Priscilla D. G. de Paula
Resumo:
A Guerrilla é um fenômeno que desorganiza a programação visual das cidades pós-modernas
semelhantes aos da publicidade, a Guerrilla é inovadora no sentido que faz da transgressão seu
melhor aliado, seja por ocupar espaços proibitivos, seja por se apropriar, traduzir e esvaziar os
meios de comunicação de massa de suas funções originais. Este trabalho tem como objetivo
analisar e avaliar a eficácia do fenômeno como arma contra a ditadura simbólica inaugurada pela
I. Introdução:
publicidade, pela estética do urbanismo, pela legislação, pelos “bons costumes” sociais, etc.) das
cidades contemporâneas para interferir no entorno urbano com um conjunto específico de signos
transgressores, seja porque ocupam espaços proibitivos, seja porque usam como arma um sistema
visual não reconhecível em primeira mão que ao ser agregado num espaço já programado – tanto
físico como imaginário – e constituído a partir de uma codificação geral de imagens, funciona como
sociedade pós-moderna.
Guerrilla, também chamada de “ Guerrilla & Propaganda”, “Iconismo”, ou até “Neo graffiti” é na
verdade um sistema que se organiza a partir da apropriação, tradução e esvaziamento das funções
1
Numa tentativa de conceituar a Guerrilla podemos dizer que esta se traduz em
anônimos em sua grande maioria. Pode apresentar-se na forma de pinturas, adesivos, cartazes ou
cultural.
importantes urbes do mundo ocidental. No Brasil, as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo são as
preferidas pelos anônimos interessados nesta prática. Seus agentes constituem um grupo
heterogêneo tanto no que se refere à idade, sexo, etnia e nacionalidade. Muitos destes
“guerrilleiros” viajam pelo mundo deixando sua marca nas mais importantes capitais e cidades
traçando assim uma espécie de rede de comunicação que extrapola os limites geográficos e os
modelos programados.
.
II. Casuística:
próprios ou à sua causa. É também denominada propaganda porque tem o objetivo de promover
necessidade de captar a atenção do observador implica numa redução formal da estrutura das
imagens e da apresentação das mesmas. Para ilustrar de forma mais satisfatória a elaboração
formal destas imagens, recorreremos aos competidores semióticos mais diretos da Guerrilla – de
um lado temos a publicidade de rua2 e de outro os graffiti e as pichações. Todos têm estreita
relação uma vez que disputam o mesmo espaço no entorno urbano e lutam pela atenção efêmera
recursos gráficos com respeito ao uso das formas, cores, imagens, bem como o uso da palavra
1
Ilustraremos melhor este aspecto no capítulo II.3, “Exemplos de Guerrilla”,desta investigação.
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Usaremos a expressão “publicidade de rua” para denominar todos os tipos de propaganda institucionalizada
que ocupam o espaço urbano externo, desde os tradicionais out-doors, cartazes, panfletos e banners, até os
mais modernos letreiros luminosos e imagens digitais apresentadas em telões.
2
tratada como imagem nos sistemas visuais. Um satisfatório resultado formal em qualquer destes
sistemas deve ser aquele que com apenas uma só mirada o observador esteja apto para
reconhece-la imediatamente num segundo momento. Este conjunto de regras formais responde a
institucionalizados e pagos que lhe conferem, desde então, autoridade e legitimidade para existir
pela ausência de um marco próprio, e isso já constitui sua especificidade, um elemento importante
de sua concepção tornando-se, pois, mais um atrativo que uma deficiência. Neste sentido,
detectamos um uso indiscriminado do espaço público que acaba por ser transgressor ao passo que
se apropria de superfícies públicas não destinadas para estes fins: desde paredes de edifícios, até
arte pública.
O resultado disso é outra questão que se discute acerca dos processos utilizados pela
Guerrilla, isto é, sua sanção legal e a implicação de penalidades que vão desde multas à prisão aos
que a praticam. Esta transgressão implícita na prática da Guerrilla que lhe confere um lugar dentro
do universo das ações vandálicas pode ser considerada como uma das mais importantes
características estruturais deste fenômeno. No entanto, ainda assim observamos que a Guerrilla
parece colocar-se numa posição mais discreta no que se refere às práticas do vandalismo pelo fato
de lesar em graus mais “suaves” o patrimônio público à diferença dos graffiti e das pichações que
constituem verdadeiros problemas de ordem legal para as prefeituras e órgãos responsáveis pela
limpeza e manutenção do patrimônio de uma cidade. Assim sendo, o ato de colar cartazes e colar
adesivos, ou interferir com objetos variados no entorno urbano, pode muitas vezes passar
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“desapercebido” sob o olhar das autoridades competentes, ainda que muitas vezes, as ações de
Guerrilla podem atentar diretamente e de maneira violenta contra o poder público e privado,
mesmo que na forma sutil de cartazes que podem ser mais facilmente removidos que a pintura
ou prédios públicos e edificações históricas costumam ser menos toleradas pelas autoridades e
serão seguramente tratadas com o mesmo rigor legal com que são tratados os graffiti e as
pichações, ainda que, funcionalmente, não apresentem diferença alguma com as interferências
feitas em lugares menos visados, abandonados, ou já tomados pela poluição visual das cidades
contemporâneas.
Sendo assim, a Guerrilla realiza seu labor reivindicativo e assume seu verdadeiro caráter
transgressor diante da sociedade articulada sob as leis do sistema vigente que determina as
existentes, desde o que podemos dizer e o que não podemos, até onde podemos dizer e onde não
podemos3.
A estrutura transgressiva da Guerrilla não se reduz apenas às questões que dizem respeito
ao suporte e à localização das interferências. Além disso, o discurso apresentado por ela também a
coloca numa posição de transgressão diante dos discursos institucionalizados. Isto é, estes se
organizam a partir de sistemas de comunicação unidirecionais, em mão única, onde não há diálogo
e o receptor da mensagem estará completamente passivo e não terá nenhum acesso ao enunciado
da mensagem no sentido de poder modifica-lo. Este receptor passivo não está habilitado a intervir
no texto da mensagem, não porque haja uma suposta incapacidade do mesmo por realizar a
mudança, mas simplesmente, porque não interessa ao enunciador que esse cambio se realize.
pelos “guerrilleiros” tem verdadeiras características dialógicas porque é aberto, isto é, porque
permite que o próprio receptor interfira no enunciado, tanto no sentido literal, quando o sujeito
escreve sobre o texto diretamente, e tanto no sentido simbólico, quando ao sujeito lhe é permitido
3
Articulação de LYOTARD sobre a tendência moderna de se impor limites aos jogos discursivos através da
institucionalização, citado por GARI, 1995, p. 175
4
MACULAN citado por SUMIYA, 1992, p. 418
4
mais de uma interpretação sobre o que se lhe apresenta e não somente as imperativas ordens de
para sua transmissão; isto é, onde não há um dono da mensagem, tampouco haverá um receptor
programado para recebe-la. A subversão dos valores ocorrerá não apenas na apropriação ilícita
dos espaços onde ocorre tal comunicação, mas também no convite que a própria Guerrilla faz a
quem por ventura recebe sua mensagem: participar concomitantemente do processo, seja
da Guerrilla exemplos interessantes que ilustram esta atividade. Em Madri, El Tono, artista de
origem francesa, realiza uma serie de pinturas que variam sobre a forma de um logotipo criado por
ele. El Tono já viajou por várias cidades européias e americanas e admite que seu interesse é
comunicar-se com um número cada vez maior de pessoas e da maneira mais informal possível:
“Não quero pintar coisas que molestem as pessoas, quero tirar o máximo de recurso das
ruas, sujá-la não me interessa, só satura e bloqueia a comunicação. Diante desta
saturação, escolho lugares limpos e abandonados, sem pichação, onde meu logo possa
"respirar" e assim possa ser captado melhor pelos olhares. Quero que o transeunte se
pergunte: não são letras? Não está pichado? Se pergunte uma vez, volte a vê-lo e se
pergunte outra vez, pouco a pouco, quero viciá-lo... Atuando assim também quero educar
o olho e ensinar as pessoas a observar seu entorno e utilizá-lo para se comunicar.” 5
imagens de eletrodomésticos e o segundo se multiplica desenhando seu ícone, uma fatia de limão.
Cidades mais cosmopolitas como Barcelona, Nova York ou São Paulo, oferecem um número muito
homem com orelhas de rato; El Condón; ou El Pez são apenas alguns exemplos que nasceram em
Invaders, grupo de origem francesa que distribui pequenas imagens de alienígenas por várias
5
EL TONO, www.eltono.es
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capitais e grandes cidades, inclusive São Paulo. E Zeus que atua nos Estados Unidos realizando um
criativo trabalho de pintar as sombras no mobiliário urbano (bancos de praças, cabines telefônicas,
da Guerrilla como Obey Giant, que inaugurou o uso de imagens soviéticas na Guerrilla; Acamonchi,
coletivo criado pelo artista mexicano radicado nos Estados Unidos Geraldo Yépiz que faz um
trabalho similar ao de Obey Giant, porém usando imagens do folclore, política e imaginário
mexicano. Todo seu trabalho é realizado com serigrafia e moldes de chapas de metal para graffiti.
KILLERMICE, outro importante coletivo recupera velhas embalagens de spray para construir seu
monstro “Buff Monstery” e logo prega-lo nas ruas de Los Angeles e San Francisco.
No Brasil, a Guerrilla ainda é incipiente, observamos que os escritores de graffiti hip hop
observar vários ícones, logotipos e adesivos espalhados por cidades como São Paulo, Rio de
específicas de nossa cultura e de nossa realidade social tende a aumentar à medida que artistas de
rua, escritores de graffiti, “guerrilleiros” turistas, ou qualquer indivíduo que se interesse pela
fala já do surgimento de uma “industria cultural” que surge como substituta à cultura de massas 6.
Aceitando a impossibilidade de que nas massas se possa criar qualquer forma de “cultura
dependência e a servidão dos homens são os objetivos únicos da industria cultural que oferece a
estes a ilusão de um mundo melhor 8. Por exemplo, nas cidades contemporâneas, os espaços que
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mercados já se encontram transformados pelas modernas leis do urbanismo e são agora
transporte, etc., servindo menos para socialização que para dispersão. Até a casa que era antes
um espaço social mais preservado, foi ocupada pela industria cultural com a popularização da
televisão, que tem como importante função “simular uma sensação de coletividade” 9. A industria
cultural tem o poder de simbolizar e significar todos os aspectos da vida em sociedade, desde a
orientação de ações “individuais”, que já não seriam mais individuais e sim simulacros, até a
ideologia e do comportamento social pela televisão, pela publicidade, pelo cinema, pelo turismo,
pela literatura, pela internet, pela organização de eventos artísticos, musicais, etc., ou programas
de lazer.
Ora, já vimos anteriormente que a Guerrilla, à diferença da publicidade que usa uma
estética programada e tradicionalmente institucionalizada, usa recursos gráficos mais livres, ainda
que sacados da própria cultura de massas. Muitas das referências visuais usadas informalmente
transportadas para este outro sistema. Desta maneira, se a Guerrilla conseguir manter seu caráter
subversivo e transgresor, sem deixar-se transformar num outro estereótipo da industria cultural, o
que é um grande desafio, diga-se de passagem, ainda haverá esperança nesta guerra silenciosa
contra a ditadura imposta sociedade de consumo que programa todo nosso entorno.
Bibliografia
CHALFANT, H. Y COOPER, M.; Subway Art, Thames and Hudson, Londres 1984
DEMERS, Jeanne & McMURRAY, Line; Le graffito urbain, forme brève du manifeste au art
9
Ibid SUMIYA, p. 65
7
FOUCAULT, Michel; As Palavras e as coisas; Martins Fontes, São Paulo 2000
GARÍ, Joan; La Conversación mural – ensayo para una lectura del graffiti ; Fundesco,
Madrid 1995
RUIZ, Elisa; Hacia una semiología de la escritura; Fundación Germán Sánchez Ruipérez,
Madrid 1992
Paulo, 1992
VV.AA.; Los Muros Tienen la Palabra – Materiales para una historia de los graffiti ;
Actas de la segunda edición del Seminari Internacional d’Estudis sobre la Cultura Escrita,
VV.AA., Modos de hacer – arte crítico, esfera pública y acción directa , Ed. Universidad de
Artigos na Internet:
http://www.graffiti.org/faq/giller/html, 1996
8
http://www.187aka.357.com/, 2001