(da arte em afetar a imagem corporal do outro ou da configuração geral de próteses afetivas)
*
ii
Prótese e Afeto
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4
iii
(recorte de imagens)
Figura 2. Jorge Soledar. Prótese Afetiva (Pilar). Fotografia e objetos sobre o corpo. 2009.
Figura 3. Jorge Soledar. Prótese Afetiva (Camila). Fotografia e anotação gráfica. 2010-8.
6
Contudo, reflito sobre as imagens de Camila e Pilar, se os retratos visam praticar um mero
estudo de harmonização entre homens e máquinas, mas para além da aparência, se o que vejo
refletido não se trata de uma tentativa de fingir tal harmonia. Pois o que as cenas ocultam revela-
se pela opacidade clean de sua manipulação digital.
*
7
iv
A problemática do eu, da “crise do sujeito”, no campo das artes visuais, das limitações
do autor na ordem dos discursos da arte contemporânea (em preferência à ordem do coletivo,
discurso geral que visa diluir o papel da autoria nas artes), dos relativismos do campo da pós-
modernidade pela consciência do homem como ser “humano, demasiado humano” – motiva a
modelagem de incontáveis figuras do corpo, modelado por ‘n’ modelagens de si pelo reflexo de
um ‘n’ outro – como se percebe pela cultura do digital. Em outras palavras, Tadeu da Silva
nos esclarece que:
Minhas motivações a estas dúvidas gerais remontam tanto a minha consciência afetada
pelos simuladores digitais, quanto a fase de desenhar, anatomicamente, a imagem corporal do
outro nas sessões de modelo vivo, ao longo dois primeiros anos do bacharelado em Artes
Plásticas pelo IA/UFRGS, em Porto Alegre.
Durante este período, tive muitas práticas de desenho com o auxílio da tradicional
figura do modelo. Nossos cavaletes ficavam dispostos ao redor do modelo contratado para
permanecer imóvel durante baterias de 5, 15 e 30 minutos. A sala barulhenta emudecia
durante as baterias como se cada aluno olhasse, atentamente, por detrás de um tubo de papel
ou pelo buraco da fechadura o corpo despido dos sujeitos contratados para posar.
O que considero interessante, nesta passagem, é destacar como o desenho de cavalete
era fruto de uma situação negociada com os sujeitos que tomavam o papel de bonecos
articulados (Figura), conforme os professores nos instruíam observar. Os seus traços
fisionômicos, que poderiam esboçar alguma identidade, deveriam ser minimizados em relação
à ênfase dada aos estudos da anatomia. Assim, mesmo entendendo a importância e o propósito
daqueles estudos da arte como cópia, intimamente, eu questionava a figura do sujeito
representada pela ênfase “arquitetônica” do corpo. Perspectiva que passou a me interessar,
profundamente, como matéria poética e crítica aos estudos que sucederam esta passagem, em
meados de 2006.
Motivado, assim, tanto pelo exercício do desenho de cavalete, quanto pelo
estranhamento provocado pela apreciação anatômica do sujeito, iniciei um processo artístico
que visasse modelar o modelo vivo. Destas ações, surgiram formas que simulam outros
esquemas corporais.
(pausa à leitura)
*
9
1
Trecho da entrevista de Modesto Carone ao programa “Provocações”, da TV Cultura. Disponível no
endereço eletrônico: http://www.youtube.com/results?search_query=modesto+carone+provocações&aq=f. Acesso
em 10.08.2010.
10
Giorgio Agamben (2009: 40) afirma que dispositivo é “qualquer coisa que tenha a
capacidade de capturar, orientar, determinar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as
condutas”, algo que concordo ao refletir sobre as imagens anteriores como dispositivos
modelados em torno da imagem corporal do outro (sempre um amigo em colaboração).
O autor traça, grosso modo, entre uma escrita poética e filosófica, definições do
contemporâneo pelo anacronismo da atualidade, mediante o cultivo de um estado
intempestivo, segundo ele, no sentido proposto por Nietzsche, em “Considerações
Intempestivas”.
Melhor nas suas palavras,
Nietzsche vai contra a racionalidade sobre o corpo, pois acredita na sua potência de
vida, no fluxo da existência, na sua transvaloração de todos os valores, no superar o “humano,
demasiado humano” ao eterno retorno vivido pelo super homem.
Leio discursos artísticos neste sentido, de exaltação (e busca) ao corpo nietzscheano
como resposta às ordens em geral da sociedade do consumo. Contudo, prefiro imaginar figuras
do demasiado humano hoje simulado pela cultura da digitalização da imagem corporal.
2
O grifo em negrito é nosso.
11
Sobre os estudos da imagem corporal, segundo nos esclarecem Silva, Júnior & Miller
(2004), datam da virada do século XX, tendo grande envolvimento por parte dos neurologistas
que desejavam investigar distúrbios de percepção corporal em seus pacientes.
Segundo os autores, o termo “imagem corporal” foi adotado, primeiramente, por
Henry Head, em 1911, e mais tarde, atualizado em 1937, por Paul Schilder. Este ainda segue
como a principal referência por integrar sentidos físicos e psíquicos aos esforços de
compreensão da construção visual de si pela construção compartilhada da imagem corporal –
perspectiva embasada pelos campos da psicanálise com a filosofia. Enfoque cujo
aprofundamento exige um mergulho mais fundo.
Neste sentido, friso que não entendo por imagem corporal ou imagem do corpo um mero
retrato do corpo (confusão possível, visto que produzo retratos de modelos vivos), mas uma
expressão que se refere ao invólucro corporal-cultural que projetamos acerca de nossa
superfície: uma projeção psíquica e tridimensional, segundo Schilder (1994: 11-16).
O autor defende que a imagem corporal corresponde àquela unidade corporal em
autoconstrução e autodestruição internas que concebemos acerca de nós mesmos, ou ainda, a
figuração que projetamos do nosso modelo tridimensional. Há, segundo ele, um déficit natural
entre a correspondência das imagens corporais que projetamos acerca de nós mesmos e aquelas
que se projetam acerca de nós, pelos outros, visto que seguem em constante reformulação
íntima, conforme concorda com os comentários de Henri-Pierre Jeudy, em entrevista ao
caderno “Mais” (2005: 7). Nela Jeudy define imagem corporal como “auto-representação” de
inquietações, envelhecimentos e “miríades de imagens corporais”, afirmando que o corpo é
habitado por outros, tornando-se “heterônimo”. Sua visão, sumariamente, revela o conceito de
um “corpo-desmembrado”, constituído por alteridades, neste caso, pela configuração de um
imaginário de esquemas que simulam o corpo humano para inúmeros fins.
Assim, nas possibilidades poéticas e reflexivas que se abrem deste gap entre o que pode
ser projetado por mim e sobre mim (construído pelo outro), observo um interessante lugar a
poéticas e críticas culturais que se abrem do campo de estudos da imagem do corpo.
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12
REFERÊNCIAS
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
Da Internet: