ALAGOAS
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O historiador da educação que lida com tempos remotos precisa ser informado sobre os
temas mais recorrentes de uma época, ou sobre o que existe nos acervos locais. Se há,
por exemplo, abundância ou escassez de fontes sobre determinado tema, e assim, não se
deparar no decorrer da pesquisa com a ausência dos vestígios, pois sem eles a proposta
de pesquisa poderá ficar inviabilizada. Portanto, é consenso entre os historiadores da
educação brasileira considerar a importância da elaboração de catálogos de fontes, por
possibilitar a consolidação de grupos de pesquisa, haja vista ter em mãos uma base
sólida de informações acessíveis ao pesquisador interessado na área. É também uma
forma de remexer nos arquivos, recuperar material em estado de extravio, como é o caso
do acervo do Instituto Histórico de Alagoas, pelo descuido do poder público local, tanto
no que se refere à conservação de documentos, quanto na publicização das fontes. A
elaboração desse tipo de inventário significa o primeiro passo para organizar dados que
nos chegam dispostos de forma desordenada e fragmentada, os quais apenas adquirem
sentido no estabelecimento de relações com outros e com a literatura constituída.
Ficamos atentas às questões como: quem produziu essas fontes? Qual a natureza do
veículo da informação? A quem aquela imprensa periódica estava vinculado? Sobre o
que escreviam? Para qual público da elite intelectual escreviam? Quais seus
interlocutores? Quais os vínculos daquele conteúdo com debates nacionais, inclusive
divulgados no Sudeste brasileiro ou mesmo do exterior. Vale lembrar que esses homens
de letras alagoanos estavam atentos e informados sobre as notícias veiculadas pela
imprensa nacional e estrangeira, bem como consumidora de uma literatura no mesmo
porte, embora esse repertório de ilustração chegasse pelo mar com meses de atraso.
Outro cuidado com o mapeamento é de não compreender a ação do Estado sem que se
considere o emaranhado de relações privadas e filantrópicas. Assim a escola do século
XIX não deve ser nomeada de pública, privada ou filantrópica, considerando que estas
categorias não se distinguiam. Havia um entrelaçamento, dando outra feição ao que
costumamos nomear de laico e religioso, individual e coletivo, urbano e rural, publico e
privado.
Outro ponto importante relaciona-se às idéias pedagógicas mais recorrentes nas escolas
de Alagoas: quem delas se apropriavam e porquê, a forma de apropriação, os materiais
didáticos utilizados, o modo como as obras clássicas de pensadores europeus chegavam
a Alagoas, quem as traziam e o que traziam, quais os motivos e com quais recursos:
públicos ou privados ou um misto de ambos; os compêndios e métodos de ensino
adotados. Vale indagar sobre aqueles de sucesso na imprensa à época, como o método
de Leitura Repentina, de José Feliciano de Castilho ou o de leitura universal do Barão
de Macahuba (Abílio Cesar Borges), eram objetos de uso nas salas de aula.
O sistema de vigilância ou inspeção escolar seria outro elemento revelador desse
período, vigilância sobre práticas docentes e discentes, realizadas pelas figuras dos
inspetores geral e paroquial. Segundo mapa publicado pelo Presidente da Província de
Alagoas de 1859, havia um universo de cinqüenta inspetores paroquiais para o mesmo
número de vilas alagoanas. Em relação aos inspetores municipais, dezoito municípios
eram atendidos por dezessete inspetores. Os cargos de inspetores geral e paroquial
foram criados pela Reforma Couto Ferraz de 1854. Semelhante cargo já havia sido
criado com a reforma pombalina, em 1759, o de Diretor Geral de Estudos, mantido com
prestígio até o fim do Império. Tomaz do Bonfim Espíndola ocupou o cargo nos anos de
1860.
Poucos dados estão postos sobre o teor religioso do sistema público de ensino e das
práticas educacionais e escolares. Há difícil penetração desta leitura em nossa formação,
em razão da modernidade apregoada desde o século XVI pela Europa, a qual pretendia
alastrar princípios de liberdade e igualdade, de difícil sucesso num país multiétnico
como o Brasil. O grupo de intelectuais brasileiros formou a partir do século XIX a
noção de um Brasil de identidade homogênea, portanto, de cultura homogênea.
Diante desta questões, qual o teor religioso formulado pelo Estado brasileiro que nos
chega como laico? De que modo valores e crenças eram divulgados junto ao povo?
Como ficava, por exemplo, os rastros silenciados da educação do negro e do índio, os
mitos do povo nordestino? Como recuperar esta forma de educar? Como fica a
mesclagem entre crenças relacionadas à cultura indígena, africana ou mesmo o modo de
apropriação do cristianismo ocidental?
Por fim, ressalto os achados acerca da ação dos homens de letra do Império alagoano
(bacharéis e médicos) tidos como missionários das luzes e do progresso, na defesa
veemente de campanhas contra o analfabetismo, em defesa da pedagogia moderna ou da
laicização do ensino pela via do anti-jesuitismo. Utilizavam os jornais como tribuna ou
parlamento na defesa de seus projetos, garantindo-lhes visibilidade e ocupações futuras
em cargos públicos. Eles tanto contribuíam na constituição do sistema público, privado
e filantrópico de ensino, como na fundação de associações e grêmios literários que
tinham projetos de promoverem a disseminação das letras na província alagoana. Só
para citar algumas: a Sociedade Libertadora Alagoana (1881), que chegou a fundar a
Escola Central, uma instituição para meninos negros; a Sociedade Gabinete de Leitura,
fundado em 1857 pelo diretor da instrução pública José Correia da Silva Titara, que
tinha projeto de criação de escolas noturnas e serviços de empréstimo de livros,
transformando-se no embrião da biblioteca pública de Alagoas; a Sociedade Protetora
da Instrução Popular e a Sociedade Litteraria e Recreativa, esta última fundada por ex-
aluno do liceu provincial.
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