1. Introdução
Richmond na Virgínia nos Estados Unidos e o Rio de Janeiro no Brasil no século
XIX tinham várias semelhanças: nas duas a população cresceu rapidamente, as duas eram portos
atlânticos, nas duas as atividades econômicas se expandiram e se tornaram mais complexas, e as
duas durante o século XIX viraram importantes centros políticos: o Rio de Janeiro foi a capital do
Império do Brasil e Richmond acumulou suficiente poder nos Estados do Sul para chegar a se
converter na capital dos Estados Confederados durante a Guerra Civil Norte-americana.
Mas, acima de essas semelhanças havia uma outra que as identificava ainda mais e que
poucas outras cidades tinham: as duas eram grandes cidades escravistas com uma enorme e
crescente parcela de população de negros livres. Em toda a América, seria difícil encontrar outras
cidades com milhares de escravos e na que existiam cada vez mais negros livres.
O Rio de Janeiro a começos da década de 1820 tinha uns 80.000 habitantes, para
começos da década de 1870 já tinha quase 230.000 (KARASCH, 1987), isso significa um
crescimento de 228%. Richmond tinha em 1820 uns 12.000 habitantes e em 1870 já superava os
50.000 (CENSUS, 1998), isto é um aumento de 423%. Mas, o interessante é que entre os anos de
1820 e 1870 a população negra e mulata em cada cidade variava entre o 40% e o 53%.
A maioria dos negros e mulatos eram escravos. Por exemplo, em Richmond em 1830,
dos 8.300 negros que moravam nela, 6.300 eram escravos e em 1860 dos 14.275 negros que o censo
registrou, 11.699 eram cativos (CENSUS, 1998). No Rio de Janeiro, dos quase 100.000 habitantes
de 1838 um pouco mais de 37.000 estavam no cativeiro (KARASCH, 1987).
Ao mesmo tempo, a população de negros livres se expandia. Em Richmond entre 1820
e 1860 seu crescimento foi de 109% e no Rio de Janeiro, entre a década de 1830 e 1870, foi de
269%. Isso significa que se bem as cidades eram escravistas, também albergavam cada vez mais
negros livres.
Essa concentração de negros livres denota um outro fator que compartilham as duas
cidades: a maioria desde indivíduos trabalham por sua conta e arrumavam de forma autônoma os
recursos para sobreviver. Embora alguns deles trabalharam como empregados domésticos nas casas
de ricos senhores, quase todos tinham que sair para procurar trabalho, fosse nas fábricas, nas
oficinas de artesanato, nas lojas do comercio, nos hotéis e restaurantes, mas também nas vendas nas
ruas ou nos pequenos serviços pessoais.
2
Entre as variáveis que aparecem no registro de impostos trés delas tem
características que permitem seu emprego como índices de acumulação: valor dos bens
domésticos, valor de todos os bens y valor a ser pago. Dessas trés, escolhemos como
proxy da acumulação a última, pois é a que mais indivíduos registra, já que quase todos
os indivíduos pagaram impostos (enquanto muitos aparecem com 0 nas outras duas
variáveis) e é a que mais diferenças denota entre eles, pois diferencia, por exemplo entre
aqueles que pagam US$1 e aqueles que pagam US$1.01.
Porém, mesmo sendo a melhor proxy, ela tem vários problemas. Por
exemplo, não aparecem aqueles indivíduos que sonegam impostos ou aqueles que não
aparecem como negros livres e também nesta fonte não aparece a propriedade sobre a
terra, pois o imposto sobre ela não era registrado como pessoal e tinha seu próprio
registro (Land Records). Contudo, para os negros livres os impostos pessoais eram mais
abrangentes que os impostos sobre a terra e por isso trabalhamos com eles.
Nos registros de impostos pessoais os indivíduos aparecem numa listagem
sem alguma referência espacial. Para resolver o problema da ubicação no espaço
empregamos o diretório da Cidade, aproveitando que nele estão os endereços dos
indivíduos. Dessa forma, combinando as duas fontes temos localização e acumulação. O
problema é que para meados do século XIX só existem diretórios para 18525, 18566 e
18607 e deles só contamos com o primeiro, por tanto a primeira data que discutiremos
será 1852.
Para estabelecer a ubicação dos negros livres em 1860 usamos o Censo.
Nele o registro de ubicação não aparece explicitamente, mas o funcionário que fazia os
questionários registrava o número da sequência de cada casa e de cada família que
visitava. Isso significa que não é possível saber os endereços ou pontos exatos de
moradia, mas se pode inferir que tão perto, ou afastados, moravam uns dos outros.
Dos 491 negros livres de 1860 que pagaram impostos, conseguimos
localizar no Censo 198. Aqueles 293 que não aparecem foi, ou porque simplesmente não
estão numa das duas fontes, ou porque não é possível saber com certeza se tratava-se do
mesmo indivíduo. Por exemplo, nos impostos aparecem quatro mulheres com o nome
de Mary Smith, enquanto no Censo aparecem nove e não é possível saber qual
corresponde com qual. Temos o mesmo problema com o diretório de 1852, pois nele há
3
429 negros livres, mas só foi possível encontrar 87 nos registros de impostos.
Para o Rio de Janeiro a fonte foram as carta de alforria. Usamos como proxy
da acumulação o valor pago pela liberdade e só empregamos aquelas que tinham alguma
referência espacial8. Empregar o valor pago pela alforria como proxy da acumulação
gera vários problemas, por exemplo, esse valor foi acumulado durante a escravidão e
não durante o tempo que os indivíduos eram livres. Um outro problema é que esse valor
não necessariamente representa o total dos recursos do indivíduo e sua família, pois ele
poderia ter mais recursos que aquele valor que foi pago. Mas, além disso, tem um outro
problema: o valor da alforria era pago pelos negros livres uma vez na sua vida só, e por
tanto os valores pagos num ano representam, na melhor das hipóteses, a acumulação dos
anos anteriores e não a atividade econômica desse ano em específico.
Mas, outras fontes para conhecer a acumulação econômica dos negros livres
são ainda mais incertas. Por exemplo, para esses anos temos relativamente poucos
inventários pós-mortem de indivíduos que explicitamente sejam negros livres e mesmo
esses que temos só representam a acumulação no fim da vida. Por tanto, a forma de
conhecer essa variável tem que vir de combinar várias fontes com grandes volumes de
informação: por exemplo cruzando cartas de alforria com registros cartoriais de
negócios usando como pivô o endereço do indivíduos e assim inferir se aquele que
aparece alforriando-se numa fonte é o mesmo que aparece fazendo um negócio na outra
fonte. Mas esse tipo de informação ainda não está disponível e por tanto devemos
limitar este texto às cartas de liberdade, mesmo com todos os problemas que pode ter.
Para fazer a comparação entre as cidades, empregamos para o Rio de
Janeiro os mesmos anos dos que temos informação para Richmond: 1852 e 1860. Nos
dois casos usamos as cartas de liberdade dos dois anos anteriores e posteriores, além da
do próprio ano. Assim, para 1852 empregamos as alforrias de 1850-1854 e para 1860
aquelas de 1858 até 1862. Dessa forma, do total de 1.064 cartas registradas com algum
valor pago entre 1850 e 1854 usamos as 70 que tem alguma referência espacial e das
790 registradas entre 1858 e 1862 e que tinham algum valor pago empregamos as 45
com menção geográfica.
4
registros ao cruzar os dados, pois nos vemos obrigados a eliminar aqueles registros dos
quais não temos toda a informação, achamos que eles permitem ter uma ideia do padrão
de concentração ou dispersão espacial e a sua relação com ubicação na cidade.
Mas, para ter uma ideia sobre o arranjo espacial também devemos ter uma
imagem das duas cidades naqueles anos e as suas mudanças. Como comentamos no
começo do texto, as duas cidades tiveram grandes incrementos de população durante
aqueles anos e esse crescimento estava vinculado ao aumento nas atividades
econômicas.
Porém, esses incrementos significaram aumentos nas densidades
demográficas das cidades, pois o tamanho físico delas não variou na mesma proporção
em que variava a população. Para o Rio de Janeiro, a área que Maurício Abreu (1987)
chama do núcleo se mantem quase inalterada durante aqueles anos.
9 KARASCH, 1987
5
Ilustração 2: Rio de Janeiro em 186710
10 Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, Global Gateway. Nova Planta da Cidade do Rio de
Janeiro, disponível em http://memory.loc.gov/cgi-bin/map_item.pl. 30 jan 2009.
6
imagem da cidade em 1835 sobre um mapa da atualidade e o polígono vermelho
delimita o núcleo. A ilustração 4 apresenta a mesma informação, mas para 1869 e como
pode-se observar o núcleo se mantem inalterado em seu tamanho.
7
limite sul-oriental na veira do Rio, que aparece só na ilustração de 1869 também existia
em 1835, embora não esteja na ilustração.
12 Gilder Lehrman Institute of American History. Agradeço Robert Vernon da Central Virginia History
Researchers, Charlottesville por achar o mapa e permitir que seja usado neste texto.
8
concentração espacial, a ideia clássica dela é explicar a causa do incremento da
rentabilidade (que por sua vez puxa a concentração da produção) como derivada dos
aumentos no consumo, mas esses incrementos não podem ser pensados como dados
anteriores ao processo de concentração. (DUPERTUIS & SINHA, 2009)
Isso significa que não é necessariamente simples estabelecer se o processo
de concentração produtiva se deu para resolver, e aproveitar o potencial de um consumo
já concentrado mas insatisfeito ou se foi o processo de concentração produtivo o que
desencadeou o incremento do consumo. Seja qual for a resposta, ela sempre deveria ser
histórica e falar de cada situação específica.
Para o Rio de Janeiro e Richmond a meados do século XIX existia uma
concentração produtiva que empregava enormes contingentes de trabalhadores (mesmo
escravos) que tinham que resolver suas necessidades de consumo, o que por sua vez
gerava maiores esforços produtivos, incluindo o deslocamento de mais e mais
trabalhadores para as suas ruas.
No obstante, a atividade produtiva das duas cidades era substancialmente
diferente, o que provavelmente contribuiu para gerar um padrão de moradia distinto.
Mas antes de falar sobre a relação entre formas de produção e localização devemos
mostrar onde os negros livres moravam.
3. Aglomerados e dispersos
A ilustração 5 localiza os 206 lugares de moradia que o diretório de
Richmond em 1852 sinaliza como de negros livres e que conseguimos pôr no mapa. No
total, o diretório traz a informação de 429 negros livres, mas só para menos da metade
deles foi possível estabelecer um ponto geográfico. Porém, a imagem que passa a
ilustração é de uma clara concentração deste indivíduos na parte norte da Broad St. até
os limites da Cidade, entre as ruas Henry e Terceira. Hoje essa região é conhecida como
Jackson Ward e na memória da Cidade ainda se mantem a imagem dela como o lugar de
maior concentração de negros livres.
A outra região com alguma concentração estava no oriente da cidade: entre
as ruas 17 e 25 e entre Cary St. e Grace St. Também é importante observar que entre a
Terceira e a 17th St pouco negros livres moravam. Essa era a região central da Cidade e
onde muitos dos prédios públicos e comerciais se concentravam.
9
Ilustração 5: Ubicação dos negros livres em Richmond em 185213
10
também produziam alforrias. Por exemplo, o eixo Jacarepaguá – Guaratiba no sentido
sul-oeste concentrou 8 alforrias, e o eixo noroeste partindo de Inhaúma passando por
Irajá e chegando até Iguaçu tinha 12 alforrias pagas.
Como já comentamos, as alforrias não são necessariamente a imagem exata
da localização dos negros livres. Mas, mesmo assim a ideia que passa do mapa 1 é que
fronteira que separava o núcleo do Rio de Janeiro e a sua periferia era muito mais fluída
que aquela que mantinha o núcleo de Richmond com a sua própria periferia. Incluso se
o 20% que representam os alforriados do núcleo sobre o total de alforrias na cidade
carioca em 1852 não podam ser extrapolados para falar de toda a população de negros
livres na urbe, se é claro que na periferia se arrumavam recursos suficientes para
financiar, em grande escala, um grupo de habitantes que se transformava de escravos em
livres.
Essas formas diferentes no arranjo espacial, com os negros livres de
Richmond muito mais aglomerados que os do Rio de Janeiro, sugere o emprego de
métodos de clusters que é a forma tradicional de trabalhar com as questões de
distribuição espacial. Trata-se de empregar cada região pre-definida da cidade, por
exemplo bairro ou zona periférica, e observar a sua concentração para compará-la com
as outras regiões. Porém, esse uso de zonas já pre-definidas pode ser contestado ao
afirmar que isso interfere nos resultados (MORPHET, 1997).
Para resolver esse problema, alguns autores preferem métodos que não
precisem de regiões pre-definidas e sim que calculem suas próprias regiões com a
informação disponível optimizando a quantidade de regiões segundo a concentração na
variável observada (MARCON & PUECH, 2009). Isso significa, para nós neste texto,
que poderíamos calcular a quantidade de sub-zonas que definem a distribuição espacial
dos negros livres empregando a acumulação econômica como a variável que define esse
arranjo.
Para fazer isso precisamos da informação de acumulação. A ilustração 6 tem
a informação dos 87 negros livres que estão, simultaneamente, no diretório de 1852 e
nos registros de impostos pessoais desse mesmo ano. Como se observa, a maioria deles
pagaram US$1 e um indivíduo só, pagou menos que isso. Outros 13 pagaram entre
US$1.01 e US$2. Outros dois pagaram entre US$2.01 e US$3. Um outro pagou
US$3,01 e por fim, o negro livre mais rico da cidade pagou US$9.80.
Como a ilustração apresenta, a maioria dos indivíduos da região noroeste
11
pagaram US$1, mas aquele que era o mais rico da cidade morava no outro extremo da
cidade, na região sul-ocidental e foi nessa região em que a diversidade de valores pagos
ficou mais clara. Isso significa que a atual região de Jackson Ward concentrava a
maioria dos negros livres pobres, enquanto na veira do Rio no lado oriental da cidade
moravam alguns dos que tinham um pouco mais de recursos. Porém, também existiam
um par de indivíduos que pagaram importantes quantidades e que moravam no sul da
Board St entre as ruas Segunda e Terceira e alguns de aqueles que moravam no sul do
centro da Cidade também tinham mais recursos que seus vizinhos do lado norte.
Ilustração 6: Ubicação e valor pago nos impostos pessoais dos negros livres de
Richmond em 185215
12
Também é importante observar que aquelas alforrias pagas na periferia mais
próxima do núcleo tem valores menores, ou seja o borde formado por a Ilha do
Governador, Benfica e Jardim Botânico não tem valores tão altos quanto os dos eixos
Jacarepaguá – Guaratiba ou Inhaúma – Irajá – Iguaçu, ou mesmo da região de Campo
Grande.
13
Mapa 3: Ubicação das alforrias pagas no Rio de Janeiro entre 1858-186217
17 Ibid
14
Mapa 4: Valores pagos pela alforria no Rio de Janeiro entre 1858-186218
18 Ibid
15
Gráfico 1: Valor pago em impostos pessoais pelos negros livres da primeira região
de Richmond segundo a sequência no Censo de 186019
1400
1200
1000
Número da casa
800
600
400
200
0
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55
Día do Censo
Gráfico 2: Valor pago em impostos pessoais pelos negros livres da segunda região
de Richmond segundo a sequência no Censo de 186020
1400
1200
1000
Número da casa
800
600
400
200
0
10 20 30 40 50 60 70 80
Día do Censo
16
Gráfico 3: Valor pago em impostos pessoais pelos negros livres da terceira região
de Richmond segundo a sequência no Censo de 186021
12
10
8
Número da Casa
0
1
Día do Censo
21 Ibid
17
espaciais pre-definidas e dessa forma empregamos a informação das regiões da cidades
que o Censo de 1860 traz. A tabela 1 tem essa informação. Para estabelecer as trés
regiões de 1852 usamos os limites dos que falamos na página anterior e para 1860 cada
zona foi sub-dividida em trés grupos de 26 dias cada.
Tabela 1: Valores pagos nos impostos pessoais pelos negros livres de Richmond
segundo a distribuição espacial22
1852 1860
Valor % 1wd Valor %
>26 $43.35 14,61%
27-52 $42.71 14,39%
1wd $40.74 41,1% Total 1wd $ 86,06 29,00%
2wd
-26 $13.78 4,64%
26-52 $29.45 9,92%
<53 $21.01 7,08%
2wd $13.53 13,7% Total 2wd $ 64,24 21,64%
3wd
>26 $16.43 5,54%
26-52 $10.70 3,61%
<53 $119.37 40,22%
3wd $44.74 45,19% Total 3wd $ 146,50 49,36%
Total $99.01 Total $ 296,80
22 Ibid
18
partir dele geramos sete rádios: o primeiro com um comprimento menor de 1 km, o
segundo entre 1 km e 10 km, o seguinte entre 10 km e 20 km, e assim até chegar aos 50
km. Os pontos localizados numa maior distancia que esses 50 km foram alocados numa
sub-região adicional.
19
isso acontecera, também é claro que a fronteira de essa distribuição é mais fluída que a
de Richmond, pois no Rio de Janeiro enquanto nos afastamos do centro da Cidade, de
forma simultânea os valores acumulados paulatinamente se reduzem. Por tanto,
começamos na máxima concentração no núcleo e terminamos na mínima na periferia
que fica distante a 50 km desse centro.
Uma imagem diferente fica de Richmond. Nela há um espaço menor que
concentra a metade da acumulação e esse centro não se dilui de forma paulatina
enquanto percorremos uma distância maior nos afastando dele. E a fronteira da Cidade é
uma fronteira física para a acumulação econômica dos negros livres.
20
periferia da Cidade. Todo pareceria indicar que os negros livres cariocas tinham mais
oportunidades de ter terras na periferia que os virginianos. Era bem possível que essa
tenência não fosse necessariamente formal e legal, mas o padrão de distribuição espacial
poderia estar na mesma trilha da famosa brecha camponesa da escravidão nas Américas.
A situação poderia ser que os negros cariocas tinham terras na periferia e os
de Richmond não, e portanto estes ficavam aglomerados em Jackson Ward. Porém, a
questão passa ser os salários que eles tinham, pois como é mais ou menos evidente, os
lugares com alta densidade de atividade econômica geralmente significam maiores
preços da terra mas também maiores salários (GLAESER & MARE, 2001).
Em outras palavras, os negros livres de Richmond seriam trabalhadores na
Cidade que eram retidos pelos produtores ao mesmo tempo em que não podiam ter
terras na periferia? Seria um processo simultâneo de exclusão da produção camponesa e
de retenção na atividade econômica urbana? Em quanto no Rio de Janeiro a situação
seria a contraria: menor retenção no núcleo e oportunidades na periferia?
A forma mais obvia de resolver a questão seria observando os ocupações
dos negros livres: se eles declaram nas alforrias ou nos impostos, censo ou diretório qual
era sua ocupação poderíamos saber se uns eram trabalhadores urbanos e os outros
combinavam atividades urbanas e camponesas. No obstante, e a pesar que essa pesquisa
tem que ser feita, as chances dela resolver a questão são pequenas, já que as fontes tem
problemas com essa informação, pois as ocupações se mencionam com pouco rigor nas
fontes e os entrevistados e entrevistadores preenchem esse campo nos formulários e
documentos sem reparar muito neles.
Não seria tão simples assim estabelecer que os negros livres de Richmond
eram trabalhadores especializados e os do Rio de Janeiro bem mais flexíveis e essa
relação entre aglomeração e especialização não pode ser pensada como dada para estes
contextos. (BACALOD, Et. Al., 2009). Nas duas estes indivíduos tem trabalhos
semelhantes. Mas, a diferença poderia estar mais no lado da procura do mercado de
trabalho que no lado da oferta.
Em Richmond havia um pequeno grupo de grandes empregadores de
trabalhadores, pois existiam grandes complexos produtivos, no Rio de Janeiro a
demanda por trabalhadores não estava tão concentrada. Por tanto, existia um relativo
monopsônio na capital da Virgínia se comprado com a capital carioca, pois a grande
quantidade de oferentes de força de trabalho eram contrapostos a poucos compradores
21
em Richmond em relação a quantidade desses compradores no Rio de Janeiro.
Essa situação, agregada à alta elasticidade da oferta de trabalho em relação
ao salário implicava um estímulo à aglomeração da atividade econômica em Richmond,
pois os empregadores poderiam aumentar a atividades de forma simultânea com salários
estáveis ou mesmo em queda. Enquanto no Rio de Janeiro, a pesar de ser uma cidade
maior e mais densa, esse processo não tinha a mesma força e os empregadores não
estavam numa situação de monopsônio, pois em geral, as grandes cidades tem mercados
de trabalho nos que um grupo de empregadores não consegue impôr o salário
(MANNING, 2009).
Esta ideia não foi testada neste texto e é só uma ideia simples. Mas, mesmo
que suponhamos que ela seja verdade, ainda assim não resolver completamente a
questão, já que ela só demonstraria que existia um processo de aglomeração da
atividade econômica e não da concentração dos negros livres em poucos quarterões. Por
muito, ela poderia responder porque a fronteira do núcleo do Rio de Janeiro era mais
fluída, mas não responde porque Jackson Ward concentrava tanta gente em Richmond.
Contudo, a aglomeração da atividade econômica poderia ter uma
consequência no arranjo da moradia dos trabalhadores, pois se eles moravam perto uns
dos outros, talvez assim conseguiram reduzir seus custos de transação, pois era no bairro
onde circulava a informação sobre os trabalhos, sobre onde estavam os melhores e os
piores empregos, e era nas pequenas conversas na rua e nas interações simples dos
indivíduos em que se resolvia uma boa parte dos problemas da existência (HAM &
MANLEY, 2010) num contexto tão difícil como foi Richmond naqueles anos.
Como o mercado de trabalho no Rio de Janeiro era bem mais equilibrado
entre procura e oferta, então a redução dos custos de transação possivelmente não era
uma questão tão fundamental para o arranjo espacial. Nesta Cidade, a combinação de
atividades no meio rural e no meio urbano eram o tema essencial para estabelecer a
moradia.
De tal forma, seria possível que a combinação diferente de trés âmbitos:
mercados de trabalho urbano, oportunidade para produção rural e custos de transação
seja o que explique o arranjo espacial diferenciado de Richmond e do Rio de Janeiro.
Mas, isso só sera possível de saber avançando na pesquisa e incluir muitas mais
variáveis e agentes.
22
Textos citados
• ABREU, M. (1987). Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Iplanrio / Jorge Zahar
Editor.
• ALENCASTRO, L. F. (1988). Proletarios e escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos no
Rio de Janeiro, 1850-1872. Novos Estudos-Cebap , 21.
• BACALOD, M., BLUM, B.& STRANGE, W. (2009). Urban interactions: soft skills versus
specialization. In: Journal of Economic Geography, 9: 227-262.
• BOLSTER, A., BURGESS, S., JOHNSTON, R., JONES, K., PROPPER, C., SARKER, R. (2007)
Neighbourhoods, households and income dynamics: a semi-parametric investigation of
neighbourhood effects. In: Journal of Economic Geography, 7: 1–38.
• DUPERTUIS, M. & SINHA, A. (2009). A Sraffian critique of the classical notion of centre of
gravitation. In: Cambridge Journal of Economics, 33: 1065–1087.
• FRANKE, R. (2000). Optimal Utilization of Capital and a Financial Sector in a Classical Gravitation
Process. In: Metroeconomica, 51 (1): 40–66.
• GLAESER, E. L. & MARE, D. C. (2001) Cities and Skills. In: Journal of Labor Economics, 19:
316–342.
• GOLDIN, C. (1976). Urban Slavery in the American South, 1820-1860. A quantitative history.
Chicago: University of Chicago Press.
• HAM, M. V. & MANLEY, D. (2010).The effect of neighbourhood housing tenure mix on labour
market outcomes: a longitudinal investigation of neighbourhood effects. In: Journal of Economic
Geography, 10: 257–282.
• KARASCH, M. (1987). Slave Life in Rio de Janeiro 1808-1850. Princeton: Princeton University
Press.
• KIMBALLM, G. (2003). American city, Southern place. A cultural history of Antebellum
Richmond. Londres: The University of Georgia Press.
• LAMARÃO, S. (1991). Dos trapiches ao porto: um estudo sobre a área portuária do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura.
• LOBO, M. E. (1978). História do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital industrial e
financeiro). Rio de Janeiro: IBMEC.
• MANNING, A. (2009). The plant size-place effect: agglomeration and monopsony in labour
markets. In: Journal of Economic Geography.
• MARCON, E. & PUECH, F. (2009). Measures of the geographic concentration of industries:
improving distance-based methods. In: Journal of Economic Geography. pp. 1–18.
• MARGO, R. (1990). Wages and Prices during the Antebellum Period: A Survey and New Evidence.
NBER: Historical Working Papers No. 0019.
• MATTOS, H. M. (1998). Das cores do silêncio: os significados da liberade no sudeste escravista,
Brasil, Séc. XIX. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.
• MELLO, P. C. (1992). Expectation of Abolition and Sanguinity of Coffee Planters in Brazil, 1871-
1881. En R. FOGEL, Without Consent of Contract: Conditions of Slave Life and the Transition to
Freedom: Technical Papers Vol 2. New York: WW. Norton & Company.
• MORPHET, C. S. (1997). A statistical method for the identification of spatial clusters. In:
Environment and Planning A, 29: 1039–1055.
• OREOPOULOS, P. (2003). The long-run consequences of living in a poor neighborhood. In:
Quarterly Journal of Economics, 118: 1533–1575.
• Population Division U.S.Bureau of the Census. (June de 1998). U.S. Census Bureau. Recuperado el
17 de 02 de 2009, de
http://www.census.gov/population/www/documentation/twps0027/twps0027.
• SOAREZ, L. C. (2006). ´Povo de Cam´ na capital do Brasil: A escravidão urbana no Rio de
Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Inédito.
• WALSH, L. (1992). Consumer Behavior, Diet and the Standard of Living in Late Colonial and Early
Antebellum America, 1770-1840. In: R. GALLMAN, & J. J. WALLIS, American Economic Growth
and Standards of Living before the Civil War. Chicago: Chicago University Press.
23