Não
que eu tenha 98 anos e esteja buscando reconstruir algo na linha da São Paulo da década de
20, diga-se de passagem. Falo aqui de coisas mais recentes, de minha infância e adolescência
nas décadas de 70 e 80. Música, literatura e cinema são, em geral, meu alvo principal, pelo
gigantesco papel que tiveram em minha formação. Neste contexto, deu-me vontade de ouvir
novamente uma música que marcou minha primeira infância, um sucesso dos Originais do
Samba intitulado “A Dona do Primeiro Andar”. Não vou entrar em detalhes: se você está
beirando ou já passou dos quarenta, sabe do que estou falando; caso contrário, não
adiantaria explicar.
O caso é: onde encontrar uma gravação original dos caras? O disco onde esta música foi
inicialmente gravada chama-se “Alegria de Sambar”, e é um vinil de 1975 que não saiu em
CD. Que loja em sã consciência carregaria um encalhe desses em seu estoque? Pois não é que
o disco é comumente encontrável em sites tais como o MercadoLivre, e bem baratinho?
Pois é, em linhas gerais é exatamente sobre esse tipo de fenômeno que fala A Cauda Longa -
Do Mercado De Massa Para O Mercado De Nicho, de Chris Anderson, ex-jornalista do The
Economist e editor da revista Wired.
A premissa básica do livro é de que a economia está mudando seu foco de atenção dos
blockbusters, isso é, dos mega-sucessos de massa, para os nichos de consumo. Dentro deste
conceito, a economia tradicional - mencionada pelo autor como “economia de escassez” -
começa a dar lugar para uma nova economia - a “economia da abundância”. No modelo
antigo, isto é, na economia da escassez, a produção e a distribuição de produtos custa caro, e
portanto, concentram-se os esforços em produzir e distribuir produtos com forte apelo
popular. Essa é a tal da economia de massa a que somos submetidos desde a Revolução
Industrial. Já que custa muito caro produzir e distribuir, produtos sem apelo popular custam
preço prêmio ou, no mais das vezes, simplesmente não são encontrados.
Já na economia da abundância, com custos reduzidos de produção e de distribuição, há
espaço para que os produtos afastados da “cabeça” da curva, isto é, os produtos que não são
mega-sucessos, tenham também o seu mercado. Como isso é possível? Anderson fornece um
mecanismo baseado em três pontos para este fenômeno:
1. A tecnologia faz com que vários tipos de produtos sejam mais fáceis e mais baratos de se
produzir (abundância na produção);
2. A tecnologia (a Web, no caso) faz com que o consumidor tenha acesso mais fácil a todos os
tipos de produto, e não mais apenas aos mega-sucessos;
3. A facilidade de busca e principalmente as recomendações fazem com que a demanda se
espalhe pela cauda da curva, não estando mais limitada à meia dúzia de sucessos estrondosos
que antes estavam disponíveis.
O conceito é facilmente aplicável a produtos da era digital, tais como músicas e filmes. Tanto
que as gravadoras e produtoras independentes - que há apenas uma década passavam por
dificuldades imensas para sobreviver - ressurgem com forças renovadas, impulsionadas por
consumidores dispostos a ultrapassar a escumalha dos sucessos do momento. Para tanto, há
hoje muito mais facilidade para se gravar uma música ou para se produzir um filme, uma vez
que a disponibilidade é muito maior de equipamento de gravação, filmagem e pós-produção.
O computador pessoal em seu estágio atual de desenvolvimento já possibilita que um usuário
qualquer se meta a gravar sua própria música e o resultado fica com qualidade muito próxima
a uma gravação de estúdio profissional.
Por outro lado, sites de comércio eletrônico disponibilizam o produto acabado de forma
ubíqua. É muito fácil encontrar músicas de todo o mundo para comprar na Internet, e o preço
é baixo, uma vez que podemos comprar músicas individuais (e não mais os CDs inteiros,
recheados de músicas menos interessantes que aquela que queremos escutar) e que o custo
de distribuição é zero, dado o fato de não haver circulação de mercadorias físicas: basta
apertar o botão de download e alguns minutos depois a música está em seu disco rígido.
O terceiro ponto é o sistema de recomendações que fatalmente se instala, uma vez que
temos uma vasta gama de opções e uma loja virtual com um gigantesco catálogo para
consultar. Todos gostamos de dar palpite e achamos que temos opiniões inteligentes e
importantes sobre os produtos que consumimos (e essa resenha é mais uma prova disso). O
fenômeno que podemos observar é a criação de uma rede de recomendações e
ranqueamentos que nos dá idéias sobre quão bom ou adequado ao nosso gosto é um
determinado produto. Listas de “os 10 mais [qualquer categorização que se queira criar]”
surgem para ranquear produtos, e recomendações tipo “leitores que compraram este livro
também compraram [título de um livro qualquer]”. Desta forma, vamos entrando em contato
com produtos antes desconhecidos. Novos gêneros musicais, novos autores literários, filmes
estrangeiros ou antigos que não tenham entrado no circuito comercial vão entrando em nosso
campo de visão, e mesmo que nunca venham a virar bestsellers, certamente gerarão lucro
para seus autores, uma vez que são centenas de milhões de consumidores potenciais no
mundo todo.
E é só para produtos digitais, tipo músicas e filmes? Não. Anderson cita, por exemplo, o caso
de um grupo de colecionadores de cartuchos de Atari, uma console do tempo de “A Dona do
Primeiro Andar”, citado no início desta resenha. Fora de circulação há uns 20 anos, o Atari
ainda tem um séqüito fiel, que consome cartuchos de jogos antigos e - pasmem - novos
também. Isso mesmo: a demanda por jogos fez com que um grupo de programadores passasse
a produzir jogos novos e a distribuir os mesmos em cartuchos que eles mesmos fabricam.
Neste mesmo contexto, produtos de nicho antes virtualmente impossíveis de serem
encontrados, hoje estão mais disponíveis graças à Web e aos vários sistemas de
recomendação. Quanto a esses sistemas, os blogs especializados são citados por Anderson
como tendo um papel primordial na disseminação de recomendações confiáveis.
Carlos Sena
Tecnologia, cozinha e cultura
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