E O DIREITO BRASILEIRO
1 – INTRODUÇÃO
Dinâmico desde seus primórdios, o comércio internacional, por pressão mesma das
circunstancias em que se desenvolve, trouxe sempre um sopro renovador ao direito, que se
traduziu no passado na criação das cambiais, no surgimento dos bancos e das bolsas de
valores e do mercado de capitais, na concepção das sociedades, em especial das limitadoras
da responsabilidade dos sócios (anônimas e por quotas), na disciplinação da quebra das
empresas, na criação da pessoa jurídica autônoma e desvinculada das pessoas físicas que lhe
deram vida , do seguro, do credito documentário, enfim de um sem número de institutos
jurídicos que vieram à luz , constituindo-se em arcabouço do direito hodierno.
1
2.1.1 - NOMENCLATURA
A referência que acima se fez à categorização das normas dos tratados como lei
ordinária interna leva ainda a uma posição conflitante dentro da doutrina , qual seja a de se
estabelecer se os tratados detêm supremacia sobre as leis internas ou se ao contrário, podem
por elas ser objeto de revogação. Dividem-se os autores na apreciação do conflito, situando-se
em campos opostos. Desde logo cabe deixar de lado a questão quanto aos tratados que tenham
por objeto matéria tributária, pois o art. 98 do CTN é expresso em determinar essa
supremacia, embora autores haja que a neguem ao fundamento de não ser a matéria passível
de regulação por lei complementar.
2
2.2 - A OMC
Zona de Livre Comércio – quando existe entre seus membros a livre circulação de
mercadorias, sem barreiras ou restrições quantitativas ou aduaneiras, conservando
os Estados-membros total liberdade nas relações com terceiros países, não
integrantes da ZLC, em matéria de comércio exterior.
3
Como anota TESAURO, busca-se atingir o exercício das quatro liberdades
fundamentais: liberdade de circulação de bens, liberdade de circulação de pessoas, liberdade
de prestação de serviços e liberdade de capitais, adicionando LUIZ OLAVO BAPTISTA a
essas ainda a liberdade de concorrência.
Não se olvide que blocos regionais vem se formando ao longo dos anos, no afã de
assegurar aos Estados que os integram a manutenção de seus mercados e a conquista de
outros. Eis a razão principal pela qual temos , dentre outros , o NAFTA, formado pelos EUA,
Canadá e México, a APEC, integrada por Austrália, Brunei, Canadá, Indonésia, Japão,
Malásia, Nova Zelândia, Filipinas, Singapura (onde tem sua sede) , Coréia do sul, Tailândia,
e Estados Unidos, desde 1989, China, Hong Kong ,e Taiwan (1991), México, Papua e Nova
Guiné, (1993), Chile (1994), Peru, Federação Russa e Vietnã , desde 1998.
2.3.1 – MERCOSUL
De extrema relevância para o Brasil, pois o comércio com nossos vizinhos reveste-se
de características extremamente favoráveis pela proximidade geográfica e a facilidade de
transportes, inclusive por vias terrestres e fluviais, além de termos uma base cultural comum,
vem o MERCOSUL progredindo com vagar , embora seja de se lembrar que mesmo a União
Européia também vagarosamente se desenvolveu, de tal modo que, ao completar a CEE, em
1982, seus 25 anos, via-se JEAN MONET, seu grande paladino, lamentar-se em entrevista na
revista Time pois colocava em questão o próprio futuro da entidade.
4
poder de executar e coagir ao cumprimento das normas, entregue a soberania jurídica à União
Européia e mantida a soberania política nas mãos dos Estados.
2.3.4 - ALCA
3 – LEX MERCATORIA
Assim é que IRINEU STRENGER (Direito, p. 826 , nº 27.1) recorda a Lex Rodhia de
jactu dos fenícios e o nauticum foenus dos romanos , para em seguida afirmar que deveu-se
a formação dos princípios fundamentais do direito comercial aos juristas italianos dos séculos
XVI e XVII, nascendo assim a lex mercatoria que define como “um conjunto de
procedimentos que possibilita adequadas soluções para as expectativas do comércio
nacional sem conexões necessárias com os sistemas nacionais e de forma juridicamente
eficaz” (DIREITO, p. 846, no.27.8), direito anacional ou metanacional que CARLOS
NEHRING entende como supercodificação comercial de cunho internacional que estaria em
posição hierarquicamente superior aos códigos nacionais.
GESA BARON, tendo em vista que o uso do termo “nova lex mercatoria”, sugere
alguma coisa como a velha e a nova lex mercatoria, traça a trajetória da lex mercatoria
distinguindo seu período medieval, sua absorção e desintegração e posterior retorno,
5
Essas regras eram muito diferentes daquelas locais, feudais reais ou eclesiásticas que
se constituíam no direito dessas localidades, apresentando um caráter distinto onde se
poderiam distinguir cinco aspectos fundamentais: primeiro: eram regras transnacionais;
segundo, tinham como base uma origem comum e fidelidade aos costumes mercantis;
terceiro, eram aplicadas não por juizes profissionais, mas pelos próprios mercadores, através
de suas corporações ou das cortes que constituíam nos grandes mercados ou feiras; em quarto
lugar, seu processo era rápido e informal e, em quinto e último lugar, enfatizava a liberdade
contratual e a decisão dos casos “ex aequo et bono”.
Na Inglaterra, a partir do século XVII , a lei autônoma dos mercadores foi restringida e
regrediu com o desenvolvimento da common law , especialmente sob o Lord Chief of Justice
Sir Edward Coke, quando a Corte do Almirantado e outras cortes especializadas foram
abolidas ou tiveram sua jurisdição limitada, passando as disputas comerciais a serem
resolvidas pela common law, enquanto as regras dos mercadores , embora não oficialmente
abolidas, foram consideradas como costumes e práticas comerciais a serem provados em cada
caso, “to the satisfaction of twelve reasonable and ignorant jurors.
Não foi senão no famoso caso Pillans v. Microp onde Lord Mansfield (1705 – 1793),
decidiu que as regras da lei dos mercadores eram matéria jurídica a ser decididas pelos
tribunais, não se tratando de usos e costumes, que se tornaram elas parte integrantes da
common law, havendo no século XIX sido incorporadas a vários dispositivos legais.
A lei dos mercadores não estava morta, no entanto: a vontade e a prática do comércio
internacional foram mais fortes que as restrições e limitações das leis nacionais, que se viram
obrigadas a reconhecer instrumentos e estruturas legais que nele eram utilizadas,
desempenhando a Câmara Internacional de Comércio de Paris , a partir de 1920, papel de
importância na sua revitalização.
Os homens de negócio estavam e ainda estão insatisfeitos com a inadequação das leis
nacionais quanto ao comércio internacional e os resultados das decisões dos tribunais estatais
muitas vezes arbitrários e nada práticos, decorrentes muitas vezes de tecnicismo processual ,
enquanto que um volume crescente de práticas comerciais internacionais, flexível e adaptado
às necessidades comerciais oferece melhores condições de atendimento às necessidades do
comércio internacional.
6
Nos anos 60 BERTHOLD GOLDMAN, CLIVE SCHMITTHOFF e ALEXANDER
GOLDSTAJNS foram os primeiros a apontar a tendência para uma nova lex mercatoria, cujas
fontes formais, como enumera PHILIPPE KAHN . citado por ESTHER ENGELBERG, são :
os contratos-tipo, as condições gerais de compra e venda , as condições gerais do COMECON
, os Incoterms e a leis uniformes.
Objeto específico cada uma dessas fontes de capítulos desta obra, conforme seu plano
geral, neste passo cabe apenas nominá-las, cabendo ainda advertir com IRINEU STRENGER
(Direito, p. 849, no. 27.10) que outras causas determinantes da formação da lex mercatoria
são reconhecíveis, quais aquelas situações que ainda não sujeitas a uma taxinomia, dão ensejo
a novas regras do comércio internacional, não sendo de se estranhar que o atentado terrorista
do 11 de setembro de 2001 venha dando já origem a práticas de prevenção do bio-terrorismo e
à inspeção mais detalhada de containeres, por exemplo. Lembre-se, também , com o mesmo
consagrado mestre (Contratos, p. 93, no.46), que “não se pode, entretanto, ir ao exagero de
admitir a desvinculação dos contratos internacionais de qualquer direito estatal”.
Não se dê, no entanto, por pacífica a aceitação da lex mercatoria, pois contra ela se
alinham argumentos que GESA BARON alinha como sendo:
a) A lex mercatoria não é uma lei, faltando-lhe base metodológica e um sistema legal
que a suporte, não possuindo nenhuma autoridade estatal da qual possa derivar seu
efeito obrigatório:
b) A lex mercatoria é incompleta, vaga e incoerente, pois, considerando os vários
sistemas legais nacionais existentes no mundo (sistema românico, common law, lei
islâmica, etc.), poucos são os princípios gerais comuns, e aqueles identificados
como tal são geralmente muito amplos e gerais;
c) A decantada flexibilidade da lex mercatoria pode levar a decisões arbitrárias e a
uma decisão diferente para cada caso, ainda que semelhantes.
7
Vê-se, do exposto, que o embate de idéias longe está de se compor, impondo no
entanto a extraordinária globalização do comércio que maior e mais detalhada atenção se dê à
lex mercatoria.
Sendo embora matéria objeto de capítulo posterior dentro do plano da presente obra a
lei aplicável aos contratos internacionais de comércio, cabe aqui uma breve referência ao
posicionamento da aplicação da lex mercatoria no Brasil.
Em nosso direito positivo rege a matéria da lei aplicável aos contratos o art. 9º da Lei
de Introdução ao Código Civil , que determina reger o contrato a lei do país onde for
constituída a obrigação. Dessa norma resulta, segundo PONTES DE MIRANDA, não existir
no Brasil , no que se refere ao Direito Internacional Privado como um todo, a autonomia da
vontade, especificando JOSÉ INÁCIO GONZAGA FRANCESCHINI , NÁDIA ARAUJO E
JOÃO GRANDINO RODAS, que em matéria contratual privada internacional a única
vontade autônoma que prevalece é a de determinar o lugar de celebração (constituição da
obrigação) do contrato, citado AMILCAR DE CASTRO para quem , no Brasil, as partes não
podem fazer direito por sua vontade, nem podem escolher direito à vontade, podendo-se dizer
que em matéria de obrigações convencionais, “a vontade das partes tem a liberdade de
pássaro na gaiola: pode mover-se em certos limites, mas em qualquer direção encontra
barreira intransponível”.
Destarte, a inclusão de cláusula em contrato celebrado no Brasil de sujeição à lex
mercatoria incidiria na vedação da lei introdutória do ordenamento civil, não alterada com o
advento com do novo Código de 2002 .
8
4 – CONCLUSÃO
O profissional do direito que opere, deseje ou veja-se forçado a operar no campo das
contratações internacionais – e esse é o caminho a ser percorrido hoje e mais ainda no futuro
próximo – tem por obrigação debruçar-se sobre a matéria e verificar, se o direito dito
espontâneo da lex mercatoria será o que melhor atenderá as circunstâncias de cada contrato
em que tiver de intervir.
9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALCA - www.alca-ftaa.org
COSTA, Ligia Maura – OMC - Manual Prático da Rodada Uruguai. S. Paulo : Saraiva,
1996, p. 9.
10
McLURE, Charles E. Jr. . “Globalization, Tax Rules and National Sovereignty”. In: Bulletin
for International Fiscal Documentation, August 2001/328.
REZEK, J.F. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 6ª ed. S. Paulo : Saraiva,
1996.
TESAURO, Francesco. Istituzioni di Diritto Tributario. 5ª ed. Torino : UTET, 1999, p. 315.
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio : Forense, 2004.
11