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ASSESSORIA DE PLANEJAMENTO E PESQUISA/FEBEM-RS

ELEMENTOS PARA REFLEXÃO DA


SÓCIO-EDUCAÇÃO•

Dezembro de 1999


Autor: Marcelo Berdet, sociólogo, da Assessoria de Planejamento e Pesquisa.
Os indivíduos não podem exercer domínio sobre suas interconexões sociais antes
que as tenham criado. Mas constitui uma idéia inaceitável conceber esse vínculo objetivo
como um atributo espontâneo, natural, dos indivíduos e inseparável de sua natureza (em
antítese com seu conhecimento e vontade conscientes). Esse vínculo é produto deles. É um
produto histórico. Pertence a uma fase específica de seu desenvolvimento. O caráter
estranho e independente através do qual ele atualmente existe vis à vis aos indivíduos
apenas prova que esses últimos ainda estão envolvidos na criação das condições de sua
vida social e que eles ainda não começaram, tendo como base essas condições, a vivê-lo ...
Indivíduos universalmente desenvolvidos ... não de modo algum, um produto da natureza,
mas da história.
Karl Marx, Grundrisse, 1857.

2
Introdução

Este trabalho tem o intuito de suscitar a reflexão, oferecendo elementos para


discussão da sócio-educação, levantando questões de fundo pouco tratadas e com
relevância para formulação de uma proposta pedagógica. Não oferecemos resoluções e
conclusões, nem exaurimos os pontos tratados, pois seria demasiada pretensão.
O trabalho procura mostrar o padrão de sociabilidade fundado na violência,
sobretudo para a juventude, e mais precisamente em relação aos jovens em conflito com a
lei. O corpo do texto dividi-se em quatro blocos: Da Violência, Da Juventude e Violência,
Do Adolescente Autor de Ato Infracional e Da Sócio-Educação.

Da Violência

A violência ocupa dentro das formações humanas papel formador e ordenador de


práticas e relações sociais, constituindo formas de vida e interação entre pessoas e grupos.
Contudo a ordem instituída pela força, pelo ato violento, não apresenta a estabilidade
política desejada e requerida para a consagração e consolidação de uma formação social,
precisando ciclicamente se revestir de novos contornos, tomar novos espaços e provocar
outros arranjos naqueles espaços já ocupados. A função política da violência esta na
sustentação sistemática, eficiente e eficaz, de um poder coercitivo, mensurado e possível.
Violência pode ser direta ou indireta atingindo física e simbólicamente ao outro,
sendo indireta quando altera, destrói ou subtrai recursos materiais, operando no ambiente
físico e simbólico daquele que sofre violência. Como resultado da violência, direta ou
indireta, temos a modificação do estado físico do indivíduo ou grupo, alvo da ação violenta.
É com dificuldade que encontramos consenso sobre o que constitui a violência,
sendo recorrente caracteriza-la como: uso de coerção ou força causando dano a indivíduo
ou grupo social, pertencente a alguma classe, categoria, gênero e etnia.

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“(...)há violência quando, em uma situação de interação, um ou vários atores agem
de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou mais pessoas
em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas
posses, ou em suas participações simbólicas e culturais.” (Michaud, 1989)

Por violência punitiva consideramos a ação socialmente aceita e prescritiva para


com condutas desviantes, antecipadamente definidas, esta violência é preestabelecida
conforme a gravidade da desobediência. Este tipo de violência tem como fim dominar a
resistência e a vontade do outro, mostrando a força de decisão do grupo que a usa.
As bases concretas e materiais para violência são produzidas socialmente, em
consonância com a formação social de determinada sociedade e seu momento histórico, a
violência é uma produção humana que se encontra presente em todos aspectos da vida
social. Assim sendo, a contemporaneidade apresenta novos cenários, nova configuração e
nova estética para violência.
Todo momento histórico tem sua ordenação, suas formas peculiares de ação e
relação, que determinam formas de manifestação, de percepção e abordagem. A violência
como elemento constitutivo de uma formação social, expressa o conteúdo desta formação
bem como das relações vividas por indivíduos e grupos. Consideramos a violência como
categoria explicativa, de instrumentalidade e expressividade (fim em si mesma) que articula
as relações sociais, sobretudo em nossa contemporaneidade.
Discutir a respeito da violência implica em discutirmos o mundo objetivo e o mundo
das idéias, sua produção e reprodução, discutir os diferentes aspectos da vida social,
relações sociais e comportamento de homens e mulheres, jovens e velhos, do trabalho e do
não-trabalho, etc. Reconhecendo o uso ideológico da violência para o controle da ordem
social.
O Direito moderno se caracteriza como sistemático, um direito de juristas, com
formação especializada e profissionalização, racionalização da justiça e da administração
pública. Do Direito moderno podemos distinguir três princípios: da positividade, expressa a
vontade (racional dos homens) do legislador por intermédio de meios jurídicos de
organização, regulamentando a vida social (interesses e conflitos); da legalidade,
reconhecimento somente do ordenamento jurídico estatal, em resumo a lei; da formalidade,

4
o direito moderno define seu espaço legítimo para arbitrar as vidas privadas. (Weber, 1974;
Foucault, 1977 )
O indivíduo voluntariamente se conforma a ordem (família, escola, sociedade) ou
coercitivamente pelo uso da força simbólica e física do Estado.
Hoje a violência se reveste de um novo paradigma, atento às mudanças no
cotidiano, nos novos conflitos sociais, na emergência de soluções não democráticas e no
sentimento de desordem e caos instaurado, no desejo de ordem e punição.
Como abordar a violência no caso brasileiro ? Violência produzida e gestada por um
modelo de Estado e Sociedade (Sociedade Política) excludentes, que historicamente tem
feito uso da força física (e simbólica) como instrumento de conformação de indivíduos e
grupos sociais.
A violência é apontada como fator desagregador das relações sociais, sendo ao
mesmo tempo elemento de formação e ordenação do conjunto da sociedade, das lógicas
traçadas por indivíduos, por grupos e pelo próprio aparelho de Estado. Vivemos dentro de
um Estado de Direito que detém o monopólio jurídico-político da violência física, que
exerce controle do ambiente social, das pessoas e das coisas, de situações de conflitualidade
como pobreza, doença, criminalidade e criança desamparada.
O Estado controla e exerce seu poder de polícia sobre tudo, num caldo efervescente
de disputas pela reprodução da vida. Este mesmo Estado que hoje encontra-se em crise,
agravando a precariedade de sua políticas públicas (ausentes ou insuficientes
historicamente no Estado brasileiro).
Grupos sociais distintos influenciam e disputam a capacidade e legitimidade de
influenciarem as estruturas normativas da sociedade, a imposição da autoridade. A
contemporaneidade exige alterações nos pactos, reforço da lei e da ordem, devido ao
incremento de novos espaços para irregularidades e infrações. O Estado deve dar conta de
reforçar a defesa dos homens e suas coisas, o espaço para criminalidade e irregularidades é
maior1. O espaços para consecução da violência aumentam, e outros espaços ganham
visibilidade e notoriedade, e a insuficiência do Estado se reflete na efetiva ou falso
sentimento de impunidade.
1
A história nos revela a capacidade homem em construir novos espaços sociais de viver e/ou provocar
mudanças, alterando formas de interação e reprodução, para indivíduos e grupos, foi assim com os
movimentos feminista e ecologista. Hoje a criminalidade assume formas antes não consideradas como tal,
ocupando novos espaços e empregando novas tecnologias, constituindo-se para muitos como padrão de vida.

5
A evolução da organização social cria novas relações inclusive para irregularidades,
a criminalidade ocupa novos espaços de produção e acumulação de riqueza, como espaço
de reprodução individual e social. Mais pessoas violam as leis penais, mais pessoas estão na
figura de vítimas, criando um vasto universo vulnerável de comportamentos e bens
protegidos por leis penais.
Mais do que o aumento do número de crimes cabe tratar da tolerância, ou seja, da
consideração dos limites aos tipos de crimes e irregularidades, alguns mais aceitos outros
menos aceitos, da forma de convivência com as infrações. A dicotomia
punição/impunidade encobre toda problemática da construção de um padrão de
sociabilidade, padrão este construído consciente e inconscientemente por uma ordem
econômica e social historicamente construída e em rápido processo de transformação, ainda
sem contornos definidos. O desejo de punição cria espaços sociais de maior exclusão, pelo
acirramento da intolerância contra infrações anteriormente socialmente consideradas (ou
consideradas ainda ?) de menor gravidade, chamada tolerância zero.
O Estado é percebido como inoperante para conter a violência e criminalidade,
aumentando a percepção da população de seu imobilismo para operar o conjunto do
aparelho de Estado ( saúde, educação, etc.). Como devemos pensar a delinqüência juvenil,
os conflitos fundiários ? Como infrações decorrentes da desobediência civil ou o
rompimento com a ordem penal ?
A sociedade produz enunciados prescritivos e imperativos, que são heterofórmicos,
não se constituindo como postulados a priori extensivos a todos, ao conjunto da sociedade.
(Adorno, 1999)
É preciso que façamos uma reflexão a respeito das formas de interação e
sociabilidade que formam e informam, formas estruturadas e estruturantes da organização
social, sobretudo dos jovens. Como ocorre a socialização dos jovens em nossa sociedade
hoje ? Quais interpretações fazemos acerca do uso das normas (prescritivas/imperativas),
sua eficácia prática e simbólica ? Quais são os modelos de autoridade vigentes e
emergentes, dentro do estatuto de controle social, em especial nas formas de controle social
penal, que tipo de dispositivos criamos para prevenção e segurança ? Que mecanismos de
decisão e normatização criamos para enfrentar condições e situações de tensão, sejam
estruturais ou conjunturais ?

6
Da Juventude e a Violência

A idéia de haver um estado, um momento contemporâneo compulsoriamente nos


remete a idéia de existir um passado, onde tudo era diferente e geralmente sempre visto
como melhor. Tudo parece mudar em alta velocidade, como se tudo que tivéssemos vivido
não existisse mais ou então tivesse mudado significativamente, que as pessoas, as ações e
relações por elas estabelecidas já estariam revestidas de outra “essência”.
Cada momento histórico é tomado por um movimento de idéias concorrentes, que
tomam e ocupam posições nos diversos espaços e grupos sociais. Este processo de
confrontação de idéias estimula a produção de saber, também contribuindo para a
dinamização das próprias relações sociais instituídas e instituintes de uma formação social.
A história do atendimento à Infância e Juventude no Brasil tem exemplos de como somos
capazes de produzir categorias reificadas como; “menor abandonado” , “menor carente” e
“menino de rua”. Estas categorias de análise e explicação tem cada uma sua produção
teórica e formas de abordagem, respectivas a um núcleo central de idéias e valores vigentes
e hegemônicos na sociedade, todas compreendem técnicas, tecnologias e proposições para
ações e políticas públicas estatais e não-estatais.
E hoje como vemos a questão da Infância e Juventude ? E precisamente na relação
juventude e violência, o jovem é infrator ou vítima ?
É a partir das formas com que publicizamos o jovem que vamos priorizar quais
relações sociais ganharão destaque, as formas que apresentam a violência e as respostas
para ela. É pela eleição das relações sociais e suas formas reificadas que definimos o
conteúdo da abordagem técnica, política e metodológica socialmente aceitas para ações e
programas públicos.
Na atualidade a juventude e de sobremaneira a adolescência é vista como produtora
de violência, a imagem que prevalece é a de infratora e agressora, onde os grandes centros
urbanos são espaços de gestação desta massa violenta. Contudo são inúmeros os casos em
que o jovem/adolescente é vítima da violência, não ocupando a posição de agressor ou

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infrator. Juventude é um dos tantos espaços socialmente construídos, que expressa conflitos
e contradições da sociedade.
A pirâmide e o padrão demográfico brasileiro sofreram alterações consideráveis nas
últimas três décadas, alterando a correlação e interação entre jovens, adultos e velhos. Estas
alterações provocaram efeitos na distribuição etária da população, onde verifica-se uma
redução absoluta e relativa do número de crianças e adolescentes e o incremento da
população acima de 60 anos de idade.2 A juventude ganha visibilidade na mídia e tantos
outros setores da vida social, sua presença é marcante e formadora nas configurações postas
e em construção hoje no país.
O futuro já é presente para as gerações que foram cantadas como “o futuro do
Brasil”, e todo um segmento da população foi socializado (silenciosamente ou não) pela
violência, pela exclusão, pela ausência de políticas do Estado, pelo preconceito. È neste
quadro de vulnerabilidade de direitos e de condições de garantia da reprodução material e
simbólica que ocorreu o processo de socialização de crianças e adolescentes no país, onde a
garantia e defesa da vida e da sobrevivência assume contornos de barbárie.
O número de jovens3 mortos por homicídios e outras violências4 no período entre
1979 e 1996 teve um incremento de 135%, enquanto o índice para o conjunto da população
é de 97%. No ano de 1996 35% das mortes de jovens tiveram como causa homicídios e
outras violências, para o conjunto da população a taxa foi de 6,4%.

2
O comportamento demográfico brasileiro passou por intensas e rápidas transformações, principalmente na
fecundidade, com declínio acentuado nas duas últimas décadas, provocando a redução da taxa de crescimento
demográfico de 2,5% na década de 70 para 1,3% na década de 90. As transformações estão ocorrendo em
todos estados da Federação, ressaltando que o fenômeno é anterior e mais marcante nas regiões Centro-Oeste,
Sul e Sudeste. As taxas de fecundidade estão próximas das taxas de reposição (2 filhos por mulher), o que
não ocorre nas regiões Norte e Nordeste. Para maiores informações ver Síntese de Indicadores Sociais
1998/IBGE, Departamento de População e Indicadores Sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 1999.
3
Segundo definições da Organização Pan-Americana da Saúde e da Organização Mundial da Saúde –
OPS/OMS “ (...) adolescência e juventude se diferenciariam pelas suas especificidades fisiológicas,
psicológicas e sociológicas. Para OPS/OMS a adolescência constituiria um processo fundamentalmente
biológico durante o qual se acelerariam o desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade.
Abrangeria as idades de 10 a 19 anos, dividida nas etapas pré-adolescência (de 10 a 14 anos) e adolescência
propriamente dita (de 15 a 19 anos). Já o conceito juventude resumiria uma categoria essencialmente
sociológica, que indicaria o processo de preparação para os indivíduos assumirem o papel adulto na
sociedade, tanto no plano familiar quanto no profissional, estendendo-se dos 15 aos 24 anos.” (Waiselfisz,
1998)
4
Homicídios e Outras Violências: corresponde a soma das categorias, homicídios e lesões provocadas por
outras pessoas; outras violências inclui fundamentalmente mortes derivadas de lesões, por arma de fogo, por
explosivos ou por meios ignorados, sem especificação se foi acidental ou intencional. (Waiselfisz, 1998)

8
A violência esta disseminada na sociedade, então por que o jovem é visto
preponderantemente como produtor da violência, já que a categoria juventude é foco de
outras tantas políticas públicas, como o Programa Primeiro Emprego 5. A participação social
dos jovens tem aumentado ao longo do tempo, constituindo novas relações e assumindo
formas de inclusão determinadas pelo pertencimento a estratos sociais e variáveis culturais,
econômicas, políticas, étnicas.
Na sociedade o espaço legitimamente aceito para socialização de crianças e
adolescentes é a Família e a Escola, embora outros espaços tomem para si ou são delegados
como agências constituídas para tarefa de socializar para o convívio social. A questão a
ser tratada é que padrão de sociabilidade o país construiu ao longo da história recente,
sobretudo para crianças e adolescentes ? Como conheceram e ingressaram no mundo, enfim
no mundo adulto, em seus diversos setores ?

Do Adolescente Autor de Ato Infracional (AAAI)

A categoria Infância e Juventude ganhou notoriedade recentemente no cenário


político brasileiro, embora não signifique que não houvessem políticas e tratamentos
distintos para criança por parte do Estado e da Sociedade. Com a promulgação do Estatuto
da Criança e do Adolescente -ECA- passamos a gerir um novo sistema de atendimento ao
AAAI, montado sob o antigo modelo de atendimento do Código de Menores. O processo de
passagem de um sistema para outro foi caracterizado mais pela adaptabilidade do que pela
ruptura.6
Ao longo dos dez anos de existência e aplicação do ECA houve um incremento no
número de AAAI ingressos na Fundação Estadual do Bem Estar do Menor do estado do Rio
Grande do Sul -FEBEM-RS. Em 1990 a Fundação comportava 208 adolescentes e no mês
de junho de 1999 tinha uma população de 567 adolescentes, correspondendo a um aumento
aproximadamente 175% na oferta de vagas.

5
O Programa Primeiro Emprego é uma iniciativa do Estado do Rio Grande do Sul, consistindo na colocação
de jovens entre 16 e 24 anos em postos de trabalho, cabendo ao Estado bancar metade do salário a ser pago
durante um ano.
6
Para maiores informações ver Diagnósticos Institucionais/99 e JARDIM, 1999.

9
A princípio o aumento da população de AAAI atendidos na FEBEM no período
mencionado estaria relacionado a onda avassaladora de violência, ou melhor, a onda de
“adolescentes infratores e perigosos” na sociedade. No entanto as causas tem uma
complexidade maior que formam uma trama de práticas e relações entre os agentes
envolvidos e formadores do sistema de atendimento.
O sistema de atenção ao AAAI na década de 90 criou novas categorizações e
especializações, os espaços institucionais e profissionais produziram e reproduziram
definições de maneira endógena, com suas próprias lógicas e mundo simbólico. O sistema
que presta atendimento ao AAAI possui seus próprios mecanismos de instauração e
consagração, que simultaneamente se relacionam e estão apartados da produção material e
simbólica externa. Os profissionais e especialistas da área são produtores de categorias,
para efeito de abordagem e intervenção de suas ações profissionais, sejam técnicas ou
políticas.
É dentro dessa rede de relações e categorias que a “possibilidade de mais vagas” ou
a “institucionalização” do AAAI se constitui como um dos fatores de ordenação do sistema,
e motivador para aplicação de medidas de privação e restrição de liberdade, somando a isso
a ausência de serviços que garantam a aplicação das demais medidas sócio-educativas.
Temos dois movimentos combinados que permitem compreender o caminho da
“institucionalização”, o primeiro é um movimento inter-institucional, compreendendo a
pressão para o rebaixamento de imputabilidade penal e o sentimento de impunidade para
com os AAAI, que juntos contribuíram para gerar o desejo/vontade por maior severidade
nas punições. O segundo é intra-institucional, onde a superlotação foi a situação criadora e
justificadora para o aumento do número de vagas, reforçada pelo maior número de fugas
decorrentes da superlotação7.
A ocupação das agências de atendimento ao AAAI esta em identificar e categorizar
infrações e AAAI, para explicar suas próprias configurações e estruturações, muitas vezes
adequando o adolescente as definições propostas. Assim sendo não podemos afirmar que o
incremento da “institucionalização” seja atribuído a apenas uma agência, o poder judiciário
por exemplo. A rigidez e formalidade dos procedimentos legais de aplicação da lei não tem
7
Vale recordar que a fuga históricamente na FEBEM tem o papel de distensionamento e inclusive como
procedimento resolutivo para superlotação em momento críticos. (Moraes, 1998)
Ressalatamos ainda que o aumento do número de fugas é diretamente proporcional ao crescimento do número
de ingressos na FEBEM-RS.

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propriedade estruturante exclusiva no processo de “institucionalização”, onde as mudanças
históricas e alterações na legislação são elementos das categorizações construídas pelo
sistema de atendimento ao AAAI. O sistema global de atendimento vive uma onda
expansionista, a formalidade da ordem legal influencia os mecanismos informais e a
compreensão da sociedade a respeito do AAAI. O processo de categorização é embrionário
na sociedade, na externalidade do setor, numa relação de alteridade e assimilação das
premissas das agências institucionais e contextos profissionais com a vida social, é esta
relação estruturante e estruturada que forma as organizações e categorias que vivemos.
A história da última década mostra a construção da própria categoria AAAI como
responsável pelo crescimento da população que cumpre medidas privativas e restritivas de
liberdade, pois é criado um sistema de atendimento para AAAI que exige a eleição de
adolescentes para esse sistema. O AAAI passa a existir primeiro no plano jurídico-
institucional e depois na realidade, dentro do próprio sistema herdado e adaptado do Código
de Menores e pelos conceitos e preconceitos da sociedade.
O período 1991/94, insipiência da aplicação jurídico-institucional do ECA, foi
aquele que apresentou o maior percentual de crescimento da população nos Institutos para
privação e restrição de liberdade, dentro de uma curva ascendente de ingressos no sistema
(no período 1990/99), com flutuações devido a um maior número de desligamentos, fugas,
óbitos e transferências em determinados anos, o aumento de “saídas” é explicado pelo
maior número de ingressos.
Verificamos há tendência de aumento do número de ingressos, que em
determinados momentos esta perfeitamente expresso no número populacional da
Instituição, por exemplo de 1995 a 1996 ocorre um acréscimo de 19,7% de ingressos, de
1996 a 1997 um acréscimo de 16%, 1997 a 1998 um acréscimo de 32,5%.
Em 1995 a comarca de Caxias do Sul respondia por 2,6% do total de ingressos na
FEBEM-RS, não havendo na Cidade de Caxias do Sul nenhum equipamento da Fundação,
seja para privação ou restrição de liberdade, no ano de 1996 com a abertura do Centro
Renascer8 a participação da comarca subiu para 12,9%. No ano de 1997 a participação da

8
O Centro Renascer é inaugurado em 1996 como unidade de Semiliberdade.

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comarca subiu para 17,4%, em 1998 com a construção do Centro da Juventude9 a
participação da comarca foi de 10,9%.
A participação no total de ingressos na FEBEM-RS da comarca de Pelotas salta de
0,7% em 1995 para 3,2% em 1998, com o funcionamento do Centro da Juventude no
segundo semestre. A comarca de Santo Ângelo têm um acréscimo de 0,8% para 4,3%,
também havendo a construção do Centro da Juventude no ano de 1998. Na comarca de
Uruguaiana constatamos a especificidade de haver redução de 4,3% para 1,9%
compreendendo os anos 1990/93 com o atendimento prestado por unidade de internação da
Fundação, ocorre inversão no período 1995/98 com crescimento dos AAAI ingressos de
0,5% para 2,3%.
No primeiro semestre de 1999 a comarca de Santa Maria contando com duas
unidades de atendimento, Centro da Juventude e IRICC10, registrou o ingresso de 130
adolescentes, sendo transferidos para Porto Alegre 48 adolescentes, representando 26,9%
dos ingressos identificados. A construção do Centro da Juventude incrementou o número de
vagas, atendendo a demanda, porém parece não ter sido suficiente já que transferências
para internação em Porto Alegre continuaram ocorrendo em grande número, colocando a
“oferta de vagas” como premissa para “institucionalização”.
Ainda considerando o período 1995/98 as comarcas que não possuem equipamentos
da FEBEM-RS apresentam os seguintes índices de ingresso, Santa Cruz tem um acréscimo
de 0,9% para 2,0%; Passo Fundo de 1,4% para 3,3%.
A construção do AAAI como categoria tem como premissa a infração, não mais
como falta ou dano a autoridade soberana, mas sim como fissura nas relações entre
indivíduo e sociedade. Aquilo que socialmente definimos como infração gravíssima, grave
ou leve é orientada por um núcleos de relações instituintes e instituídas, substituição de
organizações comunitárias para societárias, economia de gestão dos homens e suas coisas.
A Sociedade puni aqueles que não respeitam as regras de convivência e sociabilidade
O Estado e seu aparato legal, detentores legítimos do monopólio da violência, tem
historicamente consolidado ações que antecipam agressões emergentes e potenciais,

9
O Programa de Regionalização do atendimento ao AAAI tem como marco o ano de 1998 coma construção de
6 novos equipamentos para privação e restrição de liberdade, nas seguintes comarcas: Porto Alegre, Caxias do
Sul, Santa Maria, Uruguaiana, Pelotas e Santo Ângelo.
10
Instituto de recepção Iracema Cassel do Canto/IRICC em funcionamento como unidade de Semiliberdade
desde de 1990.

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conduzindo suas agências coercitivas à ação preventiva, para garantir a reprodução da
ordem, o exercício continuado e normatizado da sociabilidade.
O AAAI é uma categoria inventada pelo sistema de atendimento em vigor, que tem
na sociabilidade da violência e pela violência um de seus elementos fundadores,
produzindo uma lógica endógena e entrópica, que não da conta da pluralidade de padrões
fortemente estratificados de sociabilidade em nossa Sociedade.
Quando pensamos no AAAI enquanto uma relação social vivida por nós, e
preponderantemente pelos agentes pertinentes a sua consagração e atendimento,
necessitamos ter presente que padrões de sociabilidade encontramos presente na
anterioridade e na própria “institucionalização” dos adolescentes. No momento em que
alguns padrões de sociabilidade mais universais são rompidos outros padrões pertinentes a
estratos são dimensionados, fortalecendo valores, vínculos e relações intra-estrato. Por
exemplo, o narcotráfico possui e garante sociabilidade, integra e inclui padrões morais,
padrões produtivos e relações sociais, o processo de socialização pode ser feito por
qualquer outro estrato ou associação humana, como o esporte.
Nos deparamos com várias interrogações a respeito do AAAI, que a abordagem
jurídico-institucional não responde na plenitude, qual sociabilidade ou quais sociabilidades
estão presentes como elementos constitutivos na vida desses adolescentes ? Em torno de
quais relações e grupos é constituído o espaço geográfico e social, as identidades, as
estratégias de convivência, mecanismos de identificação/diferenciação do AAAI ?

Da Sócio-Educação

Educação é uma prática humana, agindo com profundidade e amplitude na


existência histórico-cultural dos homens, isto faz com que a educação seja mais vivenciada
que pensada. Além disso, a produção teórica e conceitual sobre educação não esta imune a
historicidade onde esta inserida, o caráter e conteúdo do ato de educar e se educar sofreram
e sofrem alterações político-pedagógicas ao longo da história.
Contudo a educação mantém uma característica básica e constitutiva, que é o
processo de formação para vida coletiva, é a conformação de uma geração de indivíduos

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jovens, crianças e adolescentes, orientada por uma geração de adultos . A influência e
natureza dessa ação conformadora não é estática, assim sendo a prática pedagógica é uma
prática social. A educação perpetua e reforça a homogeneidade requerida socialmente,
incutindo nas mentes e corpos de crianças e adolescentes similitudes essenciais exigidas
pela vida social.
Numa organização comunitária a educação é confiada a toda comunidade, em
função da vida e para vida. Já em uma organização societária, com a divisão social do
trabalho, aparecem as especialidades e a escola é o lugar especializado onde uns aprendem
e outros ensinam. Educação e escola foram perdendo seu caráter integral e unitário para
formação e para vida, do ensino e da comunidade. Produzimos um sistema de educação que
é uno e múltiplo ao mesmo tempo, caracterizado pela diversidade pedagógica, pela
educação diversificada e especializada.
Hoje contamos com inúmeros exemplos de educação especial ou especializada,
fazendo com que a sociedade reconheça legitimamente a necessidade de uma “proposta
pedagógica” para AAAI. O conteúdo do ECA refere a “proposta pedagógica sócio-
educativa”, trazendo algo de novo, porém polifórmico e impreciso. Afinal o que é sócio-
educativo ? O estatuto aponta a obrigatoriedade de programas sócio-educativos que
garantam atividades pedagógicas, em estabelecimento educacional.
O sócio-educativo hoje é a reunião de práticas e tecnologias de gestão das várias
agências do sistema responsável pelo AAAI, é o pastiche do legado do Código de Menores
com a positividade do ECA, e mais uma gama de interpretações e abordagens sobre
infância pobre, delinqüência juvenil, exclusão e violência, em diversos campos de saber. O
sócio-educativo se refere a uma proposta pedagógica sem estabelecer nenhum diálogo com
o campo de saber pertinente, a educação. A comunicação estabelecida hoje com o setor
educação é precária, pelo fato do AAAI não receber o status de sujeito e/ou objeto para
pesquisas e ações mais profundas na área educacional, e sobretudo porque o sistema de
atendimento ao AAAI ainda não encontrou um modelo de sócio-educação pautado na
educação.
Dentro do horizonte de práticas e discursos sobre o sócio-educativo,
compreendendo as diversas agências delegadas ou outorgadas para o atendimento de AAAI,
encontramos uma recorrência à todas, a “reeducação”. O termo “reeducação” pode servir de

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fio condutor para amarração de um conjunto de idéias e práticas do que seja sócio-
educação, no entanto “reeducação” carrega dentro de si uma pluralidade de outros termos
genéricos e imprecisos, como: “ressocialização” e “reinserção social”.
Para construirmos uma proposta pedagógica sócio-educativa precisamos rigor em
nossas definições, o que entendemos, o que esperamos, de que forma procederemos. O que
compreendemos como “ressocialização” ? É promover a socialização de AAAI segundo os
padrões societários, garantindo os mesmos recursos e serviços oferecidos a adolescentes
que não se encontram em conflito com a lei, ou não, a “ressocialização” compreende o
reconhecimento da condição peculiar do AAAI, configurando assim toda a percepção e
tratamento dispensado a ele. De forma simplista, “ressocialização” implica em reconstituir
toda uma série de oportunidades e condições de sociabilidade que a família não garantiu,
que Estado e Sociedade não garantiram ? Ou então “ressocialização” é a inclusão
funcionalista de adolescentes, treinados e conformados para o retorno ao convívio social,
preservando a estrutura social e a autoridade legítima ? Que respostas temos para estas
questões ?
A construção do sócio-educativo passa primeiro pelas respostas a questões políticas,
do que própriamente à questões técnicas. Pensar no sócio-educativo implica pensar em
uma determinada sociedade, nas suas normas reguladoras, na validade dessas normas, a
sócio-educação não esta descolada dessas referências. O desejo de punição é o desejo de
salvar a estrutura social existente, salvar as normas e sua eficácia, salvar a autoridade
legítima e mais ainda o pacto de convivência ameaçado.
A instauração e consagração do sócio-educativo como legítimo, isto é, como
instância pedagógica objetivamente reconhecida pela Sociedade e/ou pelo sistema de
atendimento a o AAAI, ocorre em função do grau de valor atribuido a ação pedagógica
capaz de transformar e consagrar objetivamente os membros dessa instância.
Mais uma vez reforçamos a necessidade de balizar premissas e posturas frente a o
que compreendemos por sócio-educativo, reconhecendo a inexistência de pedagogia sem
arbitrio, contudo assumindo compromisso com o diálogo e a participação.
Finalizamos remetendo mais uma vez a questão da sociabilidade dos AAAI,
sociabilidade forjada na anterioridade ao ingresso e categorização do adolescente no
sistema de atendimento. E como pensar num padrão único de sociabilidade, dentro de

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mundo múltiplo e fragmentado por uma diversidade de identidades e espaços sociais que
educam e socializam a adolescência .Afinal existiria um padrão de sociabilidade para o
sócio-educativo ?

Considerações Finais

O sistema de atendimento ao AAAI construiu um modelo sócio-educativo nesses dez


anos de ECA, uma formação complexa e instável, centrada fundamentalmente da
contenção. O surgimento de um modelo sócio-educativo fundamentado na educação tem
inicío pelo exame profundo e minucioso daquilo que já existe objetivamente, e nos
esquemas de pensamento que engendram o sistema. O sistema de atendimento e seu
correlato sócio-educativo foram criados coletivamente, com participação voluntária e
involuntária dos agentes envolvidos. O conteúdo do sócio-educativo reflete as disputas
internas e externas ao sistema de atendimento, expressando a capacidade das forças
hegemônicas naquele momento histórico em impor suas premissas e pressupostos.
Toda formação histórico-social é coletiva, as pessoas e grupos procuram de maneira
consciente e inconscientemente orientar o caminho da história, todavia frequentemente os
resultados não são os esperados.
O desafio para o sistema de atendimento ao AAAI é construir um modelo de sócio-
educativo que encontre um padrão de sociabilidade, de formação para a convivência social
e reconhecimento da autoridade legítima sem se constituir em poder arbitrário.

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