O traumatismo físico representa atualmente a terceira causa
de morte nos países industrializados, seguindo-se às doenças vasculares e às neoplasias. Infelizmente, o trauma atinge o indivíduo em sua fase mais produtiva, sendo a principal causa de óbito do primeiro ao quadragésimo ano de vida. Nos EUA, onde 20% dos leitos hospitalares são ocupados por pacientes traumatizados, o trauma consome direta e indiretamente mais de 100 bilhões de dólares por ano. Os custos do trauma em termos de frustração de expectativas, dor e sofrimento humano são inestimáveis. As mortes por trauma apresentam uma distribuição trimodal. O primeiro pico de morte ocorre dentro de segundos ou minutos após o acidente e os óbitos são secundários a lacerações do encéfalo, tronco cerebral, medula espinhal alta, coração, aorta ou outros grandes vasos. Os portadores destas lesões morrem na cena do acidente ou a caminho do hospital. O segundo pico de óbitos ocorre minutos a algumas horas depois do desastre. Aqui, as mortes são geralmente devidas a hematomas epidurais ou subdurais, hemopneumotórax, ruptura esplênica ou hepática, fraturas pélvicas ou lesões múltiplas com grande perda sanguínea. Tais pacientes chegam vivos ao hospital e em sua maioria, são potencialmente salváveis. A qualidade da abordagem e do manejo iniciais do traumatizado nesta fase influenciam decisivamente sobre o prognóstico do paciente. O terceiro pico de óbitos ocorre em dias ou semanas após o trauma e são comumente secundários ao desenvolvimento de infecções ou de falências orgânicas. É assombroso o fato de que 20 a 30% dos óbitos por trauma podem ser evitados. Na tentativa de se reduzir o número de mortes evitáveis, os países desenvolvidos tem instituído sistemas de atendimento ao traumatizado, constando de resgate por pessoal habilitado e o estabelecimento de reanimação das vítimas no próprio local do acidente, além da regionalização e hierarquização dos recursos hospitalares. Tais expedientes têm reduzido drasticamente o número de óbitos evitáveis. Além disso, é essencial o treinamento de médicos para prestar atendimento aos acidentados. Neste sentido, o Colégio Americano de Cirurgiões criou e desenvolveu o "Advanced Trauma Life Support Program" - Suporte Avançado à Vida no Trauma (ATLS). O ATLS é um curso de doutrina e treinamento, ministrado aos médicos devotados ao atendimento de vítimas de acidentes. A sistematização adotada pelo ATLS dá prioridade absoluta ao reconhecimento e ao tratamento imediato das condições que implicam em risco de vida. 01. AVALIAÇÃO PRIMÁRIA E REESTABELECIMENTO DAS FUNÇÕES VITAIS - ABC DO TRAUMA
Com propósito meramente didático, a avaliação das prioridades
e as manobras terapêuticas iniciais são apresentadas em uma seqüência. Entretanto, os procedimentos terapêuticos podem e devem ser executados simultaneamente. Por exemplo, enquanto se pergunta ao paciente "Que aconteceu?" e se avalia conforme a resposta dada, o estado de consciência, das vias aéreas e da respiração, pode-se obter informações referentes à circulação, observando o pulso, a coloração da pele e das mucosas e o enchimento capilar das polpas digitais. Para facilitar a memorização dos passos a serem adotados na avaliação primária e reanimação, o ATLS usa o seguinte método mnemônico: A - Airway maintenance whith cervical spine control (Manutenção da permeabilidade das vias aéreas e estabilização da coluna cervical) B - Breathing and ventilation ( Respiração e ventilação) C - Circulation with hemorrhage control (Circulação com controle da hemorragia) D - Disability - Neurological status ( Incapacidade - Estado neurológico) E - Exposure - Completely undress the patient ( Exposição - despir completamente o paciente).
A - MANUTENÇÃO DA PERMEABILIDADE DAS VIAS AÉREAS E
CONTROLE DA COLUNA CERVICAL
A permeabilidade das vias aéreas devem ser avaliada e
garantida de imediato. Contudo, deve-se considerar todo politraumatizado, especialmente na vigência de lesões situadas acima das clavículas, como um portador de lesão de coluna cervical, até prova em contrário. O exame neurológico não exclui o trauma da coluna cervical. Assim sendo, a cabeça e o pescoço devem ser mantidos em uma posição neutra, isto é, não podem ser estendidos ou fletidos durante a abordagem das vias aéreas. A movimentação excessiva da coluna cervical pode converter uma fratura sem repercussão neurológica em uma fratura desalinhada, com dano da medula espinhal e tetraplegia. A obstrução das vias aéreas superiores decorre, em grande parte dos casos, da presença de corpos estranhos ou da oclusão da hipofaringe e pela queda da língua. A adoção de uma das medidas descritas abaixo (" Chin Lift" ou " Jaw Thrust") permite o acesso à cavidade orofaríngea e a desobstrução das vias aéreas. A manobra "Chin Lift" consiste de: colocação de uma das mãos do examinador sob a mandíbula, a qual é levantada, anteriorizando o mento. A seguir, o polegar da mesma mão abaixa o lábio inferior, abrindo a boca. O mesmo efeito pode ser conseguido com a manobra "Jaw Thrust", que consiste da elevação dos ângulos da mandíbula pelas duas mãos do examinador. Depois de realizada as manobras, introduz-se uma cânula de Guedel e inicia-se a ventilação com máscara e Ambú. Tão logo seja possível, realiza-se uma radiografia de perfil da coluna cervical. A radiografia deve permitir a visualização das sete vértebras cervicais e o espaço intervertebral entre C7 e T1. Havendo suspeita de trauma de coluna, a imobilização do pescoço deve ser mantida até que a radiografia em diversas incidências possa ser realizada e o parecer de um ortopedista ou de um neurocirurgião esteja disponível. Muitos óbitos de traumatizados podem ser evitados pela instituição precoce de assistência respiratória apropriada. A insuficiência respiratória pode ser aguda, insidiosa, progressiva ou recorrente. Isto requer uma vigilância contínua sobre a respiração durante todo o atendimento. A prevenção da hipercarbia é vital, sobretudo nos casos de trauma crânio-encefálico. Podem desenvolver insuficiência respiratória os pacientes inconscientes por trauma crânio-encefálico, obnubilados pelo uso de drogas ou álcool e os portadores de lesões torácicas como pneumotórax hipertensivo, pneumotórax aberto, e tórax instável com contusão pulmonar. Nestes casos, a intubação endotraqueal, tem por objetivos prover uma via aérea permeável e permitir a instalação de suporte ventilatório. Traumas de face e do pescoço que comprometem o lume das vias aéreas também representam uma indicação para intubação endotraqueal. A decisão de se intubar o paciente no pré-hospitalar é tomada exclusivamente com bases clínicas. A agitação do paciente sugere hipóxia. A obnubilação denuncia a hipercarbia. A cianose traduz hipoxemia por ventilação inadequada. A emissão de sons anormais como ronco e gargarejo podem estar relacionados à obstrução parcial da faringe e a disfonia resulta da obstrução laríngea. Nos traumatismos da região cervical, a posição da traquéia deve ser pesquisada pela palpação do pescoço. O acesso à traquéia pode ser conseguido pela intubação nasotraqueal ou orotraqueal ou pela cricotireoidostomia. A traqueostomia é contra-indicada nas situações de emergência por ser um procedimento de execução mais difícil e demorada, podendo ser realizadas somente na impossibilidade das demais técnicas, pois pode resultar em sangramento profuso. A intubação orotraqueal deverá ser feita mantendo o alinhamento da coluna através da imobilização manual. Quando a necessidade de intubação é imperiosa, não havendo tempo para a realização da radiografia, o procedimento de escolha é a intubação nasotraqueal. A técnica de intubação às cegas pela narina é relativamente simples e bem sucedida em 92% dos casos. Tem uma pequena taxa de complicações e é, quase sempre, bem tolerada. A intubação nasotraqueal pode ser executada sem a extensão do pescoço. A introdução da sonda é guiada pelos sons da passagem do ar no seu interior. A ocorrência de apnéia impede a realização do procedimento. A suspeita de fratura da base do crânio contra-indica o método. A cricotireoidostomia cirúrgica e por punção está indicada quando falham as intubações nasotraqueal e orotraqueal ou na vigência de edema de glote, trauma da faringe e hemorragia profusa da cavidade oral. Com o paciente na posição supina, a cartilagem tireóide é estabilizada com a mão esquerda do operador. A pele é incisada sobre a membrana cricotireóidea, no sentido transversal ou longitudinal. A membrana é cuidadosamente incisada e uma pinça hemostática é introduzida para alargar o orifício. Introduz-se uma cânula de intubação ou de traqueostomia (calibre 25F para um adulto médio), dotada de "cuff ", e o paciente é ventilado. Pode também ser realizada a cricotireoidostomia por punção utilizando um cateter periférico de grosso calibre. A ventilação deverá ser feita na proporção de 4:1, através de via em Y com válvula de escape. A cricotireoidostomia não deve ser utilizada por mais de 72 horas e nem executada em pacientes com menos de 12 anos. A intubação endotraqueal de um paciente hipoventilado pode demandar várias tentativas. Entre uma e outra tentativa o paciente deve ser ventilado por alguns minutos. Como regra prática, temos: ao iniciar a intubação, o médico inspira profundamente; quando sentir necessidade de respirar, a tentativa tem que ser interrompida e o paciente ventilado.
B - VENTILAÇÃO E RESPIRAÇÃO
O objetivo primordial da ventilação é garantir uma adequada
oxigenação das células. Um catéter nasal ou uma máscara facial não são suficientes para atender às necessidades de um politraumatizado. A ventilação com Ambú com um fluxo de 10 a 12 litros/minuto é capaz de atender à demanda inicial do paciente. Caso as necessidades de ventilação persistam, a ventilação mecânica é a medida seguinte. A manutenção da permeabilidade das vias aéreas não garante por si só uma ventilação efetiva. Outras condições são capazes de comprometer a ventilação: pneumotórax hipertensivo, pneumotórax aberto, tórax instável com contusão pulmonar e hemotórax maciço. Um ritmo respiratório acima de 20 incursões/minuto leva à suspeita de comprometimento da respiração. No pneumotórax hipertensivo ocorre escape de ar para dentro da cavidade torácica, resultando em colapso do pulmão comprometido e desvio do mediastino para o lado oposto, dificultando o retorno venoso e o funcionamento do pulmão não afetado. O diagnóstico deve ser feito rapidamente e baseia-se nos seguintes sinais: dificuldade respiratória, desvio da traquéia, distensão das veias do pescoço, hipertimpanismo a percussão e ausência de murmúrio respiratório do lado comprometido. Tardiamente, aparece cianose. A introdução de uma agulha no segundo espaço intercostal sobre a linha hemiclavicular confirma o diagnóstico e, ao mesmo tempo, inicia o tratamento. A agulha deve ser conectada a uma seringa para facilitar a aspiração do ar. A saída de ar confirma o diagnóstico. Então, a seringa é desconectada, deixando-se a agulha no lugar, enquanto se providencia o tratamento definitivo. Este consiste da toracostomia com drenagem pleural fechada. O dreno é introduzido no quinto espaço intercostal (na projeção do mamilo), anteriormente à linha axilar média. A drenagem do pneumotórax hipertensivo dispensa a realização prévia de radiografias de tórax. Os ferimentos penetrantes do tórax, em sua maioria, fecham-se espontaneamente. Todavia, os grandes orifícios permanecem abertos, enseando o equilíbrio de pressão entre a atmosfera e o interior do tórax. Se a abertura tem um diâmetro igual ou maior que 2/3 do diâmetro da traquéia, o ar tende a passar pela via de menor resistência (o defeito da parede torácica), comprometendo a ventilação. O tratamento imediato consiste da oclusão do ferimento por meio de um curativo por suas quatro bordas pode transformar um pneumotórax aberto em pneumotórax hipertensivo. O curativo deve ser fixado por três de seus lados, deixando-se uma borda livre. Cria-se um mecanismo valvular: na respiração o curativo e "sugado" e oclui o ferimento, na expiração, a borda livre permite o escape de ar para fora do tórax. A drenagem pleural fechada é realizada em um ponto da parede torácica diferente do local de penetração. A síntese do ferimento é executada em seguida. Alguns pacientes com grandes defeitos da parede torácica podem requerer intubação endotraqueal e ventilação com pressão positiva. Pacientes admitidos com o corpo estranho cravado na parede torácica são submetidos à toracotomia, procedendo-se, em seguida, a retirada do corpo estranho. O tórax instável ou flácido está associado a fraturas de múltiplos arcos costais. As fraturas das costelas isoladamente não causam hipóxia. Ela é resultante da contusão pulmonar subjacente. A dor também contribui para a insuficiência respiratória. O diagnóstico é firmado observando-se os movimentos paradoxais da parede torácica durante a inspiração e expiração e palpando-se a crepitação das costelas fraturadas. O objetivo básico da terapêutica é reexpandir os pulmões e assegurar a ventilação. O tratamento inicial consiste do alívio da dor, ventilação com oxigênio úmido e judiciosa reposição volêmica. O paciente com tórax flácido é sensível tanto a desidratação quanto ao excesso de fluido. A intubação endotraqueal depende do ritmo respiratório e dos níveis arteriais de oxigênio. A ventilação mecânica é requerida pela maioria dos pacientes, mas alguns casos, sobretudo os com fraturas de arcos costais posteriores, podem ser tratados sem apoio ventilatório mecânico. O hemotórax maciço é raro. Ocorre quando um volume maior que 1500 ml de sangue estão contidos na cavidade pleural. O diagnóstico é feito na presença de choque hipovolêmico, com maciez à percussão e ausência de murmúrio respiratório. O tratamento consiste de vigorosa reposição da volemia e drenagem pleural fechada (quinto espaço intercostal). A auto-transfusão está indicada (veja adiante). Pacientes que continuam sangrando (mais de 200 ml/hora) devem ser submetidos à toracotomia exploradora.
C - CIRCULAÇÃO COM CONTROLE DA HEMORRAGIA
A insuficiência respiratória e a hipovolemia constituem-se em
ameaças mortais ao traumatizado. É fundamental a rápida avaliação do estudo circulatório. Três parâmetros, que podem ser observados em poucos segundos, são de grande valia na avaliação do estado circulatório: estado de consciência, coloração da pele e pulso periférico. Um paciente que é admitido consciente presumivelmente apresenta adequada perfusão do encéfalo. Pacientes confusos, com a pele fria na face e nas extremidades geralmente apresentam perdas de cerca de 30% da volemia. Um pulso filiforme e acelerado indica perda sanguínea significativa e a necessidade de rápida reposição volêmica. Hemorragias externas precisam ser rapidamente identificadas e controladas. O sangramento é estancado comprimindo-se diretamente a ferida. O uso de torniquetes deve ser evitado. Dois catéteres de grosso calibre são introduzidos em veia periférica para reposição de líquidos. Puncionam-se, de preferência, dois acessos venosos nos membros superiores, preferencialmente na fossa antecubital, com cateter periférico de grosso calibre. Evita-se a punção venosa central nesta fase. Nas crianças com menos de seis anos, na vigência de hipovolemia, o acesso venoso é difícil e problemático. Uma alternativa é a infusão intra-ossea. Cristalóides, sangue e derivados e drogas podem ser administrados com segurança por esta via. O tempo de circulação entre medula óssea e o coração é inferior a 20 segundos. O local ideal para a canulação intra-ossea é o platô tibial, 3 cm abaixo da tuberosidade tibial. A canulação nunca deve ser realizada distalmente a uma fratura. Uma agulha de punção medular é introduzida perpendicularmente ao maior eixo do osso. A aspiração de medula óssea confirma o correto posicionamento da agulha. As complicações do acesso intra-ósseo são celulite e, muito raramente, osteomielite. Depois de iniciada a reposição volêmica por esta via, as veias periféricas, antes colabadas, tornam-se visíveis e podem ser puncionadas. No intra-hospitalar amostras de sangue venoso são obtidas no momento da punção e remetidas ao Banco de Sangue para realização de tipagem sanguínea e das provas cruzadas. Dosagens do hematócrito, taxas de hemoglobina e dos eletrólitos plasmáticos também devem ser realizadas. A reposição volêmica deve ser iniciada prontamente com a infusão rápida de soluções eletrolíticas, preferencialmente lactado de Ringer. Um adulto médio deve receber dois litros de solução. A dose inicial para crianças é de 20ml/kg de peso corporal. Estudos recentes demonstram que a infusão de solução de cloreto de sódio a 7,5% aumenta a sobrevida e melhora o estado metabólico de pacientes e animais de experimentação em choque hipovolêmico. A dose preconizada é de 4ml/kg de peso corporal. Hemorragias que resultam em perdas de até 20% de volemia geralmente não requerem transfusão. Perdas superiores a 20% implicam em transfusão de sangue total. Na impossibilidade de se obter sangue total, emprega-se plasma e concentrado de hemácias. O sangue a ser transfundido deve ser, de preferência, submetido a prova cruzada e contraprova. No caso de hemorragias exsanguinantes, com risco iminente de vida, se o sangue tipo específico não está disponível de imediato, o sangue O deve ser empregado. A fim de se evitar futuras complicações, principalmente em mulheres em idade reprodutiva, o sangue Rh negativo é preferível. Para cada ml de sangue transfundido, devem ser infundidos três ml de solução eletrolítica. A auto-transfusão vem ganhando crescente popularidade. O sangue contido no interior de uma cavidade (o tórax principalmente) é aspirado para o interior de um frasco dotado de filtro e que contenha anticoagulante. O sangue é retransfundido na veia do paciente. As vantagens da auto-transfusão são: obtenção rápida de sangue; torna desnecessária a prova cruzada; não há risco de transmissão de doenças; não há risco de hemólise ou de reações alérgicas; não ocorre hipotermia. Por outro lado, a auto-transfusão tem os seguintes riscos: possibilidade de embolia gasosa; coagulação intravascular disseminada na vigência de auto-transfusão de grandes volumes; possibilidade da contaminação por conteúdo intestinal passar despercebido.
D - INCAPACIDADE: AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA
SUMÁRIA
A primeira avaliação neurológica consta da observação do diâmetro
e reatividade das pupilas. O nível de consciência será avaliado pela análise dos seguintes parâmetros:
A - o paciente está alerta;
V - responde a estímulos verbais; D - responde a estímulos dolorosos I - inconsciente.
Nunca é demais repetir que a hipóxia é a principal causa de alteração
do estado de consciência.
E - EXPOSIÇÃO
O paciente deve ser completamente despido. Sempre lembrando de
proteger o paciente da hipotermia.
02- AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA
Estabelecidas as medidas de reanimação da função cárdio-
pulmonar, começa a avaliação secundária. A expressão "dedos e sondas por todos os orifícios" define bem a filosofia da avaliação secundária. Cada segmento do corpo deve ser examinado minuciosamente. A avaliação secundária é iniciada pelo segmento cefálico. A cabeça é examinada à procura de ferimentos do couro cabeludo e creptação de fraturas de crânio. O extravasamento de líquido cerebroespinhal pelo nariz ou pela orelha indica fratura de base do crânio. A presença de rinorragia e de otorragia pode dificultar o diagnóstico. Nestas circunstâncias, realiza-se o teste do duplo anel ("doble ring test"). Coloca-se uma gota do sangue extravasado em um pedaço de papel de filtro. Caso exista líquido cerebroespinhal misturado ao sangue, este permanece no centro e um ou mais anéis claros formam-se ao redor. Hematoma da região periorbital e da região mastóide (sinal de Battle) também podem estar associados a fraturas da base do crânio. Tais sinais podem aparecer tardiamente. Os olhos são reavaliados atentando-se para o diâmetro e reatividade das pupilas, a ocorrência de hemorragias ou deslocamentos do cristalino ou a presença de trauma penetrante. Caso o paciente use lentes de contato, elas devem ser removidas. Uma rápida avaliação da acuidade visual pode ser obtida pedindo-se ao paciente para ler algumas palavras impressas em papel. Pacientes acidentados usando capacete devem ter a cabeça e o pescoço mantidos em posição neutra, enquanto o capacete é removido. Esta manobra exige a atuação de duas pessoas. Enquanto uma imobiliza a cabeça e o pescoço, a outra retira o capacete, expandindo lateralmente. O trauma buco-maxilo-facial pode estar associado a lesões da coluna cervical, as quais podem passar despercebidas, acarretando graves complicações. O trauma facial que não resulta em obstrução das vias aéreas pode ser tratado tardiamente. Ferimentos do pescoço requerem abordagem cirúrgica e não devem ser explorados na sala de emergência. O tórax deve ser avaliado por palpação, percussão e ausculta. Fraturas, hematomas e equimoses são pesquisados rotineiramente. Hemotórax e pneumotórax são diagnosticados pela ausculta torácica. O abaulamento das bulhas cardíacas e o ingurgitamento das veias do pescoço estão relacionados ao tamponamento cardíaco. O trauma fechado do abdome representa um grande desafio diagnóstico. O abdome pode ser a sede de lesões graves que, ás vezes, não se manifesta logo após o acidente. Fraturas de arcos costais inferiores ou dos ossos da pelve estão frequentemente associados a lesões dos órgãos abdominais. Fraturas pélvicas podem ser detectadas comprimindo-se com as palmas das duas mãos as espinhas ilíacas ântero-superiores e a sínfise púbica. O toque retal pode ser útil no diagnóstico destas fraturas. Espículas ósseas podem ser percebidas durante o toque. Mais importante do que o diagnóstico pré-operatório das vísceras abdominais eventualmente lesadas pelo traumatismo é a decisão de se explorar ou não a cavidade abdominal. Deve-se suspeitar de hemorragia intraperitoneal em todo politraumatizado que se apresenta em choque hipovolêmico. Pacientes em estado de inconsciência são portadores em potencial de trauma das vísceras abdominais e, portanto, devem ser submetidos ao lavado peritoneal diagnóstico. As fraturas pélvicas estão comumente associadas com trauma de uretra no homem e da bexiga na mulher. A lesão uretral é suspeitada pela presença de equimoses na bolsa escrotal ou de sangramento pelo meato. Nestas circunstâncias esta indicada uma uretrocistografia. As extremidades são examinadas em busca de contusões ou deformidades. A palpação cuidadosa dos ossos á procura de creptações que denunciem fraturas. Os pulsos periféricos devem ser minuciosamente palpados. O exame neurológico deve constar de avaliação do reflexo pupilar, da atividade motora e da sensibilidade das extremidades e do nível de consciência. A Escala de Coma de Glasgow (ECG) é de aceitação universal para a avaliação neurológica. A incidência de paralisia ou de paresia sugere lesão da coluna vertebral e indica imobilização completa do paciente. Concluído o exame clínico, são introduzidas sonda nasogástrica e vesical. Os politraumatizados, em sua maioria, apresentam distensão gástrica e a sonda, ao descomprimir o estômago, evita o vômito e previne a pneumonia por aspiração. A sondagem está contra-indicada nos casos de suspeita de fratura da base do crânio. A sondagem vesical permite o controle da diurese, que é um valioso parâmetro para a avaliação da perfusão tecidual. A presença de hematúria leva à suspeita de lesão das vias urinárias. A sonda vesical não deve ser introduzida quando houver suspeita de lesão de uretra. O estudo radiológico é realizado de acordo com as características de cada caso. Três exames são obrigatórios na avaliação do politraumatizado: radiografias de perfil de coluna cervical, do tórax e da pelve.
03- REAVALIAÇÃO
Caso procedimentos cirúrgicos não tenham sido indicados,
o paciente deve ser mantido sob observação rigorosa. Reavaliações periódicas são essenciais para se surpreender possíveis complicações ou para se detectar modificações do quadro clínico, que podem alterar o diagnóstico inicial. Caso o estado de consciência se deteriore, a ventilação e a oxigenação devem ser reavaliadas. Estando normais estas duas funções, uma craniotomia pode ser indicada. O parecer de um neurocirurgião é, então, indispensável. Na falta de um neurocirurgião, deve-se cogitar da transferência do paciente. O exame por um neurocirurgião é igualmente importante nos pacientes com exame neurológico normal durante as abordagens anteriores e que passam a apresentar, nesta fase, dilatação unilateral da pupila e hemiparesia contra lateral. Tais sinais sugerem o desenvolvimento de um hematoma epidural agudo. Hemorragias ocultas podem ter repercussão clínica nesta fase. Os sangramentos intraperitoneais em indivíduos jovens e atléticos podem resultar tardiamente em taquicardia e hipotensão arterial. A monitorização contínua do eletrocardiograma deve ser realizada em todo paciente com contusão torácica. A contusão miocárdica pode resultar em taquicardia inexplicável, extrassístoles, fibrilação atrial e alterações ST. Bradicardia, condução aberrante e extrassístoles sugerem hipoperfusão ou hiportemia. O tamponamento cardíaco também pode se manifestar nesta fase. A hipotensão arterial que não responde à reposição volêmica é sugestiva de tamponamento cardíaco. Taquicardia, "abafamento" das bulhas cardíacas e veias do pescoço ingurgitadas completam o quadro. A introdução de uma agulha no pericárdio alivia temporariamente o tamponamento cardíaco. O tratamento definitivo consta de toracotomia e reparo das lesões. Traumatismos das extremidades precisam ser reavaliados periodicamente. Síndromes de compartimento pode se desenvolver com o passar do tempo.