ABSTRACT
O subtítulo desse livro nos sugere seu conteúdo: “sobre a melhor constituição de
uma república e a nova ilha de Utopia”. De imediato, tem-se a impressão que o
humanista inglês se aproxima do esforço de Platão que, indignado com a condenação de
Sócrates, denuncia a injustiça da polis e idealiza, em A república, uma cidade
reformada, perfeita e feliz. Como veremos adiante, a suspeita da influência platônica
n’A utopia será confirmada para além do que sugere o subtítulo.
Nas primeiras páginas, Morus explicita que seu objetivo é narrar o relato de
Rafael de Hitlodeu sobre os costumes, as leis e as instituições do povo de Utopia, ilha
situada em algum lugar do Novo Mundo. Na verdade, Morus cria um relato imaginário
sobre o modo de vida dos utopianos e o atribui ao personagem fictício Rafael, que
supostamente lá esteve por cinco anos. No romance, os ouvintes de tal relato são o
próprio Morus e Pedro de Giles. Nesse ponto, já nos surge uma indagação: por que
Morus situou a Utopia no Novo Mundo? Não há razões explícitas para essa escolha,
porém, há um jogo de palavras bastante interessante: o continente Americano aparece
como o “Novo Mundo” em oposição ao velho continente europeu. Antes das
navegações e descobertas marítimas iniciadas no século XV, o Novo Mundo era, em
relação à Europa, “lugar nenhum”. As metáforas sugerem que a utopia relaciona-se
com o novo, ou seja, com aquilo que é “lugar nenhum”, mas se torna “algum lugar”.
Mas “algum lugar” pode ser um “lugar qualquer”? O trocadilho apresentado por Logan
e Adams (1993) entre utopia (lugar nenhum) e eutopia (lugar feliz) nos sugere não um
“lugar qualquer”, mas um “lugar feliz e afortunado”. Nas palavras de Morus (1997, p.
94), “...não existe em parte alguma república mais feliz...” que na ilha de Utopia. Em
termos históricos, essa interpretação se torna plausível quando lembramos que um dos
imaginários criados sobre o “Novo Mundo”, no século XVI, foi de que ele se opunha a
uma Europa decadente, apresentando-se como uma espécie de “paraíso”; seus
habitantes – os índios – eram simples, pobres, despudorados e não haviam sido tocados
pelo “pecado original”. A sua “descoberta” era a possibilidade de constituição de um
mundo utópico cristão, caminho do qual a Europa se desviara (Cf. Dussel, 1993).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS