1 Análises do direito.
Existem, naturalmente, muitas metodologias de análise do direito. Algumas são internas ou
meramente descritivas (i.e., postulando uma vinculação às normas do direito positivo 1), outras são
externas (ou meta-discursivas (i.e, desvinculadas dos sentidos do discurso jurídico e tomando este
como objecto de uma reconstrução que obedece a uma metodologia externa à do direito). A análise
interna do direito é normalmente designada por dogmática jurídica. As externas podem assumir muitas
perspectivas de análise, na medida em que podem submeter o objecto “direito” – o que quer que isto
seja; e isto é coisa diferente segundo seja sujeito a uma ou outra análise externa (um conjunto de
valores, um conjunto de normas formuladas de modo mais ou menos explícito, um conjunto de
comportamentos, um discurso [ou um conjunto de discursos])…. – aos conceitos e métodos de
diferentes saberes 2.
Neste ano, aproveitando a experiência muito positiva que se colheu da leccionação, em 2007-
2008, de um módulo da disciplina Análise do Discurso Jurídico, por uma equipa de professores do
Departamento de Filosofia do Direito da Universidade de Alicante – dos quais se destaca, pela sua
notoriedade internacional, Manuel Atienza -, decidi centrar esta disciplina do III Ciclo em temas de
metodologias de análise do direito enquanto linguagem. O que parece, além do mais, muito pertinente
num modelo de formação de juristas que toma o direito sobretudo como um texto – um conjunto de
proposições normativas, de natureza legal, jurisprudencial ou doutrinal. Esta perspectiva do direito não
é provavelmente a mais inclusiva e complexa, mas é, sem dúvida, a mais tradicional e a mais seguida.
1 Luigi Ferrajoli, José Juan Moreso, Manuel Atienza, La teoria del derecho en el paradigma constitucional, Madrid,
Fundación Coloquio Jurídico-Europeo, 2008, 27; R. von Jhering (= Construção sistemática do conjunto dos conceitos jurídicos).
2 Análise económica do direito (law and economics), sociologia do direito, lógica jurídica, teoria do direito, antropologia
jurídica, política do direito, história do direito, análise do discurso jurídico.
3 A própria análise do discurso, ao encarar este como um acto de interacção social e política, susceptível de ser utilizado
em estratégias grupais de poder, pode também lançar uma outra luz sobre o facto de os juristas estreitamente especializados
ignorarem e frequentemente recusarem abordagens transdisciplinares. Nesta perspectiva, o fechamento no discurso dogmático
faria parte de uma estratégia de defesa contra a perda de prestígio que resultaria do reconhecimento da pertinência de universos
literários desconhecidos.
C:\…\50065506.doc\1/22/11
1
Neste texto, quero apontar e sistematizar algumas linhas principais da análise textual, bem
como indicar algumas pistas de estudo. A final, pedirei alguns trabalhos a realizar por cada um.
4 Embora orientado para a análise de textos literários, v. Carlos Reis, Técnicas de análise textual, Coimbra, Almedina,
1981.
5 Speech act theory (J. L. Austin, John Searle).
6 http://en.wikipedia.org/wiki/Semiotics.; Kristeva, Eco, Bachtin u. a., Textsemiotik als Ideologiekritik, Frankfurt, Suhrkamp,
1977.
7 http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Peirce.
8 http://www.kristeva.fr/; http://en.wikipedia.org/wiki/Julia_Kristeva.
C:\…\50065506.doc\1/22/11
2
A linguística antropológica (Edward Sapir, 1884-1939, - Benjamin Lee Whorf, 1897-1941 “
insiste no carácter “local”, “culturalmente determinado” das categorias linguísticas: “… the Hopi
language is seen to contain no words, grammatical forms, construction or expressions that refer directly
to what we call «time», or to past, present, or future…”, Language Thought and Reality: Selected
Writings of Benjamin Lee Whorf, ed. por John B. Carroll, MIT Press, Boston, Massachusetts, 1956 9. A
análise antropológica dos discursos tem uma importância fundamental aquando da transferência de
tecnologia jurídicas entre sociedades culturalmente diferentes, em que as mesmas expressões ou
formulações podem evocar ou conter sentidos totalmente diferentes 10
Se a sociologia dos discursos os encara, em si mesmos, como factos sociais e aplica à sua
explicação e à sua interpretação as regras e modelos do método sociológico, já o realismo sociológico
– com particular destaque para o realismo jurídico norte-americano – adopta pontos de vista
sociológicos mais clássicos: parte, não ods textos, mas dos seus autores e receptores, estudando a
influência da caracterização sociológica dos juristas, dos juízes, e do seu público, sobre a forma,
conteúdo, destinatários e consumidores. Todavia, recentemente, a sociological jurisprudence norte-
americana renovou bastante as antigas técnicas de análise sociológico-política do discurso, a ponto de
se falar de um neo-realismo jurídico, simbolizado pela obra de Cass Sunstein 11 ou Richard Sherwin 12.
Estes autores aproximam-se claramente da sociologia do discurso. A dimensão textual-discursiva – e
não a dos seus produtores e consumidores vem para o primeiro plano. O objecto das análises são os
discursos em si mesmos (os seus temas, os seus modelos narrativos, os seus destinatários, o estatuto
que atribuem aos seus autores, o consumo social a que convidam). Os autores, as instituições
jurídicas em que eles circulam, as funções sócio-políticas dos juristas produtores de textos, o seu
auditório, aparecem, assim, como entidades derivadas, construídas pelos textos (mais do que
construtoras destes).
Por sua vez, a teoria da argumentação (Chaïm Perelman, 1912-1984 13; Robert Alexy, 1945-
… ; Stephen Toulmim 1922-… 15, Neil McCormick, 1938-… 16) - e o neo-realismo jurídico americano de
14
autores como Cass Sunstein (1954-…) 17 – estudam os momentos do raciocínio jurídico em que este
foge aos padrões da lógica e se transforma num encadeado de proposições formalmente
9 V. ainda Benjamin Lee Whorf (1943). Loan-words in Ancient Mexico. New Orleans: Tulane University of Louisiana:
Clifford Geertz [1916-2006], Local Knowledge: Further Essays in Interpretive Anthropology (1983), Basic Books 2000)
10 Foi o caso verificado com a tradução para o chinês de expressões da dogmática civil europeia (v.g., “direito
subjectivo”) quando o governo de Nanjing resolveu, em 1927, empreender a codificação do direito chinês, como um passo decisivo
para a modernização social da China, à semelhança do que tinha sido feito no Japão, durante as últimas décadas do séc. XIX.
Sobre o tema: John H. Barton and al.¸ Law in radically different cultures, St. Paul, Minn., West Publishing Co..,1983; Masaji Chiba,
Legal Pluralism: Toward a General Theory through Japanese Legal Culture, 1989; Alison Dundes Renteln & Alan Dundes, Folk Law:
Essays in the Theory and Practice of Lex Non Scripta, 2 vols., 1994; Jill Norgren, Serena Nanda Sherene, American Cultural
Pluralism and Law, 1996; Catherine Lane West-Newman, “Feeling for Justice? Rights, Laws, and Cultural Contexts”, Law & Social
Inquiry, 30.2 (2006), 305-335; António Manuel Hespanha, Feelings of justice in the Chinese community of Macao : an enquiry,
Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2003; H. Razack, Casting Out: The Eviction of Muslims from Western Law and Politics, 2008.
Sobre a necessidade de desenvolver curricula jurídicos interculturais, Anthony O’Donnell and Richard Johnstone, Developing a
Cross-Cultural Law Curriculum, Cavendish, London,1997. V. outras referências em http://www.nanzan-
u.ac.jp/SHUBUNKEN/publications/afs/pdf/a1077.pdf.
11 V., como exemplo, Cass R. Sunstein, Political Conflict and Legal Agreement
(http://www.tannerlectures.utah.edu/lectures/documents/Sunstein96.pdf); v. nota 17.
12 Webpage: http://www.nyls.edu/faculty/faculty_profiles/richard_k_sherwin, Bibl.: Richard K. Sherwin, When Law Goes
Pop: The Vanishing Line Between Law and Popular Culture, 2000; Popular Culture And Law, 2006 (Tema: “What are the
consequences when law's stories and images migrate from the courtroom to the court of public opinion and from movie, television
and computer screens back to electronic monitors inside the courtroom itself? What happens when lawyers and public relations
experts market notorious legal cases and controversial policy issues as if they were just another commodity? What is the appropriate
relationship between law and digital culture in virtual worlds on the Internet? In addressing these cutting edge issues, the essays in
this volume shed new light on the current status and future fate of law, truth and justice in our time”); Shulamit Almog and Richard K.
Sherwin, How Digital Technologies are Changing the Practice of Law, 2007; entrevista interessante:
http://www.ibiblio.org/pub/electronic-publications/stay-free/archives/18/sherwin.html. Artigo: Richard K. Sherwin, “Law, Metaphysics,
and the New Iconoclasm”, Law Text Culture, University of Wollongong, Vol. 11, 2007 (http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?
abstract_id=1004361)
13 Cf. http://en.wikipedia.org/wiki/Cha%C3%AFm_Perelman;
http://www.jacweb.org/Archived_volumes/Text_articles/V4_Long.htm. Obras mais relevantes para o propósito deste curso: Chaïm
Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, Traité de l’argumentation. La nouvelle rhétorique, 5ª edição, Éditions de l’Université de
Bruxelles, 1988 ; La Motivation des Décisions de Justice. Chaim Perelman e Paul Foriers (eds.). Bruxelles, Établissements Emile
Bruylant. 1978.
14 Theorie der juristischen Argumentation. Die Theorie des rationalen Diskurses als Theorie der juristischen Begründung
(1983). Trad. ingl. (Neil MacCormick): A Theory of Legal Argumentation: The Theory of Rational Discourse as Theory of Legal
Justification, Oxfrod, Clarendon, 1989. Página pessoal: http://www.uni-kiel.de/alexy/ .
15 Cf. http://en.wikipedia.org/wiki/Stephen_Toulmin;
http://web.archive.org/web/20060215164905/http://www.neh.fed.us/news/humanities/1997-03/wartofsk.html .
16 Webpage: http://www.law.ed.ac.uk/staff/neilmaccormick_51.aspx
C:\…\50065506.doc\1/22/11
3
inconsistentes, numa lógica nebulosa (fuzzy), em pontos de partida irreflectidos ou fruto de adesões
emocionais. No entanto, algumas destas correntes (ou suas sub-correntes) não deixam de ter um tom
normativo, semelhante ao da lógica, na medida em que não procuram apenas identificar regularidades
empíricas dos discursos 18, mas prescrever normas – eventualmente diferentes daquelas das lógicas
clássicas. Outras correntes da teoria da argumentação são apenas descritivas; é o caso da “nova
retórica” de Ch. Perelman, apenas preocupada em listar os argumentos considerados como válidos por
um certo auditório (partícula) 19.
A ideia de que o discurso é muito mais do que narrativo ou denotativo abre um campo de
pesquisa sobre as dimensões poiéticas (= criativas) do texto. Sobre o modo como ele constrói o mundo
(também o mundo social) à sua volta. O ponto de partida é a constatação, quer do carácter arbitrário
dos signos (F. de Saussure) - os quais não são representações internas de coisas externas, o que
levaraia a que o seu sentido fosse a “adequação do intelecto à coisa” -, quer da função performativa da
linguagem (J. L. Austin). Há várias correntes que seguem esta orientação. As mais radicais são,
porém, ou aquelas que vêem na linguagem e no discurso um prius em relação ao mundo não
discursivo (às coisas), como sugere a hipótese de Sapir-Whorf, segundo a qual as categorias da
linguagem pré-formam a percepção do mundo e o comportamento das pessoas nele 20. A partir desta
hipótese forte, algumas mais fracas não têm cessado de aparecer, todas elas insistindo na
determinação do conteúdo pela forma, incluindo a forma do suporte das mensagens (o oral 21, o
escrito 22, o impresso 23, o audiovisual 24, o digital, o layout da página 25).
A crítica do intencionalismo.
3.1 Referências.
4 Aplicações ao direito.
34 Cf. Peter V. Zima, Textsoziologie, Eine kritische Einführung, 1980; especificamente para a literatura jurídica, com
muitas referências: Filippo Ranieri „Juristische Literatur aus dem Ancien Regime und historische Literatursoziologie, Einige
methodische Vorberlegungen“, Aspekte europäischer Rechtsgeschichte. Festgabe für Helmut Coing zum 70. Geburtstag, Frankfurt
am Main 1982, 293-322. Clássico: Roger escarpit, Le litteraire et le social. Éléments pour une sociologie de la littérature, Paris,
Flammarion, 1970.
35 “Discourse Analysis On-Line was launched in the autumn of 2002. Its aims are: To foster an intellectually rigorous
multi- and inter-disciplinary debate on the practical and theoretical aspects of discourse analytic research; To provide an innovative
forum to support the development of interdisciplinary interaction and collaboration in the area of discourse analysis; To publish
leading international research on theories, practices and experiences in the field; To enable discussion of the theoretical, practical
and methodological issues faced by discourse analysts; To use digital media to provide new opportunities for the publication of data,
interpretations and research outcomes; To be an action research project that explores the changing nature of journals, and more
broadly, scholarly practice in the age of digital publishing and Communications”.
36 “This ESRC project evaluates and develop methods for the analysis of media content, in particular news. The
substantive concern is with the portrayal of policy, politics and politicians, but this will also enable the application and methodological
assessment of innovative approaches to media content analysis”.
C:\…\50065506.doc\1/22/11
6
(v.g., inventariando os argumentos utilizados (utilizáveis) e as suas regras de uso) ou mais claro
(legível; v.g., ), ou mais neutro (v.g., distinguindo enunciados descritivos de enunciados prescritivos):
• Análise lógica, nas suas diversas variantes – analisa a consistência lógica dos enunciados;
• Análise de legibilidade – analise o vocabulário usado, a dimensão e estrutura das frases, as
ambiguidades, para reduzir o grau de equivocidade do discurso 37 e tornar este mais acessível
aos destinatários;
• Análise da consistência interna de textos (nomeadamente legislativos) 38;
• Análise da argumentação jurídica – análise e estabelecimento de regras de argumentação
(este tipo de análises pode ser predominantemente descritivo ou também normativo) 39;
Análises “descritivas”. Este grupo de objectivos analíticos visa apenas a descrição, a
explicitação 8e, eventualmente, a avaliação crítica de esta sugira) dos discursos jurídicos.
• construir sistema computacionais de simulação do raciocínio jurídico (= sistemas periciais na
área do direito) 40;
• analisar e explicitar os níveis de condicionamento / normação dos discursos jurídicos e,
portanto, as múltiplas formas que reveste o condicionamento pelo direito 41;
• Enriquecer a análise do sentido (interpretação) do sentido do discurso jurídico com as suas
dimensões não puramente textuais de sentido (nomeadamente, mediante a análise das
interacções pragmáticas entre comunicantes: rituais (vestuário, arquitectura e disposição
espacial dos actos, forma dos suportes discursivos [livros, processos, formas e fórmulas
linguísticas]), comportamentos (e seus efeitos persuasivos de natureza emocional, político-
social, estética);
• Análise da relação comunicacional entre o discurso jurídico formal e a sua percepção pelo
senso comum 42;
4.1 Materiais.
1. Analytical philosophy
2. Linguistics
2.1. Structuralist linguistics
2.2. Register studies and stylistics
2.3. Text Linguistics
2.4. Pragmatics
2.4.1. Presuppositions
2.4.2. Face and politeness
2.4.3. Reference
3. Linguistic Anthropology
3.1. Ethnography of speaking
3.2. Ethnopoetics
3.3. Indexicality
3.4. Interactional Sociolinguistics
3.5. Natural Histories of Discourse
4. New Literacy Studies
5. Post-structuralist theory
5.1. M.M. Bakhtin
6. Semiotics and cultural studies
6.1. Semiotics and communication studies
6.2. Cultural studies
7. Social Theory
7.1. Pierre Bourdieu
7.2. Michel Foucault
7.3. Jürgen Habermas
8. The sociology of order in interaction
43 “The author deals with the languages of legal discourse. He analyses the legal language in which one
formulates the statutes, and three juridical languages in which one speaks about law. There are three types of juridical
languages: juridical jurisprudential language, in which the decisions of the application of law are formulated; juridical
scientific language proper to the legal sciences discourse in general, and to legal dogmatic and legal theory in particular;
juridical common language used in other discourses about law, e.g. in the specialized language of advocates and in no
specialized audience of men-of-the-street. Each of the languages in question is presented in a semantical and pragmatical
dimension, and its relations with other languages of legal discourse are discussed.
44 Responding to critics of his Semiot)cs and Legal Theory, the author argues that legal semiotics, because it adopts a
necessarily skeptical stance towards the truth-claims made in the discourse it studies, has more in common with legal realism and
critical legal studies than with legal positivism. He relates this debate to the marxist-structuralist controversy, and identifies the
underlying epistemological issues. He then identifies a number of areas of empirical work, where the approaches of semiotics and
critical legal studies may be viewed as complementary. Semiotics may assist : in specifying the claims of ideology, in understanding
the communication and processing of legal messages with the different types of organization (including different types of legal
practice), in analyzing the form of law and the content of legal consciousness, and in comparing legal phenomena in different
societies. Unlike critical legal studies, semiotics is not an overtly political or transformative discipline, but constitutes a necessary part
of the effort of any such discipline.
45 Prof. S. Slembrouck, English Department, Ghent University, Rozier 44, 9000 Ghent (Belgium). “What is meant by
"discourse analysis"? (http://bank.rug.ac.be/da/da.htm)
C:\…\50065506.doc\1/22/11
8
8.1. Erving Goffman
8.1.1.Interaction order
8.1.2.Frame analysis
8.1.3.Footing
8.1.4.Face
8.2. Conversation analysis
8.3. Ethnomethodology
9. Acknowledgements
C:\…\50065506.doc\1/22/11
9