Já tivemos ocasião de nos referir ao “Centro do Mundo” e aos diversos símbolos que o
representam. Devemos voltar agora a essa idéia de Centro, que tem a maior importância em todas as
tradições antigas, e indicar algumas de suas principais significações. Para os modernos, de fato, essa
idéia não mais evoca de imediato tudo aquilo que evocava para os antigos. Aí, como em tudo o mais
que se refere ao simbolismo, muitas coisas foram esquecidas e certos modos de pensar parecem ter-
se tornado totalmente estranhos à grande maioria de nossos contemporâneos. Cabe portanto insistir
sobre isso, em particular porque a incompreensão é geral e completa a esse respeito.
O Centro é, antes de tudo, a origem, o ponto de partida de todas as coisas; é o ponto
principal, sem forma e sem dimensões, portanto invisível, e, por conseguinte, a única imagem que
se pode atribuir à Unidade primordial. Dele, por sua irradiação, todas as coisas são produzidas, do
mesmo modo que a Unidade gera todos os números, sem que sua essência seja por isso modificada
ou alterada de alguma forma. Há, aí, um perfeito paralelismo entre dois modos de expressão: o
simbolismo geométrico e o simbolismo numérico, de tal modo que se pode empregá-los
indiferentemente e passar-se de um a outro da maneira mais natural. É preciso não esquecer,
contudo, que em ambos os casos estamos lidando sempre com símbolos: a unidade aritmética não é
a Unidade metafísica; trata-se apenas de uma representação, embora nada tenha de arbitrária, pois
existe entre elas uma relação analógica real. E é essa relação que permite transpor a idéia da
Unidade além do domínio da quantidade, à ordem transcendental.
O mesmo acontece com a idéia de Centro, que é passível de uma transposição similar, mediante a
qual se despoja de seu caráter espacial, que só é evocado a título de símbolo: o ponto central é o Princípio, o
Ser puro. O espaço que ele preenche com sua irradiação, e só por essa irradiação (o Fiat Lux do Gênesis), sem
a qual esse espaço apenas seria "privação" e nada, é o Mundo no sentido mais amplo da palavra, o conjunto
de todos os seres e de todos os estados de existência que constituem a manifestação universal.
A representação mais simples da idéia que acabamos de formular é o ponto no centro do círculo (Fig.
1):
Fig. 01 Fig.02
1
Publicado na revista Regnabit, maio, 1926.
Fig. 03 Fig.04
A roda, ao invés de ser apenas um signo "solar", como se afirma comumente em nossa época, é antes
de tudo um símbolo do Mundo, o que se pode compreender sem dificuldade. Na linguagem simbólica da
índia, fala-se sempre da "roda das coisas" ou da "roda da vida", o que corresponde claramente a essa
significação. Fala-se, também, da "roda da Lei", expressão que o budismo adotou, corno muitas outras, das
doutrinas anteriores e que, ao menos na origem; referia-se sobretudo às teorias cíclicas. Deve-se acrescentar
ainda que o Zodíaco é representado também sob a forma de uma roda, nesse caso com doze raios, e que o seu
nome em sânscrito significa literalmente "roda dos signos"; poder-se-ia traduzi-lo de igual modo por "roda
dos números", de acordo com o sentido principal da palavra râshi, que serve para designar os signos do
Zodíaco2.
Existe, além disso, uma certa conexão entre a roda e os diversos símbolos florais; poderíamos
mesmo, em certos casos pelo menos, falar de uma verdadeira equivalência3. Se considerarmos uma flor
2
A “roda da Fortuna”, no simbolismo da Antiguidade ocidental, tem relações muito estreitas com a “roda da
Lei”, e igualmente, embora isso não pareça tão claro à primeira vista, com a roda zodiacal.
3
Entre outros indícios dessa equivalência, no que se refere à Idade Média, vimos a roda de oito raios e uma
flor de oito pétalas representadas uma ao lado da outra numa mesma pedra esculpida, encaixada na fachada da
antiga igreja de Saint-Mexme de Chinon, e que data muito provavelmente da época carolíngea. (Ver Cap.9:
As flores Simbólicas; e 50: Os Símbolos da Analogia).
4
O lírio tem seis pétalas; o lótus, nas representações mais comuns, tem oito; as duas formas correspondem,
portanto, às rodas de seis e oito raios. Quanto à rosa, ela é representada com um número variável de pétalas, o
que pode modificar sua significação ou, pelo menos, dar-lhe matizes diferentes. Sobre o simbolismo da rosa,
ver o artigo muito interessante de Charbonneau-Lassay (Regnabit, mar. 1926).
5
Na figura do crisma sobre a rosa, da época merovíngia, que foi reproduzida pelo Sr. Chabornneau-Lassay
(Regnabit, mar. 1926), a rosa central tem seis pétalas orientadas segundo os braços do crisma; este, além
disso, está encerrado num círculo, o que expressa, tão claramente quanto possível, sua identidade com a roda
de seis anos.
Fig. 05 Fig.06
Se compararmos a suástica com a figura da cruz inscrita na circunferência (Fig. 2), poderemos nos
dar conta de que são, no fundo, dois símbolos equivalentes, com a única diferença de que a rotação, ao invés
de ser representada pelo traçado da circunferência, é apenas indicada na suástica por linhas acrescentadas às
extremidades dos braços da cruz em ângulos retos; essas linhas são tangentes à circunferência, marcando a
direção do movimento nos pontos correspondentes. Como a circunferência representa o Mundo, o fato de se
encontrar subentendida indica muito claramente que a suástica não é uma representação do Mundo, mas sim
da ação do Princípio em relação ao Mundo6.
Se atribuirmos à suástica o movimento de rotação de uma esfera, como o da esfera celeste em torno
do seu eixo, é necessário supô-la traçada no plano equatorial; assim, o ponto central será a projeção do eixo
sobre o plano que lhe é perpendicular. É secundária a importância do sentido de rotação indicado pela figura,
pois são encontradas as duas formas que reproduzimos acima7, sem que seja preciso ver nisso a intenção de
estabelecer entre elas uma oposição qualquer8. Sabemos muito bem que, em certos países em certas épocas,
6
A mesma observação valeria também para o crisma comparado à roda.
7
A palavra swastika é, em sânscrito, a única que serve para designar, em qualquer caso, o símbolo em
questão; o termo sauwastica, que alguns aplicaram a uma das formas para distingui-la da outra (que seria
então a verdadeira suástica), é apenas um adjetivo derivado de swastika e indica aquilo que se refere a esse
símbolo ou as suas significações.
8
A mesma observação vale para outros símbolos, em especial para crisma de Constantino, no qual o P está às
vezes invertido, o que levou alguns a pensarem que deveria ser então considerado como o signo do Anti-
Cristo. Tal intenção pode ter existido de fato em alguns casos, mas existem outros em que isso é
evidentemente impossível de ser admitido (nas catacumbas, por exemplo). De igual modo, o “quatro de cifra”
corporativo, que é, aliás, uma modificação desse mesmo P do crisma (veja Cap.67), está voltado
indiferentemente em um sentido ou outro, sem que se possa atribuir esse fato a uma rivalidade entre as
diferentes corporações ou ao desejo de se distinguirem entre si, pois são encontradas as duas formas nas
marcas pertencentes a uma mesma corporação.
9
Não nos referimos aqui ao uso inteiramente artificial da suástica, em especial por certos grupos políticos
alemães, que fizeram dela, com total arbitrariedade, um signo de anti-semitismo, a pretexto de que esse seria o
emblema conveniente para a pretensa “raça-ariana”, o que não passa de pura fantasia.
10
Não esquecer que este texto foi escrito para publicação em 1926. (N.T.)
11
O lituano é, por sinal, dentre todas as línguas européias, a que tem maior semelhança com o sânscrito.
12
Existem diversas variantes da suástica, por exemplo uma forma com braços curvos (com aparência de dois
S cruzados), que vimos em particular numa moeda gaulesa. Além disso, certas figuras que só guardaram um
mero caráter decorativo, como a cercadura “grega”, são originalmente derivadas da suástica.
13
V. Regnabit, mar. 1926, pp. 302-303.
14
A palavra “intenção” deve ser tomada aqui em seu sentido estritamente etimológico (de in-tendere, tender
para).