INTRODUÇÃO
O cinema sempre traz filmes que tratam de diversos assuntos e temas, sendo
uma ampla fonte de estudo, de análise e reflexão em cima dos temas abordados. Esses
filmes, quando bem feitos, trazem consigo conceitos interessantes de serem
trabalhados, analisados e discutidos.
O filme O Show de Truman foi escolhido, pois permite analisar de maneira
simples e direta a forma como nós, indivíduos de uma sociedade, somos cercados de
mecanismos que nos guiam por caminhos que, às vezes, não são os que desejaríamos
escolher, e o filme retrata muito bem essas relações entre indivíduo, meios de
manipulação e controle social.
O Show de Truman é um desses filmes que está recheado de conceitos das
mais diversas áreas. O filme traz conceitos religiosos, filosóficos, psicológicos,
sociológicos entre outros, que se bem analisados e estudados, geram uma boa
discussão a respeito, mostrando que mesmo um filme feito para a diversão e o lazer da
maioria das pessoas também pode ser utilizado como meio de estudos e discussões
sobre diversos temas.
A intenção do trabalho é fazer uma comparação entre o mundo do
personagem Truman e o nosso mundo real, mostrando que os mesmos meios que
manipulam sua vida também são amplamente utilizados para manipular as nossas,
prendendo cada um de nós dentro do seu próprio show de Truman.
O primeiro capítulo apresentará uma noção básica do filme. Será analisada a
parte técnica. Há a apresentação do enredo do filme, de seus atores, além de uma
análise das referências com outros filmes que partilham do mesmo tema de O Show de
Truman, como, por exemplo, os filmes Matrix e A Ilha; além da referência com obras
literárias, como um conto de Machado de Assis e o livro 1984, de George Orwell.
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1 O FILME
1.1 DIREÇÃO/ATORES
O Show de Truman foi um filme escrito por Andrew Niccol, nascido na Nova
Zelândia. Já havia sido roteirista de um drama de ficção científica e resolvera escrever
O Show de Truman – O Show da Vida, do original inglês “The Truman Show” (1998,
Paramount), só que dessa vez o filme se relacionaria muito mais com o estilo dramático
do que com ficção científica.
Andrew, a respeito do filme, diz: “O que mais me perguntam a respeito do O
Show de Truman é de onde surgiu a idéia de escrevê-lo: é porque suspeito de que esta
seja a realidade.” (NICCOL, 1998, p ix).
Peter Weir, quando procurado por Andrew Niccol, já era um diretor
conhecido, tendo sido indicado ao Oscar com os filmes A Testemunha (1985) e
Sociedade dos Poetas Mortos (1989), e dirigido vários outros filmes. Peter Weir é
conhecido por fazer como que atores de ação e comédia, como Jim Carrey e Robin
Willians, interpretem papéis dramáticos com credibilidade.
Quando recebeu a proposta, o diretor passou cerca de um ano “refinando” o
roteiro, pois o escolhido para ser o protagonista dessa história, Jim Carrey, não estaria
disponível antes desse tempo (WEIR, 1998, p. xi)
James Eugene Carrey, mais conhecido como Jim Carrey, ficou conhecido no
mundo todo por suas atuações em comédias como Ace Ventura (1995), O Máscara
(1994), Débi & Lóide (1994), O Mentiroso (1997) entre outros.
Em 1996, Carrey assina um contrato milionário com a Sony para estrear o
filme O Pentelho, tendo o maior cachê já pago a um ator de comédia. Após maus
resultados com o filme, Carrey resolve mudar seu estilo de interpretação, sendo
chamado para ser o protagonista do filme O Show de Truman.
Demonstrando uma sinceridade não característica, Carrey pegou os cinéfilos
de surpresa, ganhando o Globo de Ouro por sua atuação, mas criticou demais os
membros da Academia de Cinema por não ter sido indicado ao Oscar. Em 1999,
ganhou novamente o Globo de Ouro com o filme O Mundo de Andy.
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Além dos filmes já citados acima, Jim Carrey também teve destaque em
alguns outros filmes como Eu, Eu mesmo e Irene (2000), O Grinch (2000), Cine
Majestic (2001), Todo Poderoso (2003), Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
(2004), quando recebeu muitos elogios da crítica – o ator não recebeu nenhum Oscar,
mas o filme ganhou na categoria de melhor roteiro original – e Número 23 (2007).
(http://www.imdb.com/name/nm0000120/bio, acessado em 14/04/2008)
1.2 ENREDO
planos, por isso ele cria várias situações que fazem com que Truman mude de idéia e
permaneça na ilha.
A única maneira que Truman teria para se libertar da ilha seria através do mar
artificial que a cercava. Pensando nessa possibilidade, Christof criara, através dos
anos, situações que incutiram em Truman um imenso pavor de água, como no episódio
em que vê seu pai morrer afogado.
Com o desenrolar da história, Truman foi percebendo algumas situações que
fugiam do normal. A primeira dela foi o contato com uma atriz que participara do Show
quando Truman ainda terminava a faculdade. Para o rapaz, ela seria Lauren Garland,
uma mera figurante do programa. Por várias vezes, porém, eles trocam olhares até que
Truman acaba indo conversar com ela levando-a para a praia, onde a moça começa a
lhe contar a verdade que o cerca, ela revela a ele que seu nome verdadeiro é Sylvia e
não Lauren, diz que todos mentem para ele e que vive em um mundo artificial.
Truman fica confuso, não entende o que realmente Sylvia quer lhe dizer.
Neste momento, chega um homem que diz ser pai de Sylvia, alegando que ela tem um
problema de cabeça e a leva para longe dizendo a Truman que a levará para as Ilhas
Fiji.
Truman, diante da desconfiança de que algo está errado, se torna obcecado
em sair de Seahaven para encontrar Sylvia e poder tirar toda essa história a limpo, além
de outros fatos que fazem com que ele desconfie de toda armação.
Um dia, indo para o trabalho, o rádio do carro entra numa freqüência em que
o “narrador” diz exatamente o caminho que Truman está fazendo como se o
acompanhasse. Logo após isso, Truman, ao tentar entrar em um elevador de um
prédio, percebe que simplesmente não há elevador e que se trata de um cenário.
Olhando o álbum da família, se depara com uma foto do dia em que ele e
Meryl, sua esposa, casaram-se. Ao analisar a fotografia com uma lupa, percebe que ela
cruzara os dedos ao beijá-lo.
Diante da possibilidade de seu reality show acabar e de Truman descobrir
toda verdade a cerca de sua vida, Christof resolve fazer com que o pai de Truman
retorne e, aparentemente, a idéia dá certo. Entretanto, Truman consegue sair para o
mar navegando em um pequeno veleiro arriscando-se entre as ondas.
13
1.3 PRODUÇÃO
O Show de Truman foi filmado em uma cidade real na costa leste da Flórida
chamada Seaside.
Seaside é uma cidade planejada por um arquiteto, casa por casa, com
moradores de verdade que no começo não aceitaram muito bem o fato de que as
filmagens seriam feitas lá. O arquiteto queria um valor absurdo pelo “aluguel” da cidade,
mas depois de muita conversa e negociação foi explicado que o filme seria importante
para a cidade, fazendo com que ele concordasse com as filmagens.
A escolha da cidade foi de extrema importância para o contexto do filme,
talvez sem ela o filme tivesse se tornado menos eficaz num aspecto muito importante
que é a sensação de confinamento vivido por Truman, a idéia de um ambiente
extremamente perfeito e controlado pelos produtores do programa.
A idéia inicial do projeto era construir uma cidade cenográfica ou utilizar uma
que já tivesse as características desejadas pelos diretores e produtores. Essa idéia até
foi iniciada, mas seus gastos com manutenção eram grandes demais e por isso foi
abandonada; esse talvez não tenha sido o fato principal que levou seus produtores a
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abandonar a idéia da cidade cenográfica; essa cidade cenográfica era bem parecida
com a França e em algumas partes também lembrava Manhatan.
Os diretores queriam alguma locação que tivesse várias casas parecidas para
passar a idéia de que se vivia em um local terrivelmente planejado, um planejamento
urbano futurístico e essas características foram encontradas justamente em Seaside.
(WEIR, Peter. O Show de Truman - Edição Especial para Colecionadores.
Estados Unidos: Paramount Pictures, 2006. Making of de O Show de Truman (Parte I)
DVD-VIDEO. NTSC)
dizer que estão todos dormindo, estão todos de olhos fechados, não percebendo o que
acontece a nossa volta, a fome, a miséria, a corrupção, a violência, a manipulação de
informação, a falta de educação, são todos assuntos para os quais a maioria das
pessoas estão vendadas.
O 13º ANDAR: Douglas Hall e seu sócio, Hannon Fuller, dois pesquisadores
da área de informática, estão prestes a colher resultados positivos em seu último
projeto: desenvolver um mundo simulado utilizando realidade virtual. Porém, Fuller é
misteriosamente assassinado, antes de passar informações importantes sobre o projeto
para Douglas, que agora é o principal suspeito de ter efetuado o crime. Desorientado e
em busca da verdade em torno dos acontecimentos, Douglas decide por entrar no
mundo simulado para investigar a morte de Fuller.
Esse filme nos faz pensar em quem seria o arquiteto, ou o programador do
nosso mundo? Quem estaria controlando nossas mentes e atitudes, ou simplesmente
nos observando a todo o momento? Estaríamos fazendo parte de um mundo imaginário
criado dentro de outros mundos?
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Os filmes citados têm uma grande ligação com O Show de Truman sob o
aspecto de que todos os personagens principais, Truman, Lincoln, Neo, John Murdoch,
David Aames, Douglas Hall vivem em um mundo controlado por forças maiores,
podendo essas forças serem exercidas através dos meios sociais, ou através da
realidade virtual ou o controle de corporações privadas, não tendo eles qualquer
conhecimento da manipulação que sofrem, são meros objetos de um grande esquema.
Começam então a questionar o mundo em que vivem buscando pela verdade
descobrindo aos poucos o mundo manipulado que os rodeiam, ou como diriam os
filósofos: começam a ter a atitude científica de questionar o mundo ao seu redor,
deixando de acreditar no senso comum, nas opiniões já cristalizadas.
Os filmes questionam a relação do homem com a sociedade em que vivem, a
sua capacidade de interpretar de modo coerente e investigativo os fatos que os
rodeiam, cada personagem descobre a verdade de um modo diferente, por meios
diferentes e por razões diferentes, mas todo em busca da verdade do mundo em que
vivem. Colocam a difícil percepção do que é real e o que é imaginário, a distinção do
que é realidade e o que é sonho.
1.6 LITERATURA
busca da verdade. A Literatura também traz estas questões em muitas obras de autores
importantes.
Podemos citar Machado de Assis como o grande representante do Realismo
no Brasil. Machado captou na sociedade os grandes temas de suas obras, buscava
sempre através do psicologismo, do tom irônico, às vezes até pessimista, a reflexão
filosófica, o dualismo essência e aparência, o caráter relativo da moral humana, os
costumes e as máscaras sociais de seu tempo, os impulsos interiores, a normalidade e
a loucura, tratando em seus romances de temas universais, que poderiam facilmente
ser transportados para qualquer tempo e qualquer tipo de sociedade.
Existe um conto Machadiano que retrata bem a visão limitada que temos do
mundo que nos rodeia; chama-se Idéias de Canário (1899).
Conta a história de um rapaz, estudioso de ornitologia, que ia por uma rua
quando que quase atropelado foi parar em uma casa de Belchior (local que vende
objetos usados) e que entre muitas coisas velhas que havia ali ele acaba por encontrar,
em meio a tantas coisas velhas, uma gaiola velha com um canário vivo. Achando
estranho aquele resquício de vida que encontrara ali ele se aproxima da gaiola
murmurando para si mesmo como que alguém tivera a coragem de vender aquele
pássaro por uns poucos trocados. Sem menos esperar, o canário responde ao rapaz,
dizendo que ele está louco, que ele não possuíra nenhum dono e que também não fora
vendido.
Espantado, o rapaz começa a argumentar com o pássaro, tentando entender
como é que ele foi parar ali, quem era seu dono. O canário continua irredutível
afirmando que nunca tivera dono e que o velho que cuidava dos objetos da Casa de
Belchior nada mais era do que seu criado, pois lhe dava comida e água todos os dias e
que não cobrava por esses serviços.
O rapaz, pasmo diante de tais respostas, pergunta-lhe se ele não tinha
saudades do mundo, da liberdade, do azul e infinito e pergunta-lhe o que pensas deste
mundo, e o canário com um ar de professor responde: “- O Mundo (...), o Mundo é uma
loja de Belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um
prego; o canário é o senhor da gaiola que habita e da loja que habita. Fora daí, tudo é
ilusão e mentira.”
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O velho, dono da Casa de Belchior, acorda e vai falar com o rapaz que decide
então levar o pássaro mandando posteriormente, um de seus empregados comprar-lhe
uma gaiola maior ordenando que a pusesse na varanda de sua casa, onde o canário
pudesse ver todo o jardim.
Três semanas depois o rapaz pediu ao canário que repetisse a definição de
mundo e o canário então respondeu: “- O Mundo (...), é um jardim assaz largo com
repuxo no meio, flores, arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima;
o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o
resto. Tudo o mais é ilusão e mentira.”
O rapaz, depois de muito estudar o pássaro, acaba ficando doente sendo
obrigado a se afastar dos seus estudos com o canário. Seu criado continuava cuidando
do canário até que um dia o canário fugiu. O rapaz, dono do canário, ficou furioso mas
logo passou sua raiva e ele pôde terminar seus trabalhos sobre o canário, mesmo que
ainda incompletos.
Um dia, andando pelas redondezas ele avista o pássaro em um galho de uma
árvore e vai conversar com ele, convidando-o a voltar às velhas conversas naquele
mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circular quando o
canário o interrompe dizendo: “- Que Mundo? (...). O Mundo é um espaço infinito e azul
com o sol por cima.”
O rapaz então lhe diz que ele acha que o mundo é tudo, até já fora uma Casa
de Belchior, e o canário finaliza: “-De Belchior? Mas há mesmo lojas de Belchior?”
Podemos perceber com esse conto, que cada um tem uma percepção
diferente de mundo e como essa percepção muda de acordo com as circunstâncias em
que nos encontramos; às vezes estamos tão tomados por uma certa situação que não
conseguimos entendê-la corretamente, mas depois de passado algum tempo
conseguimos perceber todos os fatos que nos cercavam.
Para Truman tudo aquilo era o seu mundo, mas o seu ponto de vista vai
mudando no decorrer do filme, ele vai se libertando de sua gaiola, descobrindo novos
horizontes e abandonando velhas idéias.
Outro livro que nos coloca essa noção do que é realmente liberdade, se
somos livres ou não e da percepção dos fatos que nos rodeiam é o 1984 de George
20
Orwell que foi publicado em 1948. Orwell escreveu esse livro após a segunda guerra
mundial, em uma época em que havia sinais de que o mundo partiria para um rumo
extremamente totalitário, como eram os regimes fascistas de Stálin e Hitler.
O livro descreve uma sociedade totalmente manipulada, em que o Estado é
onipresente, com a capacidade de alterar os fatos, o idioma, de oprimir e torturar o povo
com o objetivo de manter sua estrutura inabalada, existem forças que dominam todos
os atos da população, por meio da propaganda ideológica do partido do Grande Irmão,
existe a polícia do pensamento que como o próprio nome já diz, controla o pensamento
de todos, sabendo de qualquer tipo de oposição ao regime implantado.
O Grande Irmão domina a todos pela mentira e pelo medo, que domina o
espírito da população, assim como Truman é dominado pelos apelos de Christof. Há
também o Ministério da Verdade, onde os fatos são modificados em relativas ou relatos
falsos, escondendo a verdade da população, e como se os fatos anteriores nunca
tivessem existido.
21
rezando. Ananias não concordou com o fato de Jesus querer salvar um homem que
estava ali para prender os que seguiam sua palavra, mas depois da explicação que
Jesus lhe dera ele concordou.
Jesus lhe disse que ajudasse o homem, pois ele era instrumento para levar
seu nome para os pagãos, tendo que sofrer em seu nome, pois Jesus lhe mostraria o
caminho lhe devolvendo a visão. Ananias fez o que lhe fora pedido. Chegando à casa
de Judas encontrou Saulo e disse que o próprio Jesus tinha o enviado para que ele lhe
recobrasse a visão. Nesse instante caíram dos olhos de Saulo as escamas que lhe
tampavam a visão. (BÍBLIA. Atos dos Apóstolos 9:1. p. 1624)
Para o catolicismo só há salvação na palavra de Jesus Cristo, pois só em sua
palavra se encontra a verdade. Podemos entender que as escamas que cobriam os
olhos de Saulo o impediam de ver o mundo, de ver qual era a verdade, pois ele
perseguia os cristãos. O que Jesus fez foi retirar as escamas de seus olhos fazendo
com que ele pudesse ter contato com a verdade, ou seja, sua palavra e seguí-la como
forma de libertação de um mundo cego.
com muito esforço sai da caverna percebe que existe um mundo bem maior lá fora.
(PLATÃO. p. 261 – 300)
As teorias sobre alienação e ideologia fazem-nos pensar que vivemos em
uma sociedade totalmente manipulada por interesses políticos e econômicos e vemos
que é difícil fazer com que as pessoas tomem a atitude de desvendar e de buscar uma
realidade mais abrangente assim como fez o personagem do mito da caverna que
conseguiu sair daquela realidade. Essa atitude de “sair da caverna” pode ser
comparada com o conhecimento filosófico e a nossa capacidade de sair do senso
comum como forma de superação da ignorância, pode ser encarada como a passagem
do senso comum para o conhecimento filosófico.
Essa dificuldade de conhecer a verdade, de sair da caverna como disse
Sócrates, foi objeto de estudo de dois filósofos, um foi o próprio Sócrates e outro
Descartes. Os dois, por motivos diferentes e utilizando métodos diferentes
desconfiaram do Dogmatismo, que é uma atitude natural e espontânea que já temos
desde que somos crianças e são essas crenças que nos mantêm no senso comum.
Esse senso comum possui algumas características próprias que nos fazem
acreditar no mundo já dado, já feito, já transformado, nos afastando da consciência de
que somos parte desse mundo. O senso comum: é subjetivo, pois exprime sentimentos
e opiniões variadas de pessoas ou grupos sociais, cada um percebe o mundo como lhe
convém; é qualitativo ao percebermos as coisas grandes ou pequenas, quentes ou
frias, etc; é heterogêneo pois percebemos os fatos diferentes entre si porque assim os
interpretamos; não se surpreende com a regularidade, a constância, a repetição e a
admiração e espanto é dirigido ao que é imaginado como único, extraordinário; trata a
atitude científica como magia, como misterioso, oculto e incompreensível e por essas
características é que cristalizamos preconceitos e passamos a interpretar os fatos
ocorridos.
Francis Bacon elaborou uma teoria conhecida como crítica dos ídolos em que
ele afirma que existem quatro tipos de ídolos ou imagens que formam as opiniões da
sociedade, cristalizando-as e impedindo o conhecimento da verdade, são eles: os
ídolos da caverna, os ídolos do fórum, os ídolos do teatro e os ídolos da tribo.
24
própria, como se tivesse sido sempre daquela maneira como é mostrado. (CHAUÍ, 2000
p. 170)
Já Émile Durkheim em sua obra “As regras do método sociológico” (1895)
formulou os acontecimentos em que os sociólogos deveriam se debruçar e chamou-os
de fatos sociais e dividindo-os em três características que explicam os fatores, externos
aos indivíduos, que causam essa separação do sujeito para com a sociedade.
A primeira característica levantada por Durkheim é a Coerção Social que é a
força exercida sobre os indivíduos, levando-os a conformar-se com as regras impostas,
não dependendo da sua vontade, é a cultura de um determinado povo e que o indivíduo
está exposto, o idioma, as crenças e o seu grau de coerção se torna evidente de acordo
com as sanções aplicadas ao indivíduo quando este tenta rebelar-se. Elas podem ser
legais no que diz respeito às leis que regem uma determinada sociedade e podem ser
espontâneas no que diz respeito aos costumes, quando um indivíduo vai contra a
estrutura social em que está inserido. Sobre isso Durkhein diz:
umas às outras. Nesse caso as idéias são o outro, tornando-se separadas de seus
autores. (CHAUÍ, 2000, p. 172 - 173)
Falando em alienação não podemos deixar de lado o conceito de Ideologia
que coloca tudo isso em prática, segundo Althusser a “representação da relação
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência” (ALTHUSSER, 1963
p. 85)
A expressão ideologia, criada por Cabanis e Destutt de Tracy em 1801 tinha
nos seus primórdios o sentido genérico de teoria das idéias e 50 anos mais tarde Marx
reformularia essa teoria dando um outro sentido a ela, como afirma Louis Althusser: “A
ideologia é um sistema de idéias, de representações que domina o espírito de um
homem ou de um grupo social” (ALTHUSSER, 1963, p. 81).
O “espírito” a que Marx se refere pode ser interpretado como o senso comum
social que é “moldado” através de teorias e crenças desenvolvidas por pensadores
intelectuais da sociedade, geralmente da classe dominante, onde explicam o mundo a
partir do ponto de vista de sua classe tendo sempre o mesmo objetivo: as relações de
exploração capitalistas.
A ideologia é o sonho, a ilusão onde toda a realidade existente está fora
dela, sua função principal é ocultar e dissimular divisões sociais e políticas, fazendo-nos
acreditar que as condições em que vivemos são naturais, normais e justas, impedindo-
nos de agir para que algo seja mudado. Ela assegura que todos entendam a realidade
e aprendam a se portar diante dela.
A ideologia age de diversas formas e Althusser as classifica como “Aparelhos
Ideológicos de Estado” onde faz uma crítica à teoria funcional das instituições e uma
reflexão sobre os mecanismos de sujeição. Vários são os “aparelhos ideológicos”
citados por Althusser como: o aparelho escolar, o aparelho religioso, o aparelho
familiar, o aparelho político, o aparelho sindical, o aparelho de informações, etc.
(ALTHUSSER, 1963, p.75).
28
3. A “CAVERNA” DE TRUMAN
imagens que é apresentada, uma delas é a cena da escola em que Truman se levanta,
provavelmente depois de lhe ser perguntado pela professora o que ele queria ser
quando crescer, ele responde que gostaria de ser um explorador, como o grande
Magalhães. A professora com um ar de superioridade e com a clara intenção de
desmotivá-lo, puxa um mapa mundi diz a Truman que ele chegou tarde, e que não há
mais nada a se descobrir.
Passamos em média entre onze a doze anos na escola, cinco dias por
semana, de cinco a seis horas por dia. Todo esse tempo serve para que possamos
aprender as ciências humanas, exatas e biológicas, serve para aprendermos a nos
relacionar com outras pessoas, aprender a viver em sociedade, compartilhar
experiências, aprender as leis morais e éticas que regem nossa sociedade, para
sairmos “prontos” para o mercado competitivo, que como o próprio nome já diz nos
tratará como produtos, mas talvez o papel mais importante que a escola exerce, é o de
tentar formar cidadãos mais críticos, cientes do mundo em que vivem, com a
capacidade de interpretar os fatos cotidianos com o mínimo de senso crítico, formar
cidadãos que debatam, que discutam os problemas referentes à fome, da falta de
educação, política, religião e outros assuntos que nos cercam e que são importantes
para nossa compreensão do mundo. Em síntese, a escola serve para formar cidadãos.
Tudo isso, teoricamente teria que funcionar, mas o que vemos no dia a dia
não traduz o papel que a escola deveria exercer. Todos os dias crianças passam pela
mesma situação que o personagem Truman passou na cena descrita acima, de que o
mundo já está pronto e que elas nada podem fazer para mudar essa situação, podemos
perceber que seus desejos são suprimidos por palavras de ordem ou por
ridicularizações, o individualismo não tem espaço para o coletivismo que modela a
todos para um mesmo fim: assegurar a reprodução das relações de trabalho, nesse
caso o coletivismo se vira para fins pouco humanos.
A Escola não nos forma para que sejamos cidadãos críticos, questionadores
da exploração capitalista em que vivemos ou viveremos quando fora dela estivermos. A
Escola nos forma, para o “mercado de trabalho”, pois lá seremos mais um produto em
meio a uma multidão de outros produtos concorrentes; ela nos forma para o que o
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mercado necessita, ou seja, a “mão de obra”, querem apenas a mão, não querem a
“cabeça de obra”, não os interessa o ser pensante.
Desde pequenos somos bombardeados pela ideologia escolar, já começamos
a nos acostumar com a estrutura escolar moldada de modo hierárquico que reproduz as
relações autoritárias existentes fora dela, somos doutrinados por forças simbólicas que
nos forçam a pensar e agir de determinada forma que atendam as necessidades da
classe dominante.
O filme traz várias situações em que Truman, sua esposa e seu amigo Marlon
são utilizados como garotos propaganda (Truman não sabe dessa situação), Meryl
aparece várias vezes mostrando produtos, assim como Marlon é o garoto propaganda
de uma famosa marca de cervejas. No entanto estamos analisando o ambiente interno
do reality show, nos interessa apenas os estímulos causados pela propaganda na vida
do próprio Truman, e analisaremos a partir de agora a função da propaganda ideológica
mais presente nesse ambiente estudado.
36
Truman está saindo de casa para ir trabalhar quando um refletor cai perto
dele; ele olha para o objeto estranho sem saber direito o que aconteceu, guarda-o no
porta mala e vai para o trabalho. No caminho para o trabalho ouve uma notícia no rádio
em que o locutor dizendo que a peça que Truman encontrou era de um avião que havia
passado por ali e deixado cair algumas peças.
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Quando Truman chega ao escritório tenta procurar por Sylvia pelo telefone,
em Fiji e um de seus companheiros de trabalho lhe mostra o jornal com a notícia:
“Seahaven é o melhor lugar do planeta”, também com o mesmo intuito de convencê-lo
de que a ilha realmente é o melhor lugar para se morar e que seria besteira trocar um
lugar tão agradável por qualquer outro lugar do mundo.
Truman vai até a banca comprar revistas, atrás dele um homem lê o jornal
com a notícia: “Who needs Europe!” (Quem precisa da Europa!) fazendo alusão ao fato
de que a ilha de Seahaven é um local agradável e que pensar em ir para Europa é
desnecessário.
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Truman após uma conversa com sua mãe e esposa, em que ficaram olhando
fotos de infância, fotos de seu casamento, sua mãe tenta convencê-lo de que seria uma
boa idéia se ele e Meryl tivessem filhos. Truman nada contente com a conversa se
coloca a disposição para levar sua mãe em casa, prontamente sua esposa pede para
que ele não se preocupe, pois ela se encarrega de levá-la em casa pois o programa
favorito de Truman irá começar, ela liga a televisão e as duas saem pela porta.
Truman continua com a idéia fixa de querer sair da ilha e ir embora para outro
lugar do mundo. Ao ligar a televisão se depara com o sugestivo programa “Mostre-me o
caminho de casa”, discretamente afirmando que Truman estaria perdido, longe de sua
própria casa, de seus amigos e familiares. Surge então um forte apelo emocional por
parte do apresentador do programa em que ele diz frases que tocam profundamente
Truman, fazendo-o refletir se realmente é necessário sair de Seahaven para encontrar
a felicidade, como o próprio apresentador diz, ele louva a vida na cidade pequena.
Podemos perceber, além do discurso emocionado e persuasivo do
apresentador, uma imagem ao fundo de um pai e um filho olhando para o nome do
programa. Essa imagem pode ser interpretada como uma referência a Truman e seu
pai, já que ambos eram muito ligados antes de sua “morte” e Truman ainda se culpava
por querer velejar em meio a um temporal, com isso ele não ia querer sair novamente
abandonando a todos, se arriscando, ficando longe das lembranças de seu pai que
ainda se faziam muito presentes em sua memória.
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“Família é tudo igual”. Provavelmente essa é uma frase que todos nós já
ouvimos e que faz um certo sentido se pensarmos e levarmos em consideração que
vivemos em uma sociedade que prega a instituição da família monogâmica, ou seja,
que se funda sobre o casamento entre duas pessoas, que moram juntas, juram
fidelidade, em que há o controle do homem sobre a mulher e os filhos, garantindo-lhes
o direito de herança, isto é, a garantia da propriedade privada.
Poderíamos fazer um levantamento de outros tipos de famílias que se
instauram em outras sociedades, mas para analisar O Show de Truman ficaremos com
a definição de família monogâmica que podemos encontrar no filme.
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A função da família criada por Christof para Truman é: sempre que ele quiser
se libertar, ir embora da ilha ou começar a descobrir muito sobre o mundo em que ele
vive, a “família” que o cerca deverá convencê-lo do contrário, fazendo-o mudar de idéia,
sempre criando barreiras para que ele não tome a decisão de ir embora.
Mas qual a relação que podemos estabelecer entre a família de Truman e as
nossas famílias? Essa é a analise que faremos a partir de agora, considerando que a
família se constitui em um Aparelho Ideológico de estado que visa transmitir valores
culturais, as idéias de um determinado grupo social, sendo uma forte transmissora de
ideologias.
Antes de analisarmos o papel da família, vamos destacar quais são os
personagens que fazem parte da família de Truman. Ele é criado por dois atores que
não são seus pais biológicos, quando cresce casa-se com Meryl e Marlon é seu melhor
amigo, portanto consideraremos sua família seu pai, sua mãe, Meryl e Marlon.
A família é uma instituição social que está presente em nossas vidas desde o
momento em que nascemos, sendo responsável pela nossa formação social e
psicológica Pela nossa formação social, nos ensinando a viver em sociedade, nos
transmitindo valores morais e éticos. Esses valores e ideologias transmitidas pela
família se alicerçam em crenças que muitas vezes encobrem a verdade e que
mascaram a realidade fazendo com que não percebamos as contradições existentes na
sociedade, tirando-nos a possibilidade concreta de interpretar os fatos ocorridos a
nossa volta, a transmissão de conteúdos ideológicos pela família vem sempre com a
questão do “querer bem” ao filho e que nada de mal lhe aconteça, protegendo-o do
mundo exterior de tal forma a chegar a ponto de esconder as mazelas e “perigos” que
nos rodeiam por toda parte, retirando-nos o direito que todos temos de aprender com os
próprios erros e buscarmos nossa própria verdade.
O que talvez as famílias não se dêem conta é de que esse conteúdo
transmitido de geração em geração serve para cumprir sua função social garantindo a
reprodução dos meios de produção garantindo a reprodução das forças de trabalho, a
criação da prole que mais tarde serão trabalhadores e continuarão a transmitir as idéias
de que o trabalho dignifica, que é necessário arrumar um “empreguinho” para “ir
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sobrevivendo”, pois vão sempre continuar acreditando que esse é o seu futuro e de
seus filhos e de que dele não há como escapar.
fosse conseguir realizar sua vontade, mais um meio utilizado para que Truman se sinta
desacreditado a levar seus planos para frente.
Após sua conversa com Marlon, Truman reflete e volta para casa onde
encontra Meryl lendo um livro. Ele chega cheio de planos em viajar pelo mundo, para
conhecer lugares diferentes, esperando encontrar em Meryl um apoio, alguém que
compartilho dos mesmos sonhos que ele. Ela acaba, ao invés de apoiá-lo, colocando
empecilhos para a viagem, tentando de qualquer maneira fazê-lo mudar de idéia, ela
fala sobre o dinheiro que eles não têm para viajar, sobre a casa e o carro que eles
ainda têm que pagar e até sobre um filho que eles estavam planejando ter. Ela
compara-o a um adolescente, ridicularizando-o quando ele cita que quer ser um
explorador.
Podemos perceber nesta cena como os nossos sonhos às vezes parecem, ao
modo de ver das outras pessoas, ou da família, ridículos ou desprezíveis, e ao invés da
compreensão do fato ou do entendimento mútuo do que um entende como sonho e o
outro entende como loucura, há simplesmente o desprezo pela idéia da mudança. É
esse desprezo repetido várias vezes que nos levam a abandonar uma idéia, sonho ou
vontade, e isso é o que queriam todos os participantes do reality show, que Truman
depois de tantas vezes desencorajado a seguir seu sonho, desistisse.
Outro fato que podemos perceber nesta cena é a dependência econômica em
que nos encontramos atualmente. Meryl cita como empecilho para a viagem dos dois,
as contas que eles ainda têm que pagar, suas obrigações financeiras. Vivemos
cercados de situações que nos fazem assumir compromissos financeiros, seja por uma
necessidade útil como, por exemplo, ter uma casa para se morar, ou simplesmente ter o
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que comer, mas há também as necessidades fúteis como trocar de celular uma vez por
mês, ou trocar de carro uma vez por ano, comprar roupas caríssimas somente para se
enquadrar na moda.
Esses compromissos que assumimos são um grande fator que nos prendem,
pois não podemos simplesmente deixar tudo para trás. Essa condição pode se tornar
um meio de não nos deixar sair de alguma situação que nos incomoda, de tomarmos
decisões sem ter que considerarmos contas e mais contas a pagar, ela nos impede de
sermos livres para fazer escolhas, de poder pensar em outros caminhos que não
aquele de ter que trabalhar e trabalhar cada vez mais, e Truman, de algum modo,
sente-se preso por essa condição, e Meryl utiliza bem esse fato para convencê-lo a não
sair da ilha.
4. EM BUSCA DA LIBERDADE
Marlon nos coloca uma informação no início do filme que pode ser
comparada com as teorias de Althusser (1963), a de que vivemos em um mundo real,
onde nada é falso, é apenas meramente controlado.
Não gozamos de total liberdade de escolhas, pois temos regras a serem
seguidas, somos, como já analisado, rodeados por aparelhos ideológicos que
influenciam o nosso modo de pensar, nossa maneira de ver o mundo, mas que passam
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desapercebidos a maior parte das pessoas, pois atuam de maneira sutil e aos poucos
durante uma boa parte de nossas vidas que acabam sendo “meramente controladas”.
Podemos entender também que Marlon é um personagem que está sempre
presente na vida de Truman, da mesma maneira que Christof está o observando do
lado de fora (of), Marlon acompanha Truman dentro do reality show (Marlon).
Talvez seja esse o fato que deu início à desconfiança de Truman. Um objeto
estranho caindo do céu que para Truman não fazia o menor sentido, e que mesmo com
a explicação que lhe fora dado pelo rádio, lhe deixou intrigado.
Seahaven a noite possuía um grande céu estrelado e quando um dos
funcionários da manutenção tentou trocar uma lâmpada que havia queimado, deixou
cair o refletor da estrela Sirius da Constelação Cão maior. Se Truman fosse astrônomo
teria descoberto logo que se tratava de uma farça.
Truman sempre foi muito apegado ao seu pai e sentia-se culpado pela morte
dele, pois o forçou a velejar com Truman em meio a uma tempestade que causou sua
morte. No entanto essa morte já estava preparada por Christof. O episódio do
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afogamento de Kirk (pai de Truman) foi uma maneira de traumatizá-lo, fazendo com que
ele tivesse pavor de água desde então, e como morava em uma ilha não conseguiria
atravessar o oceano.
No entanto, o corpo de seu pai nunca foi achado, e um dia indo para o
trabalho Truman vê seu pai vestido como um mendigo, logo que ele percebe que é
realmente seu pai, um homem e uma mulher pegam o mendigo colocando-o em um
ônibus e o levando para longe de Truman. Esse foi um fato que mexeu muito com
Truman, pois ele sentia-se culpado pela morte de seu pai e de repente encontra-o vivo,
mas ao vê-lo sendo levado tão abruptamente fica desconfiado de que algo está sendo
escondido dele.
Após essa cena, Truman tenta contar à sua mãe o fato de ter visto seu pai
mas ela o desacredita.
Truman conhece Sylvia ainda no colégio, onde se encanta pelos seus olhos.
Desde então começa uma aproximação dos dois, o que contrariava o script criado por
Christof, pois Sylvia era apenas um figurante. Em duas oportunidades Truman vê
pessoas retirando Sylvia de perto dele, a primeira delas é quando Truman a vê pela
primeira vez: ela está na escola sentada debaixo de uma árvore e quando Truman olha
pela segunda vez ela já não está mais lá; a segunda é na festa de formatura em que
Truman vê dois rapazes de terno a levando para fora da festa.
Um dia Truman estava estudando em uma biblioteca, quando percebe que
Sylvia está estudando perto dele. Ele se aproxima e a convida para sair. Os dois fogem
da biblioteca, um conselho que a própria Sylvia dá a Truman, que eles sejam rápidos
pois os dois têm pouco tempo juntos.
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Eles vão até uma praia e então acontece o primeiro beijo de Truman. É
quando aparece um carro para lavá-la para longe de Truman. Sylvia tenta alertá-lo de
que algo está acontecendo a sua volta, de que é tudo armação, de é tudo feito para ele
e que é um show de televisão, Truman fica confuso sem entender ao certo o que ela
quer dizer com aquilo tudo. É quando então Sylvia é colocada dentro do carro e pede
para que Truman vá atrás dela em Fiji, para que ele saia da ilha e a encontre.
Esse foi o fato que talvez tenha mais motivado Truman a pensar em sair da
ilha. O que ele sentia por Sylvia era uma atração muito forte, e podemos perceber isso
ao decorrer do filme, mesmo estando casado com Meryl, Truman continuava pensando
em Sylvia, procurando-a em listas de telefone e montando seu retrato a partir de
recortes de revistas. O amor que Truman sentia por Sylvia foi um dos fatores mais
relevantes para ele tomar a iniciativa de sair da ilha e procurá-la, ele nunca perdeu as
esperanças, pois ela foi seu primeiro amor e seu primeiro beijo, mas após esse fato
ocorrido na praia ela nunca mais a viu.
Sylvia, ao contrário dos outros personagens do reality show, não conseguiu
manter-se afastada de Truman e também não conseguiu continuar enganando-o,
participando da farça em que todos estavam metidos, talvez por dó de Truman, ou
talvez por não concordar com a exploração a que ele era submetido, ou talvez por ter
realmente se apaixonado por ele, o que contrariava o idealizador do programa como já
dissemos anteriormente.
Ela queria libertá-lo desse paraíso artificial e por isso foi expulsa. Esse fato
pode ser comparado com Adão e Eva no jardim do Éden. Deus irado com a
desobediência de Eva ao fazer Adão comer o fruto proibido, expulsou-os do paraíso
como forma de punição. Christof também pode ser comparado com um Deus irado com
desobediência de Sylvia ao quebrar as regras do programa, expulsando-a dele,
mantendo-a longe de Truman para que ele se mantivesse na pureza e ingenuidade do
paraíso, o “fruto proibido” no caso do filme seria a verdade que Sylvia poderia revelar a
Truman.
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Truman está dirigindo rumo ao seu trabalho quando ocorre um fato estranho
com o rádio de seu carro, o radialista começa a narrar todos os passos de Truman. Ele
fica meio confuso sem saber ao certo o que está ocorrendo, pára o carro e isso
desencadeia uma série de outros fatos, Truman pára os carros na rua, entra em um
prédio e quando está de frente para o elevador e a porta se abre, ele vê que não existe
elevador, que existem pessoas como em um camarim.
Ele vai até a loja onde Marlon trabalha com uma séria desconfiança de que o
mundo todo está girando em torno dele, e percebemos no decorrer da cena que Marlon
faz de tudo para que Truman não pense nessa hipótese.
neste mundo, quais são as verdades escondidas por trás dos noticiários de tv, ou de
anúncios publicitários.
Hoje em dia há um esvaziamento intelectual da sociedade, onde o saber
muitas vezes é banalizado, cedendo espaço para o status social das roupas de marca,
ou dos carrões do ano, ou ainda do celular última geração com mais de mil funções.
Isso tudo nos ilude achando que vivemos em um mundo perfeito, não pensamos, mas
por si próprios, deixamos que a mídia simule um mundo perfeito para nós, o mundo
perfeito da propaganda de margarina ou da propaganda de cerveja, com pessoas
felizes e lindas, como se não houvesse mais com o que se preocupar.
Esse mundo ilusório que nos é vendido nos afasta da verdadeira realidade,
aceitamos sem questionar seus porquês, simplesmente aceitamos.
uma vida tranqüila, sem preocupações, longe dos problemas do mundo, é mais fácil
viver na escuridão da caverna do que ofuscar os olhos com a luz.
Vamos perceber daqui para frente que Truman inverte essa situação, ele
começa a lutar contra a situação em que vive, ele luta contra todos os meios para
buscar toda sua verdade.
Após ter sido deixado por Meryl, Truman resolve ir embora da ilha também.
Ele vence seu medo de água, pega um barco e parte rumo a liberdade. Podemos
perceber que seu barco chama-se “Santa Maria”, fazendo uma referência a uma das
caravelas de Cristóvão Colombo, e assim como o grande descobridor das Américas, ele
vai rumo ao desconhecido.
Esse é um momento muito importante na história de Truman, é o momento
em que ele se dirige para fora de sua caverna, seu momento de libertação, é a sua
passagem da escuridão para a luz. No entanto não será tão fácil essa sua passagem,
Christof não lhe deixará sair tão facilmente e provoca uma grande tempestade para
fazer com que Truman fique com medo e desista da idéia.
Christof, percebendo que seu plano não está dando certo, pede para que
aumentem a tempestade, mesmo sendo alertado sobre os riscos de Truman morrer
frente a um mundo de telespectadores. Christof não pára, alegando que Truman
nasceu frente às câmeras e pode muito bem morrer diante delas, no entanto Christof
não pode matar Truman, ele não pode se dar ao luxo de expulsar se Adão, assim como
fez Deus, Christof precisa de Truman.
Podemos comparar essa fúria de Christof com o fato de Truman querer fugir
do paraíso, desrespeitando sua autoridade, com a passagem bíblica do dilúvio, em que
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Mesmo depois de tantos esforços por parte de Christof, Truman não desistiu
de seus planos. Ele se amarrou ao barco sobrevivendo à tempestade. Quando ele
acorda e iça a vela de seu barco podemos perceber um número: 139.
Recorrendo novamente aos textos bíblicos encontramos o salmo 139 que diz:
7. Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? 8.
Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu
ali estás também. 9. Se tomar as asas da alva, se habitar nas
extremidades do mar, 10. Até ali a tua mão me guiará e a tua destra me
susterá. (...) 13. (...) possuíste os meus rins; cobriste-me no ventre de
minha mãe. (...) 23. Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-
me, e conhece os meus pensamentos. 24. E vê se há em mim algum
caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno.
(http://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/139, acessado em 08/11/2008)
Este Salmo pode ser interpretado com um resumo de toda a relação entre
Christof e Truman, a relação entre criatura e criador, do poder que Christof tem sobre a
vida de Truman, de todas as decisões que fazem a vida de Truman tomar caminhos
diferentes a cada momento.
Truman continua a velejar e de repente, ao contrário do que fez o descobridor
Cristóvão Colombo que provou que a terra é redonda, parece confirmar as crenças da
idade média, em que acreditavam que o mar termina em um abismo, Truman bate o
barco em um fundo, descobrindo o continente da realidade: de que viveu sua vida
inteira em um mundo irreal.
mundo alienado, talvez seja melhor, na visão de Christof, pois sem descobrir as
verdades Truman não teria com o que se preocupar, ele viveria para sempre no seu
mundo de ilusões, sem descobrir o que há por trás de tudo, sem sofrer, portanto.
Isso acontece no “mundo real”, como também já discutimos anteriormente,
muitas pessoas continuam em estado de dormência, presos em suas cavernas, cegos
na escuridão da ignorância de não querer saber o que acontece a sua volta, tendo essa
postura passiva, de aceitar tudo o que já é dado pronto, sem questionar, sem sofrer
com a verdade, é mais fácil e menos doloroso ser passivo de tudo o que o mundo já
nos apresenta pronto, é mais fácil se Truman continuasse dentro de seu paraíso
artificial, mas ele rompeu com seus medos, com as barreiras da ignorância e partiu para
um outro mundo, para o mundo do conhecimento talvez, ou para o mesmo mundo em
que ele vivia, só que um pouco mais disfarçado.
Assim como Neo, em Matrix (1999), escolheu a pílula vermelha para saber
qual o real mundo em que vivia, sendo alertado por Morpheus que ao fazer tal escolha
não teria volta, Truman chegando até a porta de saída de seu mundo não teria como
voltar atrás, não teria como recuar e aceitar toda aquela vida manipulada e já escrita
por um roteirista de televisão.
O que aconteceu com Truman após sua saída é uma incógnita. O filme
termina em reticências como um modo de mostrar aos que o assistem que não é tão
simples quebrar as barreiras do conhecimento, e que mesmo quebrando-as não
sabemos o que encontraremos pela frente, não sabemos o que nos espera fora da
caverna, ou fora da matrix, ou fora do nosso Show de Truman.
Logo após o termino do reality show, dois guardas que estão assistindo ao
programa perguntam-se o que estaria passando em outros canais, desprezando o fato
de que o reality show esteve no ar durante 30 anos.
Essa cena traz mais uma crítica ao mundo vazio em que nos encontramos,
onde tudo é descartável e substituível, além de ser um reality show, era também a vida
de uma pessoa que estava sendo exibida para milhões de pessoas em todo mundo, e
ao terminar não houve nem um tipo de reflexão por parte dos telespectadores, que
simplesmente mudaram de canal, como se tudo aquilo que assistiram fosse banal,
afastando-se de qualquer relação com o que foi exibido durante tanto tempo.
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CONCLUSÃO
população, que no filme é retratado por Christof ao querer que Truman não descubra a
verdade e continue lhe garantindo lucros bilionários.
O filme mostra, assim como os filmes relacionados e o mito da caverna, a
maneira de se buscar o conhecimento, eles nos levam até a porta, mostram-nos
maneiras de se quebrar as barreiras da ignorância e ter contato com a verdade, mas
não sabemos o que realmente encontraremos ao sairmos do mundo das sombras, não
sabemos o que encontraremos quando sairmos de nossas cavernas ou quando nos
libertarmos do nosso Show de Truman.
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REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à filosofia. 2ª ed. São Paulo:
Editora Moderna Ltda. 1993.
ASSIS, Machado de. Idéias de Canário. In: Páginas Recolhidas. São Paulo: Editora
Brasileira LTDA, 1962.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12ª ed. São Paulo: Editora Ática. 2002.
NICCOL, Andrew. O Show de Truman – O show da vida, roteiro do filme. 1ª Ed. São
Paulo: Editora Manole Ltda. 1998.
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ORWELL, George. 1984. 29º ed. São Paulo: Editora Nacional. 2003.
FILMES RELACIONADOS
BAY, Michael. A Ilha. Estados Unidos: Warner Home Video, 2005. 126 minutos DVD-
VIDEO. NTSC
RUSNAK, Josef. 13° Andar. Estados Unidos: Sony Pictures 1999. 100 minutos DVD-
VIDEO. NTSC
PROYAS, Alex. Cidade das Sombras. Estados Unidos: Warner Home Video, 2001. 96
minutos DVD-VIDEO. NTSC
WACHOWSKI, Larry. Matrix. Estados Unidos: Warner Home Video, 1999. 136 minutos
DVD-VIDEO. NTSC
CROWE, Cameron. Vanilla Sky. Estados Unidos: Paramount Pictures, 2002. 137
minutos DVD-VIDEO. NTSC
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