou o
abastecimento de água de aproximadamente
oito milhões de pessoas da Baixada Fluminense.
Não bastassem tantas más notícias em torno da
CSN, a história piora a situação: não é o primei-
ro vazamento no rio. Em 2009, um vazamento
de material oleoso da unidade de carboquímicos
também causou estragos. Desde então, autorida-
des ambientais aumentaram a vigilância sobre a
empresa e foram elaborados um Termo de Ajus-
tamento de Conduta (TAC) e um plano de ação
Mares de plástico
com diversas obrigações. A partir destas medi-
das, a empresa se comprometeu a investir R$ 216 Agências internacionais alertam para a exis-
milhões, dos quais R$ 16 milhões em compensa- tência de uma gigantesca quantidade de lixo plás-
ções ambientais e R$ 200 milhões em ações na tico navegando no oceano Pacífico há pelo me-
área da usina Presidente Vargas. nos dez anos. O imenso depósito de lixo flutuante
teria sido descoberto por acaso por um oceanó-
grafo norte-americano que, durante uma compe-
tição de barco a vela, resolveu buscar um atalho
até o Havaí. O navegador afirma ter visto bolas
de futebol, bolsas e sacolas plásticas, além de
Eletricidade poluente caiaques e destroços de naufrágios por centenas
de quilômetros. Para piorar a situação, em 2008
Apesar de todo o potencial hidrelétrico bra- surgiram novas notícias afirmando a existência
sileiro, parte considerável da energia elétrica de “sopa” semelhante no Atlântico. Uma repor-
gerada no país ainda provém das poluidoras ter- tagem de 2008 já noticiava a descoberta de três
melétricas, que consomem óleo, carvão e gás na- milhões de toneladas de detritos concentrados
tural para gerar energia. A preocupação em evitar em um ponto do Pacífico. O assunto ganhou inte-
apagões, por parte do governo federal, tem feito resse e, atualmente, existem grupos de pesquisa-
o sistema de geração de energia elétrica nacional dores dedicados exclusivamente ao fato. Estima-
caminhar na contramão das questões ambientais. -se, inclusive, a existência de outros casos seme-
Segundo dados da Agência Nacional de Energia lhantes em diferentes partes do planeta. Com os
Elétrica (Aneel), 1.384 usinas termelétricas de estudos, também fica comprovada a existência
energia (UTEs) estão em operação no Brasil atu- destas imensas extensões de lixo nos oceanos.
almente, das quais mais de 270 estão nos estados A partir de milhares de amostras coletadas em
da região amazônica – as termelétricas respon- um dos estudos de campo, foi possível perceber
dem por 85% da eletricidade consumida no Ama- que o plástico se decompõe, mas não totalmen-
zonas, 70% no Acre e 60% no Amapá. O tipo de te, quebrando-se em partículas menores; esses
energia proveniente das UTEs responde por mais pedaços pequenos são prato cheio para peixes,
de 16% da matriz energética nacional (somando aves e outros animais, que os confundem com o
gás, petróleo e carvão), contribuindo negativa- plâncton e outros pequenos seres vivos que são
mente para as emissões de gás carbônico na at- parte de sua cadeia alimentar. O resultado, já sa-
mosfera, além de encarecer as contas de consu- bemos: a morte desses animais e a destruição da
mo de eletricidade. Apesar de as termelétricas a vida marinha. Grupos estimam que a pegada de
gás natural reduzirem as emissões, a maioria ain- plástico da humanidade no planeta seja tão grave
da opera com derivados do petróleo e carvão. quanto a de carbono.
96 Edemar Gregorio
escritor e jornalista

Blá blá blá


A rgumentos canalhas são verdadeiros aten-
tados à inteligência do receptor. Podem ter-
certeza de que em 2011 eles serão declamados para
Não, apenas folclóricos, porque nos achamos moder-
nos, mas somos os mesmos que acreditam em coisas
fantásticas e imateriais, como o cérebro de muitos
todo lado por senhores engravatados de dedo em políticos e daqueles que os elegeram).
riste em frente às câmeras. Embates ambientais pe- Veja lá, meu caro, sou desses verdinhos, mas não
garão fogo, e uma dessas brigas já está marcada du- vivo em uma nuvem cercada por um arco-íris. A agri-
rante as tramitações do novo Código Florestal. cultura é um negócio. Este movimento todo não é
Quer um exemplo de frase de efeito canalha que vai para produzir alimentos para nosso consumo, e sim
ganhar força? “O meio ambiente não pode ser um em- para o comércio, principalmente de grãos. A questão
pecilho para o desenvolvimento da agricultura no país.” é que o agronegócio é um dos principais responsá-
Aí, os progenitores da pérola satirizam (com jus ao sar- veis pela saúde financeira do país, e com dinheiro se
casmo dos sátiros) uma coruja, um lagarto, um bagre em compra comida, remédios e conforto de qualquer
extinção, metem a motosserra e tudo fica beleza. parte do mundo. Se não existe uma justiça latifundi-
Isso é de uma perspicácia bovina, porque tanto ária lá muito justa no país, ao menos a renda da ati-
a agricultura quanto tudo o que há no planeta de- vidade, direta ou indiretamente, tira o homem das
pende do seu meio natural para existir, e, ao mesmo condições desumanas, enriquece e traz bens mate-
tempo, se formos mesmo nos considerar homens e riais indispensáveis. Além de imortalizar presidentes.
mulheres evoluídos, sequer podemos entender por Não há nada de errado com o crescimento da agri-
desenvolvimento algo que envolva o envenenamen- cultura, desde que ela não acabe por cometer suicídio
to da água por agrotóxicos ou o desvio do curso de devastando o meio que a cerca. Sigo cada dia mais in-
um rio para a realização de uma obra, porque um dia conformado com a banalização dos tesouros naturais
a conta vem, e vai custar mais caro do que se as téc- como se assistíssemos a um filme de Tarzan onde a selva
nicas utilizadas respeitassem a natureza. deve ser subjugada aos gritos do homem branco. Me as-
Quando a rua inunda, quer dizer que gastamos susto com quem ainda não percebeu onde estamos. Se
dinheiro para “regredir ao antes”. Quando o solo se pudesse, recomendaria o exercício de olhar para o céu
esgota, empobrece e não mais produz, quer dizer em uma noite estrelada, depois olhar para o chão outra
que gastamos dinheiro para ganhar menos dinheiro vez e ver tudo o que ele sustenta, nos atraindo para si
rápido, e a terra mostrará que quem determina o ci- com sua fantástica Lei da Gravidade.
clo e a velocidade das coisas é ela. Bem-vindo ao seu lar, terráqueo! Opção 1: trans-
A agricultura deveria ser a atividade mais próxi- forme a mata em pasto, rios em esgoto, envenene a
ma ao meio ambiente de todas; afinal, não estamos terra com agrotóxicos, encha-a de lixo. Opção 2: ame
falando de solo, água, sol, ventos, fungos e frutos? seu lar e viva ainda melhor (elimine lixo e esgoto para
Então vemos esses assuntos tão afastados quanto sempre da cultura da raça humana, multiplique a
gêmeos que viveram milhares de anos juntos e re- produtividade por dez nas áreas que já são destina-
solveram ouvir outras vozes que não fossem a de sua das para isso). Só não rola tomar decisões baseadas
Mãe Natureza (meus argumentos ficaram canalhas? em argumentos canalhas.
Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen
Durante a produção das reportangens de turismo Leandro Dvorak
sustentável nos estados nordestinos, publicadas na edição
anterior, o fotógrafo Leandro Dvorak aproveitou o tempo de
travessia entre Sergipe e Alagoas, no rio Piauí, para registrar
este pôr do sol emoldurado por belezas próximas ao litoral

Lente Limpa
Da redaçÃo Feliz Tempo Novo

Uma nova etapa


U
ma estrada estreita espera os que decidirem pal-
milhar os caminhos do desenvolvimento com equi-
líbrio. Estreita no sentido de que não admite mais
mãos opostas. Pelo contrário, não podendo mais ser conflitan-
tes, as mãos terão de encontrar um ambiente de convergên-
cias, capaz de reorganizar a geografia socioeconômica e a rela-
ção Homem-Ambiente.
Antenados aos novos tempos e aos debates que devem
inserir definitivamente questões como sustentabilidade e
meio ambiente, lançamos há pouco mais de sete meses a
Revista Novo Ambiente.
Empreender é sempre arriscado no mercado
editorial, talvez até mais que na maioria dos seto-
res. Porém, a partir das impressões colhidas a
cada edição, vamos descobrindo que a matu-
ridade cultural do brasileiro permitirá que
este veículo cresça e contribua para os
debates em torno dos temas que esta-
rão postos no horizonte das próximas
décadas.
A iniciativa privada já sinaliza, com
seus anúncios, que estamos no cami-
nho certo. Isto permitirá manter o ritmo
de investimentos, fundamentais para o
aperfeiçoamento do negócio.
Os leitores crescem em número
exponencial. E mais: nos mantêm em
constante alerta com seus e-mails, pro-
vando assim que o objetivo mais nobre
de um periódico, que é o de ser lido e
julgado pela sociedade a que se destina,
está sendo alcançado.
Prestes a se entregarem a um bre-
ve ócio, até porque pode ser criativo,
nossas equipes vão assistir ao espocar
Ilustração: Revista Novo Ambiente/Marco Jacobsen

do novo ano com um brilho ainda mais


intenso no olhar, o brilho dos que acre-
ditam em um novo e melhor momento
para a humanidade.
Esta é a mensagem de esperança e fé
que queremos deixar nesta última página
do ano. E que 2011 possa ser lembrado
como o ano em que todos nós fizemos
deste planeta um lugar melhor.

Dezembro/2010 98

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