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Público • Sexta-feira 21 Janeiro 2011 • 39

Queremos acrescentar um Presidente fraco a um Governo desacreditado num país à beira do precipício?

Até parece que não está nada em jogo este domingo

U É
NUNO FERREIRA SANTOS
m ambiente estranho tem rodeado a irreal um cenário em que Manuel Alegre
campanha eleitoral. Ou, para ser mais seja eleito? Tudo indica que sim. Mesmo
exacto, tem-se vivido um ambiente es- assim, importa verificar o que representa
tranho naquela parte do país que faz por Alegre por contraponto a Cavaco. Para is-
ignorar a campanha e, como poucas ve- so vale a pena voltar ao Portugal de 1988,
zes sucedeu, já anuncia que também vai ignorar o quando Cavaco liderava o seu segundo Governo (o
acto eleitoral. primeiro de maioria absoluta) e Portugal ainda era
José Vários factores podem explicar o que se está a um país onde só havia uma estação de televisão,
Manuel passar. O mais forte é a convicção de que a reelei- onde grande parte dos jornais diários pertencia ao
Fernandes ção de Cavaco Silva é um dado adquirido. E logo à Estado, onde a única rádio privada era a Renascen-
primeira volta. Isto explicaria alguma abstenção ça, um país onde todos os grandes bancos eram pú-
Extremo à direita. blicos, assim como era do Estado o único operador
ocidental Do outro lado, o carácter grotesco de duas candi- de telecomunicações, um país cuja economia ainda
daturas – as de Defensor de Moura e de José Manuel estava limitada pelos excessos da revolução e todas
Coelho – desvaloriza a participação. O esforço de as empresas que tinham sido nacionalizadas em 1975
Francisco Lopes e Fernando Nobre merece simpatia, não podiam sequer ser privatizadas.
mas só o segundo poderá protagonizar uma surpre- Para desbloquear esta situação, era necessário
sa, mas pequena. E a campanha errática e radical rever a Constituição, o que foi possível em 1989,
do candidato do Governo e da oposição bloquista, graças a um acordo entre o PSD e o PS de Vítor
Manuel Alegre, tem momentos que são penosos. Constâncio. Mas não todo o PS: Manuel Alegre vo-
Com este panorama e estes candidatos, não se es- tou contra. Um voto ao lado do PCP de que ainda
tranharia uma elevada abstenção à esquerda. há dois anos se orgulhava.
Mas há um outro factor previsível, mas algo sur- O episódio tem mais de 20 anos, é apenas um
preendente: muitos eleitores querem genuinamente entre muitos, mas sintetiza o que divide as duas
que Cavaco Silva seja eleito (e nem se conseguem principais candidaturas. Cavaco, primeiro como
imaginar num país em que fosse Alegre o vencedor), primeiro-ministro, depois como Presidente, come-
mas entendem que “sujam as mãos” se votarem ne- teu por certo inúmeros erros e omissões, mas aju-
le. Por causa do BPN? Só se for por não ter querido dou a construir, com o PS moderado e a esquerda
dar mais explicações, pois só os radicais o respon- moderna, o nosso consenso democrático, liberal
sabilizam pelos males de um banco que singrou em e europeu. Fora do poder, tanto criticou os erros
tempo de governos socialistas e foi supervisionado de governos socialistas como de governos sociais-
por um Banco de Portugal também dirigido por um democratas.
socialista. Muitos dos motivos são, temos de admiti- Já Alegre esteve quase sempre, ao longo das úl-
lo, mais estéticos do que éticos ou políticos: Cava- timas décadas, contra todas as reformas destina-
co não tem jeito, não sabe comer bolo-rei, a Maria das a tornar Portugal um país viável e competitivo,
não se sabe vestir, na sua biblioteca há mais livros aproximando-se por sistema de uma esquerda rei-
de economia do que de poesia, tem a mania de ler vindicativa, irrealista e radical, que sempre se auto-
os dossiers até ao fim, continua a morar na Rua do colocou de fora de qualquer solução governativa.
Possolo numa casa onde fez obras na marquise, não A linha que tem separado os que apoiam e os que
colecciona arte contemporânea nem frequenta a criticam as grandes opções do Portugal europeu
Gulbenkian, no fundo, é o “parolo de Boliqueime” não tem passado entre a esquerda e a direita, antes
que os chiques da esquerda e os queques da direita entre a esquerda arcaica com que Alegre gosta de
nunca acharam que tivesse lugar entre os que con- estar e o resto dos partidos do consenso constitu-
tam em Portugal. cional pós-1989.
Já Alegre, descendente do visconde do Barreiro É certo que, durante todos estes anos, Alegre foi
e do 1.º barão de Cadoro, aristocrata de olho azul, o cravo que caía bem na lapela do PS, onde, sem
poeta de voz quente, homem que nunca se engana grande incómodo, permitia aos socialistas ir cobrin-
no tom da gravata e gosta de grandes caçadas (até do a sua ala esquerda. Porém, esta campanha tem
se lhe perdoa a companhia que faz a Dias Loureiro mostrado que a convergência do PS com o Bloco
nessas jornadas de espingarda a tiracolo), facilmente fez murchar esse cravo, reduzindo-o à condição
amolece as defesas mesmo dos que estão nos seus de inestético “berloque”… de esquerda. Correia
antípodas: basta-lhe falar da Pátria ou declamar uma de Campos, eurodeputado, ex-ministro da Saúde,
estrofe de Os Lusíadas. membro da Comissão Política do PS, notou isso mes-

E
pelo voto em branco ou pelo voto mo ao mostrar, esta semana, como o “rei vai nu”:
stas são as questões de pele. Depois há os
Muitos dos que desejam nulo. Assim como se pode achar “Alegre não representa uma alternativa. Podia ter
temas políticos. Muitos não querem “sujar intimamente a vitória que o resultado é irrelevante, e en- representado no passado, mas no actual contexto
as mãos” porque Cavaco não vetou a lei do tão fica-se em casa. Mas será esse o não. O país precisa de estabilidade e o Presidente
casamento gay. Outros, em contrapartida, de Cavaco Silva preferem caso da eleição de domingo? incumbente garante essa estabilidade”. Disse alto
porque o acham conservador por ter cri- “não sujar as mãos” Apesar do que se tem dito sobre o que muitos socialistas murmuram.
ticado essa mesma lei. Uns porque é pouco liberal. a falta de poderes do Presidente, Portugal vai ter pela frente anos difíceis, em que
Outros porque não vetou o Orçamento de 2011. Há e anunciam ir ficar mesmo os seus poucos poderes terá de proceder a ajustamentos dolorosos da sua
quem nunca tenha ligado aos seus discursos e agora são importantes quando a eleição economia, sem os quais esta não só não recuperará
proclame que nada disse contra o agravamento da
em casa. Mobilizá-los ocorre num momento tão delicado. a competitividade perdida, como deixará de poder
dívida, o estado da Justiça ou a chaga da corrupção. é o desafio mais difícil do Primeiro, porque a crise orçamen- sustentar qualquer estado social, mesmo anémico.
Ou então ouviram-no, mas defendem que devia ter tal e económica colocou o país à Para o fazer, não necessita apenas que os políticos
falado mais alto e mais grosso. Muitos estão irritados Presidente-candidato beira da bancarrota, tal como só actuem o melhor possível, necessita de uma socieda-
por não ter respondido mais depressa, melhor e de esteve em 1892. Depois, porque não de civil mais viva, comprometida e capaz, também
forma mais cordata às notícias que o relacionam só não existe um Governo com apoio maioritário, ela, de mudar de hábitos.
com o BPN. Outros não lhe perdoem não ter forçado como as tensões políticas se exacerbaram, banali- Há quem ache que já chegámos a um ponto em
um Governo de coligação após as eleições de 2009. zando o insulto e bloqueando qualquer diálogo. que o regime não tem saída, e até quem sonhe com
E por aí adiante. É difícil, neste quadro, ver as vantagens de acres- um qualquer tipo de revolução ou de ruptura. Em
Todos terão a sua parte de razão. Ou, pelo menos, centar um Presidente fraco a um Governo desacre- democracia, isso é sempre muito perigoso, pelo
uma parte da sua razão. Contudo, em política, as ditado num país à beira do precipício. Sobretudo que os não-revolucionários costumam preferir ir
escolhas são feitas não em função de mitos idealiza- se pensarmos que o Presidente é o único agente a jogo em todas as eleições em vez de sonharem
dos mas das alternativas em jogo. Claro que se pode político cuja legitimidade deriva directamente dos com as próximas ou com um novo Salgueiro Maia.
estar “contra o sistema” e optar pela abstenção, eleitores. Jornalista (www.twitter.com/jmf1957)

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