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O Show de Truman

O espetáculo de nossas Vidas.


Autor: Rodolfo José Colombari – Bacharel em Comunicação Social com Habilitação para
Publicidade e Propaganda. dorfo_rox@hotmail.com - Orientador: Caio Aguilar Fernandes.

INTRODUÇÃO

O cinema sempre traz filmes que tratam de diversos assuntos e temas, sendo
uma ampla fonte de estudo, de análise e reflexão em cima dos temas abordados. Esses
filmes, quando bem feitos, trazem consigo conceitos interessantes de serem
trabalhados, analisados e discutidos.
O filme O Show de Truman foi escolhido, pois permite analisar de maneira
simples e direta a forma como nós, indivíduos de uma sociedade, somos cercados de
mecanismos que nos guiam por caminhos que, às vezes, não são os que desejaríamos
escolher, e o filme retrata muito bem essas relações entre indivíduo, meios de
manipulação e controle social.
O Show de Truman é um desses filmes que está recheado de conceitos das
mais diversas áreas. O filme traz conceitos religiosos, filosóficos, psicológicos,
sociológicos entre outros, que se bem analisados e estudados, geram uma boa
discussão a respeito, mostrando que mesmo um filme feito para a diversão e o lazer da
maioria das pessoas também pode ser utilizado como meio de estudos e discussões
sobre diversos temas.
A intenção do trabalho é fazer uma comparação entre o mundo do
personagem Truman e o nosso mundo real, mostrando que os mesmos meios que
manipulam sua vida também são amplamente utilizados para manipular as nossas,
prendendo cada um de nós dentro do seu próprio show de Truman.
O primeiro capítulo apresentará uma noção básica do filme. Será analisada a
parte técnica. Há a apresentação do enredo do filme, de seus atores, além de uma
análise das referências com outros filmes que partilham do mesmo tema de O Show de
Truman, como, por exemplo, os filmes Matrix e A Ilha; além da referência com obras
literárias, como um conto de Machado de Assis e o livro 1984, de George Orwell.
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Na segunda parte serão levantados os conceitos que aparecem no filme.


Serão levantadas teorias religiosas que nos trazem a maneira de ver o mundo,
conceitos filosóficos que se encaixam no modo de como o personagem Truman busca
a verdade de seu mundo, podendo ser comparado com um filósofo como Sócrates ou
Descartes, e ainda a comparação com o mito da Caverna de Platão.
A pesquisa foi embasada em textos de livros de autores como Marilena
Chauí, Louis Althusser, Durkhein, Platão, entre outros, e para se estabelecer algumas
comparações foi utilizada a Bíblia, pois o filme traz várias referências a acontecimentos
bíblicos, assim como alguns textos virtuais que trazem informações sobre os filmes que
foram utilizados no presente trabalho.
Ainda no segundo capítulo serão abordados conceitos sobre ideologia e
alienação, amplamente estudados por Karl Marx e a teoria dos Aparelhos Ideológicos
de Estado, que é estudada e analisada por Louis Althusser, e é essa teoria que servirá
de base para análise das cenas do filme no terceiro capítulo.
A função do terceiro capítulo é estudar os meios que fazem com que Truman
não tenha conhecimento do mundo fictício em que vive. Serão analisadas as cenas que
contemplam a teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado, como a escola, família,
meios de comunicação de massa e propaganda ideológica. Será estudado como esses
aparelhos ideológicos atuam para a manutenção do interesse do idealizador do reality
show.
Por fim, no quarto capítulo será analisada a trajetória do nosso personagem
Truman rumo à verdade de seu mundo, assim como os discursos do idealizador do
programa, que nos traz comentários importantes sobre o mundo em que vivemos e os
significados de alguns elementos que aparentemente não fazem sentido nenhum, mas
que se analisados com um pouco mais de atenção são importantíssimos para o
desenvolvimento da história e entendimento do filme.
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1 O FILME

1.1 DIREÇÃO/ATORES

O Show de Truman foi um filme escrito por Andrew Niccol, nascido na Nova
Zelândia. Já havia sido roteirista de um drama de ficção científica e resolvera escrever
O Show de Truman – O Show da Vida, do original inglês “The Truman Show” (1998,
Paramount), só que dessa vez o filme se relacionaria muito mais com o estilo dramático
do que com ficção científica.
Andrew, a respeito do filme, diz: “O que mais me perguntam a respeito do O
Show de Truman é de onde surgiu a idéia de escrevê-lo: é porque suspeito de que esta
seja a realidade.” (NICCOL, 1998, p ix).
Peter Weir, quando procurado por Andrew Niccol, já era um diretor
conhecido, tendo sido indicado ao Oscar com os filmes A Testemunha (1985) e
Sociedade dos Poetas Mortos (1989), e dirigido vários outros filmes. Peter Weir é
conhecido por fazer como que atores de ação e comédia, como Jim Carrey e Robin
Willians, interpretem papéis dramáticos com credibilidade.
Quando recebeu a proposta, o diretor passou cerca de um ano “refinando” o
roteiro, pois o escolhido para ser o protagonista dessa história, Jim Carrey, não estaria
disponível antes desse tempo (WEIR, 1998, p. xi)
James Eugene Carrey, mais conhecido como Jim Carrey, ficou conhecido no
mundo todo por suas atuações em comédias como Ace Ventura (1995), O Máscara
(1994), Débi & Lóide (1994), O Mentiroso (1997) entre outros.
Em 1996, Carrey assina um contrato milionário com a Sony para estrear o
filme O Pentelho, tendo o maior cachê já pago a um ator de comédia. Após maus
resultados com o filme, Carrey resolve mudar seu estilo de interpretação, sendo
chamado para ser o protagonista do filme O Show de Truman.
Demonstrando uma sinceridade não característica, Carrey pegou os cinéfilos
de surpresa, ganhando o Globo de Ouro por sua atuação, mas criticou demais os
membros da Academia de Cinema por não ter sido indicado ao Oscar. Em 1999,
ganhou novamente o Globo de Ouro com o filme O Mundo de Andy.
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Além dos filmes já citados acima, Jim Carrey também teve destaque em
alguns outros filmes como Eu, Eu mesmo e Irene (2000), O Grinch (2000), Cine
Majestic (2001), Todo Poderoso (2003), Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
(2004), quando recebeu muitos elogios da crítica – o ator não recebeu nenhum Oscar,
mas o filme ganhou na categoria de melhor roteiro original – e Número 23 (2007).
(http://www.imdb.com/name/nm0000120/bio, acessado em 14/04/2008)

1.2 ENREDO

O filme trata dos últimos dias de um programa de televisão que foi


apresentado por 29 anos, 24 horas por dia, 7 dias por semana.
No filme, Truman Burbank, vivido por Jim Carrey, foi adotado quando ainda
criança para ser o protagonista de um programa do ambicioso produtor Christof
(interpretado por Ed Harris), onde cresceria em uma ilha chamada Seahaven, um
estúdio visível do espaço, criado justamente para manter Truman “preso” durante sua
vida, sendo o programa visto por todo o mundo. Todos que o cercam são atores, menos
ele.
Truman foi criado por Christof, pois este acreditava que daria ao mundo um
ator de verdade, que fosse espontâneo apesar de viver em um ambiente totalmente
controlado. A primeira idéia de Christof era que o programa durasse apenas o primeiro
ano de Truman, sendo este patrocinado por produtos infantis.
O custo era baixo – existia somente o cenário do quarto do bebê –, mas o
sucesso foi tão grande que novos patrocinadores quiseram aproveitar a oportunidade e
foi se tornando necessária a ampliação dos cenários, passando para a construção de
uma cozinha e, posteriormente, de uma garagem. Os atores também foram sendo
requisitados para a participação do reality show.
O programa foi crescendo tanto até que Christof conseguiu um investimento
que bancasse a construção do mundo fictício para Truman.
Toda história desenrola-se em torno de como Truman vai descobrindo que
mora em um mundo falso e descobrindo maneiras para sair dele. O problema é que
Christof não pode deixar com que a estrela de seu programa saia, acabando com seus
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planos, por isso ele cria várias situações que fazem com que Truman mude de idéia e
permaneça na ilha.
A única maneira que Truman teria para se libertar da ilha seria através do mar
artificial que a cercava. Pensando nessa possibilidade, Christof criara, através dos
anos, situações que incutiram em Truman um imenso pavor de água, como no episódio
em que vê seu pai morrer afogado.
Com o desenrolar da história, Truman foi percebendo algumas situações que
fugiam do normal. A primeira dela foi o contato com uma atriz que participara do Show
quando Truman ainda terminava a faculdade. Para o rapaz, ela seria Lauren Garland,
uma mera figurante do programa. Por várias vezes, porém, eles trocam olhares até que
Truman acaba indo conversar com ela levando-a para a praia, onde a moça começa a
lhe contar a verdade que o cerca, ela revela a ele que seu nome verdadeiro é Sylvia e
não Lauren, diz que todos mentem para ele e que vive em um mundo artificial.
Truman fica confuso, não entende o que realmente Sylvia quer lhe dizer.
Neste momento, chega um homem que diz ser pai de Sylvia, alegando que ela tem um
problema de cabeça e a leva para longe dizendo a Truman que a levará para as Ilhas
Fiji.
Truman, diante da desconfiança de que algo está errado, se torna obcecado
em sair de Seahaven para encontrar Sylvia e poder tirar toda essa história a limpo, além
de outros fatos que fazem com que ele desconfie de toda armação.
Um dia, indo para o trabalho, o rádio do carro entra numa freqüência em que
o “narrador” diz exatamente o caminho que Truman está fazendo como se o
acompanhasse. Logo após isso, Truman, ao tentar entrar em um elevador de um
prédio, percebe que simplesmente não há elevador e que se trata de um cenário.
Olhando o álbum da família, se depara com uma foto do dia em que ele e
Meryl, sua esposa, casaram-se. Ao analisar a fotografia com uma lupa, percebe que ela
cruzara os dedos ao beijá-lo.
Diante da possibilidade de seu reality show acabar e de Truman descobrir
toda verdade a cerca de sua vida, Christof resolve fazer com que o pai de Truman
retorne e, aparentemente, a idéia dá certo. Entretanto, Truman consegue sair para o
mar navegando em um pequeno veleiro arriscando-se entre as ondas.
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Christof, desesperado com a “fuga” de Truman, cria vários artifícios para


impedir que ele saia de Seahaven, cria até uma tempestade que faz com que o barco
de Truman vire, mas o mesmo não desiste da idéia de se ver livre daquele mundo
criado para ele. O diretor então desiste até que a ponta do barco de Truman se choca
contra o cenário, “furando o céu”.
Diante de tal situação, Truman fica perturbado em saber que sempre vivera
em um cenário, de que nada ali era real. Ele então esmurra o falso horizonte que o
prende quando vê uma escada que leva a uma porta e caminha em direção a ela.
Ele abre a porta e lá fora só se vê a escuridão. Quando se prepara para sair
ouve-se a voz de Christof que tenta convencê-lo a ficar no mundo fictício criado
exclusivamente para ele. Truman diz uma frase irônica, faz uma reverência e retira-se.
Na tela, resta a imagem da porta transposta. Em frente à TV, um espectador pergunta a
outro o que era apresentado nos demais canais.

1.3 PRODUÇÃO

O Show de Truman foi filmado em uma cidade real na costa leste da Flórida
chamada Seaside.
Seaside é uma cidade planejada por um arquiteto, casa por casa, com
moradores de verdade que no começo não aceitaram muito bem o fato de que as
filmagens seriam feitas lá. O arquiteto queria um valor absurdo pelo “aluguel” da cidade,
mas depois de muita conversa e negociação foi explicado que o filme seria importante
para a cidade, fazendo com que ele concordasse com as filmagens.
A escolha da cidade foi de extrema importância para o contexto do filme,
talvez sem ela o filme tivesse se tornado menos eficaz num aspecto muito importante
que é a sensação de confinamento vivido por Truman, a idéia de um ambiente
extremamente perfeito e controlado pelos produtores do programa.
A idéia inicial do projeto era construir uma cidade cenográfica ou utilizar uma
que já tivesse as características desejadas pelos diretores e produtores. Essa idéia até
foi iniciada, mas seus gastos com manutenção eram grandes demais e por isso foi
abandonada; esse talvez não tenha sido o fato principal que levou seus produtores a
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abandonar a idéia da cidade cenográfica; essa cidade cenográfica era bem parecida
com a França e em algumas partes também lembrava Manhatan.
Os diretores queriam alguma locação que tivesse várias casas parecidas para
passar a idéia de que se vivia em um local terrivelmente planejado, um planejamento
urbano futurístico e essas características foram encontradas justamente em Seaside.
(WEIR, Peter. O Show de Truman - Edição Especial para Colecionadores.
Estados Unidos: Paramount Pictures, 2006. Making of de O Show de Truman (Parte I)
DVD-VIDEO. NTSC)

1.4 FILMES RELACIONADOS

O que é realidade e o que é ilusão é um tema bastante discutido e é também


um tema bastante usado em filmes. Podemos citar aqui alguns exemplos de filmes que
trazem essa discussão à tona.

A ILHA: Um filme de ficção científica que conta a história do personagem


Lincoln Six-Echo, que é morador de um complexo rigorosamente controlado. Além de
Lincoln, várias outras pessoas também estão confinadas nesse complexo sob a ilusão
de que são os últimos sobreviventes de uma catástrofe que aconteceu com a raça
humana, sonhando em serem escolhidos para irem à Ilha, último paraíso humano
descontaminado.
Na verdade, essas pessoas nada mais são do que clones criados para a
reposição de “peças” para seres humanos que pagam para que aqueles sejam criados.
Lincoln, sabendo que é só uma questão de tempo até que ele também seja usado,
parte para uma ousada fuga em busca de sua liberdade e para que a realidade seja
mostrada ao mundo.

MATRIX: Um filme que retrata a existência de um mundo paralelo onde o


protagonista (Thomas Anderson), um programador de computadores, é atormentado
por pesadelos nos quais se encontra preso por fios que compõem um grande sistema
computacional. A repetição deste sonho o leva a questionar a realidade. Por meio de
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Morpheus (Deus dos Sonhos, na mitologia Grega) e Trinity, integrantes de um grupo de


resistência, Anderson descobre que foi vítima da Matrix, um sistema inteligente que
manipula a mente dos seres humanos, gerando um mundo ilusório enquanto seus
cérebros e corpos são usados para produzir energia.
Morpheus acredita que Thomas é Neo, o salvador da resistência, capaz de
enfrentar a Matrix e trazer a liberdade para a humanidade, mas Neo não acredita que
possa ser o escolhido.
Neo recebe a ajuda de Morpheus que fora designado para tirá-lo da ilusão e
ele tendo idéia do sonho em que vivia poderia livrar-se salvando os últimos seres
humanos habitantes de Zion. Neo, no filme, poderia ser comparado a Jesus Cristo e
vários podem ser os fatos que levam a essa comparação, como o fato de morrer e
ressuscitar da mesma maneira que Jesus ressuscitou após ter morrido pelas mãos dos
romanos ou quando Neo é tentado pelos agentes a trair Morpheus assim como Jesus
foi tentado no deserto, e também o fato de Neo ser o escolhido para salvar os últimos
seres humanos.
Neo quando procurado por Morpheus tem a possibilidade de escolher ver
qual é a realidade que vive, ou continuar na ilusão de achar que tudo aquilo é real, e
Neo, da mesma maneira que Truman resolve buscar a verdade, por mais difícil que
essa possa parecer.

CIDADE DAS SOMBRAS: Em uma cidade em que é sempre noite, John


Murdoch (Rufus Sewell) acorda sozinho em um hotel e descobre que está sendo
perseguido pelo detetive Burnestead (Hurt) por uma série de assassinatos, mas ele não
se lembra de nada do que aconteceu. Além da polícia existem criaturas humanóides
que o perseguem tendo o poder de remodelar a realidade.
Ajudado pelo Dr. Daniel Schreber (Sutherland) que afirma poder ajudá-lo na
busca por sua identidade fazendo com que John perceba que as coisas não são como
parecem ser.
O filme retrata, de maneira metafórica, a escuridão em que a sociedade se
encontra, ninguém vê uma luz para salvá-los de forças estranhas, ou de situações das
quais o personagem principal não concorda ou não entende. O personagem chega a
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dizer que estão todos dormindo, estão todos de olhos fechados, não percebendo o que
acontece a nossa volta, a fome, a miséria, a corrupção, a violência, a manipulação de
informação, a falta de educação, são todos assuntos para os quais a maioria das
pessoas estão vendadas.

VANILLA SKY: Em Nova York são narrados em flashback fatos angustiantes


da vida de David Aames (Tom Cruise), um jovem empresário que é dono de um império
editorial. David tem sua vida modificada quando conhece Sofia Serrano (Penélope
Cruz), uma bela jovem por quem se apaixona. Tal relacionamento desperta ciúmes em
Julie Gianni (Cameron Diaz), uma "amizade colorida" de Davis, que quer muito mais do
que mero envolvimento sexual com ele.
Um dia, após sair da casa de Sofia, David encontra Julie, que usando o
pretexto de querer conversar com ele o convence a entrar no carro dela. Em um ímpeto
de loucura, e cega por se sentir preterida, ela lança o carro por cima de um viaduto. Ela
não resiste ao impacto e morre. David sobrevive, mas fica com o rosto bem desfigurado
e entra em coma, ficando neste estado por três semanas. Ao se ver, David fica
traumatizado e oferece qualquer quantia para reconstruírem seu rosto. Repentinamente
realidade e fantasia se confundem de forma assustadora.

O 13º ANDAR: Douglas Hall e seu sócio, Hannon Fuller, dois pesquisadores
da área de informática, estão prestes a colher resultados positivos em seu último
projeto: desenvolver um mundo simulado utilizando realidade virtual. Porém, Fuller é
misteriosamente assassinado, antes de passar informações importantes sobre o projeto
para Douglas, que agora é o principal suspeito de ter efetuado o crime. Desorientado e
em busca da verdade em torno dos acontecimentos, Douglas decide por entrar no
mundo simulado para investigar a morte de Fuller.
Esse filme nos faz pensar em quem seria o arquiteto, ou o programador do
nosso mundo? Quem estaria controlando nossas mentes e atitudes, ou simplesmente
nos observando a todo o momento? Estaríamos fazendo parte de um mundo imaginário
criado dentro de outros mundos?
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Em O Show de Truman sabemos que o controlador de todo o mundo fictício é


Christof e que Truman vai à luta para buscar a verdade, da mesma maneira que
Douglas Hall busca no filme, e isso nos mostra que precisamos buscar a nossa
verdade, buscarmos o entendimento do nosso mundo e para onde esse conhecimento
nos levará.

1.5 A RELAÇÃO ENTRE OS FILMES

Os filmes citados têm uma grande ligação com O Show de Truman sob o
aspecto de que todos os personagens principais, Truman, Lincoln, Neo, John Murdoch,
David Aames, Douglas Hall vivem em um mundo controlado por forças maiores,
podendo essas forças serem exercidas através dos meios sociais, ou através da
realidade virtual ou o controle de corporações privadas, não tendo eles qualquer
conhecimento da manipulação que sofrem, são meros objetos de um grande esquema.
Começam então a questionar o mundo em que vivem buscando pela verdade
descobrindo aos poucos o mundo manipulado que os rodeiam, ou como diriam os
filósofos: começam a ter a atitude científica de questionar o mundo ao seu redor,
deixando de acreditar no senso comum, nas opiniões já cristalizadas.
Os filmes questionam a relação do homem com a sociedade em que vivem, a
sua capacidade de interpretar de modo coerente e investigativo os fatos que os
rodeiam, cada personagem descobre a verdade de um modo diferente, por meios
diferentes e por razões diferentes, mas todo em busca da verdade do mundo em que
vivem. Colocam a difícil percepção do que é real e o que é imaginário, a distinção do
que é realidade e o que é sonho.

1.6 LITERATURA

Não é só o cinema que traz a tona às questões de manipulação, da visão


conturbada que o mundo, ou os indivíduos, têm a respeito deles mesmos e de
maneiras, mesmo que metafóricas, de se quebrar as barreiras que nos cercam em
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busca da verdade. A Literatura também traz estas questões em muitas obras de autores
importantes.
Podemos citar Machado de Assis como o grande representante do Realismo
no Brasil. Machado captou na sociedade os grandes temas de suas obras, buscava
sempre através do psicologismo, do tom irônico, às vezes até pessimista, a reflexão
filosófica, o dualismo essência e aparência, o caráter relativo da moral humana, os
costumes e as máscaras sociais de seu tempo, os impulsos interiores, a normalidade e
a loucura, tratando em seus romances de temas universais, que poderiam facilmente
ser transportados para qualquer tempo e qualquer tipo de sociedade.
Existe um conto Machadiano que retrata bem a visão limitada que temos do
mundo que nos rodeia; chama-se Idéias de Canário (1899).
Conta a história de um rapaz, estudioso de ornitologia, que ia por uma rua
quando que quase atropelado foi parar em uma casa de Belchior (local que vende
objetos usados) e que entre muitas coisas velhas que havia ali ele acaba por encontrar,
em meio a tantas coisas velhas, uma gaiola velha com um canário vivo. Achando
estranho aquele resquício de vida que encontrara ali ele se aproxima da gaiola
murmurando para si mesmo como que alguém tivera a coragem de vender aquele
pássaro por uns poucos trocados. Sem menos esperar, o canário responde ao rapaz,
dizendo que ele está louco, que ele não possuíra nenhum dono e que também não fora
vendido.
Espantado, o rapaz começa a argumentar com o pássaro, tentando entender
como é que ele foi parar ali, quem era seu dono. O canário continua irredutível
afirmando que nunca tivera dono e que o velho que cuidava dos objetos da Casa de
Belchior nada mais era do que seu criado, pois lhe dava comida e água todos os dias e
que não cobrava por esses serviços.
O rapaz, pasmo diante de tais respostas, pergunta-lhe se ele não tinha
saudades do mundo, da liberdade, do azul e infinito e pergunta-lhe o que pensas deste
mundo, e o canário com um ar de professor responde: “- O Mundo (...), o Mundo é uma
loja de Belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um
prego; o canário é o senhor da gaiola que habita e da loja que habita. Fora daí, tudo é
ilusão e mentira.”
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O velho, dono da Casa de Belchior, acorda e vai falar com o rapaz que decide
então levar o pássaro mandando posteriormente, um de seus empregados comprar-lhe
uma gaiola maior ordenando que a pusesse na varanda de sua casa, onde o canário
pudesse ver todo o jardim.
Três semanas depois o rapaz pediu ao canário que repetisse a definição de
mundo e o canário então respondeu: “- O Mundo (...), é um jardim assaz largo com
repuxo no meio, flores, arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima;
o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o
resto. Tudo o mais é ilusão e mentira.”
O rapaz, depois de muito estudar o pássaro, acaba ficando doente sendo
obrigado a se afastar dos seus estudos com o canário. Seu criado continuava cuidando
do canário até que um dia o canário fugiu. O rapaz, dono do canário, ficou furioso mas
logo passou sua raiva e ele pôde terminar seus trabalhos sobre o canário, mesmo que
ainda incompletos.
Um dia, andando pelas redondezas ele avista o pássaro em um galho de uma
árvore e vai conversar com ele, convidando-o a voltar às velhas conversas naquele
mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circular quando o
canário o interrompe dizendo: “- Que Mundo? (...). O Mundo é um espaço infinito e azul
com o sol por cima.”
O rapaz então lhe diz que ele acha que o mundo é tudo, até já fora uma Casa
de Belchior, e o canário finaliza: “-De Belchior? Mas há mesmo lojas de Belchior?”
Podemos perceber com esse conto, que cada um tem uma percepção
diferente de mundo e como essa percepção muda de acordo com as circunstâncias em
que nos encontramos; às vezes estamos tão tomados por uma certa situação que não
conseguimos entendê-la corretamente, mas depois de passado algum tempo
conseguimos perceber todos os fatos que nos cercavam.
Para Truman tudo aquilo era o seu mundo, mas o seu ponto de vista vai
mudando no decorrer do filme, ele vai se libertando de sua gaiola, descobrindo novos
horizontes e abandonando velhas idéias.
Outro livro que nos coloca essa noção do que é realmente liberdade, se
somos livres ou não e da percepção dos fatos que nos rodeiam é o 1984 de George
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Orwell que foi publicado em 1948. Orwell escreveu esse livro após a segunda guerra
mundial, em uma época em que havia sinais de que o mundo partiria para um rumo
extremamente totalitário, como eram os regimes fascistas de Stálin e Hitler.
O livro descreve uma sociedade totalmente manipulada, em que o Estado é
onipresente, com a capacidade de alterar os fatos, o idioma, de oprimir e torturar o povo
com o objetivo de manter sua estrutura inabalada, existem forças que dominam todos
os atos da população, por meio da propaganda ideológica do partido do Grande Irmão,
existe a polícia do pensamento que como o próprio nome já diz, controla o pensamento
de todos, sabendo de qualquer tipo de oposição ao regime implantado.
O Grande Irmão domina a todos pela mentira e pelo medo, que domina o
espírito da população, assim como Truman é dominado pelos apelos de Christof. Há
também o Ministério da Verdade, onde os fatos são modificados em relativas ou relatos
falsos, escondendo a verdade da população, e como se os fatos anteriores nunca
tivessem existido.
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2. CONCEITOS POR TRÁS DE “O SHOW DE TRUMAN”

Para que possamos entender por quais meios de manipulação o personagem


Truman passa é importante que seja levantado alguns conceitos que nos esclareçam
essas formas de dominação, que expliquem suas origens e que para mais tarde
possamos detectá-las no filme.

2.1 CONCEITO RELIGIOSO

Existe no budismo uma teoria que explica a diferença entre os sábios e os


ignorantes: O Véu de Maia e a incapacidade de se enxergar através dele. De acordo
com essa filosofia tudo o que é concreto pertence à Maia e acaba quando morremos e
o que levamos conosco são apenas as experiências vividas e o conhecimento adquirido
nesta vida, sendo esse conhecimento e experiências não pertencentes à Maia.
Esse véu nos mantém adormecidos em um mundo ilusório onde valorizamos
somente o concreto, o que o senso comum aprova como sendo o correto e o sábio em
algum momento consegue romper com esse véu reconhecendo qual a verdadeira
natureza da existência despertando do seu estado de dormência.
(www.casadaindia.art.br/aldeia.asp?codAldeia=49, acessado em 25/07/2008).
Também existe uma passagem da bíblia que conta a história de um homem
de nome Saulo que perseguia os cristãos e os matava. Saulo, sabendo que em uma
cidade chamada Damasco existiam muitos cristãos, resolve viajar até lá para capturá-
los.
Estava a caminho e já próximo de Damasco quando se sentiu fortemente
envolvido por uma luz e caindo ouviu uma voz que dizia: “Saulo, porque me
persegues?”. Saulo sem saber o que estava acontecendo pergunta: “Quem és tu?”.
Jesus responde: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Ergue-te, entra na cidade e te
dirão o que fazer”. Saulo levanta-se e é ajudado por seus companheiros, chegando na
cidade fica três dias sem ver, sem comer e sem beber. Em Damasco havia um
discípulo de Jesus, Ananias, que recebe um pedido diretamente do próprio Jesus. Fora
pedido a ele que fosse até a casa de Judas e que encontrasse Saulo que estaria
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rezando. Ananias não concordou com o fato de Jesus querer salvar um homem que
estava ali para prender os que seguiam sua palavra, mas depois da explicação que
Jesus lhe dera ele concordou.
Jesus lhe disse que ajudasse o homem, pois ele era instrumento para levar
seu nome para os pagãos, tendo que sofrer em seu nome, pois Jesus lhe mostraria o
caminho lhe devolvendo a visão. Ananias fez o que lhe fora pedido. Chegando à casa
de Judas encontrou Saulo e disse que o próprio Jesus tinha o enviado para que ele lhe
recobrasse a visão. Nesse instante caíram dos olhos de Saulo as escamas que lhe
tampavam a visão. (BÍBLIA. Atos dos Apóstolos 9:1. p. 1624)
Para o catolicismo só há salvação na palavra de Jesus Cristo, pois só em sua
palavra se encontra a verdade. Podemos entender que as escamas que cobriam os
olhos de Saulo o impediam de ver o mundo, de ver qual era a verdade, pois ele
perseguia os cristãos. O que Jesus fez foi retirar as escamas de seus olhos fazendo
com que ele pudesse ter contato com a verdade, ou seja, sua palavra e seguí-la como
forma de libertação de um mundo cego.

2.2 CONCEITOS FILOSÓFICOS

Para falarmos sobre verdade e a busca dela vamos recorrer a um texto


escrito por Platão (428/27–347 a.C.) em seu livro A República (séc IV a.C).
Trata-se de um diálogo metafórico onde Sócrates, e seus interlocutores
Glauco e Adimato, conversam a respeito do processo da busca do conhecimento em
que Sócrates mostra a visão do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, que
vive em busca da verdade.
Sócrates pede para que Glauco imagine uma caverna com uma abertura por
onde passa um feixe de luz e no interior dessa caverna existem seres humanos que
nasceram e cresceram ali. Estes seres humanos ficam de costas para o feixe de luz
sem poder se mover sendo forçadas a olhar para o fundo da caverna onde são
projetadas sombras. Os prisioneiros julgam ser estas sombras a realidade, mas quando
um desses seres humanos consegue se desvencilhar dos grilhões que o prendiam e
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com muito esforço sai da caverna percebe que existe um mundo bem maior lá fora.
(PLATÃO. p. 261 – 300)
As teorias sobre alienação e ideologia fazem-nos pensar que vivemos em
uma sociedade totalmente manipulada por interesses políticos e econômicos e vemos
que é difícil fazer com que as pessoas tomem a atitude de desvendar e de buscar uma
realidade mais abrangente assim como fez o personagem do mito da caverna que
conseguiu sair daquela realidade. Essa atitude de “sair da caverna” pode ser
comparada com o conhecimento filosófico e a nossa capacidade de sair do senso
comum como forma de superação da ignorância, pode ser encarada como a passagem
do senso comum para o conhecimento filosófico.
Essa dificuldade de conhecer a verdade, de sair da caverna como disse
Sócrates, foi objeto de estudo de dois filósofos, um foi o próprio Sócrates e outro
Descartes. Os dois, por motivos diferentes e utilizando métodos diferentes
desconfiaram do Dogmatismo, que é uma atitude natural e espontânea que já temos
desde que somos crianças e são essas crenças que nos mantêm no senso comum.
Esse senso comum possui algumas características próprias que nos fazem
acreditar no mundo já dado, já feito, já transformado, nos afastando da consciência de
que somos parte desse mundo. O senso comum: é subjetivo, pois exprime sentimentos
e opiniões variadas de pessoas ou grupos sociais, cada um percebe o mundo como lhe
convém; é qualitativo ao percebermos as coisas grandes ou pequenas, quentes ou
frias, etc; é heterogêneo pois percebemos os fatos diferentes entre si porque assim os
interpretamos; não se surpreende com a regularidade, a constância, a repetição e a
admiração e espanto é dirigido ao que é imaginado como único, extraordinário; trata a
atitude científica como magia, como misterioso, oculto e incompreensível e por essas
características é que cristalizamos preconceitos e passamos a interpretar os fatos
ocorridos.
Francis Bacon elaborou uma teoria conhecida como crítica dos ídolos em que
ele afirma que existem quatro tipos de ídolos ou imagens que formam as opiniões da
sociedade, cristalizando-as e impedindo o conhecimento da verdade, são eles: os
ídolos da caverna, os ídolos do fórum, os ídolos do teatro e os ídolos da tribo.
24

Ídolos da Caverna são as opiniões que se formam através dos erros


cometidos por nossos órgãos dos sentidos assim como os humanos presos na caverna
eram “enganados” por sua visão ao acreditar que o que viam era exatamente a
realidade; podemos acreditar que o Sol é menor do que a Terra pelo simples fato de vê-
lo pequeno no céu todos os dias, ou achar que onde há fumaça há fogo. Esse tipo de
opinião pode ser facilmente modificado através do nosso intelecto.
Ídolos do Fórum são as opiniões que são formadas através da linguagem,
através do que nos é dito como verdadeiro, podem ser entendidas como as lendas, os
costumes que nos são passadas de geração em geração, as idéias de como o mundo
foi criado, etc. São opiniões difíceis de se vencer, mas ainda sim são facilmente
modificadas através do intelecto.
Ídolos do Teatro são as opiniões em nós cristalizadas através das leis e
decretos formados pelas autoridades transformadas em leis inquestionáveis podendo
ser mudadas somente com uma transformação social e política.
Ídolos da Tribo são as opiniões formadas em decorrência da própria natureza
humana e são próprias dessa mesma, só podem ser mudadas se houver uma mudança
da própria natureza humana.

2.3 CONCEITOS SOCIOLÓGICOS

Karl Marx (1818 – 1883) interessou-se por um estudo desenvolvido por um


filósofo, Feuerbach, que investigava a necessidade humana de buscar respostas para a
origem e finalidade do mundo, de onde teria se originado a religião. Nessa busca,
Feuerbach descobre que os humanos “inventam” um ser dotado de várias qualidades e
que pouco a pouco vão se esquecendo de que foram eles próprios quem criaram a
divindade, passando a temê-lo, a adorá-lo e a cultuá-lo, não se reconhecendo neste
“outro” que criaram.
“Outro” em latin diz-se alienus, dando origem ao termo hoje utilizado:
Alienação, onde os seres humanos não se reconhecem como agentes sociais,
históricos e culturais submetendo-se às condições impostas como se elas tivessem vida
25

própria, como se tivesse sido sempre daquela maneira como é mostrado. (CHAUÍ, 2000
p. 170)
Já Émile Durkheim em sua obra “As regras do método sociológico” (1895)
formulou os acontecimentos em que os sociólogos deveriam se debruçar e chamou-os
de fatos sociais e dividindo-os em três características que explicam os fatores, externos
aos indivíduos, que causam essa separação do sujeito para com a sociedade.
A primeira característica levantada por Durkheim é a Coerção Social que é a
força exercida sobre os indivíduos, levando-os a conformar-se com as regras impostas,
não dependendo da sua vontade, é a cultura de um determinado povo e que o indivíduo
está exposto, o idioma, as crenças e o seu grau de coerção se torna evidente de acordo
com as sanções aplicadas ao indivíduo quando este tenta rebelar-se. Elas podem ser
legais no que diz respeito às leis que regem uma determinada sociedade e podem ser
espontâneas no que diz respeito aos costumes, quando um indivíduo vai contra a
estrutura social em que está inserido. Sobre isso Durkhein diz:

Se sou industrial, nada me proíbe de trabalhar utilizando processos e


técnicas do século passado; mas se o fizer, terei a ruína como resultado
inevitável. (DURKHEIN, 1963, p 3)

A segunda característica é que os fatos sociais existem independentemente


da vontade do indivíduo ou da sua adesão consciente, ou seja, são exteriores aos
indivíduos porque existem antes mesmo do nascimento das pessoas e são impostos
através da coerção social.
A terceira característica é a generalidade, ou seja, todo fato social é geral e
se repete em todos os indivíduos ou em boa parte deles. (COSTA, 1987, p. 51-52)
Marx investigou, dentre outras, a alienação social e para isso verificou que
qualquer sociedade existe a partir da divisão social do trabalho e a partir dessa divisão
organizam-se todas as outras instituições sociais como a família, o comércio, o trabalho
servil, o estado, a religião, dentre outras. É partindo da teoria marxista sobre alienação
que desenvolveremos o trabalho de agora em diante.
Marx deu origem à sua teoria da alienação questionando a relação do homem
com o trabalho e as formas que este assumiu no processo histórico. Ao contrário de
Hegel, que concebia o trabalho apenas no seu aspecto libertador e criador, Marx o
26

situou historicamente e questionou como se desenvolve o trabalho no modo de


produção capitalista:

O trabalhador é relacionado com o produto de seu trabalho como um


objeto estranho. O objeto que ele produz não pertence a ele, domina-o,
e só serve, a longo prazo, para aumentar a sua pobreza. A alienação
surge não só no resultado, mas também na produção e na própria
atividade produtiva. O meio para satisfazer outras necessidades. É uma
atividade dirigida contra ele próprio, independente dele e que não lhe
pertence. (MARX, ENGELS, apud NOGUEIRA, p. 2, 1988)

Podemos citar três tipos de alienação segundo Marilena Chauí:

A Alienação Social: onde a sociedade é o outro (alienus), onde os humanos


não se reconhecem como produtores das instituições sóciopolíticas que o governam e
podem, a respeito disso, tomar duas atitudes: a atitude dogmática, que é uma atitude
muito natural e espontânea que temos, que trazemos desde criança, que acredita que o
mundo é exatamente tal como o percebemos, que tudo o que existe é natural, divino ou
racional e há os que se rebelam individualmente acreditando que podem mais do que
a realidade que os condiciona.

A Alienação Econômica: onde o trabalho é o outro. Os produtores não se


reconhecem como produtores e não se reconhecem no objeto produzido, vendem seu
trabalho aos proprietários do capital transformando-se em mercadorias e como toda
mercadoria recebem um preço: o salário; não percebem, no entanto, que foram
desumanizados e coisificados:

A produção produz o homem não apenas como uma mercadoria, como


mercadoria homem, como homem em função da mercadoria, mas que o
produz, além do mais, de acordo com esta determinação, como um ser
desumanizado tanto física como espiritualmente (. . .) Seu produto é a
mercadoria com consciência de si mesma e com atividade própria (. . .)
a mercadoria humana.

A Alienação Intelectual: que é a alienação resultante da separação social do


trabalho material e do trabalho intelectual onde os autores das idéias acreditam que
elas são universais, se esquecem que são idéias criadas por eles, acreditam nelas
como se sempre tivessem existido e passam a acreditar que as idéias se produzem
27

umas às outras. Nesse caso as idéias são o outro, tornando-se separadas de seus
autores. (CHAUÍ, 2000, p. 172 - 173)
Falando em alienação não podemos deixar de lado o conceito de Ideologia
que coloca tudo isso em prática, segundo Althusser a “representação da relação
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência” (ALTHUSSER, 1963
p. 85)
A expressão ideologia, criada por Cabanis e Destutt de Tracy em 1801 tinha
nos seus primórdios o sentido genérico de teoria das idéias e 50 anos mais tarde Marx
reformularia essa teoria dando um outro sentido a ela, como afirma Louis Althusser: “A
ideologia é um sistema de idéias, de representações que domina o espírito de um
homem ou de um grupo social” (ALTHUSSER, 1963, p. 81).
O “espírito” a que Marx se refere pode ser interpretado como o senso comum
social que é “moldado” através de teorias e crenças desenvolvidas por pensadores
intelectuais da sociedade, geralmente da classe dominante, onde explicam o mundo a
partir do ponto de vista de sua classe tendo sempre o mesmo objetivo: as relações de
exploração capitalistas.
A ideologia é o sonho, a ilusão onde toda a realidade existente está fora
dela, sua função principal é ocultar e dissimular divisões sociais e políticas, fazendo-nos
acreditar que as condições em que vivemos são naturais, normais e justas, impedindo-
nos de agir para que algo seja mudado. Ela assegura que todos entendam a realidade
e aprendam a se portar diante dela.
A ideologia age de diversas formas e Althusser as classifica como “Aparelhos
Ideológicos de Estado” onde faz uma crítica à teoria funcional das instituições e uma
reflexão sobre os mecanismos de sujeição. Vários são os “aparelhos ideológicos”
citados por Althusser como: o aparelho escolar, o aparelho religioso, o aparelho
familiar, o aparelho político, o aparelho sindical, o aparelho de informações, etc.
(ALTHUSSER, 1963, p.75).
28

2.4 LOUIS ALTHUSSER – APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO (AIE)

Althusser formulou sua teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado tendo


como base a teoria marxista de estado. Vejamos o que Althusser nos coloca acerca da
concepção marxista de estado:

(...) o Estado é explicitamente concebido como um aparelho repressivo.


O Estado é uma “máquina“ de repressão que permite às classes
dominantes (no séc. XIX à classe burguesa e à “classe” dos grandes
latifundiários) assegurar a sua dominação sobre a classe operária, para
submetê-la ao processo de extorsão da mais-valia (quer dizer, à
exploração capitalista). (ALTHUSSER, 1963, p.62)

Depois de estudada essa concepção de Estado, Althusser propõe uma teoria


correspondente que ele acredita não ter sido tão explorada pelos clássicos marxistas, e
ele ainda afirma que Gramsci foi o único que avançou nesse caminho, mas não
sistematizou as instituições da Sociedade Civil como: a Igreja, as Escolas, os
Sindicatos, etc, e são essas instituições que são chamadas por Althusser de AIE.
Para conceituarmos os AIE é necessário distinguí-lo dos Aparelhos
Repressivos de Estado (ARE). O ARE é formado pela política, os tribunais, as prisões,
o exército, o Chefe de Estado, o Governo e a Administração. Esse aparelho funciona
através da violência, funcionando predominantemente através da repressão (física) e
posteriormente é utilizada a ideologia.
Já sobre os AIE Althusser diz:

Designamos por AIE um certo número de realidades que se


apresentam ao observador imediato sob forma de instituições distintas
e especializadas. (ALTHUSSER, 1963, p.68)

Todos os AIE concorrem para o mesmo fim: a reprodução das relações de


produção, ou seja, relações de exploração capitalistas, cada um na maneira que lhe é
própria. Diante disso podemos considerar as seguintes Instituições como parte do AIE:
AIE Religioso (O sistema de diferentes Igrejas): Foi no período Pré-Capitalista
o aparelho ideológico de estado dominante, pois reunia tanto as funções religiosas
quanto as escolares, de informação e de cultura. Após a revolução Francesa e o
29

nascimento da burguesa capitalista-comercial os AIE religiosos foram parcialmente


quebrados dando origem à outros AIE que veremos mais para frente.
AIE Escolar (O sistema de várias escolas, públicas ou privadas): A Escola,
após a Revolução Francesa, substitui o antigo aparelho ideológico de estado (A Igreja)
em suas funções, participando efetivamente da formação cultural e intelectual dos
cidadãos.
AIE Familiar: Tem fundamental importância na criação dos indivíduos, está
ligado diretamente ao AIE Escolar.
AIE de Informação: É o conjunto dos meios de comunicação que nos mantém
“informados” do que acontece no mundo ao nosso redor. É a imprensa em geral, o
rádio, a televisão, jornal, etc.
Além desses AIE também podemos citar o AIE Jurídico, Político, Sindical,
Cultural, mas esses não tomam grande importância no contexto do filme.
30

3. A “CAVERNA” DE TRUMAN

Agora que já estudamos as teorias sobre os meios de manipulação, alienação


e ideologia vamos contextualizá-las ao filme, perceber como elas aparecem e qual a
função que exercem na vida do personagem Truman Burbank, como ele é cercado por
interesses, no caso, econômicos, e as maneiras que ele utiliza para se desvencilhar das
“armadilhas” impostas pelas pessoas que o controlam para a manutenção de seus
interesses em cima do astro de televisão.
Vamos observar os Aparelhos Ideológicos de Estado, citados por Althusser
(1963), e observar como eles se expressam no filme. Observaremos também o poder
dos meios de comunicação e como as propagandas influenciam ideologicamente a vida
das pessoas, no caso do filme, o personagem Truman.
De um modo geral analisaremos os meio que mantêm o personagem Truman
preso ao seu mundo “imaginário”, ou o mantém longe de descobrir sua real função
naquele mundo estritamente manipulado por Christof, acreditando no senso comum de
que tudo que está a sua volta é real e imutável, passando pelo início de sua
desconfiança de que algo poderia estar errado com o seu mundo e por fim a tomada
de consciência de analisar os fatos que o rodeiam e contestá-los como uma forma de
“libertação”.

3.1 TRUMAN NA ESCOLA (01h: 04m: 07s)

Christof está dando uma entrevista a um programa de televisão e começa a


falar sobre o fato de Truman querer ser um explorador desde criança, e que ele fora
obrigado a criar situações que mantivessem Truman na ilha. Dentre a seqüência de
31

imagens que é apresentada, uma delas é a cena da escola em que Truman se levanta,
provavelmente depois de lhe ser perguntado pela professora o que ele queria ser
quando crescer, ele responde que gostaria de ser um explorador, como o grande
Magalhães. A professora com um ar de superioridade e com a clara intenção de
desmotivá-lo, puxa um mapa mundi diz a Truman que ele chegou tarde, e que não há
mais nada a se descobrir.
Passamos em média entre onze a doze anos na escola, cinco dias por
semana, de cinco a seis horas por dia. Todo esse tempo serve para que possamos
aprender as ciências humanas, exatas e biológicas, serve para aprendermos a nos
relacionar com outras pessoas, aprender a viver em sociedade, compartilhar
experiências, aprender as leis morais e éticas que regem nossa sociedade, para
sairmos “prontos” para o mercado competitivo, que como o próprio nome já diz nos
tratará como produtos, mas talvez o papel mais importante que a escola exerce, é o de
tentar formar cidadãos mais críticos, cientes do mundo em que vivem, com a
capacidade de interpretar os fatos cotidianos com o mínimo de senso crítico, formar
cidadãos que debatam, que discutam os problemas referentes à fome, da falta de
educação, política, religião e outros assuntos que nos cercam e que são importantes
para nossa compreensão do mundo. Em síntese, a escola serve para formar cidadãos.
Tudo isso, teoricamente teria que funcionar, mas o que vemos no dia a dia
não traduz o papel que a escola deveria exercer. Todos os dias crianças passam pela
mesma situação que o personagem Truman passou na cena descrita acima, de que o
mundo já está pronto e que elas nada podem fazer para mudar essa situação, podemos
perceber que seus desejos são suprimidos por palavras de ordem ou por
ridicularizações, o individualismo não tem espaço para o coletivismo que modela a
todos para um mesmo fim: assegurar a reprodução das relações de trabalho, nesse
caso o coletivismo se vira para fins pouco humanos.
A Escola não nos forma para que sejamos cidadãos críticos, questionadores
da exploração capitalista em que vivemos ou viveremos quando fora dela estivermos. A
Escola nos forma, para o “mercado de trabalho”, pois lá seremos mais um produto em
meio a uma multidão de outros produtos concorrentes; ela nos forma para o que o
32

mercado necessita, ou seja, a “mão de obra”, querem apenas a mão, não querem a
“cabeça de obra”, não os interessa o ser pensante.
Desde pequenos somos bombardeados pela ideologia escolar, já começamos
a nos acostumar com a estrutura escolar moldada de modo hierárquico que reproduz as
relações autoritárias existentes fora dela, somos doutrinados por forças simbólicas que
nos forçam a pensar e agir de determinada forma que atendam as necessidades da
classe dominante.

É pela aprendizagem de alguns saberes contidos na inculcação maciça


da ideologia da classe dominante que, em grande parte, são
reproduzidas as relações de produção de uma formação capitalista, ou
seja, as relações entre exploradores e explorados. (ALTHUSSER, 1963.
p. 80)

Durante a Idade Média e o sistema feudal, a Igreja exercia o papel de AIE


dominante, pois era ela quem determinava as regras da sociedade, a educação, os
costumes todos giravam em torno do poder da Igreja, era ela quem assegurava os
interesses da classe dominante e podemos perceber isso em um momento em que a
Igreja pregava aos seus fiéis que a pessoa que era servo nunca poderia ser um rei ou
um nobre porque era da vontade de Deus ela já ter nascido “pobre”, isso garantiria a
estamentação da sociedade, evitando que os servos se rebelassem contra seus
senhores.
Com o passar do tempo, com as revoluções industriais e as formações
capitalistas, a Escola assumiu o papel de AIE dominante, a fim de garantir mais uma
vez os interesses burgueses, da classe dominante, em que é necessária para a
manutenção do sistema capitalista, a reprodução da mão de obra “alienada” e a escola
exerce esse papel.
Ela se encarrega das crianças do todas as classes sociais, inculcando-lhes
valores durante anos e principalmente durante os anos em que a criança é mais
vulnerável, espremida entre a escola e a família. São os saberes contidos na ideologia
dominante (o cálculo, a história, a literatura) ou simplesmente a ideologia em estado
puro (a filosofia, a moral, a ética). (ALTHUSSER, 1963, p. 79)
33

Aos 16 anos essas crianças, já preparadas, estão disponíveis para o mercado


de trabalho, caminhando para os cargos pequenos; uma última parcela chega ao fim do
percurso indo ocupar os cargos médios, dentro do sistema capitalista, por sua maior
formação intelectual.
É claro que cada grupo social dispõe da ideologia que deve exercer na
sociedade, cabendo à escola formar as diferentes personas (nome dado às máscaras
usadas por atores do teatro antigo na representação de seus diferentes papéis na
sociedade), para suprir a necessidade do mercado, cada um exercendo sua função, no
papel de explorado ou de agente explorador.
Os mecanismos que produzem esse resultado vital para o regime capitalista
são na maioria das vezes disfarçados e dissimulados como aconteceu no filme. A
professora ao tomar a atitude de ridicularizar a profissão escolhida por Truman garantiu
que a partir daquele momento ele começasse a refletir sobre essa escolha e renegá-la
por medo de outras repressões ou ridicularizações.
O filme em si retrata de maneira bem sutil e quase imperceptível essa relação
entre escola e sociedade já que não é a sua intenção aprofundar-se nessas questões,
mas é preciso que fique claro toda a estrutura que há por trás desse mecanismo
ideológico.
Truman aos 7 anos estava ainda formando sua personalidade e já possuía a
vontade de se libertar do mundo em que vivia, de ser um explorador mas se essa
vontade se desenvolvesse seria complicado mantê-lo preso à ilha por muito tempo, logo
que crescesse não mediria esforços para conhecer o mundo o que destruiria totalmente
os planos do idealizador do Reality Show, Christopher.
O mecanismo utilizado para “podar” essa vontade de Truman foi justamente a
sua ridicularização, e essa ridicularização fez com que ele se sentisse envergonhado
perante o seu desejo de ser explorador levando-o a expulsar o desejo de sua
consciência assim como afirma a teoria psicanalítica de Sigmund Freud.
Podemos então concluir que num primeiro momento a escola foi eficaz no
sentido de reprimir os desejos de libertação ou metaforicamente da tomada de
consciência do personagem.
34

3.2 TRUMAN E A PROPAGANDA IDEOLÓGICA NOS MEIOS DE


COMUNICAÇÃO DE MASSA.

Vamos analisar nesta parte do trabalho como os meios de comunicação de


massa e a propaganda ideológica influenciam Truman. Os dois são partes de um
mesmo todo e servem de base um para o outro, a propaganda ideológica necessita dos
meios de comunicação de massa para divulgar suas idéias e os meios de comunicação
de massa necessitam do capital investido pela propaganda para sobreviver. Esse
conjunto, para Althusser, é o que constitui o Aparelho Ideológico de Estado de
Informação. Vamos a um primeiro momento analisar o papel da propaganda.
É indiscutível que em um mundo capitalista, em que é cada vez mais
necessário vender produtos, criar novos produtos para serem consumidos, criar novos
desejos de consumo na população, a publicidade e propaganda exerça um papel
fundamental nessas relações de consumo que sustentam esse sistema, em que as
pessoas se preocupam mais com o ter do que com o ser, em que cada vez mais temos
que passar ao mundo uma imagem, que às vezes não temos, e que queremos ter
somente para sermos aceitos perante as regras estabelecidas por esse sistema.
A propaganda tem como objetivo principal vender uma idéia ou produto,
utilizando-se da persuasão para alcançar seus objetivos. Ela vende seu produto ou
serviço ou ainda uma idéia apoiada em três necessidades:
o A necessidade de difundir determinada marca ou produto tornando-a
reconhecida;
o A necessidade de persuadir o consumidor, o fazendo acreditar que aquele
produto é a melhor opção para suas necessidades, despertando assim o desejo de ter
determinado produto;
o A necessidade de motivar o consumidor a efetuar a compra.

A todo o momento somos bombardeados por informações que nos levam


sempre a comprar mais e mais sem perceber que essas informações estão carregadas
de conceitos que vão construindo na sociedade uma série de modelos de
comportamento social, assim como vemos, por exemplo, em anúncios de produtos
35

alimentícios feitos por famílias unidas e sorridentes, brancas e de classe média;


produtos de limpeza sempre anunciados por mulheres colocando-as sempre como
donas de casa que se preocupam com o bem estar da família; as empregadas quase
sempre negras exteriorizando o preconceito podre que ainda existe em nossa
sociedade escondida atrás de uma ideologia hipócrita de que por aqui racismo não
existe.
Nos anúncios vemos um mundo lindo, cheio de alegrias e gente feliz tomando
a cerveja “A”, ou ao andar com o carro “B” você terá sucesso profissional, ou ainda ao
usar aquele desodorante “C” seremos um sucesso com as mulheres. A propaganda não
vende o produto em si, ela vende uma idéia por trás desse produto, ao falar de cerveja,
carro e desodorante ela está vendendo a idéia de felicidade, sucesso profissional e
sucesso amoroso, o objetivo da propaganda é passar a idéia de que comprando um
determinado produto seremos eternamente felizes, pois vivemos em uma sociedade
hedonista que busca o prazer imediato, e a propaganda proporciona um caminho curto
à satisfação dos nossos prazeres.
A propaganda não mostra o lado ruim de seus produtos, ela os esconde
mostrando somente o que interessa para que seja consumido; ela nunca vai dizer que
comprando um determinado tênis você está contribuindo para a exploração da mão de
obra quase escrava, ou que aquele celular que está sendo vendido já vai estar obsoleto
daqui uns meses.

Apresentam geralmente um mundo idílico, perfeito, sem contradições,


associando o produto ou serviço a essa atmosfera radiante e perfeita.
Ao mesmo tempo, cuidam de produzir alguma verossimilhança com a
realidade para que as pessoas não se sintam distantes deste mundo
que pode ser alcançado. (BOCK, 2001, p. 279)

O filme traz várias situações em que Truman, sua esposa e seu amigo Marlon
são utilizados como garotos propaganda (Truman não sabe dessa situação), Meryl
aparece várias vezes mostrando produtos, assim como Marlon é o garoto propaganda
de uma famosa marca de cervejas. No entanto estamos analisando o ambiente interno
do reality show, nos interessa apenas os estímulos causados pela propaganda na vida
do próprio Truman, e analisaremos a partir de agora a função da propaganda ideológica
mais presente nesse ambiente estudado.
36

A propaganda ideológica traz consigo a maioria das características da


propaganda comercial, mas difere-se em alguns aspectos: ela não tem a função de
vender um produto ou serviço e é feita de maneira muito mais sutil do que a comercial,
sendo amplamente amparada pelos meios de comunicação de massa que
analisaremos mais à frente.

As mensagens apresentam uma versão da realidade a partir da qual se


propões a necessidade de manter a sociedade nas condições em que
se encontra ou transformá-la em sua estrutura econômica, regime
político ou sistema cultural. (GARCIA, N.J. O que é propaganda
ideológica. p. 10 – 11)

A propaganda ideológica foi amplamente utilizada por muitos países com


regimes ditatoriais para ampliar o sentimento nacionalista do povo, para conseguir
apoio aos seus regimes. Essa propagação de mensagens ideológicas foi utilizada em
larga escala, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial citando como exemplo
o uso do rádio por Adolf Hitler para “divulgar” o nazismo, junto com seu ministro da
Propaganda e da Informação Joseph Goebbels, pois percebeu que seus discursos
ufanistas afetavam emocionalmente a maioria da população alemã, fazendo com que
eles aderissem às suas idéias.
Esse tipo de propaganda difunde apenas o essencial de sua ideologia, ela
cria palavras de ordem, ou slogans como, por exemplo, o criado pelo regime militar
brasileiro: “Brasil – ame-o ou deixe-o” e vários outros podem ser citados para servir-nos
de exemplificação como slogans fascistas e as palavras de ordem nazistas:

Acredita! Obedece! Luta!


Quem tem aço, tem pão!
Nada mais foi ganho na história sem derramamento de sangue!
É melhor um dia de leão do que cem anos de carneiro!
A guerra é para o homem enquanto a maternidade é para mulher!
Um minuto no campo de batalha vale por uma vida inteira de paz!
Ein Völk, Ein Reich, Ein Füher. (Um povo, um Império, um Líder)
(CERED. 2008. p. 83)
37

No entanto, a propaganda ideológica não se sustenta sozinha, ela precisa de


uma base, de um meio para que suas mensagens sejam veiculadas e os meios de
comunicação de massa prestam perfeitamente esse serviço.
Ao ler o jornal de manhã, no carro com o rádio ligado, assistindo televisão, a
todo o momento estamos em contato com essas mensagens, sendo receptores
conscientes ou não delas. Althusser nos diz a respeito dos meios de Comunicação de
massa que ele considera como Aparelho Ideológico de Estado de Informação:

O aparelho de informação despeja pela imprensa, pelo rádio, pela


televisão doses diárias de nacionalismo, chauvinismo, liberalismo,
moralismo, etc. (ALTHUSSER. 1963, p. 78)

Truman se depara com essas situações a todo o momento, em seu momento


de lazer, em seu trabalho, até a placa de seu carro traz conteúdo ideológico: “Seahaven
Island: a Nice place to live” – (Ilha de Seahaven: o melhor lugar para se viver) (O Show
de Truman – 00h :47m:58s)
Os meios de comunicação de massa veiculam mensagens de acordo com o
que o patrocinador estabelece, é ele quem determina direta ou indiretamente o
conteúdo e a forma do programa para que esse conteúdo lhe seja útil de alguma
maneira. Vamos supor que uma empresa de refrigerantes patrocine um programa de
televisão; esse patrocínio influencia o conteúdo veiculado no programa, pois ao surgir
uma notícia que vai contra o consumo de refrigerantes, por exemplo, afirmações de que
refrigerantes contribuem para a obesidade infantil, esse patrocinador pode romper o
contrato com a emissora de televisão, o que não é interessante, pois a emissora
depende desse investimento.
No filme, Christof faria o papel desse “patrocinador”, pois os jornais, televisão,
cartazes, servem de base aos seus interesses, tudo gira em torno de manter Truman
preso, o que acontece no “mundo real” é que essas informações são usadas para fazer
as pessoas acreditarem no consumismo, fazerem as pessoas comprar produtos,
acreditar nas empresas que se dizem preocupadas com o meio ambiente por exemplo,
acreditar nas mensagens veiculadas pelo governo: “o melhor do Brasil é o brasileiro” ou
ainda “o brasileiro não desiste nunca”.
38

Christof “encarna” todos esses patrocinadores, para difundir o conteúdo


ideológico de que Seahaven é o melhor lugar do mundo, a diferença é que como é tudo
“meramente controlado” ele não paga para que essas mensagens sejam difundidas,
não há a relação monetária entre ele e os meios de comunicação dentro do Show de
Truman.
Manter Truman Burbank no mundo ficcional do reality show é o principal
objetivo, criar mecanismos que o impeça de observar a realidade à sua volta de
maneira crítica e de ter informações reais do local onde vive, sempre que ele tentar se
rebelar contra o estado de confinamento será necessária alguma medida que lhe
acalme os ânimos, as mensagens chegam até ele de várias maneiras, como o jornal de
Seahaven ou a programa na televisão, ou ainda o cartaz na agência de viagens, e
todas essas mensagens possuem características bem próximas: a de não veicular
informações objetivas contra um fato, elas se apresentam com a intenção de gerar, no
receptor, antipatia pelo conteúdo trabalhado ou acreditar que aquilo é essencial para
sua vida, de maneira subjetiva como podemos observar nas imagens descritas do filme.

3.2.1 ANÁLISE DAS CENAS

o RÁDIO NO CARRO (parte 1) (00h: 03m: 18s)

Truman está saindo de casa para ir trabalhar quando um refletor cai perto
dele; ele olha para o objeto estranho sem saber direito o que aconteceu, guarda-o no
porta mala e vai para o trabalho. No caminho para o trabalho ouve uma notícia no rádio
em que o locutor dizendo que a peça que Truman encontrou era de um avião que havia
passado por ali e deixado cair algumas peças.
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Essa cena pode adquirir duas interpretações possíveis: a primeira é a


tentativa de enganar Truman convencendo-o de que aquele objeto estranho era
realmente uma peça que caiu do avião, dando a ele uma explicação imediata,
impedindo-o de buscar maiores explicações sobre o ocorrido. A segunda interpretação
é de que a informação passada pelo locutor serve para atentá-lo para o fato de que
aviões são perigosos, que soltam peças a todo o momento, que podem cair a qualquer
momento e que não seria uma boa idéia viajar de avião por esses motivos, forçando
Truman a acreditar nessa idéia e não tomar a iniciativa de viajar para fora da ilha.

o RÁDIO NO CARRO (parte 2) (00h: 04m: 07s)

Na seqüência da cena em que o refletor despenca do céu e o locutor da rádio


lhe explica o motivo da queda, temos quase que um diálogo entre Truman e o radialista,
em que ele faz perguntas ao Truman, se ele está bem e se tem pensado em viajar de
avião. Podemos perceber que mesmo Truman não pensando em viajar de avião, o
radialista lhe coloca sua posição, dizendo para que ele esqueça os riscos de voar, que
se acalme e ouça uma música, é essa atitude que eles querem que Truman tenha, que
ele continue calmo, sem pensar em viajar, seja por meio aéreo ou outro meio qualquer.
Nesse momento, o radialista coloca uma posição pessoal referente à notícia
que está sendo passada, com toda intenção de persuadir seu ouvinte, sem a
preocupação se aquela opinião está de acordo com a posição de quem as ouve,
pensando unicamente no retorno que essa mensagem pode proporcionar.
40

o JORNAL DA ILHA (parte 1) (00h: 05m: 47s)

Quando Truman chega ao escritório tenta procurar por Sylvia pelo telefone,
em Fiji e um de seus companheiros de trabalho lhe mostra o jornal com a notícia:
“Seahaven é o melhor lugar do planeta”, também com o mesmo intuito de convencê-lo
de que a ilha realmente é o melhor lugar para se morar e que seria besteira trocar um
lugar tão agradável por qualquer outro lugar do mundo.

o JORNAL DA ILHA (parte 2) (00h: 14m: 33s)

Truman vai até a banca comprar revistas, atrás dele um homem lê o jornal
com a notícia: “Who needs Europe!” (Quem precisa da Europa!) fazendo alusão ao fato
de que a ilha de Seahaven é um local agradável e que pensar em ir para Europa é
desnecessário.
41

o PROGRAMA DE TELEVISÃO (00h: 38m: 18s)

Truman após uma conversa com sua mãe e esposa, em que ficaram olhando
fotos de infância, fotos de seu casamento, sua mãe tenta convencê-lo de que seria uma
boa idéia se ele e Meryl tivessem filhos. Truman nada contente com a conversa se
coloca a disposição para levar sua mãe em casa, prontamente sua esposa pede para
que ele não se preocupe, pois ela se encarrega de levá-la em casa pois o programa
favorito de Truman irá começar, ela liga a televisão e as duas saem pela porta.
Truman continua com a idéia fixa de querer sair da ilha e ir embora para outro
lugar do mundo. Ao ligar a televisão se depara com o sugestivo programa “Mostre-me o
caminho de casa”, discretamente afirmando que Truman estaria perdido, longe de sua
própria casa, de seus amigos e familiares. Surge então um forte apelo emocional por
parte do apresentador do programa em que ele diz frases que tocam profundamente
Truman, fazendo-o refletir se realmente é necessário sair de Seahaven para encontrar
a felicidade, como o próprio apresentador diz, ele louva a vida na cidade pequena.
Podemos perceber, além do discurso emocionado e persuasivo do
apresentador, uma imagem ao fundo de um pai e um filho olhando para o nome do
programa. Essa imagem pode ser interpretada como uma referência a Truman e seu
pai, já que ambos eram muito ligados antes de sua “morte” e Truman ainda se culpava
por querer velejar em meio a um temporal, com isso ele não ia querer sair novamente
abandonando a todos, se arriscando, ficando longe das lembranças de seu pai que
ainda se faziam muito presentes em sua memória.
42

o AGÊNCIA DE VIAGENS (00h: 42m: 35s)

Mesmo depois de várias tentativas de manter Truman na idéia de que


Seahaven é um bom lugar ele tenta viajar para encontrar sua amada Sylvia em Fiji. Ele
procura uma agência de viagens e ao entrar encontra um cartaz com um avião sendo
atingido por um raio com os dizeres “Isso pode acontecer com você”, se transformando
em uma clara tentativa de apavorá-lo, de fazê-lo mudar de idéia através de uma
imagem forte, fazendo-o acreditar que viajar de avião é extremamente perigoso e ele
não vai querer se arriscar.
Esse é o tipo de propaganda que cria antipatia no receptor pelo conteúdo
trabalhado de forma sutil para que o próprio receptor interprete aquela mensagem e
não para que ela já se dê pronta a ele, entendendo que se ele fizer o contrário do que
lhe é dito pode sofrer graves conseqüências.

3.3 INFLUÊNCIA FAMILIAR EM O SHOW DE TRUMAN

“Família é tudo igual”. Provavelmente essa é uma frase que todos nós já
ouvimos e que faz um certo sentido se pensarmos e levarmos em consideração que
vivemos em uma sociedade que prega a instituição da família monogâmica, ou seja,
que se funda sobre o casamento entre duas pessoas, que moram juntas, juram
fidelidade, em que há o controle do homem sobre a mulher e os filhos, garantindo-lhes
o direito de herança, isto é, a garantia da propriedade privada.
Poderíamos fazer um levantamento de outros tipos de famílias que se
instauram em outras sociedades, mas para analisar O Show de Truman ficaremos com
a definição de família monogâmica que podemos encontrar no filme.
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A função da família criada por Christof para Truman é: sempre que ele quiser
se libertar, ir embora da ilha ou começar a descobrir muito sobre o mundo em que ele
vive, a “família” que o cerca deverá convencê-lo do contrário, fazendo-o mudar de idéia,
sempre criando barreiras para que ele não tome a decisão de ir embora.
Mas qual a relação que podemos estabelecer entre a família de Truman e as
nossas famílias? Essa é a analise que faremos a partir de agora, considerando que a
família se constitui em um Aparelho Ideológico de estado que visa transmitir valores
culturais, as idéias de um determinado grupo social, sendo uma forte transmissora de
ideologias.
Antes de analisarmos o papel da família, vamos destacar quais são os
personagens que fazem parte da família de Truman. Ele é criado por dois atores que
não são seus pais biológicos, quando cresce casa-se com Meryl e Marlon é seu melhor
amigo, portanto consideraremos sua família seu pai, sua mãe, Meryl e Marlon.
A família é uma instituição social que está presente em nossas vidas desde o
momento em que nascemos, sendo responsável pela nossa formação social e
psicológica Pela nossa formação social, nos ensinando a viver em sociedade, nos
transmitindo valores morais e éticos. Esses valores e ideologias transmitidas pela
família se alicerçam em crenças que muitas vezes encobrem a verdade e que
mascaram a realidade fazendo com que não percebamos as contradições existentes na
sociedade, tirando-nos a possibilidade concreta de interpretar os fatos ocorridos a
nossa volta, a transmissão de conteúdos ideológicos pela família vem sempre com a
questão do “querer bem” ao filho e que nada de mal lhe aconteça, protegendo-o do
mundo exterior de tal forma a chegar a ponto de esconder as mazelas e “perigos” que
nos rodeiam por toda parte, retirando-nos o direito que todos temos de aprender com os
próprios erros e buscarmos nossa própria verdade.
O que talvez as famílias não se dêem conta é de que esse conteúdo
transmitido de geração em geração serve para cumprir sua função social garantindo a
reprodução dos meios de produção garantindo a reprodução das forças de trabalho, a
criação da prole que mais tarde serão trabalhadores e continuarão a transmitir as idéias
de que o trabalho dignifica, que é necessário arrumar um “empreguinho” para “ir
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sobrevivendo”, pois vão sempre continuar acreditando que esse é o seu futuro e de
seus filhos e de que dele não há como escapar.

A família desempenha claramente outras “funções” que a de AIE. Ela


intervém na produção das forças de trabalho . ela é, dependendo dos
modos de produção, unidade de produção, unidade de produção e (ou)
unidade de consumo. (ALTHUSSER, 1963, p. 68)

É muito comum quando somos crianças, nossos familiares nos perguntarem


o que queremos ser quando crescermos ao se depararem com respostas como: “quero
ser jogador de futebol”; “quero ser musico”; “quero ser astronauta”; “quero ser ator /
atriz”; sempre tendem a nos repreender, com afirmações de que temos que estudar e
trabalhar em algo que nos dê dinheiro, pois não vamos querer morrer de fome, ou que
ser astronauta é impossível, ou ainda que músico não é profissão, tirando-nos a
liberdade de escolher uma profissão que vai nos trazer realização profissional, levando
sempre em consideração o que eles acreditam ser a melhor opção para nossas vidas.
Truman bem provavelmente foi uma dessas crianças que foi repreendida
quando pequena por querer uma profissão diferente, que não atende aos padrões do
mercado. São essas repressões familiares que vão nos cercando desde pequenos, nos
desmotivando a buscar respostas, nos igualando a um mundo de pessoas sem rostos,
todas iguais, com os mesmos gostos, mesmas profissões, todas seguindo um mesmo
padrão, pois para o mercado padrões são mais úteis, são mais fácies de se conquistar
na hora de vender seus produtos.
Não querem que sejamos diferentes, que tomemos nossas próprias decisões,
que façamos nossas escolhas, que vejamos o mundo com nossos próprios olhos, o
mercado quer enxergar por nós e utiliza a família para nos vedar durante boa parte de
nossas vidas. É claro que existem exceções, pessoas que quebram barreiras, assim
como o próprio Truman, mas essa quebra de barreiras realizada pelo nosso
personagem será analisada em outro momento.
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3.3.1 ANÁLISE DAS CENAS

o Conversa com Marlon (00h: 09m: 50s)

Truman e Marlon estão jogando golfe em cima de uma ponte desativada da


Ilha de Seahaven. Truman fala para Marlon a respeito de sua vontade de sair da ilha,
de abandonar o emprego e viajar, explorar o mundo, conhecer outros lugares como, por
exemplo, as Ilhas Fiji. Marlon não entende como que Truman, com o emprego que ele
tem não se sente feliz em morar em um lugar como aquele q quando Truman lhe
pergunta se ele também não sente essa vontade de mudar, de ir para outros lugares,
Marlon responde qual outro lugar que ele poderia querer ir.
Podemos perceber claramente a incapacidade de Marlon de se ver em outro
lugar que não seja a ilha em que sempre viveu podendo compará-lo com o canário do
conto (Idéias de Canário) de Machado de Assis que nunca se via fora da situação em
que se encontrava em determinados momentos. Para ele Truman não precisa de
mudança, ele já tem tudo o que é preciso para ser feliz, um bom emprego já é o
bastante para ser feliz. A mudança de vida é algo que incomoda as pessoas, todos nós
somos um pouco conservadores e temos dificuldade em aceitar mudanças drásticas.
Marlon tenta colocar essas idéias na cabeça de Truman, tentando convencê-
lo a mudar de idéia para que ele não continue querendo sair da ilha, ele chega a
comparar seu serviço com o de Truman, chegando a dizer que daria tudo para ter o
emprego que ele tem e para que Truman experimentasse ser repositor de chocolates
em máquinas, que isso sim seria um emprego ruim.
No entanto, Truman sabe que não é tão simples assim deixar tudo de uma
hora para outra e investir tudo em uma viagem, mas continua com a idéia. Marlon, no
entanto, reage a essa idéia de Truman de modo desprezível, como se Truman não
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fosse conseguir realizar sua vontade, mais um meio utilizado para que Truman se sinta
desacreditado a levar seus planos para frente.

o Conversa com Meryl (00h: 13m: 22s)

Após sua conversa com Marlon, Truman reflete e volta para casa onde
encontra Meryl lendo um livro. Ele chega cheio de planos em viajar pelo mundo, para
conhecer lugares diferentes, esperando encontrar em Meryl um apoio, alguém que
compartilho dos mesmos sonhos que ele. Ela acaba, ao invés de apoiá-lo, colocando
empecilhos para a viagem, tentando de qualquer maneira fazê-lo mudar de idéia, ela
fala sobre o dinheiro que eles não têm para viajar, sobre a casa e o carro que eles
ainda têm que pagar e até sobre um filho que eles estavam planejando ter. Ela
compara-o a um adolescente, ridicularizando-o quando ele cita que quer ser um
explorador.
Podemos perceber nesta cena como os nossos sonhos às vezes parecem, ao
modo de ver das outras pessoas, ou da família, ridículos ou desprezíveis, e ao invés da
compreensão do fato ou do entendimento mútuo do que um entende como sonho e o
outro entende como loucura, há simplesmente o desprezo pela idéia da mudança. É
esse desprezo repetido várias vezes que nos levam a abandonar uma idéia, sonho ou
vontade, e isso é o que queriam todos os participantes do reality show, que Truman
depois de tantas vezes desencorajado a seguir seu sonho, desistisse.
Outro fato que podemos perceber nesta cena é a dependência econômica em
que nos encontramos atualmente. Meryl cita como empecilho para a viagem dos dois,
as contas que eles ainda têm que pagar, suas obrigações financeiras. Vivemos
cercados de situações que nos fazem assumir compromissos financeiros, seja por uma
necessidade útil como, por exemplo, ter uma casa para se morar, ou simplesmente ter o
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que comer, mas há também as necessidades fúteis como trocar de celular uma vez por
mês, ou trocar de carro uma vez por ano, comprar roupas caríssimas somente para se
enquadrar na moda.
Esses compromissos que assumimos são um grande fator que nos prendem,
pois não podemos simplesmente deixar tudo para trás. Essa condição pode se tornar
um meio de não nos deixar sair de alguma situação que nos incomoda, de tomarmos
decisões sem ter que considerarmos contas e mais contas a pagar, ela nos impede de
sermos livres para fazer escolhas, de poder pensar em outros caminhos que não
aquele de ter que trabalhar e trabalhar cada vez mais, e Truman, de algum modo,
sente-se preso por essa condição, e Meryl utiliza bem esse fato para convencê-lo a não
sair da ilha.

o Truman nas pedras (01h: 03m: 47s)

Kirk, pai de Truman, sempre se mostrou muito apegado ao “filho”. Um dia


estavam na praia e Truman começa a subir em um monte de pedras, prontamente Kirk
o chama dizendo que ele não pode ir ali, Truman não entende o porque da
recriminação do pai. Kirk apenas diz que é perigoso e que Truman não deve ir ali e
pronto.
Seu pai quis recriminá-lo de imediato, sem se preocupar em dar maiores
informações ao filho. Isso mostra como em muitas vezes nossas dúvidas são
esmagadas pela nossa família, talvez por falta de conhecimento do assunto
perguntado, ou por talvez não estarmos preparados para saber de determinados
assuntos, ou realmente para fazer-nos acreditar em certas idéias que são passadas de
geração em geração e que em sua maioria não tem muito fundamento.
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4. EM BUSCA DA LIBERDADE

No capítulo anterior, deciframos os vários mecanismos que tentaram de todas


as maneiras manter Truman preso na ilha de Seahaven, entretanto, mesmo depois de
todos esses estímulos contrários à idéia de Truman de sair da ilha, ele consegue
decifrar pistas, interpretar fatos que o leva a descobrir o mundo ilusório em que vive.
Vamos analisar a partir de agora quais foram esses fatos que o levaram a
enxergar o mundo em que vivia, vamos analisar também qual é a visão do criador do
reality show Christof que nos coloca interpretações interessantes a respeito do mundo
que Truman habita, que pode ser facilmente, guardada as devidas proporções,
comparada com a realidade que vivemos no dito “mundo real”.
Truman vai nos demonstrando no decorrer do filme como é árdua e sofrida a
busca pela verdade, como é necessário fazer sacrifícios, abandonar velhas idéias,
vencer seus medos, poderemos ver toda essa transformação pela qual Truman passa,
a transição entre o seu mundo fictício e a tão sonhada liberdade.

o Christof sobre Truman (00h: 00m: 25s)

A idéia inicial do programa era adotar uma criança e acompanhar com


milhares de câmeras toda sua vida. Christof foi o idealizador do reality show e esse
nome não foi dado ao personagem por um simples acaso, podemos compará-lo com
Jesus Cristo (Christ = Cristo / of = de fora), o que tudo vê, o que tudo sabe, pois ele
observa (de fora) todos os movimentos de Truman, sendo assim, metaforicamente,
comparado com o Deus do mundo de Seahaven.
Christof logo na primeira cena de O Show de Truman fala um pouco sobre o
personagem Truman Burbank, introduzindo um fato que vamos percebendo ao decorrer
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do filme, de que Truman é realmente um personagem de um programa de televisão,


mas que sem saber de tal fato se torna o mais real de todos os personagens já criados
por qualquer outro programa, seja ele um reality show ou não, e que as pessoas se
identificam com ele por parecer real, diferentemente de outros atores e atrizes que
somente interpretam um personagem, Truman é o próprio personagem.
O nome de Truman vem da junção de duas palavras em inglês True
(verdadeiro) e man (homem), que sustenta a idéia de Christof de criar um personagem
que seja real, que haja como uma pessoa normal, e não simplesmente interprete um
personagem.
Durante nossa vida somos obrigados a interpretar personagens para
diferentes situações do dia a dia, no trabalho, em casa, na escola, e Truman é
observado em todos esses seus momentos por milhões e milhões de pessoas pelo
mundo todo, que não conseguem estabelecer a diferença entre o cotidiano de Truman
e o seu próprio cotidiano, não percebendo que são praticamente idênticos, pois ele não
está interpretando um papel e sim sendo ele mesmo, e talvez seja esse distanciamento
misturado com a “realidade” criada por Christof que faz com que as pessoas fiquem
dias e dias na frente da televisão para ver sua vida.
o Marlon sobre o reality show (00h: 02m: 05s)

Marlon nos coloca uma informação no início do filme que pode ser
comparada com as teorias de Althusser (1963), a de que vivemos em um mundo real,
onde nada é falso, é apenas meramente controlado.
Não gozamos de total liberdade de escolhas, pois temos regras a serem
seguidas, somos, como já analisado, rodeados por aparelhos ideológicos que
influenciam o nosso modo de pensar, nossa maneira de ver o mundo, mas que passam
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desapercebidos a maior parte das pessoas, pois atuam de maneira sutil e aos poucos
durante uma boa parte de nossas vidas que acabam sendo “meramente controladas”.
Podemos entender também que Marlon é um personagem que está sempre
presente na vida de Truman, da mesma maneira que Christof está o observando do
lado de fora (of), Marlon acompanha Truman dentro do reality show (Marlon).

o Estrela caindo do céu (00h: 03m: 20s)

Talvez seja esse o fato que deu início à desconfiança de Truman. Um objeto
estranho caindo do céu que para Truman não fazia o menor sentido, e que mesmo com
a explicação que lhe fora dado pelo rádio, lhe deixou intrigado.
Seahaven a noite possuía um grande céu estrelado e quando um dos
funcionários da manutenção tentou trocar uma lâmpada que havia queimado, deixou
cair o refletor da estrela Sirius da Constelação Cão maior. Se Truman fosse astrônomo
teria descoberto logo que se tratava de uma farça.

o Truman reconhece seu pai (00h: 15m: 06s)

Truman sempre foi muito apegado ao seu pai e sentia-se culpado pela morte
dele, pois o forçou a velejar com Truman em meio a uma tempestade que causou sua
morte. No entanto essa morte já estava preparada por Christof. O episódio do
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afogamento de Kirk (pai de Truman) foi uma maneira de traumatizá-lo, fazendo com que
ele tivesse pavor de água desde então, e como morava em uma ilha não conseguiria
atravessar o oceano.
No entanto, o corpo de seu pai nunca foi achado, e um dia indo para o
trabalho Truman vê seu pai vestido como um mendigo, logo que ele percebe que é
realmente seu pai, um homem e uma mulher pegam o mendigo colocando-o em um
ônibus e o levando para longe de Truman. Esse foi um fato que mexeu muito com
Truman, pois ele sentia-se culpado pela morte de seu pai e de repente encontra-o vivo,
mas ao vê-lo sendo levado tão abruptamente fica desconfiado de que algo está sendo
escondido dele.
Após essa cena, Truman tenta contar à sua mãe o fato de ter visto seu pai
mas ela o desacredita.

o Sylvia e Truman na praia (00h: 26m: 00s)

Truman conhece Sylvia ainda no colégio, onde se encanta pelos seus olhos.
Desde então começa uma aproximação dos dois, o que contrariava o script criado por
Christof, pois Sylvia era apenas um figurante. Em duas oportunidades Truman vê
pessoas retirando Sylvia de perto dele, a primeira delas é quando Truman a vê pela
primeira vez: ela está na escola sentada debaixo de uma árvore e quando Truman olha
pela segunda vez ela já não está mais lá; a segunda é na festa de formatura em que
Truman vê dois rapazes de terno a levando para fora da festa.
Um dia Truman estava estudando em uma biblioteca, quando percebe que
Sylvia está estudando perto dele. Ele se aproxima e a convida para sair. Os dois fogem
da biblioteca, um conselho que a própria Sylvia dá a Truman, que eles sejam rápidos
pois os dois têm pouco tempo juntos.
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Eles vão até uma praia e então acontece o primeiro beijo de Truman. É
quando aparece um carro para lavá-la para longe de Truman. Sylvia tenta alertá-lo de
que algo está acontecendo a sua volta, de que é tudo armação, de é tudo feito para ele
e que é um show de televisão, Truman fica confuso sem entender ao certo o que ela
quer dizer com aquilo tudo. É quando então Sylvia é colocada dentro do carro e pede
para que Truman vá atrás dela em Fiji, para que ele saia da ilha e a encontre.
Esse foi o fato que talvez tenha mais motivado Truman a pensar em sair da
ilha. O que ele sentia por Sylvia era uma atração muito forte, e podemos perceber isso
ao decorrer do filme, mesmo estando casado com Meryl, Truman continuava pensando
em Sylvia, procurando-a em listas de telefone e montando seu retrato a partir de
recortes de revistas. O amor que Truman sentia por Sylvia foi um dos fatores mais
relevantes para ele tomar a iniciativa de sair da ilha e procurá-la, ele nunca perdeu as
esperanças, pois ela foi seu primeiro amor e seu primeiro beijo, mas após esse fato
ocorrido na praia ela nunca mais a viu.
Sylvia, ao contrário dos outros personagens do reality show, não conseguiu
manter-se afastada de Truman e também não conseguiu continuar enganando-o,
participando da farça em que todos estavam metidos, talvez por dó de Truman, ou
talvez por não concordar com a exploração a que ele era submetido, ou talvez por ter
realmente se apaixonado por ele, o que contrariava o idealizador do programa como já
dissemos anteriormente.
Ela queria libertá-lo desse paraíso artificial e por isso foi expulsa. Esse fato
pode ser comparado com Adão e Eva no jardim do Éden. Deus irado com a
desobediência de Eva ao fazer Adão comer o fruto proibido, expulsou-os do paraíso
como forma de punição. Christof também pode ser comparado com um Deus irado com
desobediência de Sylvia ao quebrar as regras do programa, expulsando-a dele,
mantendo-a longe de Truman para que ele se mantivesse na pureza e ingenuidade do
paraíso, o “fruto proibido” no caso do filme seria a verdade que Sylvia poderia revelar a
Truman.
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o Interferência no rádio (00h: 26m: 00s)

Truman está dirigindo rumo ao seu trabalho quando ocorre um fato estranho
com o rádio de seu carro, o radialista começa a narrar todos os passos de Truman. Ele
fica meio confuso sem saber ao certo o que está ocorrendo, pára o carro e isso
desencadeia uma série de outros fatos, Truman pára os carros na rua, entra em um
prédio e quando está de frente para o elevador e a porta se abre, ele vê que não existe
elevador, que existem pessoas como em um camarim.
Ele vai até a loja onde Marlon trabalha com uma séria desconfiança de que o
mundo todo está girando em torno dele, e percebemos no decorrer da cena que Marlon
faz de tudo para que Truman não pense nessa hipótese.

o Meryl cruza os dedos (00h: 39m: 04s)

o Truman “prevê” o futuro (00h: 46m: 03s)


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o Preso no engarrafamento (00h: 48m: 48s)

As três cenas apresentadas acima mostram alguns detalhes fizeram Truman


perceber que os fatos que acontecem à sua volta se repetem, como é o caso da cena
em que ele presta atenção nas pessoas que ficam andando em voltas, como se
estivessem andando em círculos, ou que já estivessem programadas para fazer um
determinado movimento.
Truman percebe também que Meryl no momento do casamento cruzou os
dedos, não jurando verdadeiramente seu amor a ele, isso faz com que ele perceba que
ela casou-se com ele por algum outro motivo que não o amor que ela sentia por ele.
Outra situação peculiar vivida por Truman é quando ele resolve ir embora de
carro “seqüestrando” Meryl. Ele fica girando em torno de uma rotatória e quando resolve
entrar em uma rua, uma série de carros entram na sua frente, criando um
engarrafamento. Truman no mesmo momento percebe que aquela situação foi forçada
por alguém. Ele finge que vai embora, dá algumas voltas na rotatória novamente, e
quando volta à rua não existe mais engarrafamento.
o Com quem você está falando? (00h: 53m: 16s)
55

Meryl tinha atitudes muito estranhas ao ponto de vista de Truman. Várias


vezes enquanto eles conversavam sobre algo sério ela tentava lhe desviar atenção com
atitudes totalmente desconexas ao contexto da conversa, como se estivesse vendendo
um produto (e era realmente isso que ela fazia, só que Truman não sabia desse fato).
Truman já havia desconfiado de que algo estranho acontecia com Meryl
nessas situações, mas dessa vez seu desvio de atenção foi muito acentuado, chegando
a ser ridículo para uma situação cotidiana de um casal, o que fez com que Truman
ficasse extremamente irritado.

o Christof e o mundo em que vivemos (01h: 06m: 00s)

Nesta parte do filme o entrevistado pergunta a Christof qual o verdadeiro


motivo de Truman nunca ter descoberto qual a natureza real de seu mundo. Christof lhe
responde que “aceitamos a realidade do mundo que nos é mostrada”.
Christof nos coloca uma visão não só da vida de Truman em si, mas sim na
vida que vivemos, aceitamos o mundo sem questioná-lo, sem entendê-lo, sem buscar
explicações plausíveis, fazemos sempre as mesmas coisas todos os dias, sem
querermos nos libertar de nossa vida cotidiana e normal, sem procurar um algo mais
que nos estimule, que nos faça buscar a verdade, entender melhor o que fazemos
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neste mundo, quais são as verdades escondidas por trás dos noticiários de tv, ou de
anúncios publicitários.
Hoje em dia há um esvaziamento intelectual da sociedade, onde o saber
muitas vezes é banalizado, cedendo espaço para o status social das roupas de marca,
ou dos carrões do ano, ou ainda do celular última geração com mais de mil funções.
Isso tudo nos ilude achando que vivemos em um mundo perfeito, não pensamos, mas
por si próprios, deixamos que a mídia simule um mundo perfeito para nós, o mundo
perfeito da propaganda de margarina ou da propaganda de cerveja, com pessoas
felizes e lindas, como se não houvesse mais com o que se preocupar.
Esse mundo ilusório que nos é vendido nos afasta da verdadeira realidade,
aceitamos sem questionar seus porquês, simplesmente aceitamos.

o Christof e o mundo em que vivemos parte 2 (01h: 06m: 30s)


57

Christof ainda estava sendo entrevistado quando recebeu uma ligação de


Sylvia, recriminando-o por deixar Truman preso por todos esses anos, culpando-o de
não deixar Truman sair da ilha de Seahaven.
Novamente Christof nos coloca fatos pertinentes não só a vida de Truman,
mas à nossa vida também. Ele faz referências a um mundo doentio, como um pai que
protege o filho das verdades do mundo, tira o direito de conhecer o próprio mundo, com
a desculpa de que deu a Truman a oportunidade de viver uma vida normal. A defesa de
Christof até faz algum sentido se entendermos que vivemos em um mundo em que se
acredita na existência de um Deus soberano, onipotente, onipresente e onisciente, que
tudo sabe e que tudo vê.
Assim como Truman também somos “vigiados” a todo o momento, mas temos
o chamado livre arbítrio, a chance de escolher nossos próprios caminhos. O que
Christof faz é interferir nesse livre arbítrio de Truman, ele pode escolher seu caminho,
mas qualquer que seja esse caminho escolhido já está previamente decidido, planejado
e arquitetado por Christof.
Para Christof Seahaven é um mundo perfeito, podendo entender assim o
nome da ilha em que Truman mora. Haven em inglês significa lugar seguro, refúgio,
contudo pela semelhança de sonoridade podemos compará-la com heaven que
significa paraíso, onde Christof seria o Deus que controla a tudo e a todos, como já
dissemos anteriormente.
Todos nós gostaríamos de viver em um lugar como Seahaven, em um mundo
onde não nos preocuparíamos com muitas coisas, um mundo totalmente organizado,
limpo, perfeito, como em um paraíso realmente, mas se pararmos para analisar, vários
de nós vivemos em lugares assim, sem perceber o que há nas entrelinhas do cotidiano
monótono, ignoram a tudo e a todos, vivendo alienados em suas “meras ambições”
como diz o próprio Christof a se referir a Truman.
É isso que os governantes, os meios de comunicação de massa, empresas,
querem de nós, querem que continuemos em um mundo de fantasia, sem contestar,
sem lutar, sem querermos sair da ilha da alienação que nos cerca, pois assim seremos
um alvo mais fácil para seu jogo de interesses. Muitos não querem sair da “cela” em
que se encontram, é mais fácil ignorar os fatos, ignorar o mundo e continuar vivendo
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uma vida tranqüila, sem preocupações, longe dos problemas do mundo, é mais fácil
viver na escuridão da caverna do que ofuscar os olhos com a luz.
Vamos perceber daqui para frente que Truman inverte essa situação, ele
começa a lutar contra a situação em que vive, ele luta contra todos os meios para
buscar toda sua verdade.

o Fuga de Truman (01h: 22m: 00s)

Após ter sido deixado por Meryl, Truman resolve ir embora da ilha também.
Ele vence seu medo de água, pega um barco e parte rumo a liberdade. Podemos
perceber que seu barco chama-se “Santa Maria”, fazendo uma referência a uma das
caravelas de Cristóvão Colombo, e assim como o grande descobridor das Américas, ele
vai rumo ao desconhecido.
Esse é um momento muito importante na história de Truman, é o momento
em que ele se dirige para fora de sua caverna, seu momento de libertação, é a sua
passagem da escuridão para a luz. No entanto não será tão fácil essa sua passagem,
Christof não lhe deixará sair tão facilmente e provoca uma grande tempestade para
fazer com que Truman fique com medo e desista da idéia.
Christof, percebendo que seu plano não está dando certo, pede para que
aumentem a tempestade, mesmo sendo alertado sobre os riscos de Truman morrer
frente a um mundo de telespectadores. Christof não pára, alegando que Truman
nasceu frente às câmeras e pode muito bem morrer diante delas, no entanto Christof
não pode matar Truman, ele não pode se dar ao luxo de expulsar se Adão, assim como
fez Deus, Christof precisa de Truman.
Podemos comparar essa fúria de Christof com o fato de Truman querer fugir
do paraíso, desrespeitando sua autoridade, com a passagem bíblica do dilúvio, em que
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Deus, para castigar a humanidade de suas desobediências, manda uma poderosa


chuva que extermina a humanidade:

(...) O Senhor arrependeu-se de ter criado o homem sobre a terra, e o seu


coração sofreu amargamente. E o Senhor disse: “Eliminarei da face da
terra o homem que eu criei”. (BÍBLIA. Gênesis.6:6. p.11)

De qualquer maneira temos também um elemento de purificação, a água


representa em vários mitos a purificação da alma, a tempestade seria o seu ritual de
purificação, assim como a água é utilizada no batismo da religião católica, ou ainda no
romance de José Saramago Ensaio Sobre a Cegueira (2003) que foi adaptado para o
cinema (2008), em que as pessoas todas ficam cegas e a água aparece com um meio
de purificação, elas tomam banho de chuva, limpam suas roupas, sapatos e esse “ritual
de purificação” precede o retorno da visão das personagens, Truman após o “dilúvio”
estaria pronto para ver o mundo finalmente.

o Içando a vela (01h: 28m: 00s)

Mesmo depois de tantos esforços por parte de Christof, Truman não desistiu
de seus planos. Ele se amarrou ao barco sobrevivendo à tempestade. Quando ele
acorda e iça a vela de seu barco podemos perceber um número: 139.
Recorrendo novamente aos textos bíblicos encontramos o salmo 139 que diz:

1. [Salmo de Davi para o músico-mor] SENHOR, tu me sondaste, e me


conheces. 2. Tu sabes o meu assentar e o meu levantar; de longe
entendes o meu pensamento. 3. Cercas o meu andar, e o meu deitar; e
conheces todos os meus caminhos. 4. Não havendo ainda palavra
alguma na minha língua, eis que logo, ó SENHOR, tudo conheces. 6. Tu
me cercaste por detrás e por diante, e puseste sobre mim a tua mão. (...)
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7. Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? 8.
Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu
ali estás também. 9. Se tomar as asas da alva, se habitar nas
extremidades do mar, 10. Até ali a tua mão me guiará e a tua destra me
susterá. (...) 13. (...) possuíste os meus rins; cobriste-me no ventre de
minha mãe. (...) 23. Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-
me, e conhece os meus pensamentos. 24. E vê se há em mim algum
caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno.
(http://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/139, acessado em 08/11/2008)

Este Salmo pode ser interpretado com um resumo de toda a relação entre
Christof e Truman, a relação entre criatura e criador, do poder que Christof tem sobre a
vida de Truman, de todas as decisões que fazem a vida de Truman tomar caminhos
diferentes a cada momento.
Truman continua a velejar e de repente, ao contrário do que fez o descobridor
Cristóvão Colombo que provou que a terra é redonda, parece confirmar as crenças da
idade média, em que acreditavam que o mar termina em um abismo, Truman bate o
barco em um fundo, descobrindo o continente da realidade: de que viveu sua vida
inteira em um mundo irreal.

o Conversa com Deus (01h: 31m: 40s)


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A cena mais importante do filme se dá após Truman bater na parede e ver


que seu mundo fictício tinha um fim e de que ele não conseguiria sair velejando. Ele
então descobre uma escada e sobe por ela até a porta de saída. Quando está prestes a
sair, uma voz ecoa por entre as nuvens chamando-o, é Christof, o Deus de seu mundo
que tentará pela última vez convencê-lo a ficar no reality show. Ele tentará fazer com
que Truman sinta medo de sair de sua caverna, medo de descobrir a verdade, e
principalmente tentará alertá-lo sobre os perigos do mundo real.
Christof diz a ele que lá fora o mundo é igual ao que ele criara, as mesmas
mentiras e enganações, só que no paraíso criado por ele, Truman não tem o que temer,
já é tudo planejado e nada de mal poderá lhe acontecer. De uma certa maneira Christof
tem razão em dizer que o dito “mundo real” tem suas mentiras, suas enganações,
porque como já dissemos anteriormente, nós necessitamos de criar personagens para
vivermos em sociedade, para que tenhamos um relacionamento saudável com as
outras pessoas, é claro que não fingimos 24 horas como as pessoas do reality show,
mas muitas vezes temos que saber contornar situações.
Metaforicamente podemos entender essa última cena como o último estágio
da sua passagem da “ignorância” em não perceber de maneira crítica o mundo em que
vive, e o verdadeiro conhecimento, o descobrimento da verdade. A saída de Truman de
seu mundo fictício seria o rompimento com a alienação em que se encontrou durante
toda sua vida e o que Christof faz é tentar fazê-lo mudar de idéia. O paraíso, ou o
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mundo alienado, talvez seja melhor, na visão de Christof, pois sem descobrir as
verdades Truman não teria com o que se preocupar, ele viveria para sempre no seu
mundo de ilusões, sem descobrir o que há por trás de tudo, sem sofrer, portanto.
Isso acontece no “mundo real”, como também já discutimos anteriormente,
muitas pessoas continuam em estado de dormência, presos em suas cavernas, cegos
na escuridão da ignorância de não querer saber o que acontece a sua volta, tendo essa
postura passiva, de aceitar tudo o que já é dado pronto, sem questionar, sem sofrer
com a verdade, é mais fácil e menos doloroso ser passivo de tudo o que o mundo já
nos apresenta pronto, é mais fácil se Truman continuasse dentro de seu paraíso
artificial, mas ele rompeu com seus medos, com as barreiras da ignorância e partiu para
um outro mundo, para o mundo do conhecimento talvez, ou para o mesmo mundo em
que ele vivia, só que um pouco mais disfarçado.
Assim como Neo, em Matrix (1999), escolheu a pílula vermelha para saber
qual o real mundo em que vivia, sendo alertado por Morpheus que ao fazer tal escolha
não teria volta, Truman chegando até a porta de saída de seu mundo não teria como
voltar atrás, não teria como recuar e aceitar toda aquela vida manipulada e já escrita
por um roteirista de televisão.
O que aconteceu com Truman após sua saída é uma incógnita. O filme
termina em reticências como um modo de mostrar aos que o assistem que não é tão
simples quebrar as barreiras do conhecimento, e que mesmo quebrando-as não
sabemos o que encontraremos pela frente, não sabemos o que nos espera fora da
caverna, ou fora da matrix, ou fora do nosso Show de Truman.
Logo após o termino do reality show, dois guardas que estão assistindo ao
programa perguntam-se o que estaria passando em outros canais, desprezando o fato
de que o reality show esteve no ar durante 30 anos.
Essa cena traz mais uma crítica ao mundo vazio em que nos encontramos,
onde tudo é descartável e substituível, além de ser um reality show, era também a vida
de uma pessoa que estava sendo exibida para milhões de pessoas em todo mundo, e
ao terminar não houve nem um tipo de reflexão por parte dos telespectadores, que
simplesmente mudaram de canal, como se tudo aquilo que assistiram fosse banal,
afastando-se de qualquer relação com o que foi exibido durante tanto tempo.
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CONCLUSÃO

A alienação, assim como o modo de enxergar o mundo, é um tema que já


vêm sendo discutidos há muito tempo, desde os filósofos gregos, passando pelas
teorias religiosas, sendo amplamente estudada e conceituada por Karl Marx na sua
análise do capitalismo.
O objetivo do trabalho foi discutir como os meios “produtores” da alienação
que nos cercam por todos os lados no mundo capitalista de hoje em dia, partindo do
filme O Show de Truman que relata com clareza a passagem do personagem de um
“mundo fictício” para um “mundo real”.
Foram feitas comparações das situações a que o personagem era submetido,
com as situações que presenciamos todos os dias em nossa vida, fazendo-nos
perceber que o filme não é só uma simples obra de ficção, que ele traz elementos
cotidianos totalmente plausíveis de serem abordados.
A intenção foi discutir como milhões de pessoas em todo o mundo vivem
presas a um mundo que elas não têm o menor conhecimento, passam suas vidas
inteiras presas em seus “shows de Truman” sem buscar o conhecimento, sendo
condenadas a ver sombras e tomá-las como verdade, as pessoas não estão
preparadas para tomar o choque de conhecer a verdade que as rodeia.
Percebemos como os familiares de Truman, mesmo sabendo da falsidade do
mundo, levava-o a ridicularização, não acreditando assim como grande parte das
pessoas não acreditam que vivem em um mundo que tem suas maneiras de
manipulação, continuam querendo acreditar na inocência dos meios de comunicação e
que o Estado serve para nos defender e lutar por nossos direitos.
O filme foi utilizado para mostrar que da mesma maneira que Christof prendia
Truman e utilizava mecanismos ideológicos para tal fim, nós também sofremos com a
alienação provocada por diversos meios, é de interesse do governo, dos meios de
comunicação de massa e do mercado capitalista que continuemos vivendo na “santa”
ignorância, que continuemos acreditando no que os noticiários dizem, acreditando no
senso comum geral da população, sem lutar, sem questionar, pois isso garantirá a
manutenção dos interesses da classe dominante, que tiram proveito da ignorância da
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população, que no filme é retratado por Christof ao querer que Truman não descubra a
verdade e continue lhe garantindo lucros bilionários.
O filme mostra, assim como os filmes relacionados e o mito da caverna, a
maneira de se buscar o conhecimento, eles nos levam até a porta, mostram-nos
maneiras de se quebrar as barreiras da ignorância e ter contato com a verdade, mas
não sabemos o que realmente encontraremos ao sairmos do mundo das sombras, não
sabemos o que encontraremos quando sairmos de nossas cavernas ou quando nos
libertarmos do nosso Show de Truman.
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REFERÊNCIAS

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Biblioteca de Ciências Sociais. 1963.

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Editora Moderna Ltda. 1993.

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BOCK, Ana Merces Bahia. Psicologias: Uma introdução ao estudo da psicologia.


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CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12ª ed. São Paulo: Editora Ática. 2002.

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PLATÃO. O mito da Caverna. In: A República – Coleção Cultura Clássica. Edições


Cultura Brasileira S/A. São Paulo.

FILMES RELACIONADOS

WEIR, Peter. O Show de Truman - Edição Especial para Colecionadores. Estados


Unidos: Paramount Pictures, 2006. 102 minutos DVD-VIDEO. NTSC

BAY, Michael. A Ilha. Estados Unidos: Warner Home Video, 2005. 126 minutos DVD-
VIDEO. NTSC

RUSNAK, Josef. 13° Andar. Estados Unidos: Sony Pictures 1999. 100 minutos DVD-
VIDEO. NTSC

PROYAS, Alex. Cidade das Sombras. Estados Unidos: Warner Home Video, 2001. 96
minutos DVD-VIDEO. NTSC

WACHOWSKI, Larry. Matrix. Estados Unidos: Warner Home Video, 1999. 136 minutos
DVD-VIDEO. NTSC

CROWE, Cameron. Vanilla Sky. Estados Unidos: Paramount Pictures, 2002. 137
minutos DVD-VIDEO. NTSC

MEIRELLES, Fernando. Ensaio sobre a Cegueira. Estados Unidos: O2 – Fox Filmes,


2008. 120 minutos.
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SITES

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www.casadaindia.art.br/aldeia.asp?codAldeia=49, acessado em 25/07/2008

IMDB, Editors. Biography for Jim Carrey. Disponível em:


http://www.imdb.com/name/nm0000120/bio, acessado em 14/04/2008.

ONLINE, Bíblia. Salmos 139. Disponível em: http://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/139,


acessado em 08/11/2008.

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