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Processo nº 24/CO/2010/TR

Acórdão do Colectivo de Juízes do Tribunal de recurso


constituído por Cláudio de Jesus Ximenes, José Luís da
Goia e Rui Manuel Barata Penha:

A. No processo nº 79/C.Ord/TDD/2009 do Tribunal Distrital de Dili,


foram julgados os arguidos:
1- Amaro da Costa, conhecido por Susar;
2- Domingos do Amaral, conhecido por Ameu;
3- Gilson José António da Silva, conhecido por Gilson/Agio;
4- Paulo Neno Leos, conhecido por Paul;
5- Gilberto Suni Mota, conhecido por Mota;
6- Marcelo Caetano, conhecido por Akai;
7- Joanino Maria Guterres, conhecido por Nino/Joanino;
8- Ismael Sansão Moniz Soares, conhecido por Asanko;
9- Egídio Lay Carvalho,conhecido por Lay;
10- Caetano dos Santos Ximenes, conhecido por Valente/Caetano;
11- Bernardo da Costa, mais conhecido por Cris;
12- Avelino da Costa, conhecido por Apai;
13- Alexandre de Araújo, mais conhecido por Alex;
14- Raimundo Maia Barreto, mais conhecido por Mané Forte;
15- Januário Babo, conhecido por Ajano;
16- Júlio Soares Guterres, conhecido por Júlio Rambo;
17- Gastão Salsinha, conhecido por Salsinha, casado, Natural de Ermera;
18- Gaspar Lopes, conhecido por Halerik;
19- José Agapito Madeira, conhecido por José Espelho;
20- Julião António Soares, conhecido por Joni;
21- Quintino Espírito Santo, conhecido por Quintino;
22- Adolfo da Silva, conhecido por Adolfo/Dolfo/Jovem;
23- José da Costa, conhecido por Ventura;
24- João Amaral, conhecido por Abere;
25- Tito Tilman, conhecido por Tito;
26- Francisco Ximenes Alves, conhecido por Chico;
27-Alfredo de Andrade;
28-Angelita Maria Francisca Pires, conhecida por Angelita/Angi.

Por acórdão de 15 de Fevereiro de 2010, foi proferida a seguinte decisão:

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1. Declarar extinta a responsabilidade criminal do arguido Gastão
Salsinha pelo crime de Conspiração em Atentado Contra o Presidente da
República, anteriormente p. e p. pelos arts. 110º, 88º e 104º do Código Penal
Indonésio, por descriminalização da conduta – art. 30º, nº 1, e 118º do Código
Penal de Timor Leste.
2. Absolver o arguido Tito Tilman da prática de todos os crimes que lhe
são imputados na acusação (sete crimes de homicídio tentado, p. e p. pelos
arts. 53º e 338º do Código Penal, dois crimes de dano, p. e p. pelo art. 406º do
Código Penal, um crime uso de armas de fogo para perturbação da ordem
pública, p. e p. pelo art. 4º, nº 4.7, do Regulamento da UNTAET nº 5/2001).
3. Absolver o arguido Alfredo de Andrade da prática de todos os
crimes que lhe são imputados na acusação (sete crimes de homicídio tentado,
p. e p. pelos arts. 53º e 338º do Código Penal, dois crimes de dano, p. e p. pelo
art. 406º do Código Penal, um crime uso de armas de fogo para perturbação da
ordem pública, p. e p. pelo art. 4º, nº 4.7, do Regulamento da UNTAET nº
5/2001).
4. Absolver o arguido João Amaral da prática de todos os crimes que
lhe são imputados na acusação (sete crimes de homicídio tentado, p. e p. pelos
arts. 53º e 338º do Código Penal, dois crimes de dano, p. e p. pelo art. 406º do
Código Penal, um crime uso de armas de fogo para perturbação da ordem
pública, p. e p. pelo art. 4º, nº 4.7, do Regulamento da UNTAET nº 5/2001).
5. Absolver a arguida Angelita Maria Francisca Pires da prática de
todos os crimes que lhe são imputados na acusação (autoria mediata de um
crime de atentado contra a vida do Presidente da República, p. e p. pelo art.
104º do Código Penal, dezanove crimes de homicídio tentado, p. e p. pelos art.
53º e 338º do Código Penal, três crimes de dano, p. e p. pelo art. 406º do
Código Penal).
6. Absolver os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral,
Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano,
Gilberto Suni Mota, Joanino Maria Guterres, Egidio Lay Carvalho,
Ismael Sansão Moniz Soares e Caetano dos Santos Ximenes da prática de
um crime de dano, p. e p. pelo art. 406º do Código Penal, tendo por objecto o
veículo das F-FDTL conduzido por Celestino Gama.
7. Absolver os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral,
Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano,
Gilberto Sunimota, Joanino Maria Guterres, Egidio Lay Carvalho, Ismael
Sansão Moniz Soares e Caetano dos Santos Ximenes da prática de um
crime de roubo, p. e p. pelo art. 365º, nº 2, parágrafo segundo, do Código
Penal.
8. Absolver os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral,
Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano,

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Gilberto Sunimota, Joanino Maria Guterres, Egidio Lay Carvalho, Ismael
Sansão Moniz Soares e Caetano dos Santos Ximenes da prática de oito
crimes de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art. 338º e 53º do Código
Penal (tendo por vítimas Celestino Gama, Isaque da Silva, Pedro Joaquim
Soares, Adelino da Silva, João Soares, José Luis da Costa Pereira, Agostinho
de Freitas e Filomeno Ximenes).
9. Absolver os arguidos Gastão Salsinha, Avelino da Costa, Bernardo
da Costa, Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto,
Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião
António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa
Ventura e Francisco Ximenes Alves da prática de quatro crimes de
homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art. 338º e 53º do Código Penal
(tendo por vítimas Johnny Barbosa, José Maria Barreto Soares, Komsan
Tookokgruado e Alongkorn Kalayanasoontor).
10. Absolver os arguidos Gastão Salsinha, Avelino da Costa, Bernardo
da Costa, Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto,
Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião
António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa
Ventura e Francisco Ximenes Alves da prática de um crime de dano, p. e p.
pelo art. 406º do Código Penal (tendo por objecto o veículo automóvel com a
matrícula SEC 1).
11. Condenar os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral,
Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano,
Gilberto Suni Mota, Joanino Maria Guterres, Egidio Lay Carvalho,
Ismael Sansão Moniz Soares e Caetano dos Santos Ximenes pela prática,
em co-autoria, de um crime de atentado contra a vida do Presidente da
República, p. e p. pelo art. 104º do Código Penal Indonésio, na pena de doze
anos de prisão.
12. Condenar os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral,
Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano,
Gilberto Suni Mota, Joanino Maria Guterres, Egidio Lay Carvalho,
Ismael Sansão Moniz Soares e Caetano dos Santos Ximenes pela prática,
em co-autoria, de quatro crimes de homicídio, na forma tentada, (tendo por
vítimas Domingos Pereira, Albino de Assis, José Pinto Freitas e Francisco
Lino Marçal), p. e p. pelos arts. 338º e 53º do Código Penal Indonésio, na pena
de quatro anos de prisão para cada um dos crimes.
13. Condenar os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral,
Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano,
Gilberto Suni Mota, Joanino Maria Guterres, Egidio Lay Carvalho,
Ismael Sansão Moniz Soares e Caetano dos Santos Ximenes pela prática,

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em autoria singular, de um crime de uso de arma proibida, p. e p. pelo art.
211º, nº 3, do Código Penal de Timor Leste, na pena de dois anos de prisão.
14. Condenar os arguidos Avelino da Costa, Bernardo da Costa,
Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio
Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião António
Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa Ventura e
Francisco Ximenes Alves, pela prática, em co-autoria, de um crime de
homicídio, na forma tentada, (tendo por vítima Kay Rala Xanana Gusmão),
p. e p. pelos arts. 338º e 53º do Código Penal Indonésio, na pena de sete anos
de prisão.
15. Condenar os arguidos Avelino da Costa, Bernardo da Costa,
Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio
Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião António
Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa Ventura e
Francisco Ximenes Alves, pela prática, em co-autoria, de dois crimes de
homicídio, na forma tentada, (tendo por vítimas Bobby Agapito Gonçalves e
Adolfo Soares dos Santos), p. e p. pelos arts. 338º e 53º do Código Penal
Indonésio, na pena de cinco anos de prisão, para cada um dos crimes.
16. Condenar os arguidos Avelino da Costa, Bernardo da Costa,
Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio
Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião António
Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa Ventura e
Francisco Ximenes Alves, pela prática, em co-autoria, de um crime de dano
(tendo por objecto o veículo automóvel com a matrícula PM 1), p. e p. pelo art.
406º do Código Penal Indonésio, na pena de um ano de prisão.
17. Condenar os arguidos Avelino da Costa, Bernardo da Costa,
Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio
Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião António
Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa Ventura e
Francisco Ximenes Alves, pela prática, em autoria singular, de um crime de
uso de arma proibida, p. e p. pelo art. 211º, nº 3, do Código Penal de Timor
Leste, na pena de dois anos de prisão.
18. Condenar o arguido Gastão Salsinha, pela prática, em co-autoria, de
um crime de homicídio, na forma tentada, (tendo por vítima Kay Rala
Xanana Gusmão), p. e p. pelos arts. 338º e 53º do Código Penal Indonésio, na
pena de oito anos de prisão.
19. Condenar o arguido Gastão Salsinha, pela prática, em co-autoria, de
dois crimes de homicídio, na forma tentada, (tendo por vítimas Bobby
Agapito Gonçalves e Adolfo Soares dos Santos), p. e p. pelos arts. 338º e 53º
do Código Penal Indonésio, na pena de seis anos de prisão, para cada um
dos crimes.

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20. Condenar o arguido Gastão Salsinha, pela prática, em co-autoria, de
um crime de dano (tendo por objecto o veículo automóvel com a matrícula
PM 1), p. e p. pelo art. 406º do Código Penal Indonésio, na pena de um ano e
seis meses de prisão.
21. Condenar o arguido Gastão Salsinha, pela prática, em autoria
singular, de um crime de uso de arma proibida, p. e p. pelo art. 211º, nº 3, do
Código Penal de Timor Leste, na pena de dois anos de prisão.
22. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Gastão Salsinha condenado na
pena única de dez anos e oito meses de prisão.
23. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Amaro da Costa condenado na
pena única de dezasseis anos de prisão.
24. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Domingos do Amaral condenado
na pena única de dezasseis anos de prisão.
25. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Gilson José António da Silva
condenado na pena única de dezasseis anos de prisão.
26. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Paulo Neno Leos condenado na
pena única de dezasseis anos de prisão.
27. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Marcelo Caetano condenado na
pena única de dezasseis anos de prisão.
28. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Gilberto Suni Mota condenado na
pena única de dezasseis anos de prisão.
29. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Joanino Maria Guterres
condenado na pena única de dezasseis anos de prisão.
30. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Egídio Lay de Carvalho
condenado na pena única de dezasseis anos de prisão.
31. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Ismael Sansão Moniz Soares
condenado na pena única de dezasseis anos de prisão.
32. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Caetano dos Santos Ximenes
condenado na pena única de dezasseis anos de prisão.
33. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Avelino da Costa condenado na
pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
34. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Bernardo da Costa condenado na
pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
35. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Alexandre de Araújo condenado
na pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
36. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Januário Babo condenado na pena
única de nove anos e quatro meses de prisão.
37. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Raimundo Maia Barreto
condenado na pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
38. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Júlio Soares Guterres condenado
na pena única de nove anos e quatro meses de prisão.

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39. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Gaspar Lopes condenado na pena
única de nove anos e quatro meses de prisão.
40. Em cúmulo jurídico, foi o arguido José Agapito Madeira condenado
na pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
41. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Julião António Soares condenado
na pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
42. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Quintino Espírito Santo
condenado na pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
43. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Adolfo da Silva condenado na
pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
44. Em cúmulo jurídico, foi o arguido José da Costa Ventura condenado
na pena única de nove anos e quatro meses de prisão.
45. Em cúmulo jurídico, foi o arguido Francisco Ximenes Alves
condenado na pena única de nove anos e quatro meses de prisão.

Da decisão interpuseram o presente recurso ordinário:


(a) O Ministério Público no que tange à não condenação dos arguidos
Angelita Pires, Tito Tilman, Alfredo Andrade, João Amaral, Amaro da Costa,
Domingos do Amaral, Gilson José Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano,
Gilberto Sunimota, Joanino Maria Guterres, Egidio Lay Carvalho, Ismael
Sansão Moniz Soares e Caetano dos Santos Ximenes pelos crimes por que
vinham acusados;
(b) Os arguidos Amaro da Costa, Domingos Amaral, Gilson José
António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano,
Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay
Carvalho, Caetano dos Santos Ximenes, Bernardo da Costa, Avelino da
Costa, Alexandre de Araújo, Raimundo Maia Barreto, Januário Babo,
Gastão Salsinha, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito
Madeira, Julião António Soares, Quintino Espírito Santo, Adolfo da Silva,
José da Costa, Francisco Ximenes Alves, relativamente à decisão
condenatória.

O Ministério Público terminou as suas alegações com as seguintes


conclusões:
1 – Os arguidos Tito Tilman, Alfredo Andrade e João Amaral, que
estavam armados em Balibar, vindos de Lauala na companhia dos demais
arguidos, sejam condenados pelos crimes de homicídio tentado contra o
Primeiro Ministro e os dois seguranças deste, dano e uso de armas de fogo para
perturbação da ordem pública, p. e p. pelos arts. 53º e 338º, 406º do Código
Penal e art. 4º, nº 4.7, do Regulamento da UNTAET nº 5/2001 – art. 211º, nº 3,
do CPTLeste).

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2 – Só condenando estes arguidos é que se pode alcançar a igualdade da
decisão, tendo em conta a participação deles nas acções qualificadas como
crimes no do dia 11 de Fevereiro de 2008 em Balibar.
3 – Há matéria probatória suficiente, na esteira da que serviu para
condenar os arguidos Gastão Salsinha, Bernardo da Costa, Avelino da Costa,
Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio Soares
Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião António Soares,
Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa Ventura, e Francisco
Ximenes Alves, que permitia a condenação de Tito Tilman, Alfredo Andrade e
João Amaral, pelos três crimes de homicídio tentado, dano e uso de arma
proibida, p. e p. pelos arts. 53º e 338º, 406º do CPI e 211º, nº 3, do CP Timor
Leste.
4 – Tendo em conta a matéria fáctica, dada como provada, maxime nº 5,
8, 9, 13, 14, 15 e 16, a arguida Angelita seja condenada, pelos crimes por que
vinha acusada, tais como os de atentado contra o Presidente da República,
homicídio tentado, etc., p. e p. pelos art. 104º do Código Penal; 53º e 338º, art.
406º ambos do Código Penal; três crimes de dano p. e p. pelo do Código Penal
previstos nos artigos como instigadora ou pelo menos como cúmplice,
conforme preceituam os artigos 55º e seguintes do CP Indonésio.
5 – Os arguidos Amaro da Costa, Domingos Amaral, Gilson José António
da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino
Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho e Caetano
dos Santos Ximenes sejam condenados pelo crime de homicídio tentado, cuja
vítima é Celestino Filipe Gama, bem como o de dano, ocorrido no veículo por
ele conduzido.
6 – Os arguidos Amaro da Costa (PNTL), Domingos do Amaral (F-
FDTL), Gilson José Silva(F-FDTL), Paulo Neno Leos(F-FDTL), Marcelo
Caetano(F-FDTL), Gilberto Sunimota(F-FDTL), Joanino Maria Guterres(F-
FDTL), Egidio Lay Carvalho(F-FDTL), Ismael Sansão Moniz Soares(F-
FDTL), Caetano dos Santos Ximenes(F-FDTL), Gastão Salsinha(F-FDTL),
Avelino da Costa(F-FDTL), Bernardo da Costa(F-FDTL), Alexandre de
Araújo(PNTL), Januário Babo Soares(F-FDTL), Raimundo Maia Barreto(F-
FDTL), Júlio Soares Guterres(F-FDTL), Gaspar Lopes(F-FDTL), José Agapito
Madeira(F-FDTL), Julião António Soares(F-FDTL), Quintino Espirito
Santo(F-FDTL), Adolfo da Silva(F-FDTL), José da Costa Ventura(F-FDTL),
Tito Tilman(F-FDTL), João Amaral(F-FDTL), Francisco Ximenes Alves(F-
FDTL) e Alfredo de Andrade(F-FDTL) sejam condenados na pena acessória
ou complementar de demissão, respectivamente das F-FDTL e da PNTL, nos
termos das disposições combinadas dos arts. 338º, 350º e 35º do Código Penal
Indonésio, o que vai ao encontro dos factos provados, nomeadamente nº 100,
101, 104, etc.

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Os arguidos Domingos Amaral, Gilson José António da Silva, Paulo
Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria Guterres,
Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho, Caetano dos Santos
Ximenes, Bernardo da Costa, Avelino da Costa, Gastão Salsinha, Júlio Soares
Guterres, Gaspar Lopes, Julião António Soares e Quintino Espírito Santo
terminaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Os Arguidos vem acusados pelas práticas dos crimes expostos na
acusação;
2. Da sentença proferida o Recorrente recorre de facto e de direito, em
razão da série de nulidades existentes, erro na aplicação do direito e erro na
análise da prova;
3. O r. Acórdão É NULO, POIS VIOLOU O PRINCIPIO DO JUIZ
NATURAL, AO NÃO OBSERVAR AS REGRAS DE CONSTITUIÇÃO DO
TRIBUNAL PREVISTAS NA DIRECTIVA N. 02/2007, o que constitui uma
nulidade insanável nos termos do artigo 103 do CPP;
4. Também é nulo por não preencher os requisitos legais para a sua
elaboração, pois não foi feita na sua totalidade a elaboração e respostas aos
quesitos indispensáveis para a causa, o que acarreta a ausência de suporte
fático para a correta decisão da causa, ou seja, esta ausente a fundamentação de
facto essencial para a validade do acórdão, violando, assim, o disposto no
artigo 278 e 281 do CPP, tudo conforme exposto no corpo deste recurso e que
se dá por aqui transcrito;
5. De facto, nenhuma das relevantes questões trazidas pela Defesa dos
Arguidos foi levada em consideração na decisão, sequer houve quesitação
desta matéria, o que constitui uma omissão insuperável e insanável,
acarretando a nulidade do processo;
6. Em relação ao Despacho saneador, não pode o mesmo servir para
“responder” o recurso interposto pelos arguidos e nem para decidir o que já foi
decidido, sendo, em relação a estes aspectos, nulo tal despacho, pois proferido
quando o Tribunal a quo já tinha encerrado sua prestação jurisdicional, tudo
conforme fundamentação supra, que se da por aqui transcrita;
7. Assim, nas questões das nulidades invocadas pela defesa na sua
contestação e pendentes de recurso, o despacho saneador deve ser dado como
não escrito, pois viola o disposto no artigo 285 do CPP, tudo conforme
fundamentação supra;
8. No mérito da decisão das nulidades, equivocou-se o Tribunal quanto
aos argumentos da defesa, pois a defesa não se opõe a qualquer nome que seja
dado ao crime, mas não concorda que a um determinado tipo penal seja
incorporado uma conduta não prevista (detenção);

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9. A incorporação desta conduta é ilegal e viola todos os princípios do
Direito Penal e processual, nomeadamente o da tipificação e do devido
processo legal, bem como o de que não há crime sem lei anterior que o defina;
10. A alteração dos factos não pode ser utilizada se não surgirem factos
novos no decorrer da instrução;
11. A Alteração dos factos prevista no artigo 273 do CPP não tem como
finalidade a “emenda da acusação”;
12. A titularidade da acção penal é do MP, não cabendo ao Tribunal, em
nenhuma hipótese, a função de emendar a acusação;
13. Quem acusa não pode julgar a acção, ou seja, quem emenda a
acusação, acusa parcialmente, ficando, portanto, impedido de julgar, sob pena
de violar o principio do acusatório;
14. A alteração dos factos com a finalidade proposta pelo Tribunal a quo
viola o disposto no artigo 273 do CPP, tudo conforme fundamentação supra;
15. Viola, também, o artigo 132 da CRDTL;
16. Também o Tribunal a quo procedeu com erro notório na apreciação
da prova, afastando a prova pericial sem qualquer fundamento jurídico ou
fático aceitável, tudo conforme análise feita nas motivações deste recurso e que
se da por aqui transcrita;
17. Violou, portanto, o artigo 162 do CPP, bem como acarreta a anulação
da decisão com base no artigo 299 do CPP;
18. Deve a decisão ser anulada, também, pela existência de uma
contradição insanável entre a fundamentação e a matéria dada como provada;
19. O Tribunal a quo deu como provado que todos os arguidos
condenados estavam armados, mas na fundamentação (resposta a matéria de
facto) declarou que dois dos arguidos (dentre quatro que não pode precisar)
estavam desarmados, tudo conforme fundamentação supra;
20. Trata-se de nulidade de conhecimento oficioso, já que na mesma
decisão os dois factos não podem coexistir, sendo, portanto, nula pelo que é
previsto no artigo 299 do CPP;
21. Também, pelo mesmo motivo, verifica-se que neste aspecto houve um
erro notório na apreciação da prova, o que acarreta a nulidade da decisão;
22. Em relação ao Crime de Atentado ao Presidente da República deve ser
feito uma intepretação corretiva, já que o bem protegido é a governabilidade,
sendo que, em Timor Leste, o presidente não governa, ver explanação
constante na motivação do recurso;
23. Assim, em relação ao Presidente da República, deveriam os arguidos
responderem por tentativa de homicídio simples e não pelo crime de atentado
ao presidente, tudo conforme fundamentação supra;
24. Em direito penal não é possível uma interpretação extensiva para
prejudicar a posição do arguido, devendo, por isto, a decisão do Tribunal ser

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anulada, já que interpretou extensivamente o tipo previsto no artigo 104 do
CPI, ao invés de fazer uma interpretação corretiva, tudo conforme já exposto
no corpo do recurso;
25. Violou, assim, o disposto no artigo 104 do CPI, devendo a decisão ser
corrigida neste particular;
26. Requer, também, o reconhecimento das demais nulidade insanáveis
que o Tribunal de Recurso entender devida;
27. Portanto, requer que este Tribunal acolha as nulidades aqui arguidas,
principalmente aquelas previstas nas conclusões deste recurso, determinando
um novo julgamento perante o Tribunal a quo, pois foram violados
dispositivos legais já citados, foram violadas as garantias do arguido e o
princípio do devido processo legal.

Os arguidos Amaro da Costa, Adolfo da Silva, Alexandre de Araújo,


Francisco Ximenes Alves, José Agapito Madeira, José da Costa, Januário Babo
e Raimundo Maia Barreto terminaram as suas alegações com as seguintes
conclusões:
1. Wanhira iha inexistente ba ba acusaoes, nomos exames provas
testamunhal ho documentos que serve atu suporte alegasaun husi Ministerio
Publico.
2. Wainhira testamunha Domingos Pereira, ho Roque Rodrigues nebe
halo seguranca iha residencia Presidente nomos Primeiro Ministro, nia
Declarasaun la suporto acusaun nomos alegasaun husi Ministerio Publico, nee
hatudo momos katak Arguidos sira laiha intensaun nebe ladiak, atu halo delito
hasoru PM nomos Presidente.
3. Tan nee iha merito, atu husu Juiz atu , decretada a absolvição do réu,
forte no artigo do Código de Processo Penal, em ambos os delitos.
4. Basea ba facto fundamental nomos direito nebe Advogado menciona
iha leten mak ami husu pedido ba tribunal atu:
5. Indefere no Absolve reu AGORA recorentes husi disisaun Juiz coletivo
husi tomak, ou parcial tamba facta la hatudo katak sira comete delito nee
6. Meritissimo Juiz mos considera argudido sira Primaria, no
kolaborasaun diak nebe sira monstra durante audiencia nee atu hasai sira husi
Prisaun Preventiva ba fo Liberdade Total
7. Deklara rekursu nebe rekorentes sira nian ne'e procedente no provadu.
8. Deklara anula decisaun Tribunal Distrital de Dili.
9. Deklara remete processo ba Tribunal Distrital de Dili atu julgamentu
foun, ou
10. Deklara atu Tribunal de Rekursu bele halo aprecia ba prova sira nebé
iha audensia de julgamentu Tribunal Distrital de Dili la detekta hetan, ou

10
11. Sekarik Tribunal hanoin seluk husu tamba hahalok arguidos sira halo
iha situasaun krizi husu decizaun ne'ebe ba penae justu ba arguidos sira.

A arguida Angelita Maria Francisca Pires respondeu ao recurso interposto


pelo Ministério Público, solicitando:
a-) Que este Tribunal rejeite o recurso apresentado pelo Ministério
Público porque não se observou o estatuído no art. 301 do CPP, donde deixou-
se de apresentar as questões a serem conhecidas pelo Tribunal de Recurso, não
restando fixado o âmbito do recurso;
b-) Sendo rejeitado o recurso do MP, porque contrário às formalidades
legais, que sejam procedida à separação dos processos, nos termos do art. 25
do CPP, conforme requerimento já feito nos autos;
c-) Caso seja o recurso conhecido, ainda que o mesmo não tenha
obedecido as determinações legais, requer-se que o Tribunal de Recurso negue
provimento, acordando pela manutenção do acórdão atacado no que interessa à
salvaguarda dos interesses da arguida Angelita Pires pelas razões e conclusões
apresentadas.

O Ministério Público respondeu às alegações dos recursos interpostos


pelos arguidos Amaro da Costa, Domingos Amaral, Gilson José António da
Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria
Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho, Caetano dos
Santos Ximenes, Bernardo da Costa, Avelino da Costa, Alexandre de Araújo,
Raimundo Maia Barreto, Januário Babo, Gastão Salsinha, Júlio Soares
Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião António Soares,
Quintino Espírito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa, Francisco Ximenes
Alves subscritos pelos Defensores Drs. Manuel Sarmento, Rui Guterres, José
Pedro Camões e Arlindo Dias Sanches.
Invoca a extemporaneidade dos recursos, em virtude de os mesmos terem
sido interpostos mais de quinze dias após a leitura do acórdão recorrido.
No mais sustenta a improcedência dos recursos.

Não foi requerida audiência para produção de prova neste tribunal de


Recurso.
Foram colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo
legal.

Cumpre decidir.

B. Questões prévias

11
B.1. Extemporaneidade dos recursos interpostos pelos arguidos:

Pretende o Ministério Público que os recursos interpostos pelos arguidos


são extemporâneos, porquanto entraram em tribunal mais de quinze dias após a
prolação da decisão recorrida.
Nas suas alegações os arguidos Amaro da Costa, Adolfo da Silva,
Alexandre de Araújo, Francisco Ximenes Alves, José Agapito Madeira, José
da Costa, Januário Babo e Raimundo Maia Barreto já haviam reconhecido tal
facto, tendo referido em justificação que apenas foram notificados da decisão a
9 de Março de 2010, tendo a mesma sido proferida a 4 do mesmo mês.
Importa considerar que:
1. O acórdão sob recurso foi proferido no Tribunal Distrital de Dili a 3 de
Março do corrente ano de 2010, conforme acta de fls. 6236 e 6237;
2. Da mesma acta consta despacho segundo o qual “a decisão será
depositada na Secção Crime, na próxima sexta-feira, dia 05/03/2010, e
posteriormente serão notificados pessoalmente o digno Magistrado do MP,
ilustres defensores e advogados, bem como o arguido faltoso, após o que se
iniciará a contagem do prazo para as partes recorrerem”;
3. O acórdão foi depositado a 5 de Março de 2010, conforme cota de fls.
6488.
4. O arguido Bernardo da Costa, o Ministério Público e os defensores dos
arguidos foram notificados do acórdão a 8 do mesmo mês de Março, conforme
certidões de fls. 6496 a 6502;
5. As alegações dos arguidos recorrentes deram entrada no Tribunal
Distrital de Dili em 19 e 22 de Março.
Segue-se aqui por inteiro o já expendido no acórdão deste Tribunal de
Recurso de 6 de Maio de 2010, proferido no âmbito do processo nº
20/C.Ord./2010/TR:
O art. 300º, nº 1, do CPP estabelece que o prazo de recurso é de quinze
dias a contar da notificação da decisão ou a partir da data em que esta deve
considerar-se notificada.
Por outro lado, nos termos do art. 279º, nº 4, do CPP, a leitura do acórdão
equivale à notificação às pessoas que estiverem presentes ou deverem
considerar-se presentes na audiência.
Conforme consta da acta de fls. 6236 e 6237, quer o Ministério Público,
quer os arguidos, com excepção do arguido Bernardo da Costa, e seus
defensores estavam presentes na audiência de leitura do acórdão.
O prazo de interposição de recurso, como todo o prazo para a prática de
um acto processual, é um prazo peremptório, pelo que o seu decurso extingue

12
o direito de praticar o acto, conforme resulta do art. 110º, nº 3, do CPC, aqui
aplicável “ex vi” do art. 3º do CPP.
Porém, determina o nº 4 do já referido art. 110º do CPC que o acto poderá
ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento.
Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos
seus representantes ou mandatários (leia-se, ao Ministério Público arguidos e
seus defensores), que obste à prática atempada do acto – art 111º, nº 1, do
CPC.
É certo que o justo impedimento deve ser arguido pela parte interessada
aquando da prática do acto. Porém, quando o evento constitua facto notório e
seja previsível a impossibilidade da prática do acto dentro do prazo, o justo
impedimento é de conhecimento oficioso – nº 3 do mencionado art. 111º do
CPC.
Adaptando estas regras para o processo penal, atentas as necessidades de
garantia de defesa do arguido, com consagração constitucional (art. 34º, nº 3,
da Constituição da RDTL), não pode deixar de considerar que o depósito da
sentença feito depois da sua leitura constitui justo impedimento para efeitos de
prazo de recurso, nos termos apontados, independentemente de saber se o
defensor do arguido podia, apesar de tudo, apresentar as alegações dentro de
tal prazo.
Efectivamente, é impensável que o arguido possa interpor recurso da
decisão sem conhecer o seu exacto teor, que obviamente não se apreende na
audiência de leitura da mesma, sob pena de violação do direito de defesa do
arguido, sobretudo porque tem que apresentar simultaneamente as alegações de
recurso (art. 300º, nº 3, do CPP).
Assim, só depois de facultada a cópia da sentença o arguido pode de facto
exercer o seu direito de interpor o competente recurso da decisão.
Para melhor se perceber este raciocínio, imagine-se se, por absurdo, a
sentença é depositada depois do decurso do prazo para o recurso, ou no mesmo
dia, ou até no dia anterior. Tal significaria, a aceitar-se outra solução, que o
arguido ficaria impedido de recorrer.
Esta tem sido igualmente a jurisprudência seguida no Supremo Tribunal
de Justiça Brasileiro, para situação semelhante (art. 506º do CPC), que
determina que o prazo de recurso se inicia com a mera publicação do
dispositivo:
“A garantia do jurisdicionado, no particular, reside na publicidade do
julgamento e no acesso da parte ao inteiro teor do acórdão na data da
intimação” (STJ – 4ª Turma, Ag 22.210-4-RS-AgRg, DJU 27.6.94); e
“Exige-se esteja o aresto devidamente lavrado e assinado, para ser
integralmente conhecido” (RE 99226-0-MG, Rel. Min. Oscar Corrêa, DJU de
12-8-83).

13
Esse é também o sentido por exemplo da “Order 69A subrule 3(1)” do
“High Court Rules” do “Supreme Court em Darwin”, que determina que o
prazo de interposição de recurso se conta a partir da data em que “the judgment
wishing to be appealed from was handed down”.
Veja-se igualmente a Secção 64.6, pontos 1,5 e 14, “The Criminal
Procedure Rules 2010” (Austrália).
Também nos Estados Unidos, no caso de o tribunal não proferir logo
decisão sobre qualquer protesto, o prazo só se inicia depois da decisão sobre
este, conforme “Rules of the Supreme Court”.
Em Singapura, o prazo de recurso é de catorze dias, secção 45 (1) do
“Supreme Court of Judicature Act” (“Every appeal shall be by notice in
writing which shall be filed with the Registrar within 14 days after the date on
which the decision appealed against was given”). Porém, no caso de a decisão
não se encontrar escrita pelo juiz de cuja decisão se recorre, esta será
notificada ao recorrente, o qual terá um prazo de dez para apresentar as suas
alegações após tal notificação, independentemente do decurso do primeiro
prazo (secções 46 e 47 do mesmo “Supreme Court of Judicature Act”).
Em Portugal o prazo de interposição do recurso só se inicia “a partir da
notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na
secretaria”, conforme art. 411º, nº 1, do CCP Português.
Em suma, os ordenamentos jurídicos, pode-se dizer por unanimidade,
propugnam pela garantia do conhecimento de texto integral da decisão, por
parte do recorrente, como início do prazo para interposição do recurso, ou pelo
menos para a sua motivação, sendo certo que na legislação nacional o prazo é
o mesmo.
No caso da legislação nacional, as normas supra referidas pressupõem a
normalidade da situação de a sentença estar disponível na data da sua leitura.
Caso assim não ocorra, o que sempre se deve evitar, a situação deve ser
corrigida pelos mecanismos que o ordenamento jurídico disponibiliza para
correcção destas situações, conforme supra referido.
O que não se pode aceitar é que o direito fundamental de recurso da
sentença penal possa ser minimamente beliscado com a interpretação
puramente literal da norma.
No caso vertente, temos ainda que o Ministério Público e os defensores
dos arguidos foram notificados do acórdão sob recurso a 8 de Março de 2010,
tendo-lhes sido comunicado, por despacho transitado, que só a partir de tal data
se iniciaria o prazo para interposição do recurso. Assim, não podiam os
recorrentes deixar de considerar que só a partir dessa data começaria a correr o
prazo de recurso, conforme decorre do disposto no art. 160º, nº 3, CPC,
devidamente adaptado.

14
Assim, improcede a arguição de extemporaneidade do recurso dos
arguidos.

A.2 – Incompetência do tribunal, em razão da sua constituição:

Os arguidos Domingos Amaral, Gilson José António da Silva, Paulo


Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria Guterres,
Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho, Caetano dos Santos
Ximenes, Bernardo da Costa, Avelino da Costa, Gastão Salsinha, Júlio Soares
Guterres, Gaspar Lopes, Julião António Soares, Quintino Espírito Santo
vieram invocar a nulidade do acórdão por violação do princípio do juiz natural,
ao não observar as regras de constituição do tribunal previstas na Directiva nº
02/2007, o que constitui uma nulidade insanável nos termos do art. 103º do
CPP.
Sobre esta questão respondeu o Ministério Público pugnando pela
improcedência do recurso.
O colectivo de primeira instância foi constituídos pelos senhores juízes
nacionais Constâncio Barros Basmery (presidente), Antonino Gonçalves e
Deolindo dos Santos.
Nos termos do art. 17º, nº 3, do Regulamento da UNTAET nº 11/2000,
com a redacção dada pelo art. 1º do Regulamento da nº 25/2001, compete ao
Presidente do Tribunal de Recurso, todos os anos, estipular as regras de
distribuição de processos e de composição dos colectivos nos Tribunais
Distritais Nacionais.
O recorrente invoca a violação princípio do juiz natural, por terem sido
violadas as regras legais relativas ao modo de determinar a composição do
tribunal colectivo que procedeu ao julgamento, o que constitui, na sua óptica,
nulidade insanável do art. 103º, nº 1, al. a), do CPP.
Invoca, para o efeito, a violação do art. 5º, nº 3, da Directiva Prática nº
2/2007, nos termos do qual “o Juiz internacional que é o 1º adjunto só entra no
colectivo quando seja mesmo necessário, nomeadamente nos processos de
crimes graves e nos processos relativos à crise de Abril e Maio de 2006 e
meses subsequentes, devendo ser substituído através do mecanismo de
substituição previsto no mapa, sempre que possível”.
Diz-nos o princípio do juiz natural que a competência do tribunal se fixa
com a interposição e distribuição da acção, não podendo ser criados tribunais
especiais para a apreciação de uma acção em concreto. Por outro lado, se a
acção foi proposta em tribunal competente, segundo a lei então em vigor, esse
tribunal continuará a ser competente para julgar a acção até final.

15
O princípio do juiz natural tem consagração constitucional nos arts. 123º,
nº 2, que proíbe os tribunais de excepção e os tribunais especiais para o
julgamento de determinadas categorias de crime.
O princípio visa precisamente assegurar a imparcialidade (e a
independência) do juiz, exigindo-se que a designação do julgador se dê
anteriormente à ocorrência dos factos levados a julgamento e feita de forma
desvinculada de qualquer acontecimento concreto ocorrido ou que venha a
ocorrer. Juiz Natural é, assim, aquele que está previamente encarregado como
competente para o julgamento de determinadas causas abstractamente
previstas.
Não se desconhece a doutrina expressa no acórdão deste mesmo Tribunal
de Recurso de 27 de Setembro de 2007, proferido no âmbito do processo nº
45/CO/07/TR, invocado pelos recorrentes.
Escreveu-se neste que “as normas que regulam a composição do
Tribunal Colectivo são também normas de atribuição de competência.
Podem resultar directamente da lei, mas também podem resultar, como é o
caso, de competências delegadas pela própria lei aos titulares de cargos que
tem por função a gestão dos recursos humanos dos Tribunais (artigo 17º do
Regulamento 11/2000 da UNTAET, alterado pelo Regulamento 25/2001
da UNTAET)”.
Sucede, porém, que referida Directiva Prática nº 2/2007, de 7 de Março,
foi expressamente revogada pelo art. 6º da Directiva nº 6/2007, de 27 de
Agosto, rectificada pela Directiva nº 7/2007, de 31 de Agosto, sendo certo que
esta não impôs qualquer obrigatoriedade de intervenção de um juiz
internacional nos colectivos constituídos para julgamento nos processos
relativos à crise de Abril e Maio de 2006 e meses subsequentes, nem essa
obrigação resulta da lei.
Aliás, a Directiva nº 6/2007, de 27 de Agosto, foi revogada pela Directiva
nº 3/2008, de 4 de Março (art. 6º), a qual igualmente não fazia a aludida
imposição.
Na data em que se iniciou o julgamento dos presentes autos encontra-se
em vigor a Directiva nº 4/2008, de 6 de Março, com as alterações resultantes
das Directivas nº 5/2008, de 16 de Abril, 6/2008 de 21 de Maio, não resultando
de tal directiva a obrigatoriedade de constituição especial do colectivo para
julgamento nos processos relativos à crise de Abril e Maio de 2006 e meses
subsequentes.
Apresenta-se, pois, manifestamente infundado o argumento apresentado
pelos arguidos, improcedendo nesta parte o recurso.

B – Recursos intercalares

16
B.1 – Recurso de fls. 4647:

A fls. 4647, os arguidos Angelita Pires, Domingos Amaral, Gilson José


António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano,
Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho,
Caetano dos Santos Ximenes, Bernardo da Costa, Avelino da Costa, Gastão
Salsinha, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, Julião António Soares e
Quintino Espírito Santo vieram interpor recurso da decisão de fls. 4554, na
qual foi indeferida a arguição de nulidades e consequente arquivamento dos
autos, conforme requerimento de fls. 4515 a 4539.
Apresentam as seguintes conclusões:
a) Os recorrentes arguiram a nulidade da acusação, com fundamento no
que foi acima exposto;
b) O MM Juiz a quo não acolheu a arguição de nulidade invocada pela
defesa, apresentando os fundamentos jurídicos constantes no despacho, que se
dá por transcrito;
c) analisando cuidadosamente e de forma comparativa os fundamentos da
arguição de nulidade e do despacho atacado, verifica-se que não há nenhuma
relação entre eles, ou seja, o que foi despachado não era objecto do pedido, e o
que foi pedido, não foi analisado;
d) na parte relativa à arguição de nulidade, é evidente a ocorrência de
algum equivoco na elaboração do despacho, pois trata-se de fundamentos e
questionamentos que não estão relacionados com este processo;
e) portanto, diante da discrepância, não resta nenhuma dúvida de que o
pedido da defesa não foi analisado pelo Tribunal a quo , o que constitui uma
falta de prestação jurisdicional, o que impossibilitou que o arguido fosse
poupado de um julgamento desnecessário, face a nulidade arguida;
f) entretanto, não sendo este o entendimento do Tribunal de Recurso, deve
a decisão ser reformada, pois não está fundamentada em relação aos pontos
apresentados pela defesa.
g) assim, houve violação expressa do artigo 89º, nº 4, do CPP.
h) deve a decisão atacada ser reformada e substituída por outra que
analise adequadamente (e efectivamente) o requerido pela Defesa.
Não houve resposta do Ministério Público.
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“Preliminarmente, a arguida invoca a inépcia da acusação ( [...] a peça
acusatória é inepta ou nula), alegando para tanto que a acusação
manifestamente infundada nos termos conjugados dos arts. 1° al. c) e 239° al.
b) CPP, por os factos narrados não constituírem crime.

17
“Com o devido respeito por opinião contrária, a rejeição da acusação
conforme expressamente peticionada na 1ª conclusão carece de fundamento
legal, e soçobra por 3 ordens de razões:
“Em primeiro lugar por razões formais ou processuais: se concedido o
contraditório for invocada uma determinada invalidade e só posteriormente se
lhe seguir a decisão judicial, esta deverá apreciar e decidir das invalidades ate
então invocadas. Mas se, pelo contrário, a decisão judicial já está tornado
porque a lei (entendida esta mesmo no sentido mais amplo do termo) não prevê
o contraditório (como é o caso expresso do recebimento da acusação), então a
impugnação da mesma só poderá ser efectuada por via de recurso, e se no caso
tal for admissível. No presente caso a defesa não recorreu da decisão do
recebimento da acusação já judicialmente determinado e que lhe foi notificada.
Não poderá assim proceder o agora invocado por se tratar de meio processual
inidóneo para o efeito.
“Em segundo lugar, e ainda que assim não se considerasse, carece de
fundamento legal a afirmada sinonímia entre ineptidão e nulidade (a peça
acusatória é inepta ou nula).
“O regime das nulidades é o expressamente previsto nos arts. 102° a 108°
CPP. A invocada ineptidão, a existir, nunca seria nulidade, nem sanável, nem
insanável, mas antes uma mera irregularidade. Certamente que a sua invocação
é tempestiva, mas não se pode concluir que a invocada integração conceptual
do tipo conforme se argumenta de alguma forma inviabilize (possa par em
causa) a descoberta c/a verdade (necessariamente dos factos), como também é
requisito condicionante do peticionado expressamente previsto pelo art. 107°
CPP. Neste caso, ainda que eventualmente irregular, nunca pode ser declarado
inválido. In casu, não se trata de factos mas da sua subsequente subsunção
jurídica. Logo, improcede o requerido.
“Finalmente, e em terceiro lugar, a conclusão de que se o conceito de
imperícia corresponde ou não a negligencia é questão que transcende os factos
e que não é impediente da produção de prova sobre estes, sem prejuízo da
eventual operação dos institutos previstos nos arts. 27 ° a 275° se for o caso
disso e assim - a final - se vier a entender. ...
“Assim, sendo a questão no mínimo discutível, deixara de integrar a
necessária “manifesta” falta de fundamento conforme se exige. Também por
isso sempre improcederia o peticionado”.

Temos que decidir aqui sobre (a) a questão de falta de fundamentação do


despacho e (b) o mérito do recurso

a) Questão formal de falta de fundamentação do despacho:

18
Nos termos do art. 286º, al. a), do CPP, a decisão é nula se não contiver a
fundamentação de facto ou de direito.
No caso em análise, ainda que de forma sumária, o tribunal “a quo”
indicou os fundamentos da sua decisão, ou seja, que a arguição de nulidades
teria que ser efectuada antes da prolação do despacho sob recurso, uma vez
que, uma vez proferido este o tribunal tomou posição definitiva sobre a
inexistência da invocada manifesta falta de fundamento da acusação.
O facto de se ter referido que os arguidos usaram determinada
terminologia que não usaram no seu requerimento não afecta a decisão,
seguramente resultando de mero lapso em função do uso de suporte
informático.
Tal como acontece relativamente à fundamentação sobre a matéria de
facto, só se pode falar em falta de fundamentação quando não se entende o
raciocínio do julgador, quando o mesmo não logra explicitar os fundamentos
de direito da sua decisão. Veja-se a decisão proferida pelo Court of Appeal do
Reino Unido, no caso R (Servier Laboratories Limited) v National Institute for
Health and Clinical Excellence & Anr [2010] EWCA Civ 346, em
www.herbertsmith.com.
Ainda a este propósito veja-se Alexandre Araújo Costa, in “O Princípio da
Razoabilidade na Jurisprudência do STF: O século XX”, capítulo 76, que
acrescenta “a necessidade de oferecer argumentos racionalmente aceitáveis
está prevista no inciso IX do artigo 5 o da Constituição Federal (do Brasil),
segundo o qual todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário devem ser
fundamentados, sob pena de nulidade. O pressuposto necessário para o
controle de razoabilidade é a fundamentação das decisões, que possibilita a
avaliação das opções valorativas tomadas. Uma decisão sem fundamentos não
pode sequer ser criticada nos quadros do princípio da razoabilidade”.
Porém, como já se referiu supra, no caso vertente, a decisão encontra-se
fundamentada, sendo claro o raciocínio do julgador, sendo seguro que, para
que exista fundamentação, não se torna necessário invocar sequer qualquer
norma jurídica. A decisão poderá ser uma peça processual tecnicamente
deficiente, mas não será nula.
É evidente que os arguidos recorrentes não concordam com tal
fundamentação, mas não podem é afirmar que a mesma seja inexistente.

b) O mérito do recurso:

Não obstante o despacho de fls. 6243 e seguintes, precisamente porque se


entende que não existiu omissão de pronúncia, dir-se-á que:
No requerimento em causa, os recorrentes haviam invocado as seguintes
nulidades:

19
“I – NULIDADE - CRIME DE DENTENCAO E USO DE ARMAS
PARA A PERTURBAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA - CRIME
INEXISTENTE NO ORDENAMENTO JURIDICO DE TIMOR LESTE
“Todos os arguidos deste processo, com exceção da arguida Angelita
Pires, foram acusados do Crime de “Detencao e uso de armas de fogo para
perturbação da ordem pública, p. e p. pelo art. 4º n. 4.7 do Regulamento da
UNTAET, N 5/2001”, conforme consta na parte final da peça acusatória.
“Trata-se, porém, de figura jurídica inexistente na ordem jurídica de
Timor Leste. O crime de “Detenvao e Uso” de armas de fogo não está
consagrado no Regulamento da UNTAET, pelo menos nas suas versões em
Inglês e Português...
“Aceitando-se a acusação nos termos em que foi proposta, estar-se-ia
violando os princípios fundamentais do Direito Penal, tais como o da
“tipificação” e o princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina”.
“... requer a imediata actuação do Tribunal para julgar a acusação
manifestamente infundada, absolvendo os arguidos e arquivando a ação
penal”.
“II - NULIDADE - DESCRIÇÃO INCOMPLETA DO DOLO-
IMPOSSIBILIDADE DE DESCRICAO GENÉRICA- IMPUGNAÇÃO
“O processo penal adopta o princípio do acusatório, segundo o qual a
acusação deve conter de forma clara e precisa os factos imputados aos
arguidos, possibilitando o exercício de sua defesa. ... Desta forma, a correcta
descrição da conduta de cada um, principalmente em relação ao elemento
subjectivo da conduta torna-se imperioso.
“Portanto, não se admite a genérica afirmativa do MP do dolo directo,
feita com a simples intenção de suprir qualquer falha na descrição do elemento
subjectivo da peça acusatória, por não descrever em cada um dos crimes a
intenção dos agentes.
“III – AUSÊNCIA DA DESCRIÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO -
CRIME DE PERTURBAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA
“Em relação ao crime de uso de armas para a perturbação da ordem
pública, não pode prosperar a acusação neste particular por faltar a descrição
do elemento subjectivo do crime, que neste caso, é o dolo especifico”.
“... a ausência de tais elementos tornam a acusação manifestamente
infundada, nos termos do art. 1°, al. c c/c o art. 236, n. 3, ambos do CPP, argui-
se a nulidade do despacho de acusação, requerendo a rejeição da acusação, nos
termos que autoriza o art. 239, al. b) do CPP, ou que o Tribunal julgue a
acusação como manifestamente infundada para este crime, absolva os
arguidos, arquivando definitivamente o processo”.
“IV - CRIME DE ATENTADO CONTRA O PRESIDENTE DA
REPÚBLICA - INTERPRETAÇÃO CORRECTIVA - INEXISTÊNCIA

20
DA FIGURA JURÍDICA - ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO
JURÍDICA
“... o desvalor da conduta da suposta Tentativa de Homicídio conduzida
pelos arguidos contra o Exmo. Sr. Presidente da República não encontra
repercussão jurídica no Código Penal Indonésio como um crime especifico, ou
seja, os factos imputados aos arguidos (os quais negam veementemente) não
poderiam ser tipificados como o crime previsto no artigo 104 do CPI, mas, no
maxim, como uma tentativa de Homicídio Simples, crime previsto no artigo
338 do mesmo CPI.
“... ao fazer a devida adaptação ao sistema jurídico-político timorense, o
artigo 104 do Código Penal Indonésio pune o atentado contra quem tenha a
função de chefe de governo, ou seja, contra aquele que, se atingido pelo
atentado, possa ficar "impossibilitado de governar." Como é evidente, o
Presidente não tem, em Timor Leste, a função de Chefe de Governo.
“... tendo em vista a interpretação correctiva e por força do previsto no
artigo 274 do Código de Processo Penal, requer que seja feita a
“ALTERAÇÃ0 DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA" do crimes imputados aos
arguidos identificados no n. 1 da conclusão da acusação, bem como da arguida
Angelita Pires, para que os mesmos passem a responder apenas pelo Crime de
Homicídio (desde que as demais nulidades não sejam devidamente acatadas
por este Tribunal) previsto no artigo 338 do CPI e tido pelo Crime previsto no
artigo 104 do mesmo Código”.
“V- ANGELITA PIRES - NULIDADE DA ACUSAÇÃO EM
RELAÇÃO AOS CRIMES DE HOMICÍDIO E DANO - FALTA DO
ELEMENTO DOLO
“...os factos imputados à Arguida não podem prosperar, sendo nula a
acusação por faltar o elemento subjectivo em relação a todos os crimes que lhe
foi imputado.
“... a ausência de tais elementos tornam a acusação manifestamente
infundada, nos termos do art. 1°, al. c c/c o art. 236, n. 3, ambos do CPP, argui-
se a nulidade da acusação, requerendo a sua rejeição, nos termos que autoriza o
art. 239, al. b) do CPP, ou que o Tribunal julgue a acusação manifestamente
infundada, absolvendo a arguida dos crimes e arquivando definitivamente o
processo”.
“VI - ARGUIDA ANGELITA PIRES - CRIMES CONTRA O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA E CONTRA O PRIMEIRO MINISTRO -
FALTA DO ELEMENTO SUBJECTIVO NO CRIME DE INSTIGAÇÃO
“Faltou a peca acusatória a descrição do elemento subjectivo, mais
precisamente se existiu ou não o dolo directo da arguida. A acusação limitou-
se a dizer, apenas, que a conversa que a arguida mantinha com Major Alfredo
“poderia conduzir” a morte do Presidente da República e do Primeiro Ministro.

21
“... e uma vez que a ausência de tais elementos tornam a acusação
manifestamente infundada, nos termos do art. 1°, al. c c/c o art. 236, n. 3,
ambos do CPP, argui-se a nulidade da acusação, requerendo a sua rejeição, nos
termos que autoriza o art. 239, al. b) do CPP, ou que o Tribunal julgue a
acusação manifestamente infundada, absolvendo a arguida dos crimes e
arquivando definitivamente o processo”.

O Ministério Público acusou:


Os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José Silva,
Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano, Gilberto Sunimota, Joanino Maria
Guterres, Egidio Lay Carvalho, Ismael Sansão Moniz Soares e Caetano dos
Santos Ximenes, em co-autoria e autoria singular, na forma consumada, e em
concurso real, um crime de atentado contra a vida do Presidente da República,
p. e p. pelo art. 104º do Código Penal, doze crimes de homicídio tentado, p. e
p. pelos arts. 53º e 338º do Código Penal, um crime de dano, p. e p. pelo art.
406º do Código Penal, um crime de roubo, p. e p. pelo art. 365º/2, § 2º, do
Código Penal, um crime detenção e uso de armas de fogo para perturbação da
ordem pública, p. e p. pelo art. 4º nº 4.7 do Regulamento da UNTAET n.
5/2001.
Os arguidos Gastão Salsinha, Avelino da Costa, Bernardo da Costa,
Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio Soares
Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Juliano António Soares,
Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa Ventura, Tito Tilman,
João Amaral, Francisco Ximenes Alves e Alfredo de Andrade, em co-autoria e
autoria singular, na forma consumada, e em concurso real, sete crimes de
homicídio tentado, p. e p. pelos arts. 53º e 338º do Código Penal, dois crimes
de dano, p. e p. pelo art. 406 do Código Penal, um crime detenção e uso de
armas de fogo para perturbação da ordem pública, p. e p. pelo art. 4º nº 4.7 do
Regulamento da UNTAET n. 5/2001.
O arguido Gastão Salsinha, em autoria singular, na forma consumada e
em concurso real, um crime de conspiração, p. e p. pelos arts. 88º e 110º nº 1 e
5 do Código Penal.
A arguida Angelita Pires, como autora mediata e, em concurso real, nos
termos do art. 55º, nº 1, § 1, do Código Penal de um crime de atentado contra a
vida do Presidente da República, p. e p. pelo art. 104º do Código Penal, doze
crimes de homicídio tentado, p. e p. pelos arts. 53º e 338º do Código Penal,
sete crimes de homicídio tentado, p. e p. pelos arts. 53º e 338º do Código
Penal, três crimes de dano, p. e p. pelo art. 406º do Código Penal.

Quanto ao elemento subjectivo dos crime em causa, consta da acusação o


seguinte:

22
“Os arguidos sabiam que não pertenciam nem às F-FDTL, nem à PNTL, e
que, nesta condição, não podiam estar armados nem fardados com armas e
fardas das F-FDTL e da PNTL e que, tal era proibido por lei.
“Os arguidos sabiam também que não possuíam licença de uso e porte de
armas e munições, nem dela estavam isentos, pelo que não podiam tê-las na
sua posse nem usá-las, fora das condições legais, concretamente, para
perturbar a ordem pública instituída, e que, tais condutas eram proibidas por
lei.
“Sendo ex F-FDTLs e ex PNTLs, conheciam os arguidos, perfeitamente,
as características das armas e munições que detinham e sabiam que,
devidamente municiadas e disparadas contra o Presidente da República,
Primeiro-ministro, os seus respectivos seguranças e outras pessoas que
estivessem no local, eram aptas a causar-lhes a morte ou lesões contra a sua
integridade física e que, tais condutas eram proibidas por lei. A morte só não
sobreveio por razões alheias à vontade dos arguidos.
“Sabia o arguido Gastão Salsinha que ao combinar e planear, com outra
ou outras pessoas, matar ou agredir fisicamente o Presidente da República, tal
conduta era apta a conduzir a prática do crime planeado.
“Sabia a arguida Angelita Pires que, as conversas que tinha com o ex-
major Alfredo Reinado, pelo menos, as que eram presenciadas por alguns dos
arguidos, eram de molde a provocar nele e, consequentemente, nos demais
elementos do seu grupo, ódio e raiva contra o Presidente da República e
Primeiro-ministro, e que tal poderia conduzir a atentados contra as vidas dos
mesmos.
“Conheciam perfeitamente os arguidos, como timorenses, como ex F-
FDTLs e ex PNTLs, o Presidente da República Dr. Ramos Horta, a sua
residência, e que, como tal, disparar tiros de armas de fogo contra ele, eram
aptas a causar-lhe a morte ou lesões à sua integridade física, por forma a deixá-
lo incapaz de exercer as suas funções.
“Sabiam os arguidos que, essas armas, disparadas contra as viaturas
conduzidas pelos lesados, eram aptas a causar-lhes estragos e que, tais
condutas eram proibidas por lei.
“Sabiam ainda os arguidos que as armas que levaram da casa do
Presidente da República não lhes pertenciam, e não podiam fazê-lo contra a
vontade de quem as detinham nem fazê-las propriedades suas.
“Sabiam, por fim, os arguidos que os disparos sobre os veículos em que
seguiam o Primeiro-ministro, os seus seguranças e o militar Celestino Filipe
Gama, eram aptos a provocar-lhes danos.
“Os arguidos, em todas as circunstâncias acima descritas, quiseram os
respectivos resultados, que se verificaram, e agiram de forma livre, deliberada
e consciente, bem sabendo que, tais condutas eram proibidas por lei”.

23
Nos termos do disposto no art. 239º, al. b), do CPP, recebidos os autos no
tribunal, o juiz profere despacho de rejeição da acusação, se considerar a
acusação manifestamente infundada.
O CPP, no seu art. 1º, al. c), define como “acusação manifestamente
infundada” aquela que não contenha a narração dos factos ou as indicações
tendentes à identificação do arguido, não indique as disposições legais
aplicáveis ou as provas que fundamentam a acusação, ou cujos factos narrados
não constituam crime.
Os arguidos assentam a conclusão de ser a acusação manifestamente
infundada no primeiro elemento, falta de narração dos factos, ou falta do
elemento subjectivo, e no último, os factos narrados não constituem crime.
É óbvio que não se ignora a doutrina exposta por este mesmo Tribunal
de Recurso no acórdão de 8 de Novembro de 2007, no âmbito do processo
51/C0/07/TR, em que foi relator Jaime Pestana, e aqui invocado pelos
recorrentes. Aí se afirma que “o dolo contém dois elementos, são eles: a) o
elemento intelectual (corresponde ao conhecimento dos elementos objectivos
do tipo legal de crime) e b) o elemento volitivo (corresponde ao querer a prática
de um certo facto ou a produção de um resultado). Age com dolo quem
representa os elementos objectivos de um dado tipo de crime e age com o
propósito de os realizar”.
Ora, esses elementos constam da acusação pelo menos relativamente aos
crimes que não exigem dolo específico. Em relação aos crimes que só existem
com o dolo específico, não procede o argumento de a acusação ser
manifestamente infundada.
A falta de fundamentos da acusação só dá origem à rejeição da acusação
quando é manifesta, ostensivo e ter peso ou relevância tal que faça antever a
realização do julgamento como um acto inútil.
“Só será manifestamente infundada uma acusação que não contenha
factos que indiciem, com suficiência clara, de imediata constatação, a
verificação de um crime e de quem foi o seu agente, traduzindo, portanto, uma
deficiência grave, indiscutível e logo constatável” – Parecer da Procuradoria
Distrital de Lisboa, citado por Simas Santos e Leal Henriques, no “Código de
Processo Penal Português Anotado”, vol. 2º, pág. 232.
A acusação revela-se manifestamente infundada quando por forma clara e
inequívoca é desprovida de fundamento, seja por ausência de factos ou
carência de indícios, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer
norma jurídico-penal, representando a submissão a julgamento em tais
condições uma flagrante injustiça e violência para o arguido.
Ou seja, só a total e absoluta falta de narração dos factos que
fundamentam a acusação poderia relevar para os efeitos da alínea b) do art.
239º do CPP. Efectivamente, ainda que possa faltar algum facto relativo ao

24
dolo dos arguidos, certo é que sempre a acusação contém matéria suficiente
para, a provar-se, poder obter-se a condenação dos arguidos, ainda que por
crime diverso.
É certo ainda que a acusação é condição e limite do julgamento. Só assim
ficando satisfeitas as garantias de defesa que a Constituição consagra. Porém, a
acusação não pode ser rejeitada sempre que, pelo menos haja factos
consubstanciadores de um crime.
Neste sentido o acórdão deste Tribunal de 4-8-2008, proferido no âmbito
do processo nº 43/CO/2008/TR (relatado pelo mesmo relator deste), “a
acusação não se pode considerar manifestamente infundada quando os factos
imputados ao arguido, embora não integrem ou não sejam suficientes para
integrar o crime imputado, podem constituir outro crime, já que, nos termos do
art. 274º do CPP, o tribunal pode alterar a qualificação dos factos da
acusação”.
No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça
do Brasil HC 83542/PE, 1.ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de
26/3/2004, e habeas corpus nº 106.550-SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer,
DJ de 21/5/2007 (“a existência de meros indícios acerca da autoria bastam para
um juízo positivo na pronúncia”).
Ou seja, no caso vertente, do que se trata, portanto, é de uma questão de
improcedência da acusação a ser decidida no momento processual próprio do
conhecimento do mérito da acusação, ou seja, na sentença.
Assim, foi correctamente decidida a questão pelo tribunal “a quo”, pelo
que improcede o recurso em causa.

B.2 – Recurso de fls. 4960:

A fls. 4960, o Ministério Público veio interpor recurso da decisão de fls.


4982, na qual foi deferido “o requerimento pela arguida Angelita Pires, que a
Dra. Zeni como advogada da defesa e o Dr. Jon Tipet como assistente, para ser
representada a arguida”.
Apresenta as seguintes conclusões:
1. Que seja alterado o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz no
sentido de que deviam os Drs. Zeny Arndt, oriunda do Brasil, e John Tippett,
QC, oriundo da Austrália, apresentar o documento que estão autorizados a
exercer a advocacia em Timor Leste, conforme estipula a Lei nº 11/2008, de 30
de Julho, maxime os artigos 2 e 22.
2. Que a escolha feita pela arguida e que seria aceite pelo tribunal, devia
recair apenas num dos defensores, que dominasse, pelo menos, uma das
línguas nacionais de Timor Leste.

25
3. Que em situação análoga, não era permitido a um cidadão, timorense,
sendo licenciado em Direito, exercer a advocacia quer no Brasil quer na
Austrália, sem previamente demonstrar estar apto para o exercício da profissão
de advocacia.
4. Que não deve ser considerado esse exercício de advocacia, como de
esporádico, e mesmo que fosse, devia ser observado o que diz a Lei sobre o
exercício dessa profissão em Timor Leste.
5. Que seja declarado não ter havido o cumprimento da Lei 11/2008, no
que concerne a quem devia ter sido solicitado previamente a autorização para
exercer a advocacia em Timor Leste, e que devia ser solicitado ao CFJ -
Ministério da Justiça.
A arguida contra alegou alegando como preliminar que o recurso não
pode ser admitido, nem conhecido porque interposto fora do prazo legal, ou
há-de ser rejeitado liminarmente por falta das conclusões.
Mais apresenta as seguintes conclusões:
1. Os advogados internacionais de Angelita Maria Francisca Pires foram
contratados pelo Governo Australiano em decorrência de ser a arguida cidadã
timorense/portuguesa/australiana;
2. A CRTL no artigo 32° n. 2 confere à pessoa em conflito com a lei
penal o direito de escolher defensor de sua plena confiança. Esse direito é
consagrado como fundamental, em cláusula constitucional pétrea;
2.a) Angelita Pires, em audiência do dia 13 de julho, ratificou a sua
escolha perante o Tribunal Distrital de Dili, exercitando o direito conferido na
Lei das Leis e na lei infra-constitucional;
2.b) Angelita Pires, por escrito, comunicou ao Tribunal Distrital de Dili
que os seus advogados estavam escolhidos e que eram os Drs. Jon Tippett e
Zeni Alves Arndt, porque de sua confiança, em obediência ao disposto no
artigo 70°, n. 1 da Lei n. 11/2008;
2.c) A Embaixada da Austrália deu ciência da contratação da Dra. Zeni
Alves Arndt e do Dr. Jon Tippett tanto a Ministra da Justiça, quanto ao
Presidente desse Tribunal, sendo que essas autoridades mandaram juntar o
documento ao processo para que o Tribunal Distrital de Dili decidisse (docs.
em anexo aos autos);
3. O artigo 23° da CRTL assegura que a interpretação dos direitos
fundamentais deve ser em consonância com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e, neste estatuto (artigo XI), tem-se reconhecido o direito de
defesa ampla, da igualdade processual e do contraditório;
4. O artigo 9° da CRTL determina que a ordem jurídica timorense adote
os princípios de direito internacional geral e comum (ampla defesa, igualdade
processual e contraditório estão inclusos nessa ordem);

26
5. O artigo 66°, n. 1, primeira parte do CPP, confere à arguida o direito de
escolha dos seus defensores em primeiro lugar. Somente se não o fizer é que o
Tribunal lhe poderá nomear alguém, preferencialmente habilitado em direito;
5.1. Não existe no sistema jurídico a figura do “defensor oficioso”. Ou a
arguida tem um Defensor Público que é agente político de Estado; ou tem
advogado privado. Optou por ter advogados privados e, porque pobre, o
Governo Australiano paga os honorários dos profissionais;
6. A Dra. Zeni Alves Arndt fala a língua portuguesa e provém de país
onde vige o sistema civilista, tendo sido selecionada e aprovada, inclusive,
para ajudar a estruturar a Defensoria Pública de Timor-Leste (2006/2008).
Consequentemente, conhece o sistema jurídico vigente neste país. O Dr. Jon
Tippett foi aprovado pelo Tribunal na figura de assistente de defesa devido a
farta experiência em forense e porque poderá ajudar o Tribunal na descoberta
da verdade material, pois que estamos tratando de processo complexo.
6.1. O recorrente não demonstrou em que dispositivo legal se embasa para
sustentar ofensa ao princípio da reciprocidade. Está errada o que sustentou,
porque: o que não é proibido, é juridicamente permitido (princípio da
legalidade).
7. Quer o Dr. Jon Tippett, quer a Dra. Zeni Arndt não estão fixados em
Timor Leste para exercer a advocacia privada, o que os obrigaria a fazer a
inscrição junto ao CFJ. Estão atuando exclusivamente em um (1) processo, o
que caracteriza provisoriedade, precariedade, carácter esporádico. Tanto faz
que a audiência seja uma (1) ou múltiplas devido ao grande número de
testemunhas apresentadas pelo Ministério Público e ao número dos acusados
(acima de 100).
Consequentemente, por força do artigo 70°, n. 1 da Lei n. 11/2008 os dois
advogados NÃO PRECISAM ESTAR INSCRITOS NO CFJ para trabalhar
em um único casam. Preenchidos, pois, todos os requisitos da Lei n. 11/2008.
8. A ameaça feita pelo recorrente tanto aos juízes do Tribunal distrital de
Dili, quanto aos dois advogados é um expediente utilizado apenas para tentar
amedrontar e constitui o crime de denunciação caluniosa, o que deve ser
tratado fora da esfera deste recurso por respeito a Vossas Excelências e aos
Juízes do Tribunal Distrital de Dili que preferiram a Decisão Recorrida; os
quais mantém, de forma exemplar a disciplina no desenrolar dos traba1hos
neste processo: proferindo decisões sérias, imparciais, corretas e dentro dos
ditames da lei processual penal e constitucional.

Temos que decidir aqui sobre (a) a extemporaneidade do recurso, (b) a


falta de conclusões, (c) a questão de mérito

a) A extemporaneidade do recurso:

27
A recorrida veio invocar a extemporaneidade do recurso alegando que o
mesmo só podia ter sido interposto para a acta na altura em que o despacho foi
proferido, por se tratar de decisão proferida oralmente para a acta da audiência
de julgamento.
Importa considerar que:
1. O despacho sob recurso foi proferido oralmente para a acta da
audiência de julgamento a 13 de Julho de 2009, conforme acta de fls. 4976 a
4983;
2. O recurso foi interposto a 28 do mesmo mês de Julho de 2009,
conforme requerimento de fls. 4960.
Nos termos do art. 300º, nº 1, do CPP, o prazo de recurso é de quinze dias
a contar da notificação da decisão ou a partir da data em que esta deve
considerar-se notificada.
Por seu lado, estabelece o art. 279º, nº 4, do CPP, que a leitura do acórdão
equivale à notificação às pessoas que estiverem presentes ou deverem
considerar-se presentes na audiência.
A arguida invoca o disposto no art. 300º, nº 2, do CPP, o qual determina
que o recurso é interposto por requerimento ou por simples declaração na acta
se relativo a decisão proferida em audiência.
Analisado os factos supra referidos constata-se que o recurso foi
interposto por requerimento, dentro do prazo estabelecido no art. 300º, nº 1.
É óbvio que não procede a arguição da recorrente.
A preposição “ou” significa precisamente que fica na disponibilidade do
recorrente interpor o recurso de imediato, para a acta, motivando-o
posteriormente, nos termos do art. 300º, nº 4, do CPP, ou antes recorrer
posteriormente, no prazo de quinze dias, apresentando então de imediato a
motivação do recurso, nos termos do nº 3 do mesmo preceito.
Todo o normativo do at. 300º, nº 2, do CPP diz respeito à interposição de
recurso de decisão proferida em audiência e não apenas a segunda parte. Para
as restantes decisões tem aplicação o disposto no nº 1 do mesmo artigo.
Ou seja, o recorrente pode preferir interpor imediatamente recurso, se
nisso tiver interesse, nomeadamente em função da eventual alteração da
posição processual que o despacho possa implicar, ou, no caso contrário, optar
por analisar melhor a questão e interpor recurso posteriormente.
A não se entender assim, por exemplo, teriam sempre que ser interpostos
para a acta os recursos das decisões finais, questão que nunca sequer foi
colocada.
Em conclusão, o art. 300º, nº 2, do CPP, não impõe qualquer obrigação de
interposição imediata do recurso dos despachos proferidos em audiência.
Assim, improcede a arguição da extemporaneidade do recurso.

28
b) A falta de conclusões:

A recorrida sustenta ainda que o recurso deve ser rejeitado liminarmente


por falta das conclusões.
Nos termos do art. 301º, nº 1, do CPP, a motivação enuncia
especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de
conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do
pedido.
Acrescenta o nº 2 do mesmo preceito que, versando matéria de direito, as
conclusões indicam ainda sob pena de rejeição, a) as normas jurídicas violadas,
b) o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido
interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter
sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, e c) em caso de erro na
determinação da norma aplicável, a norma que, no entendimento do recorrente,
deve ser aplicada.
Ora, nas suas conclusões o Ministério Público indica as normas jurídicas
violadas (os artigos 2º e 22º da Lei nº 11/2008, de 30 de Julho – conclusão
primeira), bem como o sentido em que, no entendimento do recorrente, o
tribunal recorrido interpretou as referidas normas ou com que as aplicou e o
sentido em que elas deviam ter sido interpretadas ou com que deviam ter sido
aplicadas (conclusões quarta e quinta).
Não se vislumbra, pois, a irregularidade apontada, pelo que se indefere o
pedido de rejeição do recurso.

c) A questão de mérito:

A questão colocada consiste apenas em determinar se os causídicos em


questão, escolhidos como seus defensores pela arguida, podiam ou não invocar
a sua qualidade de advogados. Efectivamente, o recorrente não questiona que à
arguida seja nomeado defensor a pessoa que ela deseja e que indicou, ao abrigo
do preceituado no art. 34º, nº 2, da Constituição, apenas se insurgindo contra o
facto de as pessoas em questão invocarem a sua qualidade de advogados.
Importa desde já acentuar a futilidade da questão colocada. Porém, até por
imperativo legal, não deixa este Tribunal de Recurso de a conhecer.
Pelo despacho recorrido foi nomeada defensora à arguida Angelita Maria
Francisca Pires a Dra. Zeni Alves Arndt e nomeado assistente desta o Dr. Jon
Tippett;
A Dra. Zeni Alves Arndt é jurista e desempenha as funções de defensora
pública no Brasil, conforme resulta à exaustão dos documentos de fls. 5094 a

29
5105, sendo certo que tal já resultava dos autos face a outros documentos
entretanto juntos;
O Dr. Jon Tippett é igualmente jurista, na Autrália, onde desempenha as
funções de advogado, conforme documento de fls. 5106, o que também resulta
de vários outros documentos juntos aos autos.
Nos termos do art. 2º, nº 1, da Lei nº 11/2008, de 30 de Julho, salvo
disposição em contrário, o exercício da profissão de advogado e o uso do
respectivo título são reservados a quem estiver inscrito nessa qualidade no
Centro de For-mação Jurídica (CFJ), até ser criada e entrar em funções a
Ordem dos Advogados.
Acrescenta o art. 22º, nº 1, da mesma Lei, que salvo disposição em
contrário, só quem está autorizado a exercer advocacia nos termos da presente
lei pode praticar actos próprios dos advogados perante qualquer jurisdição,
instância, autoridade ou entidade pública ou privada.
Não se questiona que os advogados em questão não se encontram
inscritos no CFJ. Trata-se de questão pacífica.
Porém, como afirma a recorrente, nos termos do disposto no art. 70º, nº 1,
ainda da Lei nº 11/2008, de 30 de Julho, é admissível o exercício esporádico de
advocacia por advogado não inscrito nos termos da presente lei desde que o
representado comunique à entidade que tem a direcção do acto ou do processo
que o seu constituinte prefere ser representado ou assistido por ele.
Esta situação verificou-se manifestamente no caso vertente.
É precisamente por reconhecer tal facto que o recorrente vem invocar que
não se está, no caso vertente perante uma situação de exercício esporádico de
advocacia.
Nos termos do nº 2 do referido art. 70º da Lei nº 11/2008, de 30 de Julho,
entende-se por exercício esporádico de advocacia aquele feito sem carácter de
regularidade.
Uma vez que os juristas em questão, conforme por eles manifestado,
pretende intervir apenas neste processo e não passarem a exercer advocacia no
país com carácter regular, não se vislumbra a questão colocada pelo Ministério
Público neste recurso, que assim se julga manifestamente improcedente.

B.3 – Recurso de fls. 5208:

A fls. 5208, os arguidos Domingos Amaral, Gilson José António da Silva,


Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria
Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho, Caetano dos
Santos Ximenes, Bernardo da Costa, Avelino da Costa, Gastão Salsinha, Júlio
Soares Guterres, Gaspar Lopes, Julião António Soares e Quintino Espírito

30
Santo vieram interpor recurso da decisão de fls. 5202, que recusou pedido de
reagendamento da audiência.
Os recorrente vieram, porém, desistir do recurso, por inutilidade
superveniente do mesmo, a fls. 5515.
Assim, nada há a apreciar ou decidir relativamente a esta questão.

B.4 – Recurso de fls. 6004:

A fls. 6004, a arguida Angelita Maria Francisca Pires veio interpor


recurso da decisão de fls. 5885 a 5889, na parte em que indeferiu o seu pedido
de audição de um perito para analisar as fotografias juntas aos autos da
autópsia de Leopoldino Exposto e Alfredo Reinado e a presença de Mouzinho
Correia para que juntasse as demais fotografias tiradas em tal acto.
Embora tal recurso tenha sido recebido com subida imediata, em separado
e efeito devolutivo, o mesmo nunca chegou a ser processado como tal, pelo
que importa dele conhecer neste momento.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. A análise das fotografias pela defesa juntas (e já desentranhadas),
permitira esclarecer, consoante a averiguação das lesões provocadas nos
corpos de Leopoldino Exposto e Alfredo Reinado, a distância em que ambos
foram mortos e, especialmente, em quais circunstancias ambos foram
alvejados. Pode ser indicada também, consoante a análise destas fotografias e
de outras requeridas e cujo pedido foi indeferido pelo Tribunal “a quo”, para
além da distância entre as vítimas, o cano da arma utilizada para atingí-los;
2. A visualização da extensão da tatuagem causada pela pólvora nos
corpos de Leopoldino Exposto e Alfredo Reinado, especialmente no rosto,
mãos e parte de trás da cabeça (e aqui observamos que tatuagens causadas pela
pólvora somente se verifica quando uma arma é disparada a curta distância do
corpo da vítima), indicam que a versão apresentada por vários dos lesados,
dentre eles Francisco Marçal – o qual assevera que matou Alfredo a uma
distancia de 40 metros! –, não condiz com a realidade.
3. A munição utilizada pelo Major Alfredo e seus homens e também as
munições utilizadas pelos membros da FDTL que estavam dentro do
“compound” do Presidente tinham a seguinte especificação: calibre 5.56mm
NATO. Como é sabido, este tipo de munição – 5.56mm NATO –. Presentes
aqui, portanto, características peculiares que não foram devidamente descritas
nas autópsias feitas. Neste sentido, pondere-se que as fotografias tiradas no
instante em que as autópsias foram realizadas são essenciais para se determinar
o tipo minicão e, em especial, o tipo de arma que, utilizada, ocasionou a morte
de Exposto e Reinado.

31
4. Portanto, a designação da distância e das características das lesões são
sim importantes para a descoberta da verdade e, consequentemente, para a boa
decisão da causa. É relevante descobrir se as feridas em cada um dos mortos
referem-se a ferimentos ocasionados a uma “distância próxima” (near contact
wounds); “muito próxima” (contact wounds); “se a arma estava sendo
pressionada sobre a pele de qualquer das vitimas” – o que resultaria em
ferimentos profundos (hard contact wounds) –; o ângulo do cano da arma, o
que poderia resultar, em tese, em ferimentos angulares (“angled contact
wounds”) ou, por fim, em ferimentos intermediários (“angled contact
wounds”). Isso porque, ao se concluir a natureza dos ferimentos, se
conclui também como Leopoldino e Reinado estavam no momento exacto em
que foram atingidos e, via de consequência, as circunstâncias que levaram
estes dois a serem mortos.
5. Uma vez identificado e determinado que as armas e munições
utilizadas para matarem Reinado e Leopoldino não foram nenhuma daquelas
utilizadas pela guarda e seguranças do PR, não há que se falar que Alfredo e
seus homens foram para aquele local a fim de praticarem de forma livre e
consciente qualquer acto típico e ilícito contra a vida do Presidente da
República e contra quem quer que seja.
6. Uma análise das fotografias por uma equipe de patologia forense e
especialistas em balística poderá facilmente indicar o tipo de arma utilizada,
tipo de munição que causou aquelas tatuagens e, por fim, a distância com que
cada arma foi acionada em relação a cada uma das vítimas (Alfredo e
Leopoldino).
7. O pedido feito refere-se a prova material, técnica, provas estas que
podem evidenciar que Leopoldino e Alfredo Reinado foram executados e que
não se encontravam na casa do Presidente José Ramos Horta na manhã do dia
11 de Fevereiro para fazer qualquer mal grave e injusto contra este e contra
qualquer outro que naquele local se encontrasse. Por esta razão, tais provas,
materiais, são extremamente relevantes para a descoberta da verdade.
8. A conclusão a ser extraída da análise destas fotografias contraditará
todas as versões apresentadas pelos lesados em sede de julgamento em relação
aos incidentes ocorridos na residência do Presidente da República na manhã do
dia 11 de Fevereiro de 2008.
9. A prova cuja produção se requer, como já fundamentado, poderá trazer
evidências eficientes a combater as alegações da acusação no sentido de que
Alfredo Reinado e Leopoldino Exposto estavam na residência do Presidente a
fim de causar-lhe danos e, especialmente, que Angelita Pires teve alguma
participação nisso.
10. Impedir a produção e análise da prova requerida é cercear o direito de
se defender de forma ampla, muito menos quando o que se requer nenhum

32
prejuízo trará ao processo mas, ao contrário, auxiliará o Tribunal a decidir de
forma justa e com amparo em provas técnicas.
O Ministério Público defende a improcedência do recurso, mas
apresentou as suas alegações para além do prazo, invocando justo
impedimento, dizendo que teve um problema de informática que impediu a
impressão das suas alegações em tempo, em relação ao qual junta documento
comprovativo.

O art. 300º, nº 1, do CPP estabelece que o prazo de recurso é de quinze


dias a contar da notificação da decisão ou a partir da data em que esta deve
considerar-se notificada.
O prazo de interposição de recurso, como todo o prazo para a prática de
um acto processual, é um prazo peremptório, pelo que o seu decurso extingue
o direito de praticar o acto, conforme resulta do art. 110º, nº 3, do CPC, aqui
aplicável “ex vi” do art. 3º do CPP.
Porém, determina o nº 4 do já referido art. 110º do CPC que o acto poderá
ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento.
O recorrido invocou atempadamente o justo impedimento e apresentou
prova do mesmo.
Assim, consideram-se tempestivas as alegações.

O art. 252º do CPP regula os princípios gerais da produção e admissão da


prova em julgamento. Este direito tem tradução e assento constitucional, uma
vez que o direito à produção de prova é uma das componentes do direito de
acesso ao tribunal e das garantias de defesa – respectivamente previstos nos
arts. 26º, nº 1, e 34º, nº3, da Constituição.
Durante a audiência de julgamento no tribunal de primeira instância, o
MP e o arguido podem requerer a produção de meios de prova. No entanto,
esta faculdade tem carácter excepcional, constando dos arts. 236º, nº 5, e 241º,
nº 1, os prazos para requerer a produção de prova.
É certo que o juiz pode ordenar a produção de prova durante a audiência,
se tal se afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa
(carácter oficioso da investigação probatória).
Trata-se de um poder dever, no sentido de que o juiz não pode recusar a
admissão de meios de prova fundamentais para a descoberta da verdade
material.
“Em busca da verdade dos fatos, afasta-se os formalismos em prol da
busca da verdade material e correta aplicação do princípio da legalidade” –
Henrique Rocha Fraga, in “Os princípios da legalidade, da verdade material e
do inquisitório perante a atividade administrativa de lançamento tributário”,
Brasil 2007.

33
O CPP harmoniza, deste modo, o princípio da investigação ou da verdade
material, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, de molde a que
nem o primeiro daqueles princípios nem as garantias de defesa sofram
qualquer restrição durante a audiência; mas o segundo daqueles princípios não
deixa de ser aplicado a qualquer prova que o juiz considere necessária para a
boa decisão da causa, apesar de se poder entender que existe desvantagem
relativa da acusação, uma vez que dela teve posterior conhecimento.
“A decisão judicial é legitimada pelo procedimento que a precede. São a
forma e as garantias que permeiam o procedimento que permitem que a
decisão daí emanada seja legítima e represente, ipso facto, a manifestação de
um Estado de Direito. E esta legitimação se dá na proporção direta do grau de
participação que se autoriza aos sujeitos envolvidos no conflito para a
formação do convencimento judicial. Assim é que esta participação se dá, em
linhas genéricas, por intermédio de alegações e de comprovações; permite-se
que as partes afirmem as situações de fato e de direito (em suma, os fatos
jurídicos) que embasam suas pretensões ou suas exceções e, como
conseqüência necessária, autoriza-se os sujeitos a comprovar (rectius, a
convencer) ao magistrado que tais afirmações de fato realmente são
verossímeis. A prova assume, então, um papel de argumento retórico, elemento
de argumentação, dirigido a convencer o magistrado de que a afirmação feita
pela parte, no sentido de que alguma coisa efetivamente ocorreu, merece
crédito”.
Porém, “este meio deve enquadrar-se nas prescrições legais atinentes à
matéria (ainda que a lei autorize a liberdade plena destas vias), sendo que estes
comandos representam os critérios prévios, determinantes da possibilidade do
“diálogo”; assim é que estas determinações de lei podem regular tanto o modo
de formação da prova, como sua produção dentro do processo, como ainda
podem condicional a sua força probante no limite do convencimento do
Estado-Jurisdição (prova legal)” – Sérgio Cruz Arenhart, “A verdade e a prova
no processo civil” (Brasil).
Significa isto, que o tribunal não deve aceitar a produção de toda e
qualquer prova requerida pelo Ministério Público ou pela defesa, até porque
estamos no âmbito da actuação oficiosa da tribunal, mas não a deve indeferir
quanto tal prova se revele pertinente para obter a verdade dos factos sujeitos a
julgamento, uma vez que, como já se referiu, estamos perante um verdadeiro
poder-dever do juiz.
“O método através do qual se indaga deve constituir, por si só, um valor,
restringindo o campo em que se exerce a atuação do juiz e das partes. Assim
entendido, o rito probatório não configura um formalismo inútil,
transformando-se, ele próprio, em um escopo a ser visado, em uma exigência
ética a ser respeitada, em um instrumento de garantia para o indivíduo. A

34
legalidade na disciplina da prova não indica um retorno ao sistema da prova
legal, mas assinala a defesa das formas processuais em nome da tutela dos
direitos do acusado: as velhas regras da prova legal apresentavam-se como
regras para a melhor pesquisa da verdade; seu valor era um valor de verdade.
Hoje, bem pelo contrário, as regras probatórias devem ser vistas como normas
de tutela da esfera pessoal de liberdade: seu valor é um valor de garantia” –
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães
Gomes Filho, in “As Nulidades no Processo Penal”, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1997, pág. 128.
Deverá então proceder o recurso?
Assinala-se desde já que a matéria em questão deverá ser melhor
analisada aquando do conhecimento dos recursos interpostos da decisão final,
uma vez que então se irá verificar de eventuais erros na apreciação da prova.
Porém, no caso vertente pode-se adiantar que não se vislumbra qualquer
necessidade da prova requerida para aferir a verdade material.
Como é evidente o objecto do processo é balizado pela acusação. O que
importa determinar é se ocorreram ou não os factos descritos na acusação e
como ali se relatam. Os factos marginais à mesma só devem ser considerados
para aferir a ocorrência dos primeiros ou as circunstâncias que os envolveram.
Quanto à junção das fotografias em causa, para além das que já constam
dos autos, não se vislumbra qualquer interesse, a não para demonstrar que
poderá não ter sido a testemunha referida na acusação quem provocou a morte
aos aludidos Alfredo Reinado e Leopoldino Exposto, ou que poderá ter sido
outra pessoa, que não nenhum dos arguidos a disparar sobre o Presidente da
República.
Muito menos se poderá esperar que o tribunal que um “perito” possa
elucidar o tribunal apenas mediante a exibição de fotografias, ou que este
possa acrescentar alguma coisa ou contradizer o que já consta dos autos, sendo
importante referir que foram juntos relatórios de autópsia às pessoas em
questão.
Não se pretende referir que o requerimento seja dilatório, nem isso se
disse no despacho sob recurso. O meio de prova tem um fim dilatório quando o
requerente quer ou tem consciência de que ao apresentar o requerimento, vai
prejudicar o regular andamento dos autos, sem que objectivamente a prova
possa contribuir para o esclarecimento da verdade material.
Porém, não se afigura, com o tribunal “a quo”, que a prova requerida
pudesse vir a ter qualquer tipo de influência na decisão final.
Apesar de o disposto no art. 252º do CPP ser um poder-dever, como já se
enfatizou por demais, não deixa o juiz de ser o árbitro da necessidade dos
meios de prova solicitados, uma vez que estamos na esfera da sua actuação
oficiosa.

35
De todo o modo, o indeferimento de provas que a defesa repute essenciais
para a descoberta da verdade material constitui mera nulidade relativa, nos
termos do disposto no art. 104º, nº 1, al. d), do CPP, pelo que teria que ser
arguida no prazo de cinco dias após a notificação do respectivo despacho, sob
pena de se considerar sanada, nos termos do art. 105º, nº 1, do mesmo Código.
Assim, quando a arguida recorreu do despacho já a aludida nulidade se
encontrava sanada, pelo que já não poderia recorrer do despacho em causa.
Pelo exposto, nenhuma censura merece o despacho recorrido e o recurso
não pode procedente.

B.5 – Recurso de fls. 6174:

A fls. 6174, os arguidos Domingos Amaral, Gilson José António da Silva,


Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria
Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho, Caetano dos
Santos Ximenes, Bernardo da Costa, Avelino da Costa, Gastão Salsinha, Júlio
Soares Guterres, Gaspar Lopes, Julião António Soares e Quintino Espírito
Santo vieram interpor recurso da decisão de fls. 6037, que recusou pedido de
apresentação em tribunal das armas apreendidas e exames das mesmas.
Formulou as seguintes conclusões:
1. A defesa requereu como prova a exibição das armas apreendidas,
nomeadamente as utilizadas pelo Major Alfredo Reinado e pela testemunha
Francisco Marçal, bem como a ouvida de um perito na utilização de armas de
fogo em situação de combate;
2. Os objectos apreendidos deveriam estar juntos aos autos, ou facilmente
acessível para analise por parte dos intervenientes processuais;
3. O Tribunal “a quo” indeferiu o requerimento por julgá-lo protelatório;
4. Não pode ser protelatório o requerimento apresentado, já que o
depoimento do perito e da exibição de armas era para ser realizado no mesmo
dia do perito em Balística, em nada atrasando o processo, os arguidos estão em
prisão preventiva, não tendo qualquer interesse na demora do processo, e,
qualquer atraso na solução do processo, não pode ser imputado a defesa, pois a
falta de notificações, a não expedição de ofícios e a demora em responde-los,
dentre outros actos, não são da competência da Defesa;
5. O indeferimento de uma das únicas prova requerida pela defesa é
ilegal, pois além de violar os princípios da busca da verdade material, da
igualdade de armas, da ampla defesa e do contraditório, viola, também, os
artigos 60, "h", 114, 116, 163, 164, 172, 174, 252 e 299, 2, al. d), todos do
CPP;

36
6. Entende o recorrente que o Tribunal “a quo” deveria ter deferido o
requerimento, pois era essencial para a descoberta da verdade e confirmação da
Tese da Defesa;
7. A decisão recorrida deve ser anulada, tendo em vista a violação das
normas jurídicas já citadas, e substituída por outra que autorize aos arguidos a
fazer a prova técnica e examinar os objectos apreendidos e que possam levar a
sua condenação.
O Ministério Público alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Dá-se aqui por reproduzido o explanado supra a propósito do recurso
anterior. Mais se acrescenta, com o tribunal “a quo” que, tendo sido ouvido um
perito em balística que analisou as armas em causa, não se vislumbra a
necessidade da prova requerida.
De todo o modo, como já se referiu, trata-se de mera nulidade relativa,
que não foi arguida atempadamente.
Assim, julga-se igualmente improcedente este recurso.

C – A questão de mérito dos recursos da decisão donenatória

Em regra, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o


recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de
conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência de
nulidades insanáveis e dos vícios elencados no nº 2, do art. 299º, do CPP.
Importa, assim, analisar separadamente cada um dos recursos, com base
nas respectiva conclusões.

C.1 – Factos provados e não provados:

O tribunal “a quo” considerou provada a seguinte matéria de facto:


1. Na sequência das eleições presidenciais de Abril e Maio de 2007, e
legislativas de Junho do mesmo ano, o Dr. Ramos Horta foi investido no cargo
de PR, e Xanana Gusmão no cargo de PM.
2. Em data não apurada, mas antes do dia 11 de Fevereiro de 2008, o ex-
major Alfredo Reinado e os arguidos concentraram-se em Lauala, ocupando
casas próximas umas das outras, sendo certo que, uma era chefiada por ele e a
outra, por Gastão Salsinha.
3. Em Lauala, procediam à vigilância da área, por forma a só poder entrar
quem tivesse autorização do ex-major Alfredo Reinado, do arguido Gastão
Salsinha ou, na companhia de pessoas da confiança dos arguidos.

37
4. Os arguidos contactavam-se entre si, nomeadamente através de
telefonemas, utilizando para o efeito, entre outros os números 7368917,
7335648, 7272269, 7299216, 7339581,7343056, 7348575, 7234041.
5. A arguida Angelita Pires deslocava-se muitas vezes a Lauala, para onde
levava, entre outros, géneros alimentares e bebidas para o grupo liderado pelo
ex-major Alfredo.
6. No dia 16 Dezembro de 2007 estava agendada uma reunião no Palácio
das Cinzas, em que estariam presentes o Presidente da República, o Presidente
do Parlamento Nacional, o Primeiro-ministro, o General Brigadeiro das F-
FDTL, o arguido Gastão Salsinha e o ex-major Alfredo Reinado, com o
objectivo de solucionar a questão da entrega do denominado grupo
“Peticionários”.
7. Apesar de o Alfredo Reinado ter confirmado a sua presença, nem ele,
nem o Gastão Salsinha compareceram, pelo que, tal encontro não se realizou.
8. A arguida Angelita Pires mantinha contactos permanentes com o ex-
major Alfredo Reinado através, nomeadamente, dos números 7234041 e
7372773, e que deu a sua opinião, entendendo que não estavam reunidas as
condições de segurança necessárias para a deslocação do Alfredo Reinado a
Dili.
9. A arguida Angelita Pires convenceu o Ex-major Alfredo Reinado que o
PR e o PM estavam a preparar um plano para matar o denominado grupo
“Peticionários”, no qual aquele se integrava, bem como aqueles que se
juntaram a tal grupo.
10. A arguida Angelita Pires, deslocou-se à Austrália em finais de Janeiro
de 2008.
11. Esta arguida contactou desde a Austrália Alfredo Reinado e o arguido
Gastão Salsinha, através de telefones, designadamente, um com o número
+61431232264.
12. A arguida regressou da Austrália no dia 6 de Fevereiro de 2008 e, no
dia seguinte dirigiu-se a Lauala, onde o ex-major e os arguidos estavam
acantonados tendo levado coisas diversas.
13. No dia 9 de Fevereiro de 2008, de manhã, em Lauala, a arguida
Angelita Pires disse ao ex-major Alfredo Reinado que, se eles se deslocassem
ao PR e ao PM, estes tinham que ser mortos.
14. Disse ainda ao arguido Avelino que, se o ex-major Alfredo Reinado
viesse a ser condenado pelo Mundo, este poderia justificar-se como se tendo
tratado de um golpe de Estado.
15. A arguida Angelita Pires esteve em Lauala no dia 7 de Fevereiro, que
dormiu lá do dia 8 para o dia 9, e que regressou no dia 10, após o que voltou
para Dili.

38
16. A arguida Angelita Pires, no dia 9 de Fevereiro de 2008, no
restaurante Beach Café, após um jantar com pessoa não identificada, disse que,
“o ex-major Alfredo Reinado viria a Díli nos próximos dias, e que todos
deveriam abraçá-lo para ser protegido porque, caso contrário, poderia morrer”.
17. No dia 10 de Fevereiro de 2006, por volta das 21 horas, estando todos
os arguidos em Lauala, sob a direcção do Alfredo Reinado e do arguido Gastão
Salsinha, foram chamados e ordenados para se fardarem e se armarem, porque
iriam deslocar-se para Díli.
18. No mesmo dia, por volta das 13h, o Alfredo Reinado, através de um
dos números que utilizava, telefonou ao Leopoldino Exposto, que se
encontrava em Díli, pedindo-lhe que fosse a Lauala, com mais um carro.
19. O Leopoldino Exposto providenciou por um veículo, no qual, na
companhia do arguido Sansão, rumaram a Lauala, onde chegaram por volta
das 18 horas.
20. No dia 10 de Fevereiro, a hora não apurada mas, provavelmente antes
da meia-noite, em momentos distintos, os arguidos saíram de Lauala em
direcção a Dili, fazendo-se transportar em pelo menos quatro viaturas.
21. Os veículos Nissan Safari, com a matrícula nº 02-083 G/18-397 TLS e
Mitsubishi Pajero, com a matrícula nº 16-891 TLS, foram conduzidos,
respectivamente, pelo ex-major Alfredo Reinado e pelo Leopoldino Exposto.
22. Nesses dois veículos os arguidos transportaram fardas, medicamentos,
armas e caixas de munições.
23. Nos dois referidos veículos vinham, pelo menos, os arguidos Amaro
da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José António da Silva, Paulo Neno
Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria Guterres, Ismael
Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho e Caetano dos Santos Ximenes,
fardados e armados.
24. Dirigiram-se para a residência do PR, sita em Metiaut, onde chegaram
por volta das 6 horas da manhã do dia 11 de Fevereiro de 2008.
25. A caminho, passaram por Balibar, local da residência do PM.
26. Outros dois veículos partiram de Lauala, um deles conduzido pelo
arguido Gastão Salsinha, transportando os co-arguidos Bernardo da Costa,
Avelino da Costa, Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia
Barreto, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião
António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa
Ventura, e Francisco Ximenes Alves, fardados e armados.
27. Dirigiram-se para a residência do PM, sita em Balibar, onde chegaram
na madrugada do dia 11 de Fevereiro de 2008.
28. Chegados ao local, parte deles posicionou-se à beira da estrada, por
onde ia passar a coluna de veículos em que seguiam o Primeiro-Ministro e os

39
seus seguranças, e outra parte dos arguidos colocou-se na parte traseira da
residência do PM.
29. Com o propósito de fazerem uma emboscada ao Primeiro Ministro.
30. Na manhã do dia 11 de Fevereiro de 2008, por volta das 6h, o PR saiu
de sua residência para o seu habitual footing matinal em direcção ao Cristo
Rei, na companhia dos seguranças, os militares da F-FDTL Isaac da Silva e
Pedro Joaquim Soares.
31. Chegados à residência do PR, os arguidos Amaro da Costa, Domingos
do Amaral, Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni
Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares,
Egídio Lay Carvalho e Caetano dos Santos Ximenes, pararam em frente ao
portão da entrada principal, onde se encontrava de serviço, fardado e armado, o
segurança Domingos Simões Pereira, militar das F-FDTL, acompanhado de
José Luís da Costa Pereira.
32. Os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José
António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano,
Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho e
Caetano dos Santos Ximenes, fardados e na posse de armas e munições,
desceram dos veículos e, de imediato, cercaram o Domingos Simões Pereira.
33. Apontaram-lhe as armas, disseram-lhe para não oferecer resistência e
desarmaram-no.
34. O arguido Domingos Amaral ficou com a arma M16 que se
encontrava na posse do segurança Domingos Simões Pereira, depois da mesma
ter sido subtraída por um dos elementos do grupo não identificado.
35. Os arguidos permaneceram no exterior do compound, enquanto o
Alfredo Reinado, Leopoldino Exposto e os arguidos Gilberto Suni Mota e
Igídio Lay entraram para o compound.
36. Os quatro elementos, uma vez no interior do compound, dirigiram-se
ao interior da casa onde se encontrava a cozinheira Amélia Paixão da Silva.
37. O ex-major Alfredo questionou esta sobre a localização do quarto de
dormir do PR e obrigou-a a deitar-se no chão.
38. Seguidamente, os quatro supra referidos, vieram para o exterior da
casa, e dirigiram-se para as tendas onde se encontravam guardadas as armas
dos seguranças, começando a apossar-se delas.
39. Enquanto se apossavam dessas armas o Alfredo Reinado dirigiu-se ao
segurança João Soares e disse-lhe para não se mexer, caso contrário morreria.
40. O Francisco Lino Marçal, segurança de serviço em casa do PR
encontrava-se abrigado no interior de uma casa de banho.
41. Ao ver o Alfredo Reinado e os colegas a apoderarem-se das armas e a
ameaçar o João Soares, disparou sobre os mesmos.

40
42. Alfredo Reinado e Leopoldino Exposto faleceram na sequência de
disparos de arma de fogo.
43. Quando ouviram tiros, os arguidos Lay e Mota saíram a correr do
interior do compound, e já no exterior, e na companhia dos restantes arguidos,
abriram fogo em simultâneo na direcção do compound onde se encontravam
alguns dos militares, seguranças da casa do Presidente, entre os quais,
Domingos Simões Pereira, José Pinto Freitas, Francisco Lino Marçal e Albino
Assis.
44. Durante a troca de tiros, aproximou-se do local uma viatura militar
conduzida pelo lesado Celestino Filipe Gama, a qual foi atingida por tiros.
45. Provocando a sua queda numa vala o que veio a importar diversos
estragos, nomeadamente, no motor, capot, quebra de faróis dianteiros, quebra
do vidro frontal, destruição dos pneus dianteiros, e diversos orifícios de balas
por toda a carroçaria, deixando mesmo de funcionar.
46. O lesado Celestino Filipe Gama foi atingido, na cabeça e em outras
partes do corpo.
47. Como consequência necessária e directa desta conduta, resultaram as
lesões: ferida no lobulo temporal-parietal esquerdo, com extenso edema e
fragmentos metálicos, causadora de lesão cerebral e danos neurológicos
(impossibilidade de visão à direita, monoparesis grave do membro superior
direito, fraqueza ligeira dos membros inferiores, confusão); ferida no cotovelo
direito com fragmentos metálicos, múltiplas lacerações no crâneo, ferida no
joelho direito, com fragmentos metálicos, as quais necessitaram de duas
intervenções cirúrgicas para tratamento, a permanência do lesado na Unidade
de Cuidados Intensivos por um período de uma semana, e cuidados de
fisioterapia.
48. Esteve internado no Hospital em Díli e, posteriormente foi evacuado
para o Hospital de Darwin, onde foi submetido a várias intervenções
cirúrgicas.
49. Na altura em que foi atingido, o lesado Celestino Filipe Gama passava
ocasionalmente na estrada em frente à casa do PR, vindo de Metinaro, a
caminho de Dili, conduzindo um Jeep das F-FDTL.
50. Do interior do compound, os seguranças responderam aos tiros e
houve tiroteio por tempo não determinado até que os arguidos se esconderam
algures, nas valas e ribeiras próximas e por trás de um acampamento de
refugiados, nas imediações da residência do PR.
51. Os seguranças Domingos Simões Pereira, José Pinto Freitas,
Francisco Lino Marçal, Albino Assis só não foram atingidos por se terem
abrigado.
52. Por volta das 06h45m, o PR, de regresso à sua residência, vindo do
footing e na companhia dos militares Isaac da Silva e Pedro Joaquim Soares, já

41
próximo do restaurante “Kas Bar”, ouviu barulho de tiros que vinham na
direcção da sua residência.
53. Altura em que telefonou ao Brigadeiro General Taur Matan Ruak,
informando-lhe do que se estava a passar.
54. Quando o PR por volta das 7 horas se encontrava a uma distância de
cerca de 20 metros do portão de entrada do compound da sua residência, surgiu
um dos arguidos, que se encontrava escondido atrás do tronco de uma árvore,
empunhando uma arma HK 33 – ATM, com a qual disparou três tiros.
55. Dois dos tiros atingiram o Presidente da República, atingindo-o no
ombro direito e na zona lombar direita, provocando-lhe três feridas na região
direita do torax, uma com penetração na parte direita posterior causando
fracturação de costelas, contusão do lobulo inferior do pulmão direito, fractura
laminar da vertebra 8.
56. Acto contínuo, o Pedro Joaquim Soares, o outro segurança que
acompanhava o PR no footing, tirou a pistola que trazia e disparou tiros contra
aquele arguido.
57. Outros seguranças do PR, também dispararam contra este arguido.
58. Porém, o mesmo fugiu em direcção à montanha e conseguiu escapar-
se.
59. Dois dos arguidos conseguiram retirar duas armas que estavam na
posse dos seguranças, pertencentes às F-FDTL, e levaram-nas com eles.
60. O arguido Marcelo Caetano, no dia 29 de Março de 2008 o arguido
Marcelo Caetano tinha na sua posse uma arma HK 33 – ATM – n. 019366.
61. No mesmo dia, o PR foi evacuado para o Hospital em Darwin, onde
esteve em coma induzido por vários dias e foi sujeito a várias intervenções
cirúrgicas.
62. O PR esteve internado durante cerca de dois meses.
63. O PR regressou a Díli cerca de três meses depois da data da
ocorrência dos factos.
64. Por volta das 07h30, do dia 11 de Fevereiro de 2008, o PM Xanana
Gusmão, que se encontrava na sua residência em Balibar, foi informado sobre
o que tinha acontecido momentos antes com o PR.
65. Acto contínuo saiu da sua residência, escoltado por uma coluna
composta por 4 veículos, com a sua segurança pessoal, elementos da PNTL e
da Unpol em direcção a Dili.
66. O primeiro veículo da coluna, identificado nos autos como Sec. 1, era
conduzido por Joni Barbosa, transportando o colega José Maria Barreto
Soares.
67. O segundo veículo da coluna, identificado nos autos como PM1, era
conduzido por Adolfo Soares, transportando o colega Boby Agapito Gonçalves
e o Primeiro Ministro Xanana Gusmão, que vinha sentado no banco de trás.

42
68. O terceiro veículo da coluna, identificado nos autos como UN 0617,
era conduzido por Komsan Tookokgruado, acompanhado pelo colega
Alongkorn Kalayanasoontor.
69. O quarto veículo da coluna, identificado nos autos como 01-55G, era
conduzido por Abílio Santos.
70. No momento em que a coluna de veículos saiu da residência do PM,
os arguidos Gastão Salsinha, Bernardo da Costa, Avelino da Costa, Alexandre
de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio Soares Guterres,
Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião António Soares, Quintino Espirito
Santo, Adolfo da Silva, José da Costa Ventura e Francisco Ximenes Alves,
fardados e armados, mantinham as posições que haviam tomado nas traseiras
da casa do PM e junto à estrada.
71. No momento em que a coluna de veículos passava pelos arguidos
emboscados à beira da estrada, a cerca de 500 metros da casa do Primeiro
Ministro, por determinação do arguido Gastão Salsinha, começaram a disparar
intensivamente em direcção à viatura em que seguia o Primeiro Ministro,
tentando atingir os seus ocupantes.
72. Os disparos foram efectuados em maior número na direcção da
viatura em que seguia o Primeiro-ministro, tendo sido a única a ser atingida
pelos projécteis.
73. Em consequência, a viatura onde seguia o Primeiro Ministro sofreu
danos no parachoques frontal, farol frontal direito e capot, quebra do vidro
traseiro, diversos orifícios de balas nas portas e no assento dianteiro direito,
bem como destruição do pneu traseiro esquerdo.
74. Perante a intensidade dos disparos, os condutores dos veículos Sec1 e
PM1 aceleraram a marcha, indo o primeiro despistar-se numa ravina sofrendo
os seguintes estragos: destruição de toda a parte dianteira do veículo, com
redução da área do motor, destruição dos pneus dianteiros, danos em ambas as
partes laterais da carroçaria, perda do parachoques traseiro, quebra dos faróis
traseiros direitos.
75. Os seguranças do terceiro veículo da coluna, o UN 0617, pararam e,
um deles respondeu aos tiros dos arguidos, que fugiram para o interior do
arvoredo existente no local, indo juntarem-se aos demais arguidos, que
estavam emboscados atrás da casa do Primeiro-ministro.
76. Os ocupantes da viatura em que seguia o Primeiro Ministro só não
foram atingidos porque esta se encontrava em movimento.
77. Em consequência dos disparos o veículo onde circulava o PM, veio a
imobilizar-se mais à frente.
78. Perante o sucedido, os seguranças que seguiam no veículo UN 0617
regressaram de imediato à residência do PM, onde se encontravam a mulher e

43
os filhos deste, a ama das crianças e António Caldeira Duarte, segurança da
esposa do Primeiro-Ministro.
79. Nas traseiras da residência do PM, estavam os arguidos,
designadamente, o Gastão Salsinha e Avelino da Costa.
80. O arguido Gastão Salsinha dirigiu-se ao segurança Roque Exposto,
que entretanto acabara de chegar à residência do PM, exigindo-lhe a entrega
das armas pesadas.
81. Como essas armas não se encontravam na residência do PM, os
arguidos fugiram.
82. Alguns dos arguidos que estiveram na residência do PR e os que
estiveram na residência do PM, após a prática dos crimes reuniram-se em parte
incerta do território nacional.
83. Outros arguidos, entre os quais, Egidio Lay de Carvalho, José Agapito
Madeira e Ismael Sansão Muniz Soares, fugiram para a Indonésia.
84. Na sequência destes factos o PR ficou impedido do exercício das suas
funções, foi substituído nos termos constitucionalmente definidos, e o
Parlamento Nacional autorizou o Presidente interino a decretar o estado de
sítio, sujeito a sucessivas prorrogações, por um período total de três meses e
dez dias.
85. O que os arguidos sabiam poder ser uma das consequências da
utilização das armas nos termos em que foram utilizadas, querendo eles que tal
sucedesse.
86. O arguido Amaro da Costa “Susar”, após 3 Maio de 2006, abandonou
as fileiras da PNTL, tendo levado consigo uma arma pertencente à PNTL.
87. Alguns dos arguidos procederam à entrega das armas e/ou uniformes
às autoridades, nos seguintes termos:
- Gastão Salsinha, 1 (uma) arma HK 33, com o número de série 020467, 2
(dois) carregadores, 78 (setenta e oito) munições e 1 (um) uniforme;
- Marcelo Caetano, 1 (uma) arma HK 33, com o número de série 019366,
2 (dois) carregadores, 179 (cento e setenta e nove) munições e 1 (um)
uniforme;
- Gaspar Lopes “Halerik”, 1 (uma) arma HK 33, com o número de série
011221, 2 (dois) carregadores, 120 (cento e vinte) munições e 1 (um)
uniforme;
- Gilberto Suni Mota, 1 (uma) arma HK 33, com o número de série
017235, 2 (dois) carregadores, 76 (setenta e seis) munições e 1 (um) uniforme;
- Joanino Maria Guterres, 1 (uma) arma HK 33, com o número de série
018672, 2 (dois) carregadores, 140 (cento e quarenta) munições e 1 (um)
uniforme.;
- José Agapito Madeira “José Espelho” , 1 (uma)arma HK 33, com o
número de série 005700, 76 (setenta e seis) munições e 1 (um) uniforme;

44
- Domingos Amaral, 1 (uma) arma M 16, 1 carregador, 20 (vinte)
munições e 1 (um) uniforme;
- José da Costa Ventura, 1 (uma) arma HK 33, 1 (um) carregador,
munições e 1 (um) uniforme;
- Adolfo da Silva, 1 (uma) arma HK 33, 2 (dois) carregadores, munições e
1 (um) uniforme;
- Julião António Soares, 1 (uma) arma HK 33, 2 (dois) carregadores, 65
(sessenta e cinco) munições e 1 (um) uniforme;
- Paulo Neno Leos, 1 (uma) Metralhadora, 1 (um) carregador, 340
(trezentos e quarenta) munições e 1 (um) uniforme com botas;
- Amaro da Costa “Susar”, 2 (duas) armas (1 FNC e 1 HK 33), 7 (sete)
carregadores, 250 (duzentos e cinquenta) munições e 1 (um) uniforme;
- Avelino da Costa, 1 (uma) arma HK 33, 2 (dois) carregadores, 80
(oitenta) munições e 1 (um) uniforme;
- Quintino Espírito Santos, munições e 1 (um) uniforme;
- Bernardo da Costa, 1 (uma) arma HK 33, 1 (um) carregador, 40
(quarenta) munições e 1 (um) uniforme;
- Januário Babo, 1 (uma) arma HK 33, 3 (três) carregadores, 100 (cem)
munições e 1 (um) uniforme;
- Raimundo Maia Barreto, 1 (uma) arma HK 33, 2 (dois) carregadores, 65
(sessenta e cinco) munições e 1 (um) uniforme.
88. Os arguidos sabiam que não estavam ao serviço das F-FDTL nem da
PNTL, e que, nessa condição, não podiam estar armados com armas dessas
instituições.
89. Os arguidos sabiam também que não possuíam licença de uso e porte
de armas e munições, nem dela estavam isentos, pelo que não podiam tê-las na
sua posse nem usá-las, fora das condições legais.
90. Fizeram uso de tais armas para, entre outros fins, criarem medo e
receio na comunidade.
91. Sendo os arguidos militares e polícias, conheciam as características
das armas e munições que detinham e sabiam que, devidamente municiadas e
disparadas contra o Presidente da República, Primeiro-ministro, os seus
respectivos seguranças e outras pessoas que estivessem no local, eram aptas a
causar-lhes a morte ou lesões contra a sua integridade física.
92. E que por via disso o PR poderia deixar de exercer as suas funções.
93. Os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José da
Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano, Gilberto Sunimota, Joanino Maria
Guterres, Egídio Lay Carvalho, Ismael Sansão Moniz Soares e Caetano dos
Santos Ximenes quiseram matar o Presidente da República.
94. Para esse fim, consideraram necessária a morte das pessoas que
efectuavam a segurança à casa e à pessoa do PR.

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95. Resultados estes que os arguidos consideraram necessários para a
prossecução do objectivo principal de matarem o Presidente da República.
96. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e de forma previamente
concertada, aceitando participar de forma conjunta na execução de um plano
destinado a matar o Presidente da República.
97. Os arguidos Gastão Salsinha, Avelino da Costa, Bernardo da Costa,
Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maria Barreto, Júlio Soares
Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Juliano António Soares,
Quintino Espírito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa Ventura e Francisco
Ximenes Alves quiseram matar o Primeiro Ministro.
98. Para esse fim, consideraram necessária a morte das pessoas que
viajavam no carro onde seguia o Primeiro Ministro.
99. Os arguidos consideraram também necessário causar estragos na
viatura em que seguia o Primeiro Ministro.
100. Resultados estes que os arguidos admitiram como sendo necessários
para a prossecução do objectivo principal de matarem o Primeiro-Ministro.
101. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e de forma
previamente concertada, aceitando participarem de forma conjunta na
execução de um plano destinado a matar o Primeiro Ministro.
102. A morte do Presidente da República, do Primeiro Ministro, de quatro
dos seguranças da residência daquele, do segurança e condutor deste último, só
não sobreveio por razões alheias à vontade dos arguidos.
103. O arguido Gastão Salsinha sabia que ao combinar e planear com
outra ou outras pessoas, matar ou agredir fisicamente o Presidente da
República podia efectivamente levar a que estes crimes fossem cometidos.
104. Conheciam perfeitamente os arguidos, como timorenses e membros
de instituições militares e policiais, o Presidente da República, Dr. Ramos
Horta, e a sua residência.
105. Os arguidos sabiam que os disparos sobre o veículo em que seguia o
Primeiro-ministro, eram aptos a provocar-lhe estragos.
106. Os arguidos, em todas as circunstâncias dadas como provadas,
quiseram os respectivos resultados.
107. E agiram de forma livre, deliberada e consciente.
108. Bem sabendo que, tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
109. Na sequência da denominada “Crise de 2006”, todos os arguidos,
com excepção da arguida Angelita Maria Francisca Pires, abandonaram os
respectivos quartéis e esquadras, e passaram a integrar ou a colaborar com
movimentos de reivindicação compostos por militares e elementos da PNTL,
entre os quais o denominado movimento “Peticionários”, liderados por Alfredo
Reinado e Gastão Salsinha.

46
110. Na sequência dessas actuações dos arguidos, os seus vencimentos
nas respectivas instituições militares ou de segurança deixaram de lhes ser
pagos.
111. O arguido Amaro da Costa é casado, vive com a mulher e quatro
filhos, tendo o mais velho 9 anos de idade, e o mais novo 5 anos de idade.
112. É agente da PNTL, tendo o vencimento mensal de 100,00 dólares, os
quais não recebe.
113. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
114. Tem como habilitações literárias o SMP.
115. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
116. O arguido Domingos Amaral é solteiro, e vive com os pais.
117. É alferes das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 130,00
dólares, os quais não recebe.
118. Tem como habilitações literárias o SM.
119. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
120. O arguido Gilson José António da Silva é casado, vive com a mulher
e um filho com 2 anos de idade.
121. É soldado da Unidade de Polícia Militar das F-FDTL, tendo o
vencimento mensal de 85,00 dólares, os quais não recebe.
122. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
123. Tem como habilitações literárias o ensino secundário.
124. Já foi condenado em Tribunal pela prática de um crime de ofensas
corporais, tendo estado preso durante 1 mês, no ano de 2002.
125. O arguido Paulo Neno Leos é casado, vive com a mulher e dois
filhos, tendo o mais velho 5 anos de idade.
126. É segundo sargento da Polícia Militar das F-FDTL, tendo o
vencimento mensal de 115,00 dólares.
127. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
128. Tem como habilitações literárias o SLTA.
129. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
130. O arguido Gilberto Suni Mota é solteiro, e vive com os pais.
131. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares.
132. Tem como habilitações literárias o SMP.
133. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
134. O arguido Marcelo Caetano é casado, vive com a mulher e um filho
com 3 anos de idade.
135. É soldado da F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
136. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
137. Tem como habilitações literárias o pré-secundário.
138. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

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139. O arguido Joanino Maria Guterres é casado, vive com a mulher e um
filho com 2 anos de idade.
140. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
141. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
142. Tem como habilitações literárias o SMA.
143. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
144. O arguido Ismael Sansão Moniz Soares é casado, vive com a mulher
e dois filhos, tendo o mais velho 6 anos de idade, e o mais novo 3 anos de
idade.
145. É primeiro sargento das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de
120,00 dólares, os quais não recebe.
146. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
147. Tem como habilitações literárias o SMA.
148. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
149. O arguido Igídio Lay Carvalho é solteiro, e vive com a avó.
150. É soldado da Unidade Naval das F-FDTL, tendo o vencimento
mensal de 85,00 dólares, os quais não recebe.
151. Tem como habilitações literárias o SMA.
152. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais, embora tenha estado
preso preventivamente à ordem do Proc. n. 233/07.
153. O arguido Caetano dos Santos Ximenes é solteiro, e vive com os
pais.
154. É soldado da Unidade Naval das F-FDTL, tendo o vencimento
mensal de 85,00 dólares, os quais não recebe.
155. Tem como habilitações literárias o SMA.
156. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
157. O arguido Gastão Salsinha é casado, vive com a mulher e quatro
filhos, tendo o mais velho 11 anos de idade, e o mais novo 3 anos de idade.
158. É tenente das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 136,00
dólares, os quais não recebe.
159. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
160. Tem como habilitações literárias o SMA.
161. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
162. O arguido João Amaral é solteiro, e vive com os pais.
163. É soldado da Unidade Naval das F-FDTL, tendo o vencimento
mensal de 85,00 dólares, os quais não recebe.
164. Tem como habilitações literárias o STM.
165. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
166. O arguido Bernardo da Costa é casado, vive com a mulher e três
filhos, tendo o mais velho 9 anos de idade, e o mais novo 2 anos de idade.

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167. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
168. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
169. Não frequentou qualquer grau de ensino, sendo analfabeto.
170. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
171. O arguido Avelino da Costa é casado, vive com a mulher e três
filhos, tendo o mais velho 8 anos de idade, e o mais novo 1 ano de idade.
172. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
173. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
174. Tem como habilitações literárias o SMP.
175. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
176. O arguido Alexandre de Araújo é casado, vive com a mulher e
quatro filhos, tendo o mais velho 9 anos de idade, e o mais novo 1 ano de
idade.
177. É agente da PNTL, tendo o vencimento mensal de 100,00 dólares, os
quais não recebe.
178. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
179. Tem como habilitações literárias o SMA.
180. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
181. O arguido Januário Babo Soares é solteiro, e vive com os pais.
182. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
183. Tem como habilitações literárias o SMA.
184. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
185. O arguido Raimundo Maia Barreto é casado, vive com a mulher e
quatro filhos, tendo o mais velho 9 anos de idade, e o mais novo 2 anos de
idade.
186. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
187. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
188. Tem como habilitações literárias o SMP.
189. Já esteve preso entre 2002 e 2006 pela prática de um crime de
homicídio.
190. O arguido Julio Soares Guterres é casado, vive com a mulher e dois
filhos, tendo o mais velho 4 anos de idade, e o mais novo 2 anos de idade.
191. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
192. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
193. Tem como habilitações literárias o SMP.

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194. À data da prática dos factos não possuía antecedentes criminais,
tendo sido posteriormente condenado no proc. n. 131/TDD/06 (por acórdão
transitado a 6 de Abril de 2009) pela prática de um crime de dano e outro de
ofensas corporais, na pena única de dois anos de prisão.
195. O arguido Gaspar Lopes é casado, vive com a mulher e seis filhos,
tendo o mais velho 15 anos de idade, e o mais novo 1 ano de idade.
196. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
197. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
198. Tem como habilitações literárias o SMP.
199. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
200. O arguido José Agapito Madeira é solteiro, e vive com os pais.
201. É furriel das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 110,00 dólares,
os quais não recebe.
202. Tem como habilitações literárias o SMA.
203. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
204. O arguido Julião António Soares é solteiro, e vive com os pais.
205. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
206. Tem como habilitações literárias o ensino secundário.
207. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
208. O arguido Quintinho Espírito Santo é solteiro, e vive com a mãe.
209. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
210. Tem como habilitações literárias o SMA.
211. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
212. O arguido Adolfo da Silva é solteiro, e vive com os pais.
213. É furriel das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 100,00 dólares,
os quais não recebe.
214. Tem como habilitações literárias a primeira classe.
215. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
216. O arguido José da Costa Ventura é casado, vive com a mulher e
quatro filhos, tendo o mais velho 15 anos de idade, e o mais novo 1 ano de
idade.
217. É primeiro sargento das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de
105,00 dólares, os quais não recebe.
218. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
219. Tem como habilitações literárias o SD.
220. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
221. O arguido Tito Tilman é casado, vive com a mulher e um filho, com
um ano de idade.

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222. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
223. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
224. Tem como habilitações literárias o SMA.
225. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
226. O arguido Alfredo de Andrade é casado, vive com a mulher e quatro
filhos, tendo o mais velho 7 anos de idade, e o mais novo 1 ano de idade.
227. É soldado das F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00 dólares,
os quais não recebe.
228. A mulher é doméstica, não recebendo qualquer vencimento.
229. Tem como habilitações literárias o SMP.
230. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
231. O arguido Francisco Ximenes Alves é solteiro, e vive com os pais.
232. É soldado dos F-FDTL, tendo o vencimento mensal de 85,00
dólares, os quais não recebe.
233. Tem como habilitações literárias o SMP.
234. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
235. A arguida Angelita Maria Francisca Pires é solteira, e vive com
colegas.
236. É consultora técnica, tendo rendimentos mensais de cerca de
3.000,00 dólares.
237. Tem como habilitações literárias o segundo ano do curso de Direito.
238. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

Não ficaram provados os seguintes factos:


1. Os arguidos utilizavam também o número de telefone 7370709 nos
contactos entre eles efectuados.
2. A arguida Angelita Pires, nas visitas que fazia a Lauala, levava consigo
medicamentos para o grupo de Alfredo Reinado.
3. Na reunião agendada para o Palácio das Cinzas no dia 16 de Dezembro
de 2007 estiveram presentes todas as entidades convocadas (Presidente da
República, o Presidente do Parlamento Nacional, o Primeiro-ministro, o
General Brigadeiro das F-FDTL), exceptuando Alfredo Reinado e o Gastão
Salsinha.
4. Os quais não compareceram por determinação da arguida Angelita
Pires.
5. A deslocação da arguida Angelita Pires à Austrália em finais de Janeiro
de 2008 destinou-se à busca de apoios para o grupo liderado por Alfredo
reinado, mormente a angariação de meios financeiros.

51
6. A arguida, na sequência de uma conversa tida em 10 de Fevereiro de
2008, disse ao ex-major que, se ele morresse, colocaria uma garrafa de vodka
na sua campa.
7. No dia 10 de Fevereiro de 2008, por volta das 19h, a arguida Angelita
Pires, antes de deixar Lauala, disse ao ex-major: “vão lá matar os dois cães”,
referindo-se ao PR e ao PM.
8. Os arguidos prepararam a saída de Lauala para Balibar e Dili com
alguns dias de antecedência.
9. No telefonema entre Alfredo Reinado e Leopoldino Exposto que teve
lugar no dia 10 de Fevereiro de 2008, Alfredo Reinado disse: “é hora de nós
decidirmos o nosso destino”.
10. Os arguidos Tito Tilman, Alfredo de Andrade e João Amaral
seguissem num dos veículos do grupo do arguido Gastão Salsinha, com destino
a Balibar.
11. A espingarda M16 do segurança Domingos Simões Pereira foi
subtraída pelo arguido Amaro da Costa.
12. Os quatro elementos (Alfredo Reinado, Leopoldino Exposto, arguidos
Gilberto Suni Mota e Egídio Lay) permaneceram no compound cerca de 15 a
20 minutos.
13. Os tiros disparados por Francisco Marçal atingiram o Alfredo Reinado
e o Leopoldino Exposto.
14. Alfredo Reinado e Leopoldino Exposto faleceram em consequência
dos disparos da arma de fogo utilizada por Francisco Marçal.
15. No momento em que os arguidos abriram fogo, os seguranças Adelino
da Silva, João Soares, José Luís da Costa Pereira, Agostinho Freitas e
Filomeno Ximenes ainda se encontravam no interior do compound.
16. Os arguidos, ao verem a viatura das F-FDTL conduzida por Celestino
Gama, abriram fogo contra ela.
17. Os tiros que atingiram Celestino Gama foram disparados pelos
arguidos.
18. Os vários disparos efectuados pelos arguidos para o interior do
compound da residência do PR atingiram árvores, vedações e tendas.
19. Foi o arguido Marcelo Caetano quem disparou sobre o PR.
20. A arma encontrada na posse do arguido Marcelo Caetano aquando da
sua entrega às autoridades foi por ele utilizada para efectuar os disparos contra
o PR.
21. As balas e invólucros disparados contra o PR pertenciam à arma
encontrada na posse do arguido Marcelo Caetano no momento em que foi
detido.
22. À fuga do arguido que disparou sobre o Presidente da República
juntaram-se-lhe os restantes arguidos, que estavam escondidos nas imediações

52
e todos dispararam em direcção aos seguranças do PR, Pedro Joaquim Soares e
Isac da Silva.
23. Enquanto fugiam em direcção a montanha de Fatu-ahi – Camea os
arguidos não pararam de efectuar disparos.
24. Os arguidos João Amaral, Tito Tilman e Alfredo de Andrade estavam
em Balibar no dia 11 de Fevereiro de 2008 juntamente com o grupo composto
pelos demais arguidos.
25. Os arguidos efectuaram disparos na direcção das outras viaturas que
seguiam à frente e atrás da viatura do Primeiro Ministro.
26. Os disparos efectuados sobre a viatura em que seguia o Primeiro
Ministro dirigiram-se para os pneus.
27. A arguida Angelita Pires quis matar o Presidente da República.
28. Os arguidos consideraram necessária a morte de qualquer outra pessoa
que surgisse no local, para além dos seguranças que se encontravam no
compound e que acompanhavam o Presidente da República, e que pudesse
colocar em perigo as suas intenções de matar o Presidente da República.
29. Os arguidos consideraram necessário causar estragos em viaturas que
surgissem no local por forma a evitar que as pessoas que nelas seguiam
pudessem colocar em perigo as suas intenções de matar o Presidente da
República.
30. Os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José da
Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano, Gilberto Sunimota, Joanino Maria
Guterres, Egídio Lay Carvalho, Ismael Sansão Moniz Soares e Caetano dos
Santos Ximenes sabiam que as armas que levaram da casa do Presidente da
República com a intenção de fazê-las suas, não lhes pertenciam, e não podiam
fazê-las suas, contra a vontade de quem as detinha.
31. Os arguidos Tito Tilman, João Amaral Alfredo de Andrade e Angelita
Maria Pires quiseram matar o Primeiro Ministro.
32. A arguida Angelita Pires sabia que, as conversas que tinha com o
Alfredo Reinado, pelo menos as que eram presenciadas por alguns dos
arguidos, eram de molde a provocar nele e, consequentemente, nos demais
elementos do seu grupo, ódio e raiva contra o Presidente da República e
Primeiro-ministro.
33. A arguida Angelita Pires, com tais conversas, queria motivá-lo e
determiná-lo a planear e praticar atentados contra a vida quer do Presidente da
República, quer do Primeiro-Ministro, pretendendo a arguida ver esse
resultado concretizado.
34. A arguida Angelita Pires pretendeu a morte de quaisquer pessoas que,
pelo exercício das suas funções ou por motivos imponderáveis se encontrassem
nos locais escolhidos para atentar contra a vida daqueles, e cuja morte se

53
mostrasse necessária como forma de afastar o perigo de frustrarem aquela
intenção.
35. A arguida considerou necessários os danos nas viaturas onde seguiam
o Primeiro-Ministro, os seus seguranças, ou noutras viaturas que, por motivos
imponderáveis se encontrassem nos locais escolhidos para atentar contra a vida
quer do Presidente da República, quer do Primeiro Ministro, e cuja danificação
se mostrasse necessária como forma de afastar o perigo de frustração daquela
intenção.
36. A arguida admitiu como sendo necessários tais mortes e danos para a
prossecução do objectivo pretendido de matar o Presidente da República e o
Primeiro-Ministro.

C.2 – Recurso interposto pelo Ministério Público:

Temos que decidir neste recurso: a) Se os arguidos Tito Tilman, Alfredo


Andrade e João Amaral, estavam armados em Balibar, vindos de Lauala, na
companhia dos demais arguidos, pelo que há matéria probatória suficiente para
serem igualmente condenados pelos crimes de homicídio tentado contra o
Primeiro Ministro e os dois seguranças deste, dano e uso de armas de fogo para
perturbação da ordem pública, p. e p. pelos arts. 53º e 338º, 406º do Código
Penal e art. 4º, nº 4.7, do Regulamento da UNTAET nº 5/2001 (art. 211º, nº 3,
do CPTL); b) se, tendo em conta a matéria fáctica dada como provada, maxime
nº 5, 8, 9, 13, 14, 15 e 16, a arguida Angelita Pires deve ser condenada, pelos
crimes por que vinha acusada, como instigadora ou pelo menos como
cúmplice; c) se os arguidos Amaro da Costa, Domingos Amaral, Gilson José
António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano,
Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho e
Caetano dos Santos Ximenes devem ser condenados pelo crime de homicídio
tentado, cuja vítima é Celestino Filipe Gama, bem como o de dano, ocorrido
no veículo por ele conduzido; d) se os arguidos Amaro da Costa (PNTL),
Domingos do Amaral (F-FDTL), Gilson José Silva(F-FDTL), Paulo Neno
Leos(F-FDTL), Marcelo Caetano(F-FDTL), Gilberto Sunimota(F-FDTL),
Joanino Maria Guterres(F-FDTL), Egidio Lay Carvalho(F-FDTL), Ismael
Sansão Moniz Soares(F-FDTL), Caetano dos Santos Ximenes(F-FDTL),
Gastão Salsinha(F-FDTL), Avelino da Costa(F-FDTL), Bernardo da Costa(F-
FDTL), Alexandre de Araújo(PNTL), Januário Babo Soares(F-FDTL),
Raimundo Maia Barreto(F-FDTL), Júlio Soares Guterres(F-FDTL), Gaspar
Lopes(F-FDTL), José Agapito Madeira(F-FDTL), Julião António Soares(F-
FDTL), Quintino Espirito Santo(F-FDTL), Adolfo da Silva(F-FDTL), José da
Costa Ventura(F-FDTL), Tito Tilman(F-FDTL), João Amaral(F-FDTL),

54
Francisco Ximenes Alves(F-FDTL) e Alfredo de Andrade(F-FDTL) devem ser
condenados na pena acessória ou complementar de demissão, respectivamente
das F-FDTL e da PNTL.

a) Se os arguidos Tito Tilman, Alfredo Andrade e João Amaral,


estavam armados em Balibar, vindos de Lauala, na companhia
dos demais arguidos, pelo que há matéria probatória suficiente
para serem igualmente condenados pelos crimes de homicídio
tentado contra o Primeiro Ministro e os dois seguranças deste,
dano e uso de armas de fogo para perturbação da ordem
pública, p. e p. pelos arts. 53º e 338º, 406º do Código Penal e art.
4º, nº 4.7, do Regulamento da UNTAET nº 5/2001 (art. 211º, nº 3,
do CPTL).

Sustenta o recorrente que:


“Os que estavam em Lauala vieram todos a Dili – Meti-Aut e Balibar.
“Corrobora-se essa tese a declaração prestada pela testemunha José
Mendonça, que fazia, às vezes de cozinheiro, quando se deslocava a Lauala, ao
grupo do ex-major Reinado e Salsinha, ter dito que vieram todos para Dili e
que quando deixou a casa, no dia 12 de Fevereiro de 2008, que era ocupada
pelos arguidos, não estavam regressaram nenhum deles.
“Após a ocorrência dos factos no dia 11 de Fevereiro de 2008,
refugiaram-se também no estrangeiro, que é o caso do Tito Tilman, que estava
na Indonésia.
“Os arguidos Tito Tilman, Alfredo Andrade e João Amaral, conforme os
indícios dos autos, estiveram posicionados em Balibar, vindo desde Lauala,
juntamente com os demais co-arguidos. Ambos estavam também fardados e
armados, dispararam vários tiros contra a coluna de carros em que seguia o
Primeiro Ministro e os seguranças deste, pondo em perigo a vida dos mesmos,
o que não se consumou em perda de vida humana, por razões que nem os alvos
desses disparos sabem explicar e alheias às vontades dos arguidos.
“Afirmamos isso pelo facto, de que, segundo a declaração de Alexandre
de Araújo, vieram fazer uma emboscada ao Primeiro Ministro, em que o
mesmo explica, que fazer emboscada significa disparar para matar, é o Julião
António Soares- Joni, que a fls. 2955 e ss, assevera que um dos carros foi
conduzido por João Amaral - Joao Bere”.
A este propósito escreveu-se no acórdão sob recurso:
“Não resultou provado que os arguidos Tito Tilman, Alfredo de Andrade
e João Amaral tenham estado presentes no local, ou por qualquer outra forma
tenham participado na execução deste plano.

55
“Pelo que devem estes arguidos ser absolvidos destes crimes, bem como
dos demais por que vinham acusados”.
Efectivamente, consta da resposta ao quesito 31º que se considerou como
“não provado que os arguidos Tito Tilman, Alfredo de Andrade e João Amaral
seguissem nesses veículos com destino a Balibar”.
Como fundamentação desta resposta, escreveu-se no acórdão:
“O arguido Júlio Soares Guterres afirmou que no local encontravam-se
quatro carros, sendo que para Balibar se dirigiram dois carros.
“O arguido entrou num Pajero branco, conduzido pelo arguido Gastão
Salsinha. Nesse carro vieram oito pessoas: o arguido, e os arguidos Gastão
Salsinha, Ventura (José da Costa), Joni (Julião António Soares), José Agapito
(Espelho), Quintino, Apai (Avelino da Costa), Ajano (Januário Babo). Todos
vinham armados com HK33, excepto o Ventura (José da Costa), que trazia
uma mauzer. Noutro carro branco, cuja marca desconhece, vieram os arguidos
Adolfo da Silva, Alex (Alexandre de Araújo), Quito (Francisco Ximenes), Cris
(Bernardo da Costa), Mane Forte (Raimundo Maia Barreto), Halerik (Gaspar
Lopes) e outros cujo nome não se lembra. Ambos os carros seguiram para
Balibar, para junto da casa do Primeiro Ministro.
“O arguido Alexandre de Araújo disse o arguido entrou para um carro na
companhia dos arguidos Halerik (Gaspar Lopes), Adolfo da Silva, Mane Forte
(Raimundo Maia Barreto), e mais dois peticionários de que não sabe o nome.
Esse veículo foi conduzido pelo Leopoldino até Balibar, onde desceram todos,
excepto o Leopoldino, que seguiu no carro para Dili. Noutro carro, conduzido
pelo arguido Gastão Salsinha, seguiam os arguidos Apai (Avelino da Costa),
José Espelho (José Agapito Madeira), Júlio Soares Guterres, Januário Babo, e
mais outros cujo nome não se lembra.
“Saíram de Ermera pelas 22h00, em três carros, um conduzido pelo
Alfredo Reinado, outro conduzido pelo arguido Gastão Salsinha, e um terceiro
conduzido pelo Leopoldino. Chegaram a Balibar por volta da meia-noite.
“Em Balibar ficou o carro do arguido Gastão Salsinha e os seguintes
arguidos: Gastão Salsinha, Adolfo da Silva, Mane Forte (Raimundo Maia
Barreto), Apai (Avelino da Costa), Júlio Soares Guterres, José Espelho (José
Agapito Madeira), Januário Babo, Halerik (Gaspar Lopes), Cris (Bernardo da
Costa), o arguido Alexandre de Araújo, e um outro que é do Suai, cujo nome
não se recorda. Todos vieram armados, excepto o elemento do Suai. Todas as
armas eram HK33, com carregadores de 40 ou 38 balas.
“O arguido Avelino da Costa disse que saiu de Lauala pelas 22h00, num
carro conduzido pelo arguido Gastão Salsinha, onde seguiam, para além do
arguido, os arguidos Gastão Salsinha, Januário Babo, Júlio Soares Guterres,
José da Costa, Quintino, José Espelho (José Agapito Madeira) e Joni (Julião

56
António Soares). O arguido vinha armado com uma arma HK 33 e com dois
carregadores de 40 balas.
“Das declarações dos arguidos não resulta qualquer menção aos nomes
dos arguidos João Amaral, Tito Tilman e Alfredo de Andrade, pelo que, à falta
de qualquer outra prova, impõe-se dar como não provada a presença destes
arguidos nos factos ocorridos em Balibar”.
A discordância do recorrente relativamente a estas conclusões baseia-se
essencialmente nas declarações do arguido Julião António Soares a fls. 2955 a
2959 “que assevera que um dos carros foi conduzido por João Amaral - Joao
Bere”.
Sucede, porém, que tais declarações foram prestadas perante a autoridade
policial e não perante autoridade judiciária, pelo que não poderiam ser usadas
como meio de prova, a menos que fossem lidas em audiência, nos termos do
art. 267º, nº 2, do CPP, o que não ocorreu.
Do depoimento da testemunha José Mendonça apenas se pode inferir que
os arguidos em questão se ausentaram do local onde se encontravam, em
Lauala.
Igualmente não se pode inferir que o arguido Tito Tilman tenha tido
qualquer participação nos factos descritos na acusação, apenas porque se
ausentou para a Indonésia.
O tribunal de julgamento apenas pode decidir com base em provas
seguras e não, como parece pretender o recorrente, com base em “indícios dos
autos”.
É certo que, da matéria de facto considerada provada no acórdão recorrido
consta que:
“17. No dia 10 de Fevereiro de 2006, por volta das 21 horas, estando
todos os arguidos em Lauala, sob a direcção do Alfredo Reinado e do arguido
Gastão Salsinha, foram chamados e ordenados para se fardarem e se armarem,
porque iriam deslocar-se para Díli.
“20. No dia 10 de Fevereiro, a hora não apurada mas, provavelmente
antes da meia-noite, em momentos distintos, os arguidos saíram de Lauala em
direcção a Dili, fazendo-se transportar em pelo menos quatro viaturas”.
Podendo daqui inferir-se que assim se consideram englobados todos os
arguidos, incluindo os arguidos Tito Tilman, Alfredo Andrade e João Amaral.
Porém, tal matéria terá que ser sempre conjugada com a restante matéria
dada como provada, nomeadamente a que consta dos factos descritos sob os
números 26 e 70, dela resultando, indubitavelmente, que os arguidos não
participaram nos factos ocorridos junto à residência do Primeiro Ministro.
Assim, nenhuma censura merece o acórdão recorrido neste aspecto,
devendo improceder o recurso do Ministério Público neste pormenor.

57
b) Se, tendo em conta a matéria fáctica dada como provada,
maxime nº 5, 8, 9, 13, 14, 15 e 16, a arguida Angelita Pires deve
ser condenada, pelos crimes por que vinha acusada, como
instigadora ou pelo menos como cúmplice.

Sustenta o recorrente que:


“A relevância da conduta da arguida Angelita Pires não pode ser
desconsiderada seja na criação do desígnio criminoso do grupo, seja no
fortalecimento e consolidação do plano criminoso, sendo ainda inquestionável
a intenção criminosa ou a imputação subjectiva dolosa dos factos.
“Deveria ser dada como provada a afirmação de que a arguida disse ao
ex-major “vão lá matar os dois cães”.
“O acórdão recorrido concluiu no sentido de que, da parte da arguida
Angelita Pires não havia qualquer intenção criminosa (vide quesito n. 106, in
fine) nas condutas que protagonizou, o que, salvo o devido respeito,
consideramos inaceitável, para além tal conclusão estar em franca oposição a
factos dados como provados.
“Resulta dos autos que a arguida Angelita Pires tinha um relacionamento
bem estreito com Alfredo Reinado, um dos líderes dos peticionários, e ela
gozava de um estatuto particular, não sendo justa qualquer tentativa de
equiparação das suas opiniões e conselhos com as de qualquer outra pessoa
como o Acórdão recorrido afirma”.
“In casu, toda a conduta da arguida evidencia uma clara vontade de
suscitar nos líderes, entenda-se ex-major Alfredo Reinado e Gastão Salsinha,
essa vontade criminosa, esse desígnio criminoso contra o Presidente da
República e o Primeiro Ministro, coisa que parcialmente, conseguiu, como os
presentes autos bem atestam.
“Por último deve sublinhar-se que a arguida estava ao corrente de tudo
quanto se passava, porque tinha relações privilegiadas com os lideres do grupo
armado, e até sabia que a vinda do Reinado para Díli iria ocorrer
proximamente, como declarou no dia 9 no Beach Café.
“Numa palavra: na apreciação dos factos o juiz terá que levar em
consideração, inter alia, as regras de experiência, isto é, “os ensinamentos
hauridos através da observação (empírica) dos factos, (...) o saber de
experiência feito”.
“Cremos que a ponderação dos factos à luz do senso comum, à luz das
regras de experiência só pode apontar no sentido da existência do dolo nos
crimes cometidos.
“Com isto tudo, a arguida Angelita Pires não deve ser considerada
inocente no que aconteceu no dia 11 de Fevereiro de 2010”.

58
Sobre o envolvimento da arguida nos factos descritos na acusação,
provou-se que:
“5. A arguida Angelita Pires deslocava-se muitas vezes a Lauala, para
onde levava, entre outros, géneros alimentares e bebidas para o grupo liderado
pelo ex-major Alfredo.
“8. A arguida Angelita Pires mantinha contactos permanentes com o ex-
major Alfredo Reinado através, nomeadamente, dos números 7234041 e
7372773, e que deu a sua opinião, entendendo que não estavam reunidas as
condições de segurança necessárias para a deslocação do Alfredo Reinado a
Dili” (reunião agendada para o dia 16 Dezembro de 2007 no Palácio das
Cinzas, em que estariam presentes o Presidente da República, o Presidente do
Parlamento Nacional, o Primeiro-ministro, o General Brigadeiro das F-FDTL,
o arguido Gastão Salsinha e o ex-major Alfredo Reinado, com o objectivo de
solucionar a questão da entrega do denominado grupo “Peticionários”).
“9. A arguida Angelita Pires convenceu o Ex-major Alfredo Reinado que
o PR e o PM estavam a preparar um plano para matar o denominado grupo
“Peticionários”, no qual aquele se integrava, bem como aqueles que se
juntaram a tal grupo.
“10. A arguida Angelita Pires, deslocou-se à Austrália em finais de
Janeiro de 2008.
“11. Esta arguida contactou desde a Austrália Alfredo Reinado e o
arguido Gastão Salsinha, através de telefones, designadamente, um com o
número +61431232264.
“12. A arguida regressou da Austrália no dia 6 de Fevereiro de 2008 e, no
dia seguinte dirigiu-se a Lauala, onde o ex-major e os arguidos estavam
acantonados tendo levado coisas diversas.
“13. No dia 9 de Fevereiro de 2008, de manhã, em Lauala, a arguida
Angelita Pires disse ao ex-major Alfredo Reinado que, se eles se deslocassem
ao PR e ao PM, estes tinham que ser mortos.
“14. Disse ainda ao arguido Avelino que, se o ex-major Alfredo Reinado
viesse a ser condenado pelo Mundo, este poderia justificar-se como se tendo
tratado de um golpe de Estado.
“15. A arguida Angelita Pires esteve em Lauala no dia 7 de Fevereiro, que
dormiu lá do dia 8 para o dia 9, e que regressou no dia 10, após o que voltou
para Dili.
“16. A arguida Angelita Pires, no dia 9 de Fevereiro de 2008, no
restaurante Beach Café, após um jantar com pessoa não identificada, disse que,
“o ex-major Alfredo Reinado viria a Díli nos próximos dias, e que todos
deveriam abraçá-lo para ser protegido porque, caso contrário, poderia morrer”.

E não se considerou provada a seguinte matéria:

59
“2. A arguida Angelita Pires, nas visitas que fazia a Lauala, levava
consigo medicamentos para o grupo de Alfredo Reinado.
“4. (Alfredo Reinado e o Gastão Salsinha) não compareceram (na reunião
agendada para o Palácio das Cinzas no dia 16 de Dezembro de 2007) por
determinação da arguida Angelita Pires.
“5. A deslocação da arguida Angelita Pires à Austrália em finais de
Janeiro de 2008 destinou-se à busca de apoios para o grupo liderado por
Alfredo reinado, mormente a angariação de meios financeiros.
“6. A arguida, na sequência de uma conversa tida em 10 de Fevereiro de
2008, disse ao ex-major que, se ele morresse, colocaria uma garrafa de vodka
na sua campa.
“7. No dia 10 de Fevereiro de 2008, por volta das 19h, a arguida Angelita
Pires, antes de deixar Lauala, disse ao ex-major: “vão lá matar os dois cães”,
referindo-se ao PR e ao PM.
“8. Os arguidos prepararam a saída de Lauala para Balibar e Dili com
alguns dias de antecedência.
“27. A arguida Angelita Pires quis matar o Presidente da República.
“32. A arguida Angelita Pires sabia que, as conversas que tinha com o
Alfredo Reinado, pelo menos as que eram presenciadas por alguns dos
arguidos, eram de molde a provocar nele e, consequentemente, nos demais
elementos do seu grupo, ódio e raiva contra o Presidente da República e
Primeiro-ministro.
“33. A arguida Angelita Pires, com tais conversas, queria motivá-lo e
determiná-lo a planear e praticar atentados contra a vida quer do Presidente da
República, quer do Primeiro-Ministro, pretendendo a arguida ver esse
resultado concretizado.
“34. A arguida Angelita Pires pretendeu a morte de quaisquer pessoas
que, pelo exercício das suas funções ou por motivos imponderáveis se
encontrassem nos locais escolhidos para atentar contra a vida daqueles, e cuja
morte se mostrasse necessária como forma de afastar o perigo de frustrarem
aquela intenção.
“35. A arguida considerou necessários os danos nas viaturas onde
seguiam o Primeiro-Ministro, os seus seguranças, ou noutras viaturas que, por
motivos imponderáveis se encontrassem nos locais escolhidos para atentar
contra a vida quer do Presidente da República, quer do Primeiro Ministro, e
cuja danificação se mostrasse necessária como forma de afastar o perigo de
frustração daquela intenção.
“36. A arguida admitiu como sendo necessários tais mortes e danos para a
prossecução do objectivo pretendido de matar o Presidente da República e o
Primeiro-Ministro”.

60
Relativamente à matéria de facto objectiva a única discordância do
Ministério Público radica na resposta de “não provado” ao facto que a arguida
ter dito “vão lá mater esses cães”.
Porém, tal discordância não é acompanhada da indicação dos elementos
exigidos pelo art. 301º, nº 3, al. b), do CPP, pelo que não deve ser considerada.
Ademais, a matéria relevante foi dada como provada nos pontos 9 e 13
(respostas aos quesitos 11º e 15º).
Resta, pois, verificar se, em função da restante prova produzida, falamos
dos factos descritos sob os pontos 5 e 8 a 16 (respostas aos quesitos 5º, 10º a
16º, 19º e 20º), se pode considerar provada a matéria supra exposta como não
provada (pontos 27 e 32 a 36 – respostas aos quesitos 106º e 121º a 126º).
O elemento subjectivo do crime é encontrado, normalmente, com recurso
às chamadas presunções naturais. Ou seja, através dos factos objectiváveis
determina-se qual a intenção ou motivação subjectiva do agente. Finalmente,
temos as regras da experiência, a que alude o art. 113º do CPP, que balizam o
âmbito da livre apreciação da prova.
Conforme se refere no acórdão deste Tribunal de Recurso de 22 de Julho
de 2008, proferido no âmbito do processo nº 44/CO/2008/TR (relator Ivo
Rosa), “num segundo nível, inerente à valoração da prova intervêm as
deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e,
agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas
hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas
regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se
podendo englobar na expressão regras da experiência”.
Sucede que, dos factos dados como provados não se pode tirar a ilação
pretendida pelo Ministério Público.
“A arguida Angelita Pires deslocava-se muitas vezes a Lauala, para onde
levava, entre outros, géneros alimentares e bebidas para o grupo liderado pelo
ex-major Alfredo”, mais contactava com frequência este, dando a sua opinião
sobre o que ele devia fazer, e convenceu-o, nomeadamente, que o PR e o PM
estavam a preparar um plano para matar o grupo que ele integrava.
Mais disse ao ex-major Alfredo Reinado, no dia 9 de Fevereiro de 2008
(vésperas dos acontecimentos dos autos), que, se eles se deslocassem ao PR e
ao PM, estes tinham que ser mortos.
Daqui não se pode retirar, sem mais, que a arguida quisesse a morte do
Presidente da República e do Primeiro Ministro, antes procurando expressar o
seu entendimento perante o ex-major Alfredo Reinado e qual a conduta que ele
devia tomar “se eles se deslocassem ao PR e ao PM”.
Muito menos se pode afirmar, como pretende o recorrente que a arguida
aceitasse como necessária a morte de qualquer outra pessoa como resultado da

61
conduta do ex-major Alfredo Reinado e dos restantes membros do grupo que o
acompanhava, ou danos que pudessem provocar.
Nem mesmo que “a arguida Angelita Pires sabia que, as conversas que
tinha com o Alfredo Reinado, eram de molde a provocar nele e nos demais
elementos do seu grupo, ódio e raiva contra o Presidente da República e
Primeiro-ministro”, até porque não se provou que existisse tal ódio ou raiva, ou
que, com tais conversas, arguida Angelita Pires, queria motivá-lo e determiná-
lo a planear e praticar atentados contra a vida quer do Presidente da República,
quer do Primeiro-Ministro.
Citando o acórdão deste Tribunal de Recurso de 6 de Maio de 2010,
proferido no âmbito do processo nº 20/C.Ord./2010/TR, dir-se-á que:
Se é certo que o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência,
também é certo que esta apreciação tem que se basear em factos que com
segurança conduzam à conclusão inferida dos mesmos.
Conforme se referem Simas Santos e Leal Henriques, in “Código de
Processo Penal Português Anotado”, vol. 1º, pág. 683, “na expressão feliz de
Castanheira Neves, trata-se de uma liberdade para a objectividade”.
As presunções judiciais são ilações que o julgador tira de um facto
conhecido para afirmar um facto desconhecido, conforme disposto no art. 517º
do CPC.
As presunções judiciais tanto se aplicam em direito civil, como em direito
penal (Eugenio De Valladares Y Bonet, in “Presunciones en la Jurisprudencia
civil y penal de Chile”, pág. 11).
Porém, se é lícito aos tribunais tirarem conclusões ou ilações lógicas da
matéria de facto dada como provada, esta operação nunca pode alterar a prova
objectiva antes nela se apoiando, limitando-se a desenvolvê-la.
Das conclusões judiciais resultantes das regras da experiência, ou, no
caso, a propósito das presunções judiciais previstas no art. 386º da Ley de
Enjuiciamiento Civil, em Espanha, escreveu Carlos Vázquez Iruzubieta, in
“Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Civil (2009) ”, que “deve dar conta o
Tribunal razoavelmente na sua resolução, fazendo conhecer as reflexões que o
conduziram a tal resultado”. Veja-se ainda Maria de Lourdes Martínez de
Marentin Llamas, in “Régimen Jurídico de las Presunciones”, págs. 111 e
seguintes.
Por outro lado, importa ainda relembrar que o recurso às regras da
experiência deve igualmente levar em consideração o princípio “in dubio pro
reo”.
Este é também o entendimento comum nos países de “common law”.
No caso Tellabs, Inc. v. Makor Issues & Rights Ltd., S.Ct., 2007 WL
1773208, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu que uma presunção
judicial (“inference”) tem que ser muito forte à luz de uma qualquer outra

62
explicação.
Ou seja, ao deduzir uma conclusão de um determinado facto, o tribunal
tem primeiro que considerar a possibilidade de, do mesmo facto, se poder
extrair outra explicação e, a menos que seja muito forte a primeira, deverá
respeitar esta última, à luz do apontado princípio “in dubio pro reo”.
Na Austrália o Tribunal Supremo dicidiu no mesmo sentido nos casos
Shepherd v The Queen (1990) 170 CLR 573 at 579 per Dawson J e R v Hillier
[2007] HCA 13 (22 March 2007), e na Nova Zelândia o caso R v Thomas
[1972] NZLR 34 at 37-38, 4.
Como já se referiu no acórdão de fls. 911 a 940, “O elemento subjectivo
do crime é encontrado, normalmente, com recurso às chamadas presunções
naturais. Ou seja, através dos factos objectiváveis determina-se qual a intenção
ou motivação subjectiva do agente”.
A “inference of guilt” deve ser a única ilação que é razoavelmente aberta
a todos os factos que possam ser considerados em tribunal – nota de rodapé no
caso Chamberlain v The Queen [No 2] (1984) 153 CLR 521 at 599 per
Brennan J, do Supremo Tribunal Australiano. No mesmo sentido, os casos R v
Van Beelen (1973) 4 SASR 353 at 379-380, Peacock v The King (1911) 13
CLR 619 at 634, e Glass, in “The Insufficiency of Evidence to Raise a Case to
Answer”, (1981) 55 Australian Law Journal 842, pág. 852-853.
Mas mesmo no caso da culpa não podem deixar de se observar as cautelas
supra expostas.

Pode, ainda assim, concluir pela prática de algum ilícito criminal por
parte da arguida Angelita Maria Francisca Pires?
A autoria mediata está desde logo afastada por falta do elemento
subjectivo do crime. De todo o modo, nunca a acusação poderia proceder neste
particular, ou seja, pela autoria mediata da arguida dos crimes que ali lhe
foram imputados.
O art. 55º, nº 1, § 1º, do CPI, define a autoria mediata como quem levar
outros a perpetrar (tradução do inglês “cause others to perpetrate”).
No novo CP de Timor Leste, a autoria mediata encontra-se definida no
art. 30º, nº 1, como quem executa o facto por intermédio de outrem.
Há que reconhecer alguma diferença na redacção dos dois artigos, mas, se
entendermos que o art. 55º CPI é mais abrangente que o art. 30º, nº 1, do novo
CP, então teremos que considerar reduzida a possibilidade da autoria mediata
nos termos previstos neste último diploma, por imperativo do disposto no art.
3º, nº 1 e 3, do CP vigente.
De todo o modo, entendemos que a interpretação do 55º CPI já levaria à
mesma conclusão melhor expressa no art. 30º, nº 1, do novo CP.
Efectivamente, da simples leitura do texto do art. 30º, nº 1, do novo CP, resulta

63
evidente que a autoria material pressupõe o domínio do facto, a execução do
facto por intermédio de outrem.
“Autor é quem tem o domínio da ação (para casos de autoria direta e
infrações penais de mão própria), ou o domínio de volição e cognição (para
casos de autoria mediata como, respectivamente, coação e erro), isto é, que tem
o domínio de vontade), bem como o que tem o domínio funcional do fato”,
Prof Reinaldo Rossano Alves, em apontamentos das aulas de Direito penal, em
www.fortium.com.br, o qual acrescenta, “autor mediato: quem se vale de uma
terceira pessoa (não como instrumento) que age sem dolo, atipicamente ou
justificadamente, para a prática de um delito”.
“A autoria mediata, ainda no magistério de von Liszt, dá-se quando o
instrumento não é imputável (e.g., alienado mental ou pessoa menor ante a lei
penal), quando atua sem liberdade (e.g., na coação moral irresistível ¾ artigo
22, 1a parte, do Código Penal brasileiro), quando não age dolosamente (e.g., na
indução a erro de tipo ou de proibição escusável), quando o delito exige uma
intenção ou qualidade determinada que não se encontra no instrumento (e.g.,
nos tipos penais que encerram dolo específico) ou ainda quando o instrumento
está obrigado a executar o ato, por deveres de serviço ou disposição legal (e.g.,
na obediência hierárquica: artigo 22, 2a parte, do Código Penal brasileiro)” –
Guilherme Guimarães Feliciano, “Autoria e participação delitiva”, em
jus2.uol.com.br.
Daí que se conclua que “não pode haver concurso de pessoas entre autor
mediato e o executor da conduta típica. O autor mediato se serve de pessoas
sem condições de discernimento (por exemplo, inimputável ou doente mental)
para a realizar por ele a conduta típica. Ela é usada como mero instrumento de
atuação ... A autoria mediata pode também resultar coação moral irresistível,
provocação de erro de tipo escusável ou obediência hierárquica” – Fernando
Capez, in “Código Penal Brasileiro Comentado”, pág. 80. No mesmo sentido
Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral”, tomo I, págs. 775 a 790.
Autor é quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a
execução “nas suas próprias mãos” de tal modo que dele depende
decisivamente o “se” e o “como” da realização típica. (“Es autor mediato quien
realiza el tipo penal de manera que para la ejecución de la acción típica se sirve
de outro como “instrumento”. El domínio del hecho requiere en la autoria me-
diata que todo el suceso aparezsca como obra de la voluntad rectora del “hom-
bre de atrás” y que este, mediante su influencia, disponga del intermediário del
hecho”) – Hans-Heinrich Jescheck, “Tratado de Derecho Penal - Parte Gene-
ral”, Granada, pág. 604.
Este é também o entendimento que se tem da autoria imediata nos siste-
mas de “common law”, como se pode ver a propósito da distinção entre autoria
e instigação, nos casos: R v Pickford (1995) Cr. App. R. 420 the Court of Ap-

64
peal (“it is a necessary element of the element of incitement that the person
incited must be capable [by which he meant capable as a matter of law] of
committing the primary crime”); R v. Curr (1967) 1 AER 478.
A figura do autor mediato não é sequer reconhecida em aguns sistemas
jurídicos, onde se considera autor o que assume a conduta com domínio do
facto, seja ele ou não o directo executor do mesmo, como na República
Popular da China, onde se considera autoria a prática voluntária de uma facto
punível como crime, com o conhecimento de que do seu acto (revista a forma
que revetir) causa consequências socialmente perigosas (art. 14º da Lei
Criminal da República Popular da China).
Sendo assim, é evidente que a arguida nunca devia sequer ter sido
acusada como autora mediata dos crimes em questão, como se salientou no seu
requerimento de fls. 4515 a 4539, e como bem se acentuou no acórdão
recorrido.

Deveria então a arguida ser condenada como instigadora dos referidos


crimes?
É ainda punido como autor quem intencionalmente provoque a execução
do acto através de ofertas, promessas, abuso de poder ou de respeito, força,
ameaça ou engano ou providenciando oportunidade, meios ou informação –
art. 55º, nº 1, § 2º, do CPI.
Acrescenta o nº 2 do mesmo artigo que, apenas aqueles actos que foram
deliberadamente provocados e as suas consequências devem ser considerados.
Nos termos do art. 31º do novo CP (aprovado pelo Decreto-Lei 19/2009,
de 8 de Abril) é punível como autor quem determina directa e dolosamente
outrem à prática de crime, desde que haja execução ou começo da execução do
crime.
A instigação “é uma espécie de participação moral em que o partícipe
age sobre a vontade do autor, quer provocando para que surja nele a vontade
de cometer o crime (induzimento), quer estimulando a idéia existente, que é a
instigação propriamente dita, mas, de qualquer modo, contribuindo
moralmente para a prática do crime”, R. Cezar Bitencourt, in “Manual de
Direito Penal”, 2000, nota 26, pág. 387.
A lei penal brasileira destoa das demais legislações, porquanto não define
a figura da participação. Como em Timor Leste a legislação alemã, espanhola e
portuguesa, punem o instigador como se autor fosse.
A mesma definição é usada nos países de “common law”: R v Banks
(1873) 12 Cox CC 393 (“The inciter is one who reaches out and seeks to
influence the mind of another to commit a crime. So merely making
suggestions is not enough”).

65
Porém, tal como se exige no CPI, a instigação pressupõe actos de
persuasão efectiva e concreta: a sugestão proposta ou pedido devem ser
acompanhadas de uma implícita promessa de recompensa (R v Fitzmaurice
(1983) 1 AER 189).
Conforme acentua Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 799, “instigador não é,
para estes efeitos, aquele que incentiva, aconselha, meramente sugere ou
reforça o propósito de outrem a cometer um ilícito típico, ... em suma, todo
aquele que, com a sua conduta, influencia a motivação do executor na direcção
da realização típica.
“Instigador é unicamente quem produz ou cria de forma cabal no executor
a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal através da comissão de
um concreto ilícito típico”.
O instigador surge assim (mas só então) como verdadeiro senhor, dono ou
dominador não do ilítico típico como tal mas da decisão do instigado de o
cometer. É por isso que, no novo Código, a instigação é considerada uma
forma de autoria.
Ora, no caso em análise, não se fez prova bastante deste papel
determinante da autora na decisão tomada por Alfredo Reinado e os arguidos
identificados nos autos de cometerem os factos em questão.
Bem se andou, pois, no acórdão recorrido que, ainda aqui, não merece
qualquer censura.

Resta analisar a solicitada punição da arguida como cúmplice.


Para sustentar a existência de, pelo menos, cumplicidade alega o
Ministério Público que “supondo sempre a existência do plano prévio, não
restam dúvidas de que quando a arguida lhes afirma que o Presidente da
República e o Primeiro Ministro têm que ser mortos, ela, definitivamente,
acaba por dar um apoio categórico e terminante no sentido da consolidação do
plano criminoso”.
Como já se referiu tal afirmação poderia integrar a figura da instigação,
mas já não da cumplicidade.
Nos termos do art. 56º do CPI, cumplice é a pessoa que deliberadamente
ajuda na comissão do crime, ou que deliberadamente fornece a oportunidade,
meios ou informação para o cometimento do crime.
No novo CP, é cumplice quem dolosamente ajuda material ou
moralmente outrem a praticar um crime (art. 32º, nº 1).
Constitui-se, então, em uma forma de participação secundária na
comparticipação criminosa: posto que sem ser determinante na vontade do
autor e sem participação na execução do crime, contribui todavia para a sua
prática, na medida em que, destinada a favorecer um facto alheio, representa e
traduz-se (apenas) num auxílio à prática do crime.

66
No apelo à referida pedra angular do domínio sobre o facto, dir-se-á que
na cumplicidade não há domínio material do facto: o cúmplice limita-se a
favorecer a prática do facto.
“A linha divisória entre autores e cúmplices estará exactamente em que a
lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou
indirectamente...(dão-lhe causa) e como cúmplices aqueles que não realizando
a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la
(configurando-se como uma concausa)” – Germano Marques da Silva, in
“Direito Penal Português, Parte Geral”, vol. 2º, pág.179.
Veja-se o caso Nye & Nissen v. United States, 336 U.S. 613, 618 (1949)
no qual se cita o juiz Learned Hand in U.S. v. Peoni 100 F.2d 401, 402 (2d.
Cir. 1938) (“In order to aid and abet another to commit a crime it is necessary
that a defendant in some sort associate himself with the venture, that he partic-
ipate in it as in something that he wishes to bring about, that he seek by his ac-
tion to make it succeed”).
Ora, não se pode afirmar da prova produzida que a arguida tenha dado
apoio moral, nem se pode considerar que deu apoio material, uma vez que
nenhuma relação se pode estabelecer entre levar comida aos arguidos no local
onde se encontravam e a prática dos crimes em causa.
Conforme acentua Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 825, “hoje pode
considerar-se praticamente abandonada pela doutrina a teoria que considera a
participação na culpa do autor como fundamento de punição da cumplicidade”.
Assim, mais uma vez, se conclui pela correcção do acórdão recorrido e
improcedência do recurso.

c) Se os arguidos Amaro da Costa, Domingos Amaral, Gilson


José António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota,
Marcelo Caetano, Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão
Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho e Caetano dos Santos
Ximenes devem ser condenados pelo crime de homicídio tentado,
cuja vítima é Celestino Filipe Gama, bem como o de dano,
ocorrido no veículo por ele conduzido.

Quanto ao crime de homicídio tentado sustenta o Ministério Público que


“quando foi ouvido o lesado Celestino Gama respondeu que vinha a conduzir o
veículo das F-FDTL, vindo de Metinaro, que ouviu tiros, e por isso vinha a
uma velocidade moderada e ao passar em frente da casa do Presidente da
República, sem ver alguém, virou a cabeça em direcção ao compound da casa
do Presidente da República, e nesse instante sentiu que foi atingido
certeiramente na cabeça.

67
“Não se enjeita a lógica de que só poderiam ser os arguidos a disparar
sobre o veículo em que seguia o Celestino Filipe Gama.
“E nem faz sentido pensar que foram “tiros amigos” ou “balas perdidas”,
como foi defendido pela defesa dos arguidos e, por isso, descordamos pela
afirmação da existência de dúvidas sobre quem disparou sobre Celestino
Gama.
“Daí que os quesitos dados como não provados e que consequentemente
ditaram a absolvição dos arguidos que estiveram em Meti – Aut, do crime de
homicídio tentado, deveriam ser dados como provados, o que levariam à
condenação dos arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José
Silva, Paulo Neno Leos, Marcelo Caetano, Gilberto Sunimota, Joanino Maria
Guterres, Egidio Lay Carvalho, Ismael Sansão Moniz Soares e Caetano dos
Santos Ximenes, dos crimes de homicídio tentado e de dano.
“Não é exigível que se prove de forma absoluta que foram os arguidos
quem dispararam sobre o veículo em que seguia Celestino Gama”.
Sobre esta matéria provou-se apenas que, durante a troca de tiros,
aproximou-se do local uma viatura militar conduzida pelo lesado Celestino
Filipe Gama, a qual foi atingida por tiros (44), provocando a sua queda numa
vala o que veio a importar diversos estragos (45), e o lesado Celestino Filipe
Gama foi atingido, na cabeça e em outras partes do corpo (46).
Considerou-se como não provado que os arguidos, ao verem a viatura das
F-FDTL conduzida por Celestino Gama, abriram fogo contra ela, e que ss tiros
que atingiram Celestino Gama foram disparados pelos arguidos.
Em consequência escreve-se na sentença sob recurso que, “quanto ao
lesado Celestino Gama, conforme resultou provado, este foi atingido por tiros
disparados durante a troca de tiros entre os arguidos e os seguranças, não tendo
ficado provado que os tais tiros foram disparados pelos arguidos. Assim, não
se pode concluir que, relativamente àquele lesado, os arguidos tenham
praticado qualquer acto idóneo a causar a sua morte, sendo legitimo admitir-se
a possibilidade que esse acto idóneo possa ter sido praticado por um dos
seguranças. Por outro lado, não resultou provado que os arguidos tivessem a
intenção de atingir aquele lesado”.
Desde logo, uma vez que o recurso se encontra limitado pelas conclusões
do recorrente, não pode este Tribunal reapreciação a questão relativamente ao
crime de dano, uma vez que tal não foi referido nas conclusões de recurso do
Ministério Público.
Relativamente ao uso das regras da experiência e das presunções judiciais
dá-se aqui por reproduzido o já afirmado supra (ponto C).
Como é óbvio não pode o tribunal sufragar a afirmação de que “não se
enjeita a lógica de que só poderiam ser os arguidos a disparar sobre o veículo”

68
e “não é exigível que se prove de forma absoluta que foram os arguidos quem
dispararam sobre o veículo”.
Assim, sem mais considerações, entende-se ser manifestamente infundado
o recurso neste pormenor.

Quanto ao crime de roubo, sustenta o recorrente “não haver dúvidas de


que os arguidos apropriaram-se das mesmas e que quiseram fazer suas.
“Há provas de que os arguidos, pretendiam fazer propriedade deles, as
armas apropriadas em casa do Presidente da República, tanto mais, que
privaram o seu dono, in casu o Estado, de dar o uso devido”.
Provou-se que:
“34. O arguido Domingos Amaral ficou com a arma M16 que se
encontrava na posse do segurança Domingos Simões Pereira, depois da mesma
ter sido subtraída por um dos elementos do grupo não identificado.
“59. Dois dos arguidos conseguiram retirar duas armas que estavam na
posse dos seguranças, pertencentes às F-FDTL, e levaram-nas com eles”.
A este propósito considerou-se no acórdão sob recurso:
“Com efeito, resultou provado que dois dos arguidos, cuja identidade não
se apurou, subtraíram duas armas do interior da residência do Presidente da
República.
“Contudo, não resultou provado que a subtracção de tais armas fizesse
parte do plano definido e aceite e executado por todos. Assim, não se pode
afirmar que todos os arguidos agiram com a intenção de subtrair tais armas, e
que todos quiseram fazê-las suas.
“Como tal, a conduta individual daqueles dois arguidos não derivou de
uma vontade conjunta de todos os arguidos nesse sentido, e que todos tenham
agido com o propósito de concretizá-la, ou tenham contribuído por qualquer
forma para essa concretização. Nessa medida, impôs-se ao Tribunal considerar
que tal conduta se ficou a dever apenas à intenção e iniciativa individuais de
cada um dos dois arguidos que realizaram tal subtracção, pelo que só a eles
poderia imputar-se a responsabilidade pelo facto.
“Na medida em que não se determinou a identidade desses dois arguidos,
importa absolver todos eles da prática de tal crime”.
Desde já se adianta nenhum reparo merecer este raciocínio.
Para se verificar a comparticipação na forma de co-autoria, nos termos do
art. 55º, nº 1, §1º, do CPI, é necessário que alguém tenha praticado parte dos
actos materiais de execução, desde que tenha havido acordo prévio e
consciência da colaboração dos demais para a consumação.
Co-autoria é o termo usado em direito criminal para referir a participação
de duas ou mais pessoas numa actividade criminosa – LB Curzon, “Dictionary

69
of Law”, 1994, pág. 206 (“Joint enterprise is a term used in criminal law to
refer to “the participation of two or more persons in a criminal activity””).
As partes têm que partilhar um propósito comum e torná-lo claro um ao
outro através das suas acções que é essa a sua intenção comum (R v Petters
and Parfitt [1995] Crim LR 501).
A compaticipação verifica-se ainda que o arguido não tenha praticados
actos materiais de subtracção, desde que tenha existido pelo menos consciência
da colaboração para a consumação do crime em causa. “Há co-autoria material
quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em
que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da
consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras da
experiência comum” – Simas Santos e Leal Henriques, in “Código de Processo
Penal Português Anotado”, vol. 1º, pág. 258.
Conforme salienta Figueiredo Dias (in “Direito Penal – Parte Geral”,
tomo I, Coimbra, pág. 791), “a componente subjectiva da co-autoria reside na
decisão conjunta. A razão da exigência deste elemento compreende-se porque
só através dele se pode justificar que responsa pela totalidade do delito o
agente que por si levou a cabo apenas uma parte da execução típica”. Assim,
“a responsabilidade do co-autor só se verifica na precisa medida em que a
execução se encontre coberta pela decisão conjunta”.
Ou seja, se a intenção dos arguidos era apenas desarmar os guardas da
residência do Presidente de República e um, ou alguns, decidiram apropriarem-
se das armas, esta decisão não vincula os restantes em termos criminais, mas
apenas os que tomaram essa decisão, que diga-se, não se apurou quem tenha
sido. Neste sentido Davies v DPP [1954] AC 378, R v Anderson and Morris
[1966] 2 QB 110 e R v English [1997] 4 All ER 545 (Where the principal deli-
berately departs from the common design, by doing what was not authorised or
agreed upon, then he alone will be liable for the resultant consequences and the
accomplice ceases to be a party to his actions).
No mesmo sentido, no clássico caso Abbott (1955) 39 Cr App R 141;
[1955] 2 QB 497, do Supremo Tribunal de Inglaterra, Lord Goddard CJ, a p.
148, afirmou: se duas pessoas foram acusadas conjuntamente da prática de um
crime e não se prova quem praticou o acto ou que estivessem a agir
concertadamente, devem ambos ser absolvidos (“If two people are jointly in-
dicted for the commission of a crime and the evidence does not point to one
rather than the other, and there is no evidence that they were acting in concert,
the jury ought to return a verdict of Not Guilty in the case of both because the
prosecution have not proved the case. If, in those circumstances, it is left to the
defendants to get out of the difficulty if they can, that would put the onus on
the defendants to prove themselves not guilty”).

70
Mais uma vez se salienta que as presunções judiciais devem sempre levar
em linha de conta a possibilidade de se poderem extrair ilações da conduta do
arguido mais favoráveis ao mesmo.
Por outro lado, seria necessário provar-se que os arguidos quiseram fazer
deles as armas em questão, isto é, apropriar-se “animo sibi rem habendi”, das
mesmas, pretenderam integrá-las na sua esfera patrimonial.
Sucede, porém, que não se fez prova deste elemento essencial, pelo que
não podiam os arguidos deixar de ser absolvidos.
Consequentemente, também neste ponto improcedem as conclusões do
Ministério Público.

d) Se os arguidos Amaro da Costa (PNTL), Domingos do Amaral


(F-FDTL), Gilson José Silva(F-FDTL), Paulo Neno Leos(F-
FDTL), Marcelo Caetano(F-FDTL), Gilberto Sunimota(F-
FDTL), Joanino Maria Guterres(F-FDTL), Egidio Lay
Carvalho(F-FDTL), Ismael Sansão Moniz Soares(F-FDTL),
Caetano dos Santos Ximenes(F-FDTL), Gastão Salsinha(F-
FDTL), Avelino da Costa(F-FDTL), Bernardo da Costa(F-
FDTL), Alexandre de Araújo(PNTL), Januário Babo Soares(F-
FDTL), Raimundo Maia Barreto(F-FDTL), Júlio Soares
Guterres(F-FDTL), Gaspar Lopes(F-FDTL), José Agapito
Madeira(F-FDTL), Julião António Soares(F-FDTL), Quintino
Espirito Santo(F-FDTL), Adolfo da Silva(F-FDTL), José da
Costa Ventura(F-FDTL), Tito Tilman(F-FDTL), João
Amaral(F-FDTL), Francisco Ximenes Alves(F-FDTL) e Alfredo
de Andrade(F-FDTL) devem ser condenados na pena acessória
ou complementar de demissão, respectivamente das F-FDTL e
da PNTL.

Sustenta que os arguidos praticaram graves violações dos deveres a que


estavam sujeitos, de flagrante e grave abuso das suas funções, tendo atentado
contra o seu comandante supremo (art. 85º, al. b), da Constituição da
República Democrática de Timor Leste) e contra o Primeiro Ministro, sendo
intolerável a permanência deles seja nas Forças Armadas, seja na Polícia.
O uso flagrantemente abusivo que fizeram das armas das corporações do
Estado a que pertenciam para, em violação dos fins institucionais da defesa
nacional e da ordem pública, atacarem o Presidente da República e o Primeiro
Ministro torna-os indignos de continuarem como membros de qualquer uma
dessas corporações, pelo que devem ser condenados na pena acessória de
demissão das Forças Armadas e da PNTL, nos termos das disposições

71
combinadas dos artigos 338º, 350º e 35º do CPI, também previsto pelo 84º do
Código Penal de Timor Leste
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 35º, nº 1, §§ 1º e 2º, e 350º
do CPI que, no caso de condenação do arguido pelo crime previsto e punível
pelo art. 338º do mesmo Código, pode este ser condenado na pena acessória de
demissão de funções públicas que exerça, ou do serviço nas forças armadas.
Relativamente aos arguidos que integravam as forças armadas, não se
afigura que se pudesse aplicar tal pena, ainda no âmbito do CPI, face ao
disposto no nº 2 do referido art. 35º, uma vez que o art. 31° do Regulamento de
Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto Lei nº 17/2006, de 8 de Novembro,
determina que “é da competência exclusiva do Chefe do Estado-Maior General
das Forças Armadas decidir sobre a aplicação das penas de reforma
compulsiva e de separação de serviço”.
Já não assim relativamente aos membros da polícia nacinal, conforme
resulta expresso do art. 37º, nº 1, do Regulamento Disciplinar da Polícia
Nacional de Timor-Leste, aprovado pelo Decreto Lei nº 13/2004, de 16 de
Junho.
Sucede, porém, que tais normativos, contrariamente ao que pretende o
recorrente, não têm correspondência no novo Código Penal de Timor-Leste,
pelo que não se pode aplicar tal pena acessório face ao disposto no art. 3º, nº 1,
do novo Código Penal de Timor-Leste.
Efectivamente, o art. 84º, nº 1, do novo CP, contém uma norma genérica
(sob a epígrafe “princípio geral”) na qual se estipula no seu nº 1 apenas que “a
lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição de exercício de
determinados direitos ou profissões”.
Ou seja, para que se possa aplicar a um agente a pena de demissão na
sequência da cominação de uma pena de prisão ao arguido, torna-se necessário
que alguma norma jurídica expressamente o preveja. Caso contrário apenas
resta o disposto no art. 86º, nº 1, do novo Código Penal, que prescreve apenas a
proibição do exercício temporário da profissão.
O regime do novo Código Penal teve inspiração nos sistemas da
“common law” e justifica-se por se entender “deixar tal instituto operar
somente no domínio do direito disciplinar, onde parece funcionar com
eficácia” – Sima Santos e Leal Henriques, in “Código Penal Português
Anotado”, vol. 1º, pág. 531.
No mesmo sentido veja-se o acórdão nº 8369, de 12 Setembro 1961, do
Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal Brasileiro, relatado pelo Ministro
Luiz Gallotti, no qual se escreveu que “a demissão não depende de condenação
criminal, pois as duas esferas, a disciplinar e a penal, são distintas e, em regra,
independentes”.

72
Assim, deve apenas ser comunicado às instituições em causa a decisão
final, para que estas eventualmente exerçam o competente poder disciplinar.

Face ao exposto improcede totalmente o recurso interposto pelo


Ministério Público.

C.3 – Recurso interposto pelos arguidos Domingos Amaral,


Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni
Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão
Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho, Caetano dos Santos
Ximenes, Bernardo da Costa, Avelino da Costa, Gastão Salsinha,
Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, Julião António Soares e
Quintino Espírito Santo:

Temos que decidir neste recurso (a) se há nulidade do acórdão por falta da
elaboração e respostas a quesitos indispensáveis para a causa, (b) se há
nulidade do despacho saneador, por “responder” a recurso interposto pelos
arguidos; (c) se não há lugar ao crime de detenção de arma de fogo para
perturbação da ordem pública; (d) se há alteração ilegal dos factos com
finalidade de “emenda da acusação”; (e) se há erro notório na apreciação da
prova; (f) se há contradição insanável entre a fundamentação e a matéria dada
como provada; e (g) se há interpretação correctiva em relação ao crime de
atentado contra o Presidente da República.

a) Nulidade do acórdão por falta da elaboração e respostas a


quesitos indispensáveis para a causa:

Sustentam o recorrentes que o acórdão recorrido é nulo por não preencher


os requisitos legais para a sua elaboração, pois não foi feita na sua totalidade a
elaboração e respostas aos quesitos indispensáveis para a causa, o que acarreta
a ausência de suporte fáctico para a correta decisão da causa, ou seja, está
ausente a fundamentação de facto essencial para a validade do acórdão,
violando, assim, o disposto no artigo 278 e 281 do CPP.
Os recorrentes haviam alegado que:
“Desde o início do julgamento, os recorrentes e demais arguidos
apresentaram, claramente, sua versão dos factos. A Defesa sustentou que o
Major Alfredo Reinado foi convidado para uma reunião na Casa do Presidente
da República, tendo ordenado aos arguidos que se preparassem para esta
reunião, bem como que outra parte do grupo fizesse a segurança do Major
Alfredo na estrada próxima a casa do primeiro Ministro. Chegando a casa do
Presidente, o Major Alfredo Reinado e Leopoldino Exposto ingressaram na

73
residência, ambos armados, mas com as armas a tiracolo, ou seja, sem estar a
empunhá-las. Foi recebido (ou rendido) por alguns militares, em torno de 07
pessoas, conforme depoimento da sra. Amélia, cozinheira do presidente. Após
esta conversa, o Major Alfredo foi levado para os fundos da residência, tendo
sido covardemente executado a queima roupa (no máximo a 30 cm de
distância). Vendo a execução de seu companheiro, Leopoldino Exposto tentou
fugir (por isto o tiro que o atingiu foi de “trás para frente”) e acabou atingido
mortalmente. Assim, diante da traição e da execução inesperada de pessoas
que se dirigiam a um encontro com o Presidente, todos os arguidos que
estavam presentes na casa do Presidente fugiram, sendo que dois ou três deles
dispararam para o ar. Posteriormente, talvez em virtude do chamado fogo
amigo ou pela falta de “disciplina de tiro”(situações que o Tribunal a quo
recusou-se a ver esclarecida, conforme recurso já interposto), ou ainda em
virtude de motivos que talvez nunca possam ser esclarecidos (face a morte
recente do motorista da viatura PM1 e da saída do país dos seguranças da
UNPOL), os membros da viatura UNPOL 0617 que faziam a segurança do
Primeiro Ministro dispararam contra o carro PM1, disparando 14 tiros que
atingiram 14 vezes o carro do PM”.
É esta a matéria que os recorrentes pretendiam ver quesitada, uma vez que
“trata-se de matéria que, sendo dada como provada, mesmo que parcialmente,
teria grande influência na pena a ser aplicada a cada um dos arguidos ou, até
mesmo, determinar sua absolvição. Portanto, é matéria que tem relevância para
a decisão da causa, sendo imperiosa a sua quesitação”.
O Ministério Público defendeu a improcedência do recurso.
A propósito desta matéria prescreve o art. 278º, nº 3, do CPP, “se o
processo houver de prosseguir organiza [o tribunal] quesitos sobre os factos
constantes da acusação, da contestação escrita ou resultantes da discussão da
causa, que tenham relevância para decidir as questões referidas no nº 8” do
mesmo preceito.
Uma vez que os factos em causa não constam da acusação nem da
contestação escrita dos arguidos, importa determinar se os mesmos resultaram
da discussão da causa e tinham relevância para decidir (art. 278º, nº 8):
a) Se se verificaram os elementos constitutivos dos crimes;
b) Se os arguidos praticaram os crimes ou neles participaram;
c) Se os arguidos agiram com culpa;
d) Se se verificou alguma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa;
e) Se se verificaram quaisquer pressupostos de que a lei faça depender a
punibilidade dos arguidos;
f) Sobre a escolha e medida da sanção.
A fundamentação das decisões judiciais cumpre, em geral, duas funções:
(a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um

74
momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às
partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda
colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros,
um juízo concordante ou divergente; (b) outra, de ordem extraprocessual, que
procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação
factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e
da decisão.
Relativamente aos factos alegados na contestação, a tendência é no
sentido de que nem tudo o que dela consta tem de ser levado à fundamentação,
impondo-se a selecção dos factos com interesse para a decisão, quer se
considerem provados ou não provados.
Relativamente aos factos que resultem da decisão da causa, só podem ser
considerados os factos relevantes para a defesa, ou seja em benefício do
arguido, desde que o tribunal os considere relevantes. Explicando melhor,
nenhum interesse tem quesitar factos invocados verbalmente pela defesa sem
qualquer sustentabilidade probatória.
Não faz qualquer sentido que o tribunal formule quesitos sobre matéria
que não foi expressamente alegada na contestação quando sabe de antemão
que a resposta aos mesmos será negativa.
Os factos que resultam da discussão da prova só podem ser factos que
resultam da prova produzida em audiência e não factos invocados verbalmente
pela defesa, sem sustentação probatória suficiente.
Conforme salienta D`Ambrosio, a propósito do CPP Italiano, que serviu
de matiz ao CPP de Timor-Leste (in “Comentário ao Novo Código”, pág. 588),
“desatendeu-se as pretensões da Doutrina que propunha que a sentença
indicasse todos os argumentos das partes durante a discussão”.
Acrescenta o mesmo autor que, “a conformidade entre a decisão e os
argumentos das partes pode ser assegurado através da indicação a que se refere
[o nº 7 do art. 278º do CPP de Timor Leste], onde devem ser enunciadas as
razões da inatendibilidade das provas aduzidas”.
E isso foi feito no acórdão sob recurso, conforme se pode comprovar da
fundamentação das respostas dadas, nomeadamente, à matéria dos quesitos 46º
e 47º, 60º, 82º, 106º e 113º.
No mesmo sentido o já referido acórdão deste Tribunal de 4-8-2008,
proferido no âmbito do processo nº 43/CO/2008/TR.
A este propósito, veja-se na jurisprudência italiana (Suprema Corte di
Cassazione) a decisão proferida na Cassazione Penal sez. V, 21 de Maio de
1992, Cass. Pen. 1993, 2909 (s.m.), na qual se conclui que “na motivação da
sentença o juiz de mérito não é obrigado a uma analise aprofundada de todas as
deduções das partes e a proceder a um exame pormenorizado de todos os
elementos do processo, sendo suficiente que, mesmo por meio de uma

75
valoração global daquelas deduções e elementos, explique, de forma lógica e
adequada, as razões que determinaram a sua convicção, assim demonstrando
que considerou todos os factos decisivos, caso em que devem considerar-se
implicitamente desatendidas as deduções da defesa que, ainda que não
expressamente refutadas, sejam logicamente incompatíveis com a decisão
adoptada”.
Mais se acrescenta na Cass., de 6 de Dezembro de 1986, Usai, ivi 1988,
1932, “se o juiz de mérito considerou provado que o facto foi praticado pelo
acusado e se correctamente deu parte, na motivação, da existência de provas
que nesse sentido levam a uma certeza, não pode exigir-se ao mesmo juiz que
se detenha sobre eventuais hipóteses que a defesa propõe como teoricamente
capazes de orientar as indagações para pistas alternativas, salvo tratando-se de
factos específicos e objectivamente certos, capazes de fazer seriamente vacilar
o juízo de responsabilidade que deriva dos elementos probatórios adquiridos”.
Com todo o respeito, entende-se que não se verifica esta última situação
no caso em análise, como bem foi explicitado no acórdão sob recurso.
Assim, não se verifica a aludida nulidade, pelo que improcede nesta
medida o recurso.

b) Nulidade do despacho saneador, por “responder” a recurso


interposto pelos arguidos:

Alegam os recorrentes que “o despacho saneador, não pode servir para


“responder” o recurso interposto pelos arguidos e nem para decidir o que já foi
decidido, sendo, em relação a estes aspectos, nulo tal despacho, pois proferido
quando o Tribunal “a quo” já tinha encerrado sua prestação jurisdicional, tudo
conforme fundamentação supra, que se da por aqui transcrita”.
Assim, nas questões das nulidades invocadas pela defesa na sua
contestação e pendentes de recurso, o despacho saneador deve ser dado como
não escrito, pois viola o disposto no artigo 285º do CPP.
A questão perdeu actualidade com a apreciação do recurso interposto
pelos ora recorrentes do despacho que recebeu a acusação e já apreciado supra,
pelo que nada há a decidir relativamente a esta matéria.

c) Inexistência do crime de detenção de arma de fogo para


perturbação da ordem pública:

Invocam os recorrentes que “no mérito da decisão das nulidades,


equivocou-se o Tribunal quanto aos argumentos da defesa, pois a defesa não se
opõe a qualquer nome que seja dado ao crime, mas não concorda que a um
determinado tipo penal seja incorporado uma conduta não prevista (detenção);

76
“A incorporação desta conduta é ilegal e viola todos os princípios do
Direito Penal e processual, nomeadamente o da tipificação e do devido
processo legal, bem como o de que não há crime sem lei anterior que o
defina”.
Mais acrescenta:
“Na decisão relativa a “inexistência no ordenamento jurídico timorense
do crime de uso e detenção de arma proibida para perturbação da ordem
pública” entendeu o Tribunal a quo que a defesa apenas insurgia-se contra o
nome dado ao crime. Enganou-se o Tribunal. A defesa claramente insurgiu-se
à incorporação de uma conduta ao Tipo Legal, ou seja, enquanto o Tipo
previsto é o de USO DE ARMA DE FOGO PARA A PERTURBAÇÃO DA
ORDEM PÚBLICA o Ministério Público na acusação incorporou mais uma
conduta : “Detenção”. Assim, segundo a acusação o tipo consiste em “uso” ou
“Detenção” de arma de fogo. Assim, ampliou o tipo legal, pois para a
tipificação do crime bastaria a Detenção ou o Uso (duas condutas diversa),
tendo ambos o dolo específico de perturbação da ordem pública.
“O regulamento da UNTAET não prevê a conduta de detenção de arma de
fogo para a perturbação da ordem pública. Prevê, apenas a detenção-posse
(pena 1 anos) , ou então o uso de arma de fogo para a perturbação da ordem
pública (pena 20 anos)”.
Sobre este ponto o Ministério Público não se pronunciou.
Na acusação foi imputada aos arguidos a prática de crimes de “detenção e
uso de armas de fogo para perturbação da ordem pública”, previstos e puníveis
pelo art. 4º, nº 4.7, do Regulamento da UNTAET nº 5/2001.
Consta do aludido preceito o seguinte: “quem usar arma de fogo,
munições ou explosivos para perturbar a ordem pública”.
Como é óbvio o normativo em causa não pune exclusivamente a detenção
das armas, mas o seu uso não pode deixar de pressupor a sua detenção, assim,
não se vislumbra qualquer violação do princípio da legalidade apenas por tal
expressão constar da acusação.
Como resulta evidente e abundantemente da acusação, os arguidos
usaram efectivamente as armas, pelo que, conforme se refere no acórdão
recorrido, trata-se apenas de “nomen juris” sem qualquer relevância para a
decisão.
O tribunal não pode estar sujeito, na apreciação jurídica dos factos
apurados, a uma qualificação jurídica errada – Beleza dos Santos, “A sentença
condenatória e a pronúncia em processo penal”, in Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 63º, pág. 385.
O que releva é a conduta concretamente imputada aos arguidos foi
correctamente tipificada no quadro legal incriminador da mesma.

77
A propósito do princípio da legalidade, escreveu Figueiredo Dias (in
“Direito Penal, Parte Geral”, tomo I, pág. 186), que o que é relevante é que
sejam “objectivamente determináveis os comportamentos proibidos e
sancionados e, consequentemente, se torne objectivamente motivável e
dirigível a conduta dos cidadãos”, acrescentando que, o que releva é que seja
possível determinar objectivamente as condutas proibidas e demais elementos
da punibilidade requeridos.
Assim, é evidente a improcedência da argumentação dos recorrentes.

d) Alteração ilegal dos factos com finalidade de “emenda da


acusação”:

Sustentam os recorrentes que “a alteração dos factos não pode ser


utilizada se não surgirem factos novos no decorrer da instrução;
“A Alteração dos factos prevista no art. 273º do CPP não tem como
finalidade a “emenda da acusação”;
“A titularidade da acção penal é do MP, não cabendo ao Tribunal, em
nenhuma hipótese, a função de emendar a acusação;
“Quem emenda a acusação, acusa parcialmente, ficando, portanto,
impedido de julgar, sob pena de violar o principio do acusatório;
“A alteração dos factos com a finalidade proposta pelo Tribunal a quo
viola o disposto no art. 273º do CPP e o art. 132º da CRDTL”.
A este respeito respondeu o Ministério Público que o tribunal a quo não
emendou e nem corrigiu a acusação, não sendo esta manifestamente infundada,
como pretendido pelos recorrentes.
Os recorrentes sustentam basicamente o seguinte:
“Recebida a acusação, os recorrentes arguiram a nulidade da acusação, já
que a mesma era manifestamente infundada pela falta da descrição completa
do Dolo, nomeadamente nos crimes que exigiam a figura do Dolo Específico.
“Entretanto, através do despacho já mencionado anteriormente, o
Tribunal a quo não acolheu a arguição de nulidade. Porém, após praticamente
a produção de todas as provas, o Tribunal a quo, percebendo que não poderia
julgar adequadamente a causa, resolveu, com fundamento da alteração dos
factos previstos no art. 273º, trazer tais factos a julgamento”.
Logo, concluem, há uma contradição, uma vez que não aceitou o tribunal
a invocação da falta de factos na acusação e depois vem acrescentar factos para
poder suportar esta.
Estipula o art. 273º, nº 1, do CPP, que, se no decurso da produção da
prova surgirem factos que não constem da acusação mas tenham manifesto
interesse para a decisão da causa, e não impliquem agravação do limite
máximo da sanção aplicável o tribunal, oficiosamente ou a requerimento,

78
comunica-os ao Ministério Público e ao defensor concedendo-lhes, caso seja
requerido, prazo para a preparação da sua posição processual.
O que os recorrentes alegam é que a necessidade dos factos acrescentados
não „surgiu‟ no decurso da produção da prova, mas antes era já originária, pelo
que deveria ter sido rejeitada a acusação.
Sobre a questão da rejeição da acusação já se conheceu supra, pelo que
nada há que acrescentar neste momento.
Importa sim verificar a validade do argumento invocado em sede da
sentença que ora se encontra em apreciação.
O princípio do acusatório tem garantia constitucional, no art. 132º, nº 1,
da CRDTL.
“A separação das funções de acusador, defensor e julgador representa o
mais importante pressuposto, verdadeira essência do sistema acusatório,
decorrente da regra „nullum indicium sine accusatione‟, uma das maiores
garantias do julgamento imparcial, pois o julgador “ne procedat ex officio‟” –
Benedito Roberto Garcia Pozzer, in “Correlação entre acusação e sentença no
processo penal brasileiro”, São Paulo, pág. 31.
Abordando o princípio do acusatório em processo penal, J. Canuto
Mendes de Almeida (in “Princípios fundamentais do processo penal”, São
Paulo, pág. 86), escreveu: “A verdade atingida pela justiça pública não pode e
não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa ao indiciado. É
preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação
ao réu: de que vai ser acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus
fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também é que essa
comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o
prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da
imputação e para a oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato
(provas) e de direito”.
No mesmo sentido Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo
Penal”, vol. I, pág. 71, citado pelo Ministério Público.
“O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado
da congruência da condenação com a imputação, ou, ainda, da correspondência
entre o objeto da ação e o objeto da sentença, liga-se ao princípio da inércia da
jurisdição e, no processo penal, constitui efetiva garantia do réu, dando-lhe
certeza de que não poderá ser condenado sem que tenha tido oportunidade de
se defender da acusação” – Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance
Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, “As Nulidades no Processo
Penal”, São Paulo, pág. 219.
Em Espanha, o Supremo Tribunal e o Tribunal Constitucional, têm
seguido o mesmo entendimento através do princípio da homogeneidade. Para
que a sentença seja válida (para que não haja falta de defesa), o crime

79
constante da acusação e o crime da condenação devem ser homogéneos. A
homogeneidade traduz-se na identidade do facto punível, de modo que o
mesmo facto assinalado na acusação, que se debateu em audiência e foi
declarado provado, constitua o pressuposto fáctico da qualificação (sentença),
por outro lado, que ambos os delitos, o da acusação e o da sentença, tenham a
mesma natureza – Gomez Orbaneja e Herge Quemada, in “Dedecho
Processual Penal”, págs. 420 a 423, segundo Simas Santos e Leal Henriques, in
“Código de Processo Penal Português Anotado”, vol. 1º, pág. 420.
Na “common law” (Estados Unidos da América), o significado da
acusação (“indictment”), era tão grande que os tribunais não podiam alterá-la,
em nenhuma circunstância (ver People v Ercole, 308 NY 425, 430; People v
Jackson, 153 Misc 2d 270, 271; e Ex Parte Bain, 121 US 1, 6). Porém, tal
levou a que fossem absolvidos inúmeros arguidos por erros técnicos, pelo que,
em 1881, através da secção 293 do Code of Criminal Procedure, o tribunal
passou a poder alterar a acusação em questões como o tempo, nomes de
descrições, desde que o acusado não fosse prejudicado (ver People v Ercole,
supra, e ainda People v Geyer (196 NY 364, 367): “[I]t could not have been
and was not the purpose of the legislature to attempt to authorize the trial court
by amendment to change the substantial elements and nature of the crime
charged and in effect substitute a new indictment in the place of the one found
by the grand jury”).
Actualmente, a nova redacção da secção 200.70 do “Code of Criminal
Procedure”, acrescentou duas novas subdivisões, estipulado a primeira os
casos em que se pode alterar a acusação (“matters of form, time, place, names
of persons and the like, when such an amendment does not change the theory
or theories of the prosecution as reflected in the evidence before the grand
jury”), restringindo a segunda subdivisão tal capacidade apenas aos casos em
que se acusa ou afirme um novo crime (“for the purpose of curing...(a) A
failure thereof to charge or state an offense”).
Resulta do exposto que, à luz do direito processual penal da generalidade
dos sistemas jurídicos, o tribunal não está vinculado à acusação deduzida, ou,
pelo menos, essa afirmação tem de ser entendida em termos mais complexos.
O tribunal está vinculado ao objecto do processo, definido pela acusação, e o
objecto do processo pode ser definido “como o facto, o acontecimento global
da vida, o acontecimento histórico, incluindo todos os acontecimentos com ele
ligados, do qual deriva a acusação admitida” (Frederico Isasca, in “Alteração
substancial dos factos e sua relevância no processo penal Português”, pág. 84).
Na palavra de Mário Tenreiro, o objecto do processo será, assim, um
“pedaço da vida”, um “conjunto de factos em conexão natural”, analisados em
toda a sua possível relevância jurídica, uma “questão de facto integrada por
todas as possíveis questões de direito que possa suscitar” – “Considerações

80
sobre o Objecto do Processo Penal”, in Revista da Ordem dos Advogados de
Portugal, nº 47, pág. 1024).
Portanto, um facto que pode ser constituído por uma multiplicidade de
factos singulares que se conjugam numa unidade de sentido, permitindo
apercebê-lo como um acontecimento da vida real, dotado de individualidade e
de características próprias (o tal pedaço de vida), incindível enquanto
formando um todo significante do ponto de vista social e do ponto de vista
jurídico, na medida em que esse complexo de elementos pode ser também
relevante deste último ponto de vista e, nomeadamente, do ponto de vista
jurídico-penal. Por conseguinte, o objecto do processo é a acusação, sim, mas
enquanto descrevendo esse pedaço de vida, esse acontecimento da vida real e
social, portador de uma unidade de sentido e, como tal, susceptível de um juízo
de subsunção jurídico-penal. Esse é que é o quid que se tem de manter idêntico
até à decisão final (a “eadem res”), não obstante as mutações que venha a
sofrer. Em tal sentido, a acusação funciona como garantia para o arguido –
acórdão do STJ de Portugal de 19-09-2009, in www.dgsi.pt/jstj.
Do que atrás se transcreveu resulta que a principal consequência do
princípio do acusatório é a garantia de defesa do arguido da acusação que lhe é
dirigida. Porém, esta é sempre acautelada pelo próprio art. 273º, nº 1, do CPP,
ao assegurar aos arguidos “surpreendidos” com os novos factos, a
possibilidade de solicitarem prazo para apresentarem defesa relativamente aos
mesmos.
Embora se compreenda e respeite a argumentação dos recorrentes, seria
ideal que a acusação já contivesse todos os elementos necessários à sua
procedência (“a imparcialidade e objectividade que, conjuntamente com a
independência, são condições indispensáveis de uma autêntica decisão judicial,
só estarão asseguradas quando a entidade julgadora não tenha também funções
de investigação preliminar e acusação das infracções, mas antes possa apenas
investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação
fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado” – Figueiredo Dias, in
“Direito Processual Penal”, vol. I, pág. 136), afigura-se como correcta a
solução apontada pela lei, nos termos ora apontados e já referidos a propósito
do recurso do despacho que recebeu a acusação.
Este é também o sentido literal do art. 273º do CPP. A prevalecer a tese
dos recorrentes nunca o tribunal poderia usar do aludido mecanismo, quando a
aludida disposição legal claramente refere “factos que não constem da
acusação mas tenham manifesto interesse para a decisão da causa”.
“Alteração não substancial” constitui uma divergência ou diferença de
identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que
se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou
menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de

81
qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a
determinação da moldura penal.
Conforme salienta Castanheira Neves, citado por Simas Santos e Leal
Henriques (in “Código de Processo Penal Português Anotado”, vol. 1º, pág.
412), “compreendemos que a definição e delimitação do objecto do processo
deverá orientar-se, por um lado, decerto no sentido de ser uma garantia – a
garantia de que apenas o que é acusado se terá de defender, e de que só por
isso será julgado, posto que a “eadem res” da acusação à sentença é
seguramente uma fundamental garantia para uma defesa pertinente e eficaz,
segura de não deparar com surpresas incriminatórias e de ter um julgamento
leal –, mas, por outro lado, no sentido também de não frustrar uma averiguação
e um julgamento justos e adequados da infracção acusada”.
Ou, como sustenta os mesmos autores de seguida (pág. 414) a propósito
de semelhante normativo, “pretende-se aqui conciliar a celeridade processual e
o aproveitamento do processo com os imperativos legais do princípio do
contraditório e de uma defesa eficaz e em tempo útil por parte do arguido”.
O que é fundamental é que se salvaguarde o princípio do contraditório, o
que foi respeitado. A defesa poderia apresentar novas provas ou requerer nova
inquirição das testemunhas, etc. É para isso que se estipula que lhe será
concedido prazo para preparar a sua posição processual se o desejar. Veja-se,
no mesmo sentido, o caso nº ICTR-96-13-T, Prosecutor v. Alfred Musema, do
Tribunal Internacional para o Ruanda, Trial Chamber I.
“Não obstante a assunção do princípio do acusatório no sentido da
separação entre entidade acusadora e juiz de julgamento (dimensão orgânico-
subjectiva do princípio do acusatório) e a distinção entre fases do processo (no
caso, acusação e julgamento), no que é definido como a dimensão material
daquele princípio, o legislador viu-se obrigado a restringir estes efeitos
extremos de um processo acusatório puro, introduzindo as normas supra
referidas” – acórdão deste Tribunal de Recurso de 30 de Junho de 2008,
proferido no âmbito do processo nº 53/CO/2008/TR (relator Ivo Rosa).
Assim, também neste ponto improcede o recurso.

e) Erro notório na apreciação da prova:

Sustentam os recorrentes que “o Tribunal a quo procedeu com erro


notório na apreciação da prova, afastando a prova pericial sem qualquer
fundamento jurídico ou fático aceitável”, assim violando o art. 162º do CPP, o
que acarreta a anulação da decisão com base no art. 299º do CPP.
Sobre esta matéria o Ministério Público respondeu que “o tribunal “a
quo” avaliou a prova segundo a sua livre convicção, sem que tivessem sido
violadas quaisquer regras da experiência comum ou sido utilizados meios de

82
prova proibidos, sendo que a factualidade dada como assente tem
sustentabilidade nas provas indicadas na motivação fáctica.
Basicamente, entendem os recorrentes que o falecido Alfredo Reinado foi
“executado”, tese afastada na fundamentação da matéria de facto, uma vez que
“os tiros podem ser encostado (zona de queimadura interna – dentro do corpo
da vítima), a queima roupa, que são os tiros dados até 30 cm da vítima, mas
não enconstados ( zona de queimadura visível, pois os gazes que saem da arma
atingem a vítima, queimando sua pele e sua roupa) e afastado, mais de 30 cm
(zona de queimadura inexistente). Portanto, a existência de uma zona de
queimadura é uma PROVA INEQUÍVOCA QUE O TIRO FOI DADO A
CURTA DISTÂNCIA, OU SEJA, A QUEIMA ROUPA. Qualquer
posicionamento em contrário é um grave equívoco na análise da prova”.
O erro notório na apreciação da prova, que vem previsto na al. c) do nº 2,
do art. 299º do CPP, “verifica-se quando se retira de um facto dado como
provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como
provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou
quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado
uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora
das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado
é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto
(positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida” – acórdão deste
Tribunal de 26-6-2008, proferido no âmbito do processo nº 40/CO/2008/TR
(relator Ivo Rosa). No mesmo sentido os acórdãos deste tribunal de 14-9-2009,
proferido no âmbito do processo nº 12/CO/2009/TR, de 19-5-2009, processo nº
25/CO/2009/TR, e de 18-2-2010, proferido no âmbito do processo nº
62/CO/2009/TR (todos relatados por Luís Goia).
Referem Simas Santos e Leal Henriques que “verifica-se erro notório
quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente
inaceitável, ... quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um
facto dado como provado uma conclusão ilógica” (in “CPP Português
Anotado”, vol. 2º, pág. 740).
O vício do erro notório na apreciação da prova consubstancia-se na
incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de
prova, incorrecção susceptível de se verificar, também, quando o tribunal retira
de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das
regras da experiência comum.
São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos
à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a
quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir
tanto ao nível da matéria de facto como de direito.

83
Tratam-se de vícios da decisão, não do julgamento – Maria João Antunes,
in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Janeiro-Março de 1994, pág.
121.
Como se sabe, no sistema processual penal, vigora a regra da livre
apreciação da prova, em que conforme art. 113º o CPP, salvo quando a lei
dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência
e a livre convicção da entidade competente.
O art. 113º do CPP estabelece três tipos de critérios para avaliação da
prova, com características e natureza completamente diferente: uma avaliação
da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar, (o caso dos
documentos autênticos); outra, também objectiva, quando for imposta pelas
regras da experiência; finalmente uma outra, eminentemente subjectiva, que
resulta da livre convicção do julgador.
Porém não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na
formação do juízo e valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou
íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou
emotiva, e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e
logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo.
E é dentro destes pressupostos que o julgador deve colocar-se ao apreciar
livremente a prova (Alberto dos Reis, in “CPC Português Anotado e
Comentado”, vol. III, pág. 246; Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo
Penal, vol. II, pág. 288; Eduardo Correia, “Les Preuves em Droit Penal
Portugais”, in RDES, ano XIV; e Germano Marques da Silva, “Curso de
Processo Penal”, vol. II, pág. 107).
Os vícios do art. 299º, nº 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na
apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova
para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção
pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que
o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da
prova, princípio inscrito no citado normativo - artigo 127.º do CPP
O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-
se subtraído à livre apreciação do julgador (art. 162º, nº 1, do CPP). Assim,
sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos
peritos, deve aquele fundamentar a divergência. (nº 2 do preceito)
Aplicando estes princípios à questão colocada, afigura-se que, mais uma
vez, a divergência dos recorrentes resulta de partirem de permissas que não são
necessariamente correctas.
Efectivamente, contrariamente ao que sustentam os recorrentes, da prova
pericial não se pode concluir com a certeza que pretendem que os tiros que
mataram Alfredo Reinado e Leopoldino Exposto foram disparados a menos de
trinta centímetros de distância.

84
De facto, não é segura esta afirmação. Desde logo importa distinguir a
chamada “tatuagem” verdadeira (tatuagem indelével), que se verifica quando
há incrustação da pólvora em camadas mais ou menos profundas da pele, da
“tatuagem” falsa (tatuagem delével), que se verifica quando só ocorre uma
deposição na superfície da pele sem incrustar, podendo ser facilmente
removida com uma simples manobra de limpeza.
Importa ainda salientar que, a quimadura pode ainda resultar por acção
indirecta, ou seja, a chama à boca de fogo vai-se atear à roupa e desse modo
acabar por provocar lesões de queimadura, que podem não estar confinadas em
torno do orifício de entrada.
A tatuagem verdadeira, sem dúvida que ocorre num caso de “disparo de
contacto” ou “tiro encostado” (neste caso, o cano da arma está encostada á
superfície de impacto, superfície corporal ou peça de vestuário, ou ainda em
caso de tiro à queima roupa ou “quase contacto” (corresponde à situação em
que a arma não contacta com a superfície de impacto e pode estar afastada dela
até dois, três centímetros. Nesta situação, também todos os elementos que
saiem pelo cano da arma, alcançam a superfície de impacto e podem também
penetrar em profundidade tal como acontece no disparo de contacto).
Já a segunda resulta de tiro mais distante, a que se convencionou chamar
“distância intermédia” ou “tiro a alguma distância”. Trata-se de uma distância
variável (de arma para arma e de munição para munição) mas para a qual ainda
é possível a demonstração de alguns dos elementos que saem pela boca de
fogo. Sobre esta matéria veja-se Agostinho Santos, in “Tanatologia Forence”,
Faculdade de Medicina do Porto, págs. 35 a 40, citando ainda Carlos Lopes, in
“Guia de Perícias Médico-Legais”, Porto, 1977, Gisbert Calabuig, in
“Medicina Legal y Toxicologia”, Barcelona, 1998, e Knigth B., in “Forensic
Pathology”, London, 1996 (esta distância tem sido considerada, em termos
médios, e para as pistolas e revólveres de uso comum e com munições
standard, os 50-75 centímetros).
Mais se acrescenta que, “este tipo de lesões pode eventualmente ser
observado em vítimas que sofreram um disparo “quase encostado” (à queima
roupa), quando se usam munições com pólvoras cuja composição permitem o
aparecimento de uma grande chama à boca de fogo, ou em disparos por
exemplo de espingardas metralhadoras”.
No mesmo sentido, ou seja, de não se poder determinar com exactidão a
distância do disparo (embora pontando para distâncias entre 50 e 75
centímetros), vejam-se ainda Stefan Pollak e Pekka J. Saukko, in “Gunshot
Wounds”, pág. 12 (“Usually a distinction is made between close-range shots
and medium (intermediate)-range shots. Close-range shots are defined by the
presence of a zone of powder soot soiling surrounding the bullet entrance (of-
ten associated with additional powder tattooing). The grayish-black soot leads

85
to skin or textile discoloration of a cloudy structure, whose intensity decreases
with growing firing distance. Shots fired at an oblique angle result in an
asymmetrical soot pattern with unilateral extension on the side of the shooter
or away from it (depending on the angle at which the shot was fired and the
range of fire)”. The term medium-range shot is used if no zone of powder soot
blackening is discernible around the entry wound any more, but there are un-
burned or partially burned gunpowder grains deposited on, or forced into, the
skin or clothing”).
Ora, não se tendo dado como provado que os disparos que atingiram os
falecidos Alfredo Reinado e Leopoldino Exposto tenham provindo da arma
disparada por Francisco Marçal (pessoa que afirmou estar a 20/30 metros de
distância), não se pode determinar a que distância estaria a pessoa que
efectivamente os atingiu, sendo certo que não teria que estar a menos de trinta
centímetros como pretendem os recorrentes.
Finalmente, não pode ainda proceder a tese dos recorrentes, quando se
verifica que Alfredo reinado foi atingido por quatro vezes, em zonas diversas
do corpo, o que desde logo afasta a conclusão de que tenha sido “executado” à
queima roupa.
Relativamente às declarações do perito apresentado pelos arguidos
importa lembrar que, fora do formalismo próprio para a realização da perícia
prevista no CPP (arts. 149º a 162º), qualquer outra declaração “pericial” pode e
deve ser livremente apreciada pelo tribunal.
Daqui resulta evidente que, independentemente da eventual deficiência na
fundamentação, bem andou no tribunal “a quo” na sua decisão.
Assim, também este argumento dos recorrentes se revela improcedente.

f) Contradição insanável entre a fundamentação e a matéria


dada como provada:

Argumentam ainda os recorrentes que “deve a decisão ser anulada,


também, pela existência de uma contradição insanável entre a fundamentação e
a matéria dada como provada;
“O Tribunal a quo deu como provado que todos os arguidos condenados
estavam armados, mas na fundamentação (resposta a matéria de facto)
declarou que dois dos arguidos (dentre quatro que não pode precisar) estavam
desarmados”.
Sobre esta questão o Ministério Público nada respondeu.
“Por contradição entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo
tempo uma coisa ou a emissão de duas posições contraditórias que não podem
ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições
contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na

86
quantidade ou na qualidade” – acórdão deste Tribunal de 7-7-2008, proferido
no âmbito do processo nº 52/CO/2008/TR (relator Ivo Rosa), citando Simas
Santos e Leal Henriques, in “CPP Português Anotado”, vol. 2º, pág. 737.
Todos os recorrentes foram condenados, pela prática, em autoria singular,
de um crime de uso de arma proibida, p. e p. pelo art. 211º, nº 3, do Código
Penal de Timor Leste, na pena de dois anos de prisão, cada um.
Sustentam os arguidos que se provou que dois deles não se encontravam
armados, não se podendo determinar quais, pelo que todos devem ser
absolvidos da prática deste crime.
É o seguinte o teor dos factos invocados:
“23. Nos dois referidos veículos vinham, pelo menos, os arguidos Amaro
da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José António da Silva, Paulo Neno
Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria Guterres, Ismael
Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho e Caetano dos Santos Ximenes,
fardados e armados.
“32. Os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José
António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano,
Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho e
Caetano dos Santos Ximenes, fardados e na posse de armas e munições,
desceram dos veículos e, de imediato, cercaram o Domingos Simões Pereira”.
Entre estes dois factos não se vislumbra qualquer contradição. O que pode
haver é errada aplicação do direito na condenação de algum, ou alguns
arguidos que não se encontrem referidos na matéria de facto como tendo usado
armas.
Referem então os recorrentes que a contradição está na fundamentação da
resposta ao quesito 28º, da qual consta: “De tais declarações resulta que todos
os arguidos mencionados no quesito se deslocaram a Dili nos dois veículos em
causa, e que a generalidade dos arguidos seguia armada, havendo apenas
discrepância quanto à identidade dos dois elementos que não possuíam arma
no momento em que saíram de Lauala”.
Mas mais uma vez não assiste razão aos recorrentes. O que ali se refere é
que dois elemento não possuíam arma no momento em que saíram de Lauala.
Mas também se deu como provado que:
“22. Nesses dois veículos os arguidos transportaram fardas,
medicamentos, armas e caixas de munições.
“26. Outros dois veículos partiram de Lauala, um deles conduzido pelo
arguido Gastão Salsinha, transportando os co-arguidos Bernardo da Costa,
Avelino da Costa, Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia
Barreto, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião
António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa
Ventura, e Francisco Ximenes Alves, fardados e armados.

87
“32. Os arguidos Amaro da Costa, Domingos do Amaral, Gilson José
António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto Suni Mota, Marcelo Caetano,
Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz Soares, Egídio Lay Carvalho e
Caetano dos Santos Ximenes, fardados e na posse de armas e munições,
desceram dos veículos e, de imediato, cercaram o Domingos Simões Pereira”.
Ora, os recorrentes não questionaram que esta matéria tenha sido dada
como provada.
Do exposto, com todo o respeito, afigura-se que resulta evidente, não só
que não se verifica qualquer contradição na matéria de facto provada, ou entre
e a sua fundamentação e a decisão, bem como se encontram provados os
elementos objectivos e subjectivos do crime em causa, conforme analisado no
acórdão sob recurso.
Assim, mais uma vez, improcede o recurso ora em análise.

g) Interpretação correctiva em relação ao crime de atentado


contra o Presidente da República:

Alegam os recorrentes que “em relação ao Crime de Atentado ao


Presidente da República deve ser feito uma intepretação corretiva, já que o
bem protegido é a governabilidade, sendo que, em Timor Leste, o presidente
não governa;
“Assim, em relação ao Presidente da República, deveriam os arguidos
responderem por tentativa de homicídio simples e não pelo crime de atentado
ao presidente;
“Violou (o tribunal “a quo”), assim, o disposto no art. 104º do CPI, ... já
que interpretou extensivamente o tipo previsto no artigo.
Sobre esta matéria o Ministério Público respondeu afirmando que:
“O Ministério Público não confunde e nem ignora que “governar”,
retirado do artigo 104 exclui a tutela de eventual ataque ao Presidente da
República, tanto mais que o corpo do artigo fala em PR e Vice PR.
“O que aconteceu ao Presidente da República, é aplicável o artigo 104 do
CPI, que mostra-se mais favorável do que previsto no artigo 203/2 do CP de
Timor Leste”.
Não se compreende o raciocínio do Ministério Público. Se o facto não era
enquadrável no tipo do art. 104º do CPI, não passa a sê-lo por recurso ao
regime mais favorável, sob pena de clamorosa violação do disposto no art. 31º,
nº 2, da Constituição (arts. 1º, nº 1, quer do CPI, quer do novo CP).
Voltando à análise do art. 104º do CPI. Não se aceita a afirmação dos
recorrentes segundo a qual o bem jurídico protegido é a governabilidade.

88
Desde logo o artigo fala (usando a versão em inglês) em atentado com
intenção de privar o Presidente da sua vida ou da sua liberdade ou de o tornar
incapaz de governar.
Daqui resulta evidente que a simples tentativa de homicídio do Presidente
da República constitui o crime previsto e punível pelo art. 104º do CPI.
Como, no nosso entender, resulta evidente da leitura do artigo em causa, o
bem jurídico protegido é a própria figura do Chefe de Estado, enquanto
“símbolo garante da independência nacional, da unidade do Estado e do
regular funcionamento das instituições democráticas” – art. 74º, nº 1, da
Constituição de Timor-Leste.
Aliás, num estado de direito democrático sempre se encontram previstas
formas de substituição das pessoas que ocupam cargos de poder político, ou
constitucional, nunca a governabilidade do país sendo verdadeiramente
colocada em causa pela impossibilidade de actuação de qualquer um dos
titulares dos órgãos de soberania.
Mas mais, mesmo a admitir-se a tese dos recorrentes o argumento
improcederia. Efectivamente, num sistema constitucional de governo
semipresidencial, como é claramente o adoptado por Timor-Leste, o Presidente
da República também tem funções executivas (nomeadamente o poder de
conceder indultos).
Como se sabe, as constituições modernas instituem o princípio da
separação de poderes, mas, simultâneamente, consagram a interdependência
dos poderes do Estado. No caso das constituições que consagram um regime
semipresidencialista, os poderes do Presidente da República podem variar
desde uma maior aproximação ao modelo presidencial (como por exemplo em
França), a um modelo mais próximo do modelo parlamentar (como será o caso
na nossa Constituição). Porém, sempre o Presidente da República tem poderes
de “ingerência” na área executiva, tendo mesmo alguns poderes próprio do
executivo em exclusividade.
Assim, bem andou o Ministério Público ao deduzir a acusação pelo crime
em questão, nenhuma censura merecendo a condenação dos arguidos pelo
mesmo em função da matéria de facto provada.

Não se vislumbram outras nulidades no acórdão recorrido.


Nestes termos, improcede totalmente o recurso interposto pelos arguidos
Domingos Amaral, Gilson José António da Silva, Paulo Neno Leos, Gilberto
Suni Mota, Marcelo Caetano, Joanino Maria Guterres, Ismael Sansão Moniz
Soares, Egídio Lay Carvalho, Caetano dos Santos Ximenes, Bernardo da
Costa, Avelino da Costa, Gastão Salsinha, Júlio Soares Guterres, Gaspar
Lopes, Julião António Soares e Quintino Espírito Santo.

89
C.3 – Da incorrecta aplicação do direito no que respeita ao
crime de dano:

A propósito do recurso interposto pelos arguidos Amaro da Costa, Adolfo


da Silva, Alexandre de Araújo, Francisco Ximenes Alves, José Agapito
Madeira, José da Costa, Januário Babo e Raimundo Maia Barreto importa aqui
relembrar que o recurso é limitado no seu objecto nas conclusões da sua
motivação, nos termos do art. 301º, nº 1, do CPP, sendo questões suscitadas
pelos recorrentes na parte expositiva das suas alegações mas não incluídas nas
conclusões conhecidas apenas quando sejam de conhecimento oficioso.
Porém, no caso vertente, não se vislumbra qualquer fundamento nas
questões jurídicas ali suscitadas pelos arguidos, pelo que se limita o
conhecimento do mérito do recurso à matéria levada pelos arguidos às
conclusões do mesmo, com excepção da condenação pela prática do crime de
dano, que ora se passa a analisar.

Os arguidos Avelino da Costa, Bernardo da Costa, Alexandre de Araújo,


Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes,
José Agapito Madeira, Julião António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo
da Silva, José da Costa Ventura e Francisco Ximenes Alves, foram condenados
pela prática, em co-autoria, de um crime de dano (tendo por objecto o veículo
automóvel com a matrícula PM 1), previsto e punível pelo art. 406º do Código
Penal Indonésio, na pena de um ano de prisão.
Igualmente foi o arguido Gastão Salsinha condenado, pela prática, em co-
autoria, do mesmo crime, na pena de um ano e seis meses de prisão.
O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime
efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime
for preenchido pela conduta do agente – art. 35º, nº 1, do novo Código Penal.
Como resulta do acórdão recorrido, os arguidos foram condenados pelo
crime em questão em face dos danos provocados no veículo automóvel com a
matrícula PM 1, onde seguia o Primeiro-Ministro, aquando da tentativa de
homicídio do mesmo.
O dolo realiza-se com a representação, pelo agente, de que a sua conduta
provoca sacrifício em coisa alheia - destruição, danificação, inutilização ou
descaminho, como diz a lei - art. 406º, nº 1, do CPI (no novo CP o art. 258º, nº
1). O que significa que em termos de elemento subjectivo o crime se consuma
com o simples dolo genérico.
Porém, aquele crime, que sem dúvida se verifica, encontra-se consumido
pelo crime de tentativa de homicídio. Constitui um acto preparatório, ou
mesmo necessário, do crime de tentativa de homicídio. Trata-se de um

90
crime/meio do crime/fim, que é consumido por este. A tentativa de homicídio
toma conta do dano, assimilando-o no seu percurso, quando este se dilui no
interior daquele, uma vez que se destina a levá-lo a cabo (crime meio).
“Critério de primacial relevo para a conclusão pela tendencial unidade
substancial do facto – apesar da pluralidade de tipos legais violados pelo
comportamento global – é o da unidade, segundo o sentido social assumido por
aquele comportamento, do sucesso ou acontecimento (hoc sensu, do “evento”
ou “resultado”) ilícito global e final” – Figueiredo Dias, in “Direito Penal,
Parte Geral”, tomo I, pág. 1016.
Este mesmo autor acrescenta que, constituem crime-meio “aqueles casos
em que um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como
meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e os seus efeitos”
(pág. 1018).
Este é também o regime resultante do art. 63º, nº 1, do CPI.
Ora, os arguidos agiram manifestamente no âmbito de uma única
resolução criminosa, pelo que se afigura concluir pela consumpção do crime de
dano pelo crime de tentativa de homicídio. Conforme salienta o Prof. Eduardo
Correia, no “Direito Criminal”, vol. 2º, pág. 200, havendo uma única resolução
criminosa, que determina uma equivalente unicidade ao nível do crime
cometido, traduzida numa sucessão de actos cuja proximidade temporal revela
a inexistência de uma renovação do respectivo processo de motivação, impede
que se conclua que estamos perante um concurso efectivo de crimes, isto é,
uma pluralidade de infracções.
«Estando o agente do crime a actuar sob o mesmo dolo, o crime é o
mesmo e um só, mesmo no plano estritamente naturalístico» - Cuello Cabón,
“Derecho Penal”, vol. 1º, pág. 297, citado no acórdão do S.T.J. de 20 de
Janeiro de 1994, no B.M.J. nº 433, pág. 275.
Por outro lado, a existência de uma relação de consumpção entre dois
tipos de crime, juízo subjacente ao que se vem expondo, não exige que ambos
se destinem a proteger o mesmo bem jurídico - conf. o Prof. Eduardo Correia,
no “Direito Criminal”, vol. 2º, pág. 205.
“Parece assim particularmente claro que uma valoração autónoma e
integral do crime-meio representaria uma violação da proibição jurídico-
constitucional da dupla valoração” – Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte
Geral”, tomo I, pág. 1018.
Importa, assim, absolver os referidos arguidos da prática, em co-autoria
material, de um crime de dano (tendo por objecto o veículo automóvel com a
matrícula PM 1), previsto e punível pelo art. 406º do Código Penal Indonésio.

C.4 – Recurso interposto pelos arguidos Amaro da Costa,


Adolfo da Silva, Alexandre de Araújo, Francisco Ximenes Alves,

91
José Agapito Madeira, José da Costa, Januário Babo e
Raimundo Maia Barreto:

Temos que decidir aqui (a) se não há prova suficiente para sustentar a
acusação e (b) se devem ser reduzidas as penas cominadas aos arguidos.

a) Inexistência de provas suficientes para sustentar a acusação:

Alegam os arguidos recorrentes que não existem exames periciais


testemunhas ou documentos que sustentem os factos da acusação.
Nomeadamente, as testemunhas Domingos Pereira e Roque Rodrigues,
que zelavam pela segurança das residências do Presidente da República e do
Primeiro Ministro, prestaram declarações que não suportam as alegações
apresentadas pelo Ministério Público.
Sobre esta questão o Ministério Público pugnou pela improcedência do
recurso.
O recurso pode fundamentar-se na discordância com a decisão tomada,
quer relativamente à matéria de direito, quer relativamente à matéria de facto –
art. 287º, nº 2, do CPP.
Porém, versando o recurso matéria de facto, o recorrente deve especificar:
(a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (b) as provas
que impõem decisão diversa da recorrida; e (c) as provas que devem ser
renovadas.
Sucede que os recorrentes não procederam às operações legais
enunciadas, pelo que se encontra este Tribunal concretamente impedido de
conhecer a matéria em causa, uma vez que, como já enunciado supra, não
enferma o acórdão recorrido de qualquer dos vícios referidos no art. 299º, nº 2,
do CPP.
Assim, improcede o recurso neste pormenor.

b) A medida das penas cominadas aos arguidos:

Os recorrentes solicitam que se lhes aplique “pena justa”.


Sobre este ponto o Ministério Público nada referiu.
Consideram já o supra referido relativamente ao crime de dano, os
recorrentes foram condenados nas seguintes penas parcelares:
O arguidos Amaro da Costa, pela prática, em co-autoria, de um crime de
atentado contra a vida do Presidente da República, p. e p. pelo art. 104º do
Código Penal Indonésio, na pena de doze anos de prisão; pela prática, em co-
autoria, de quatro crimes de homicídio, na forma tentada, (tendo por vítimas

92
Domingos Pereira, Albino de Assis, José Pinto Freitas e Francisco Lino
Marçal), p. e p. pelos arts. 338º e 53º do Código Penal Indonésio, na pena de
quatro anos de prisão para cada um dos crimes; e pela prática, em autoria
singular, de um crime de uso de arma proibida, p. e p. pelo art. 211, n. 3 do
Código Penal de Timor Leste, na pena de dois anos de prisão;
Os arguidos Adolfo da Silva, Alexandre de Araújo, Francisco Ximenes
Alves, José Agapito Madeira, José da Costa Ventura, Januário Babo e
Raimundo Maia Barreto, pela prática, em co-autoria, de um crime de
homicídio, na forma tentada, (tendo por vítima Kay Rala Xanana Gusmão), p.
e p. pelos art. 338º e 53º do Código Penal Indonésio, na pena de sete anos de
prisão cada um; pela prática, em co-autoria, de dois crimes de homicídio, na
forma tentada, (tendo por vítimas Bobby Agapito Gonçalves e Adolfo Soares
dos Santos), p. e p. pelos art. 338º e 53º do Código Penal Indonésio, na pena de
cinco anos de prisão, para cada um dos crimes; e pela prática, em autoria
singular, de um crime de uso de arma proibida, p. e p. pelo art. 211º, nº 3 do
Código Penal de Timor Leste, na pena de dois anos de prisão, cada um.
Nos termos do art. 91º do novo Código Penal de Timor-Leste:
1. Encontrada a moldura abstracta da pena, o tribunal avalia todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo nem tendo sido valoradas nos
termos do disposto no artigo anterior, agravem ou diminuam a
responsabilidade do condenado.
2. Com base na valoração destas últimas circunstâncias, o tribunal fixa a
medida exacta da pena que considere necessária para a protecção dos bens
jurídicos essenciais à vida em sociedade e à reintegração social do agente,
dentro dos limites da moldura fixada no tipo ou dos limites resultantes da
aplicação do disposto no artigo anterior.
3. A medida da pena aplicada ao condenado não pode, em circunstância
alguma, ultrapassar a medida da culpa.
Este princípios já resultavam dos disposto nos arts. 60º, nº 1, e 61º do
mesmo Código.
No dizer de Figueiredo Dias (in “Consequências Jurídicas do Crime”,
pág. 306), a lei exige que a medida da pena seja encontrada em função da
culpa e da prevenção.
Através do requisito da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária
da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das
finalidades das penas.
Através do requisito da culpa do agente, dá-se tradução à exigência de
que a vertente pessoal do crime - ligada ao respeito pela eminente dignidade da
pessoa do agente - é um limite de forma inultrapassável.

93
Sendo assim, as finalidades de aplicação da pena residirão
primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na reinserção do agente na
comunidade.
Não podendo a pena, em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
“A medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de
prevenção geral positiva”, vindo a ser “definitiva e concretamente estabelecida
em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção
especial positiva ou de socialização” – Anabela Miranda Rodrigues, “O
modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in RDCC
12-2, Abr/Jun02.
“Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral
positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda
comunitariamente aceitável de medida de tutela dos bens jurídicos (ou de
“defesa do ordenamento jurídico”) – devem actuar, em toda a medida possível,
pontos de vista de prevenção especial, sendo assim eles que vão determinar,
em última instância, a medida da pena. Isto significa que releva neste contexto
qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza:
seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas
subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. A
medida da necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, o
critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje (...) o
vector mais importante daquele pensamento. Ele só entra em jogo porém se o
agente se revelar carente de socialização. Se uma tal carência se não verificar,
tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma
função de suficiente advertência, o que permitirá que a medida da pena desça
até perto do limite mínimo da “moldura de prevenção” ou mesmo que com ele
coincida (“defesa do ordenamento jurídico”)” – Figueiredo Dias, in “Direito
Penal, Parte Geral”, tomo I, pág. 81.
O CPI não contém disposições semelhantes que fixem princípios
orientadores da determinação da medidas concreta da pena. Porém, devem
entender-se aplicáveis princípios semelhantes em obediência ao princípio do
respeito pela dignidade da pessoa humana, vertido no art. 1º, nº 2, da
Constituição de Timor-Leste.
As ideias base que devemos ter presentes são as de que as finalidades da
aplicação de uma pena residem, primordialmente, na tutela dos bens jurídicos,
na reinserção social do arguido e a de que a pena não pode, em caso algum,
ultrapassar a medida da culpa.
Estes mesmos princípios estão, aliás, a ser ponderados na reforma do
Código Penal na Indonésia, conforme Muladi, Universitas Diponegoro, Sema-
rang, Indonesia, “The Prospect of Alternative Sanctions in Indonesia”, pág. 57
(“the goals of sentencing have been stipulated as follows: Punishment will

94
seek to prevent the commission of criminal offences by enforcing the laws to
protect society; resocialise convicts by providing guidance so as to make them
into decent and useful people; settle conflicts arising from criminal offences,
by restoring the equilibrium and fostering a sense of peace in society; and free
convicts from their sense of guilt”).
Analisando em concreto, podemos verificar que todas estas circunstâncias
foram ponderadas pelo tribunal “a quo” na determinação da medida concreta
das penas que foram cominadas aos arguidos, não merecendo qualquer
censura, quer a motivação exposta, quer a medida das penas em concreto.
Importa não ignorar forma e a gravidade das consequências da actuação
dos arguidos, bem como as razões de prevenção geral positiva, em
consonância com a projecção que este tipo de crime tem na comunidade
timorense.
Assim, nenhuma censura merece o acórdão recorrido no que respeita à
escolha da medida concreta das penas cominadas aos arguidos.

D – Reformulação do cúmulo jurídico:

Face à absolvição dos arguidos Gastão Salsinha, Avelino da Costa,


Bernardo da Costa, Alexandre de Araújo, Januário Babo, Raimundo Maia
Barreto, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, José Agapito Madeira, Julião
António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da Silva, José da Costa
Ventura e Francisco Ximenes Alves da prática do crime de dano (tendo por
objecto o veículo automóvel com a matrícula PM 1), previsto e punível pelo
art. 406º do Código Penal Indonésio, importa proceder à reformulação do
cúmulo jurídico das penas aos mesmos cominadas pelos restantes crimes.
O arguido Gastão Salsinha foi condenado nas seguintes penas:
- pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio, na forma tentada,
(tendo por vítima Kay Rala Xanana Gusmão), p. e p. pelos arts. 338º e 53º do
Código Penal Indonésio, na pena de oito anos de prisão;
- pela prática, em co-autoria, de dois crimes de homicídio, na forma
tentada, (tendo por vítimas Bobby Agapito Gonçalves e Adolfo Soares dos
Santos), p. e p. pelos arts. 338º e 53º do Código Penal Indonésio, na pena de
seis anos de prisão, para cada um dos crimes; e
- pela prática, em autoria singular, de um crime de uso de arma proibida,
p. e p. pelo art. 211º, nº 3, do Código Penal de Timor Leste, na pena de dois
anos de prisão.
Os arguidos Avelino da Costa, Bernardo da Costa, Alexandre de Araújo,
Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes,
José Agapito Madeira, Julião António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo

95
da Silva, José da Costa Ventura e Francisco Ximenes Alves foram aplicadas as
seguintes penas:
- pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio, na forma tentada,
(tendo por vítima Kay Rala Xanana Gusmão), p. e p. pelos art. 338º e 53º do
Código Penal Indonésio, a pena de sete anos de prisão cada um;
- pela prática, em co-autoria, de dois crimes de homicídio, na forma
tentada, (tendo por vítimas Bobby Agapito Gonçalves e Adolfo Soares dos
Santos), p. e p. pelos art. 338º e 53º do Código Penal Indonésio, a pena de
cinco anos de prisão, para cada um dos crimes; e
- pela prática, em autoria singular, de um crime de uso de arma proibida,
p. e p. pelo art. 211º, nº 3 do Código Penal de Timor Leste, a pena de dois anos
de prisão, cada um.
A pena única aplicável é determinada segundo os critérios do art. 36º, nº
1, do novo Código Penal, ou 65º, nº 2, do CPI, devendo ser este o regime a
aplicar, por imposição do art. 3º, nº 3, do novo Código, como bem explicitado
no acórdão recorrido.
Tudo ponderado, tendo em consideração os critérios gerais da fixação da
pena, supra referidos, levando em conta os factos, no seu conjunto, e a
personalidade dos arguidos, ponderando-se, sobretudo as penas concretamente
aplicadas, entende este Tribunal manter a pena única cominada aos arguidos,
uma vez que não permite a lei fixar em período diferente.

IV – Sobre as custas

Não obstante a improcedência parcial do recurso e se manter a


condenação dos arguidos recorrentes, não há lugar à condenação deles nas
custas porque não há elementos de facto que permitam concluir que eles
estejam em condições de suportar as custas do recurso (artigo 358º do CPP).

V. Conclusão:

Pelo exposto, deliberam os Juízes que constituem este Cplectivo do


Tribunal de Recurso:
a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público;
b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos arguidos
Gastão Salsinha, Avelino da Costa, Bernardo da Costa, Alexandre de Araújo,
Januário Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes,
José Agapito Madeira, Julião António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo

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da Silva, José da Costa Ventura e Francisco Ximenes Alves, relativamente à
prática, em co-autoria, do crime de dano (tendo por objecto o veículo
automóvel com a matrícula PM 1), previsto e punível pelo art. 406º do Código
Penal Indonésio, por cuja prática foram condenados em primeira instância,
absolvendo-os da prática desse crime;
c) Reformular, em consequência dessa absolvição, o cúmulo jurídico das
restantes penas cominadas, mantendo no entanto a pena única do arguido
Gastão Salsinha em dez anos e oito meses de prisão e a de cada um dos
arguidos Avelino da Costa, Bernardo da Costa, Alexandre de Araújo, Januário
Babo, Raimundo Maia Barreto, Júlio Soares Guterres, Gaspar Lopes, José
Agapito Madeira, Julião António Soares, Quintino Espirito Santo, Adolfo da
Silva, José da Costa Ventura e Francisco Ximenes Alves em nove anos e
quatro meses de prisão;
d) Julgar improcedentes no restante os recurso interpostos, confirmando
em conformidade o acórdão recorrido;
e) Não condenar os recorrentes nas custas.

- Notifique.
- Comunique à PNTL e à F-FDTL, com cópia deste acórdão e do acórdão
proferido em primeira instância, para eventual acção disciplinar contra os
arguidos.
- Oportunamente remeta os autos ao Tribunal Distrital de Dili.

Díli, 14 de Junho de 2010

O Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso

Cláudio Ximenes – Presidente e Relator

José Luís da Goia

97
Rui Manuel Barata Penha

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