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A escritura silenciosa

uma análise filosófica do discurso místico

Silvia Pimenta Velloso Rocha

“As palavras da verdade parecem paradoxais” Lao-Tse

A experiência mística tem sido descrita como aquilo que recusa


toda linguagem, como aquilo que é impossível de ser expresso ou
comunicado. Assim, a idéia de um discurso místico parece constituir,
senão uma impossibilidade, ao menos um paradoxo: como falar de
alguma coisa que, por definição, está além da linguagem? Este
paradoxo é apontado por Bataille:

A experiência1 é o colocar em jogo (à prova), na febre e na


angústia, aquilo que um homem sabe pelo fato de ser.
Caso, nesta febre, ele tenha qualquer apreensão que seja,
não pode dizer: ‘eu vi isto, o que vi é tal’; não pode dizer:
‘eu vi Deus, o absoluto ou o fundo dos mundos’,ele só pode
dizer ‘o que vi escapa ao entendimento’, e Deus, o absoluto,
o fundo dos mundos não são nada se não forem categorias
do entendimento. 2

Não apenas aquilo que é visto escapa às categorias do


entendimento: a experiência mística é um êxtase, ou seja, saída de
si, aniquilamento do eu, na qual a própria noção de um sujeito que
está no centro da experiência deixa de ter sentido. Destituindo o
lugar do eu, a experiência mística destitui simultaneamente o ato que
faria a mediação entre o eu e um isto, e o próprio termo visão se
torna excessivo. Já não há propriamente um sujeito e um objeto, mas
fusão entre estas duas instâncias da experiência.
Nesse sentido, o discurso místico é por definição negativo, já que
consiste em afirmar que aquilo de que se pretende falar está além de
toda possibilidade de discurso. É por isso que, no limite, todo discurso

místico pode ser reduzido à fórmula “isto é isto”3 : pura tautologia,


pura insistência da linguagem, que, impossibilitada de dizer seu
objeto, volta-se sobre si mesma. Com efeito, em muitas tradições, a
experiência mística não dá lugar apenas à beatitude: é também uma
experiência de falência da razão, de desconhecimento radical e de
incompreensão. Desse ponto de vista, a incompreensão não se define
negativamente, como uma deficiência do pensamento, mas indica
uma apreensão de outra ordem que não a racional. A possibilidade de
compreensão é questionada não na sua extensão ou eficácia, mas em
seus próprios princípios - a ponto de que, no limite, conhecer não
mais significa conhecer, como afirma o Tao Te King: “Conhecer não é

conhecer; eis a excelência. Não conhecer é conhecer: eis o erro”.4


Esse encontro com o inefável não remete necessariamente a
uma instância transcendente ou supra-sensível. Nesse sentido,
Bataille chama a atenção para um ponto fundamental: o problema
que a descrição do êxtase místico levanta não é, em última instância,
diferente do que se coloca para qualquer outro objeto do mundo; a
diferença é que para estes últimos, dispomos de representações já
cristalizadas que possibilitam a comunicação:

Do êxtase, é fácil dizer que não se pode falar. Há nele um


elemento que não se pode reduzir, que permanece
‘inefável’, mas o êxtase, nisso, não difere de outras formas:
tanto dele - ou mais - quanto do riso, do amor físico - ou
das coisas - posso ter, comunicar o sentimento preciso; a
dificuldade, todavia, é que sendo menos comumente sentido
do que o riso ou as coisas, o que digo disso não pode ser
familiar, facilmente reconhecível.5

A rigor, a dificuldade encontrada para descrever o êxtase místico


é a mesma com que nos deparamos ao tentar dar conta de qualquer
objeto do qual não se tenha uma representação prévia. Poderíamos
portanto levantar a hipótese de que a visão extática não é apenas a
experiência de alguma coisa que não se pode representar, mas a
percepção da impossibilidade de se representar todas as coisas.
Assim, o que caracteriza o êxtase não é a contemplação de um objeto
mais inefável do que qualquer outro (como Deus, o ser, o absoluto),
mas a percepção do caráter “inefável” - ou seja, singular e
inapreensível - de todo e qualquer objeto. O que é experimentado
como fonte do êxtase não é uma instância transcendente, mas a
própria existência sensível, percebida subitamente como

intensamente desejável e sobretudo como intensamente real. 6


Esta concepção está presente em diversas tradições místicas em
que a visão extática dá lugar a uma revelação, mas o que caracteriza
esta revelação é a descoberta que nada há a ser revelado; este é por
exemplo o sentido do satori, a experiência de iluminação do zen
budismo: “Quando se tem o satori, pode-se compreender que não

existe o satori” 7. “Nada há a ser encontrado no mundo do satori;

não há nem homem nem sequer o Buda”. 8


Desta perspectiva, o que distingue o êxtase místico da
experiência cotidiana não é um acréscimo, mas uma diminuição: não
há aí a intervenção de qualquer instância transcendente ao real, mas
apenas a dissipação temporária das representações que mediam
nossa percepção cotidiana do mundo. O que torna essa experiência
inefável não é a intervenção de qualquer instância transcendente ou
supra-sensível, mas a ausência temporária daquilo que habitualmente
media e estrutura nossa percepção do real: a linguagem. O que se
revela a partir desta experiência é o próprio real, despojado da
camada de linguagem e de sentido que habitualmente o recobre. O
que ela dá a ver não é um além do mundo, mas o próprio mundo -
percebido subitamente como insignificante e impossível de ser
apreendido pelo pensamento.
A partir daí, podemos dizer que o silêncio não é uma
conseqüência da experiência mística, mas sua causa: o êxtase
místico é uma experiência do silêncio, de uma exterioridade radical -
embora temporária - da linguagem. Ora, para dizer o silêncio,
qualquer palavra é, por definição, excessiva. A própria palavra
silêncio testemunha esta contradição, como aponta Bataille: “Tal é,
em nós, o trabalho do discurso. Esta dificuldade se exprime assim: a
palavra silêncio é ainda um ruído, falar é, em si mesmo, imaginar

conhecer, e para não mais conhecer necessitaria não mais falar”.9


Esta afirmação de Bataille parece ratificar a conhecida fórmula
de Wittgenstein: aquilo que não se pode falar, deve-se calar. Mas
ocorre que “não mais falar” é insuficiente para garantir o silêncio. A
linguagem não é apenas fala, ou seja, não ocorre apenas na sua
atualização; existe também em estado virtual, projetada sobre o
mundo, estruturando e ordenando a nossa percepção; o próprio
sujeito, aliás, é por ela constituído. Aquilo que se chama comumente
de silêncio não equivale a uma ausência de língua, mas apenas a
uma ausência de fala.
O silêncio que a experiência mística põe em cena é de outra
ordem: já não consiste numa simples ausência de fala: pressupõe a
desconstrução do mundo tal como o percebemos habitualmente, isto
é, um mundo submetido ao trabalho de estruturação e ordenação da
língua. Pressupõe ainda o aniquilamento do sujeito, entendido como o
centro que opera os mecanismos de codificação e de representação
do mundo. Ora, este silêncio não pode ser restituído pela simples
ausência de verbalização. O discurso místico teria então a função
aparentemente impossível de formular, pela linguagem, a experiência
de uma ausência radical da linguagem. Desta perspectiva, a questão
que se coloca é outra: trata-se não mais de saber se a linguagem
pode falar de um além da linguagem, mas se a linguagem pode não
falar. Em outras palavras, trata-se de saber se a linguagem pode ser
usada para produzir silêncio.
* * *

Ora, o paradoxo consiste precisamente em um uso da linguagem que


obtém o efeito aparentemente impossível (ao menos do ponto de
vista da doxa) de dizer sem dizer. Paradoxo não é sinônimo de
ambigüidade. Como aponta Blanchot, na verdade estes termos são
opostos: a ambigüidade se caracteriza pela presença de dois
significados diferentes e pela impossibilidade de nos decidirmos por
um em detrimento do outro; assim, implica em imprecisão e
indefinição. O paradoxo, ao contrário, consiste na proposição clara e
definida de dois sentidos contraditórios, e desta forma pressupõe “a

maior claridade na maior contrariedade”.10


Na definição proposta por Deleuze, “o bom senso é a afirmação
de que, em todas as coisas, há um sentido determinável; mas o

paradoxo é a afirmação dos dois sentidos ao mesmo tempo”.11 O


discurso místico é um discurso paradoxal na medida em que faz
convergir numa mesma proposição sentidos que o senso comum
postula como antagônicos ou excludentes - como ilustra
exemplarmente este verso do Tao Te King:

Pois o ser e o nada se engendram mutuamente


O fácil e o difícil se completam
O curto e o comprido se formam um pelo outro
O alto e o baixo se tocam
A voz e o som se harmonizam
Sucedem-se o antes e o depois.12

De acordo com Deleuze, o paradoxo leva ao absurdo, que


significa não exatamente uma ausência de sentido, mas uma
impossibilidade da significação. Na ordem da doxa, a linguagem
produz um sentido único, na medida em que remete um significante a
determinado significado; ao enunciar dois sentidos contraditórios
numa mesma proposição, o paradoxo provoca um curto-circuito nos
mecanismos de significação. Assim, na medida em que designa um
absurdo ou um objeto impossível, a proposição paradoxal enuncia
algo que só é possível na linguagem. De forma análoga, os koans que
caracterizam a tradição zen-budista têm o efeito de formular uma
proposição insustentável ou absurda do ponto de vista da
significação. É por isso que quando o discípulo faz ao mestre uma
pergunta da ordem da significação, o mestre responde com um puro
ato - por exemplo batendo no discípulo com um bastão: esta atitude
visa a quebrar os mecanismos de significação que caracterizam a

doxa, e assim provocar a iluminação. 13


Afirmar o caráter paradoxal do discurso místico significa dizer
que ele põe em cena uma escritura negativa - no mesmo sentido em
que se pode falar numa teologia negativa. E aqui é preciso
esclarecer: se o paradoxo não equivale à ambigüidade, tampouco se
identifica com a negação. A negação ainda é da ordem da doxa, ainda
é a proposição de um único sentido. Manter-se na paradoxalidade
significa impedir o sentido de se fixar, quer como afirmação, quer
como negação. Nesse sentido, um dos textos fundamentais do zen-
budismo recomenda: “O que se deve temer é que a nossa prática não

degenere nos dois extremos da negação e da afirmação”.14 Se se


pode dizer que o discurso místico constitui uma escritura negativa
não é porque proceda por negações, mas porque nega aquilo que, do
ponto de vista da doxa, caracteriza toda escritura: a produção de
significação. Portanto, em última análise, além de paradoxal e
negativo, o discurso místico é ainda insignificante.
Mas essa idéia de um discurso insignificante, tal como
apresentada aqui, se distingue e mesmo se opõe à pretensão de
insignificância que, de acordo com Barthes, caracteriza os discursos
realistas. Com efeito, como aponta o autor, a marca do realismo -
presente por exemplo numa certa literatura, no discurso da história e
do jornalismo - é a crença em uma linguagem transparente, invisível
ou silenciosa, que em lugar de significar o real fosse capaz de apenas
indicá-lo. 15 Sua ilusão fundamental reside no pressuposto de um
real impregnado de sentido - ou seja, de um real em si mesmo
significante, que a suposta transparência da linguagem permitiria
revelar. O escritor realista pretende ignorar que a linguagem é um
instrumento produtor de significação, e assim põe em cena aquilo que
Barthes denominou de efeito de real, em que a linguagem desaparece
como trabalho e surge confundida com as coisas: é o próprio real que
parece “falar” no texto.
Nada disso ocorre no discurso místico. Aqui, a falência da
significação ocorre não para revelar um real impregnado de sentido,
mas para revelar, precisamente, que aquilo de que se fala está
privado de qualquer significado. É por isso que os discursos místicos
lançam mão daquilo que Deleuze denomina de palavras em branco,
que por sua vez evocam a idéia de significante flutuante proposta por
Lévi-Strauss: trata-se de termos que, em lugar de promover a
relação entre a série de significantes e a de significados, promovendo
o efeito de significação, permanecem flutuantes, vazios de qualquer

significado.16 As palavras em branco são em si mesmas - se


podemos dizer -termos paradoxais: não vêm designar um objeto ou
evocar um significado, mas ocupar o lugar de alguma coisa que,
precisamente, não pode ser nomeada ou designada, justamente
porque privada de todo significado. São exemplos de palavras em
branco o mana das religiões polinésias; o brahman hindu, do qual se
diz que é “nirguna”, além da qualidade; o ku no zen budismo, “muito
vasto para ser definido por categorias”; o Tao, que é aquilo que,
“embora eterno, não é possível nomear”; mas também o Deus da
teologia negativa e da tradição mística cristã - um Deus privado de
todos os atributos que o caracterizam no discurso metafísico, do qual
nem por negação se pode falar, como na (anti-)definição de Dionísio
o Areopagita: “Nem a razão pode atingi-lo, nem nomeá-lo, nem
conhecê-lo; não é nem a escuridão nem a luz, nem o falso nem o
verdadeiro; nem pode qualquer afirmação ou negação ser-lhe

aplicada”.17
Da mesma forma, este discurso paradoxal tampouco se
identifica com a utopia de um grau zero da escritura apontada por

Barthes 18: trata-se não mais de buscar um impossível silêncio da


escritura (uma ausência de estilo), mas de atualizar uma escritura do
silêncio. Trata-se portanto de duas acepções diferentes e mesmo
opostas de uma linguagem insignificante: no primeiro caso - que
caracteriza a hipótese metafísica de um mundo em si mesmo dotado
de significação - a suposta transparência da linguagem dá a ver o
sentido do real; no segundo caso - hipótese materialista - o silêncio
da linguagem (da fala, do pensamento, da significação) dá a ver um
real destituído de sentido. Dito de outra forma: no discurso realista, o
que se busca é um silêncio da linguagem e uma fala do real; no
discurso místico, o que ocorre é um silêncio do real e uma fala da
linguagem.
Finalmente, podemos dizer que a possibilidade de uma escritura
silenciosa depende da acepção em que se toma o termo silêncio. Se
este é definido como uma ausência de fala, um tal projeto está
condenado ao fracasso: diante dele todo discurso será
necessariamente traição. Se, ao contrário, o silêncio é uma ausência
de linguagem, calar-se é insuficiente, uma vez que a linguagem aí
permanece em estado virtual, projetada sobre o mundo e confundida
com as coisas. Este silêncio deve ser induzido, produzido, provocado:
deve ser criado com e pela linguagem. O discurso místico seria então
esta escrita paradoxal que busca produzir silêncio a partir da
linguagem.
NOTAS:

1 Embora o autor não recorra ao termo “místico,” a experiência


interior que descreve tem as características que procuramos associar
aqui à experiência mística: caráter extático, a quebra da
representação, a proximidade com uma revelação etc.
2 Bataille, G. pg 12.

3 Watts, A. - pg 13 e seguintes

4 Tao Te King, pg 146

5 Bataille, G - pg 132

6 Esta visão se aproxima muito daquela defendida por Clément


Rosset, que concebe a experiência do real como a quebra das
representações que mediam nossa apreensão do mundo. Essa
interpretação permite compreender a experiência mística como
inteiramente imanente, dando a ver o mundo em sua materialidade e
insignificância.
7 Daishi, Y. -

8 Daishi, Y. - pg 252

9 Bataille, G. - pg 21

10 Blanchot, M. - pg 152

11 Deleuze, G - pg 1

12 Tao Te King, pg 33

13 Deleuze, G. - pg 139

14 Daishi, Y - pg 214

15 Barthes, R. (1988) - pgs 158 a 164

16 Deleuze, G. - pgs 47 a 52

17 Happold, F.C. - pg 196

18 Barthes, R. (1974) - pgs 159 e seguintes

BIBLIOGRAFIA
BARTHES, Roland - “A escritura e o silêncio”, In O Grau Zero da
Escritura. São Paulo, Cultrix, 1974
____________ - O Rumor da Língua. São Paulo: Brasiliense, 1988
BATAILLE, Georges - A experiência interior. São Paulo, Atica, 1992
BLANCHOT, Maurice - L’Entretien Infini. Paris: Gallimard, 1969
DAISHI, Y.- Shodoka - O canto do satori imediato. São Paulo:
Pensamento, s/d
DELEUZE, Gilles - A Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 1988
HAPPOLLD, F.C. - Dionysius the Areopagita. New York: Penguin, 1963
HINNELS, J.R. - Dicionário das religiões. São Paulo: Ed. Cultrix, s/d
LAO-TSE - Tao Te King. Brasilia: Ed. Coordenada, s/d
ROSSET, Clément - Le démon de la tautologie. Paris: Minuit
_____________ - L’Objet Singulier. Paris, Minuit, 1979
WATTS, Allan - O zen e a experiência mística. São Paulo: Cultrix, s/d

Silvia Pimenta Velloso Rocha graduou-se em Ciências Sociais pela PUC-RJ e fez o Mestrado em Comunicação
e Cultura da UFRJ. Sob a orientação de Clément Rosset, realizou uma pesquisa na Universidade de Nice que lhe
conferiu o DEA em Filosofia e História das Idéias. Doutorou-se em Filosofia pela PUC-RJ. Publicou artigos em
revistas especializadas no Brasil e no exterior (inclusive na publicação canadense De Philosophia). É autora de
Os abismos da suspeita: Nietzsche e o perspectivismo (Relume Dumará, 2003). Lecionou em diversas
universidades e atualmente é Professora Ajunta da UERJ.

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