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Arranjo espacial da acumulação econômica dos negros livres do Rio de Janeiro (Brasil) e

Richmond (Virgínia, EUA) em meados do século XIX

Carlos Eduardo Valencia Villa1

1. Introdução
Richmond na Virgínia nos Estados Unidos e o Rio de Janeiro no Brasil no século
XIX tinham várias semelhanças: nas duas a população cresceu rapidamente, as duas eram portos
atlânticos, nas duas as atividades econômicas se expandiram e se tornaram mais complexas, e as
duas durante o século XIX viraram importantes centros políticos: o Rio de Janeiro foi a capital do
Império do Brasil e Richmond acumulou suficiente poder nos Estados do Sul para chegar a se
converter na capital dos Estados Confederados durante a Guerra Civil Norte-americana.
Mas, acima de essas semelhanças havia uma outra que as identificava ainda mais e que
poucas outras cidades tinham: as duas eram grandes cidades escravistas com uma enorme e
crescente parcela de população de negros livres. Em toda a América, seria difícil encontrar outras
cidades com milhares de escravos e na que existiam cada vez mais negros livres.
O Rio de Janeiro a começos da década de 1820 tinha uns 80.000 habitantes, para
começos da década de 1870 já tinha quase 230.000 (KARASCH, 1987), isso significa um
crescimento de 228%. Richmond tinha em 1820 uns 12.000 habitantes e em 1870 já superava os
50.000 (CENSUS, 1998), isto é um aumento de 423%. Mas, o interessante é que entre os anos de
1820 e 1870 a população negra e mulata em cada cidade variava entre o 40% e o 53%.
A maioria dos negros e mulatos eram escravos. Por exemplo, em Richmond em 1830,
dos 8.300 negros que moravam nela, 6.300 eram escravos e em 1860 dos 14.275 negros que o censo
registrou, 11.699 eram cativos (CENSUS, 1998). No Rio de Janeiro, dos quase 100.000 habitantes
de 1838 um pouco mais de 37.000 estavam no cativeiro (KARASCH, 1987).
Ao mesmo tempo, a população de negros livres se expandia. Em Richmond entre 1820
e 1860 seu crescimento foi de 109% e no Rio de Janeiro, entre a década de 1830 e 1870, foi de
269%. Isso significa que se bem as cidades eram escravistas, também albergavam cada vez mais
negros livres.
Essa concentração de negros livres denota um outro fator que compartilham as duas
cidades: a maioria desde indivíduos trabalham por sua conta e arrumavam de forma autônoma os
recursos para sobreviver. Embora alguns deles trabalharam como empregados domésticos nas casas
de ricos senhores, quase todos tinham que sair para procurar trabalho, fosse nas fábricas, nas
oficinas de artesanato, nas lojas do comercio, nos hotéis e restaurantes, mas também nas vendas nas
ruas ou nos pequenos serviços pessoais.

1 Doutorando Universidade Federal Fluminense, bolsista CAPES


Essa atividade econômica dos negros livres nestas duas cidades durante a
época escravista ainda não foi pesquisada de forma sistemática; mas mesmo assim,
algumas coisas já foram estabelecidas pela historiografia e não precisamos nos deter
nelas. (ALENCASTRO, 1987)(MATTOS, 1998)(SOARES, 2006)(GOLDIN, 1976)
(MARGO, 1990)(WALSH, 1992) Contudo, um dos elementos que ainda não se
incorporou na pesquisa é a influência da geografia e do tipo de urbanismo dessas
cidades sobre a vida econômica.
Como insistentemente lembram os historiadores do meio ambiente e os
geógrafos históricos, os historiadores ainda têm o habito de descrever e interrogar o
passado como se ele não estivesse em relação com o meio físico em que os indivíduos
ou agentes estavam. Nesse sentido, este texto procura falar sobre os contrastes no
arranjo espacial da acumulação econômica dos negros livres de Rio de Janeiro e
Richmond a meados do século XIX.
Por arranjo espacial denotamos a maior, ou menor, concentração na moradia
dos negros livres nas cidades e por acumulação econômica queremos dizer a quantidade
de recursos materiais que tinham esses indivíduos, que como mais na frente
discutiremos, eram escassos e a maioria deles morava na pobreza, mas precisamente por
isso, é fundamental conhecer as suas estrategias econômicas de sobrevivência.
A ideia é descrever o padrão espacial de moradia e a relação que ele tem
com a acumulação. É evidente que essa descrição gera o interrogante sobre o que
explica esse padrão. Nós ainda não temos uma resposta conclusiva a essa pergunta e
este texto só indaga sobre uma possível hipótese que vincula o mercado de trabalho e de
terras na cidade e sua periferia com o arranjo espacial de moradia. Mas como dizemos,
ainda essa ideia não foi testada como para ter certeza sobre sua possível validade.
Para estabelecer a relação entre arranjo espacial e acumulação econômica
em Richmond combinamos as fontes de impostos pessoais (Tax Records)2, o Censo3 e o
diretório da cidade4. Os impostos pessoais registram vários tipos de bens que os
indivíduos tinham e com base neles as autoridades calculavam o valor a ser pago em
impostos cada ano. Todos os negros livres maiores de 21 anos e menores de 55 que
moravam na cidade tinham que pagar, no obstante várias vezes aparecem nos registros
indivíduos mais velhos que essa idade.

2 Disponível na Biblioteca da Virgínia, Richmond.


3 Disponível na Biblioteca Alderman da Universidade da Virgínia. Charlottesville, Virgínia.
4 Disponível na Biblioteca da Universidade da Virgínia. Special Collection. Charlottesville, Virgínia.

2
Entre as variáveis que aparecem no registro de impostos trés delas tem
características que permitem seu emprego como índices de acumulação: valor dos bens
domésticos, valor de todos os bens y valor a ser pago. Dessas trés, escolhemos como
proxy da acumulação a última, pois é a que mais indivíduos registra, já que quase todos
os indivíduos pagaram impostos (enquanto muitos aparecem com 0 nas outras duas
variáveis) e é a que mais diferenças denota entre eles, pois diferencia, por exemplo entre
aqueles que pagam US$1 e aqueles que pagam US$1.01.
Porém, mesmo sendo a melhor proxy, ela tem vários problemas. Por
exemplo, não aparecem aqueles indivíduos que sonegam impostos ou aqueles que não
aparecem como negros livres e também nesta fonte não aparece a propriedade sobre a
terra, pois o imposto sobre ela não era registrado como pessoal e tinha seu próprio
registro (Land Records). Contudo, para os negros livres os impostos pessoais eram mais
abrangentes que os impostos sobre a terra e por isso trabalhamos com eles.
Nos registros de impostos pessoais os indivíduos aparecem numa listagem
sem alguma referência espacial. Para resolver o problema da ubicação no espaço
empregamos o diretório da Cidade, aproveitando que nele estão os endereços dos
indivíduos. Dessa forma, combinando as duas fontes temos localização e acumulação. O
problema é que para meados do século XIX só existem diretórios para 18525, 18566 e
18607 e deles só contamos com o primeiro, por tanto a primeira data que discutiremos
será 1852.
Para estabelecer a ubicação dos negros livres em 1860 usamos o Censo.
Nele o registro de ubicação não aparece explicitamente, mas o funcionário que fazia os
questionários registrava o número da sequência de cada casa e de cada família que
visitava. Isso significa que não é possível saber os endereços ou pontos exatos de
moradia, mas se pode inferir que tão perto, ou afastados, moravam uns dos outros.
Dos 491 negros livres de 1860 que pagaram impostos, conseguimos
localizar no Censo 198. Aqueles 293 que não aparecem foi, ou porque simplesmente não
estão numa das duas fontes, ou porque não é possível saber com certeza se tratava-se do
mesmo indivíduo. Por exemplo, nos impostos aparecem quatro mulheres com o nome
de Mary Smith, enquanto no Censo aparecem nove e não é possível saber qual
corresponde com qual. Temos o mesmo problema com o diretório de 1852, pois nele há

5 Disponível na Biblioteca da Universidade da Virginia. Special Collection. Charlottesville, Virgínia.


6 Disponível na Bibioteca de The College of William & Mary. Williamsburg, Virgínia.
7 Disponível na Biblioteca da Virgínia. Richmond.

3
429 negros livres, mas só foi possível encontrar 87 nos registros de impostos.
Para o Rio de Janeiro a fonte foram as carta de alforria. Usamos como proxy
da acumulação o valor pago pela liberdade e só empregamos aquelas que tinham alguma
referência espacial8. Empregar o valor pago pela alforria como proxy da acumulação
gera vários problemas, por exemplo, esse valor foi acumulado durante a escravidão e
não durante o tempo que os indivíduos eram livres. Um outro problema é que esse valor
não necessariamente representa o total dos recursos do indivíduo e sua família, pois ele
poderia ter mais recursos que aquele valor que foi pago. Mas, além disso, tem um outro
problema: o valor da alforria era pago pelos negros livres uma vez na sua vida só, e por
tanto os valores pagos num ano representam, na melhor das hipóteses, a acumulação dos
anos anteriores e não a atividade econômica desse ano em específico.
Mas, outras fontes para conhecer a acumulação econômica dos negros livres
são ainda mais incertas. Por exemplo, para esses anos temos relativamente poucos
inventários pós-mortem de indivíduos que explicitamente sejam negros livres e mesmo
esses que temos só representam a acumulação no fim da vida. Por tanto, a forma de
conhecer essa variável tem que vir de combinar várias fontes com grandes volumes de
informação: por exemplo cruzando cartas de alforria com registros cartoriais de
negócios usando como pivô o endereço do indivíduos e assim inferir se aquele que
aparece alforriando-se numa fonte é o mesmo que aparece fazendo um negócio na outra
fonte. Mas esse tipo de informação ainda não está disponível e por tanto devemos
limitar este texto às cartas de liberdade, mesmo com todos os problemas que pode ter.
Para fazer a comparação entre as cidades, empregamos para o Rio de
Janeiro os mesmos anos dos que temos informação para Richmond: 1852 e 1860. Nos
dois casos usamos as cartas de liberdade dos dois anos anteriores e posteriores, além da
do próprio ano. Assim, para 1852 empregamos as alforrias de 1850-1854 e para 1860
aquelas de 1858 até 1862. Dessa forma, do total de 1.064 cartas registradas com algum
valor pago entre 1850 e 1854 usamos as 70 que tem alguma referência espacial e das
790 registradas entre 1858 e 1862 e que tinham algum valor pago empregamos as 45
com menção geográfica.

2. As cidades a meados do século


Mesmo com todos os problemas que os impostos pessoais e dos valores das
alforrias podam ter como proxy da acumulação econômica, e o maior deles é perdida de
8 Cartas de Alforria. Disponível no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Seção de Cartórios

4
registros ao cruzar os dados, pois nos vemos obrigados a eliminar aqueles registros dos
quais não temos toda a informação, achamos que eles permitem ter uma ideia do padrão
de concentração ou dispersão espacial e a sua relação com ubicação na cidade.
Mas, para ter uma ideia sobre o arranjo espacial também devemos ter uma
imagem das duas cidades naqueles anos e as suas mudanças. Como comentamos no
começo do texto, as duas cidades tiveram grandes incrementos de população durante
aqueles anos e esse crescimento estava vinculado ao aumento nas atividades
econômicas.
Porém, esses incrementos significaram aumentos nas densidades
demográficas das cidades, pois o tamanho físico delas não variou na mesma proporção
em que variava a população. Para o Rio de Janeiro, a área que Maurício Abreu (1987)
chama do núcleo se mantem quase inalterada durante aqueles anos.

Ilustração 1: Río de Janeiro em 18319

A ilustração 1 mostra a imagem do Rio de Janeiro em 1831 encaixada num


mapa da atualidade e o polígono verde demarca esse núcleo (ABREU, 1987). A
ilustração 2 apresenta a mesma informação para 1867 e pode-se observar como o núcleo
ainda está demarcando nos mesmos quarterões entre o morro da conceição e os morros
do castelo e Santo Antônio no eixo norte-sul e das praias do peixe e mineiros até o
campo de Santana no eixo oriente-ocidente.

9 KARASCH, 1987

5
Ilustração 2: Rio de Janeiro em 186710

O crescimento da Cidade se dá, na zona sul, seguindo as ruas da Glória,


Catete, Flamengo e Botafogo onde se bifurca nos caminhos de Copacabana e São
Clemente. Enquanto para a zona ocidental do Centro esse crescimento se dá depois do
Campo de Santana, no sentido da Cidade Nova seguindo as ruas de São Pedro e do
Sabão para continuar pela do Mangué e do Aterro para após bifurcar-se nos caminhos de
São Cristovão e do Engenho Velho.
Contúdo, como a ilustração 2 sinaliza, esse crescimento não foi denso e as
unidades continuavam espalhadas deixando a concentração e densificação para o centro
da Cidade e é provável que a única região da Cidade que se densificou nesses trinta
anos, além do núcleo, fosse a da Gamboa – Cajú (LAMARÃO, 1991).
Para Richmond a situação é semelhante ao Rio de Janeiro: densificação
mais que crescimento da área geográfica (KIMBALL, 2003). A ilustração 3 mostra a

10 Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, Global Gateway. Nova Planta da Cidade do Rio de
Janeiro, disponível em http://memory.loc.gov/cgi-bin/map_item.pl. 30 jan 2009.

6
imagem da cidade em 1835 sobre um mapa da atualidade e o polígono vermelho
delimita o núcleo. A ilustração 4 apresenta a mesma informação, mas para 1869 e como
pode-se observar o núcleo se mantem inalterado em seu tamanho.

Ilustração 3: Richmond em 183511

Porém, é provável que a diferença entre a densificação do Rio de Janeiro e


Richmond a meados do século XIX fosse o maior tamanho do núcleo da Cidade Norte-
americana, pois o polígono nela tinha uma largura de uns 4 km e um cumprimento de
1.5 Km; enquanto no Rio de Janeiro esse polígono era de 1.5 km por 1 km o que
agregado a maior volumem populacional da cidade sul-americana pode dar uma ideia do
forte processo de densificação que ela teve nessas décadas, pois num espaço físico
menor tinham que se acomodar, dependendo da época, quatro ou cinco vezes mais
pessoas.
Dessa forma, Richmond não tem crescimento físico na periferia do núcleo,
tal e como tinha acontecido no Rio de Janeiro, embora como já comentamos, esse
crescimento extra-núcleo não fosse muito denso na cidade carioca. Como se pode ver ao
comparar a ilustração 3 com a 4, Richmond é mais ou menos similar entre 1835 e 1869
a pesar que seu crescimento população tinha sido de 319% nesses anos. É provável que
a única nova zona da Cidade fosse nos limites nororientais, pois a região de Rocketts, no
11 Disponível na Virginia Historical Society. Richmond, Virginia. Plan of the city of Richmond drawn
from actual survey and regional plans. [Richmond], 1835. Disponivel em: http://vhs3.vahistorical.org/
Manuscripts/Map F234 R5 1835:1. 30 Jan 2009.

7
limite sul-oriental na veira do Rio, que aparece só na ilustração de 1869 também existia
em 1835, embora não esteja na ilustração.

Ilustração 4: Richmond em 186912

As duas cidades se densificaram, embora o Rio de Janeiro muito mais que


Richmond. Nas duas cada ano moravam mais e mais pessoas e esse crescimento estava
ligado às atividades econômicas desenvolvidas nas cidades. Para entender esse
crescimento populacional e econômico num lugar específico a ideia clássica da
geografia econômica é a de centro gravitacional (FRANKE, 2000) na qual os fatores de
produção se deslocam para esse ponto específico na procura de maximizar a
rentabilidade.
A ideia é que aqueles lugares que oferecem maiores rentabilidades vão
concentrando mais atividades, mas essa mesma concentração implica que os custos de
alocar recursos nelas se vão incrementando (GLAESER & MARE, 2001) o que num
momento poderia chegar a contradizer o processo de concentração.
Um pouco mais na frente voltaremos sobre a questão de concentração e
rentabilidade, agora o que interessa sinalar é que embora a ideia de centro de
gravitacional procure combinar o problema do crescimento econômico com o de

12 Gilder Lehrman Institute of American History. Agradeço Robert Vernon da Central Virginia History
Researchers, Charlottesville por achar o mapa e permitir que seja usado neste texto.

8
concentração espacial, a ideia clássica dela é explicar a causa do incremento da
rentabilidade (que por sua vez puxa a concentração da produção) como derivada dos
aumentos no consumo, mas esses incrementos não podem ser pensados como dados
anteriores ao processo de concentração. (DUPERTUIS & SINHA, 2009)
Isso significa que não é necessariamente simples estabelecer se o processo
de concentração produtiva se deu para resolver, e aproveitar o potencial de um consumo
já concentrado mas insatisfeito ou se foi o processo de concentração produtivo o que
desencadeou o incremento do consumo. Seja qual for a resposta, ela sempre deveria ser
histórica e falar de cada situação específica.
Para o Rio de Janeiro e Richmond a meados do século XIX existia uma
concentração produtiva que empregava enormes contingentes de trabalhadores (mesmo
escravos) que tinham que resolver suas necessidades de consumo, o que por sua vez
gerava maiores esforços produtivos, incluindo o deslocamento de mais e mais
trabalhadores para as suas ruas.
No obstante, a atividade produtiva das duas cidades era substancialmente
diferente, o que provavelmente contribuiu para gerar um padrão de moradia distinto.
Mas antes de falar sobre a relação entre formas de produção e localização devemos
mostrar onde os negros livres moravam.

3. Aglomerados e dispersos
A ilustração 5 localiza os 206 lugares de moradia que o diretório de
Richmond em 1852 sinaliza como de negros livres e que conseguimos pôr no mapa. No
total, o diretório traz a informação de 429 negros livres, mas só para menos da metade
deles foi possível estabelecer um ponto geográfico. Porém, a imagem que passa a
ilustração é de uma clara concentração deste indivíduos na parte norte da Broad St. até
os limites da Cidade, entre as ruas Henry e Terceira. Hoje essa região é conhecida como
Jackson Ward e na memória da Cidade ainda se mantem a imagem dela como o lugar de
maior concentração de negros livres.
A outra região com alguma concentração estava no oriente da cidade: entre
as ruas 17 e 25 e entre Cary St. e Grace St. Também é importante observar que entre a
Terceira e a 17th St pouco negros livres moravam. Essa era a região central da Cidade e
onde muitos dos prédios públicos e comerciais se concentravam.

9
Ilustração 5: Ubicação dos negros livres em Richmond em 185213

Mapa 1: Ubicação das alforrias pagas no Rio de Janeiro entre 1850-185414

Para o Rio de Janeiro o padrão espacial é diferente: as 70 alforrias pagas


entre os anos de 1850 e 1854 mostram uma clara dispersão. Embora o núcleo da cidade
tenha o maior dado, concentrando 13 alforriados, existiam algumas outras regiões que
13 Diretório da Cidade de Richmond. Disponível na Biblioteca da Universidade da Virgínia. Special
Collection. Charlottesville,
14 Cartas de Liberdade. Disponível no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, seção Cartórios. Agradeço
Marcela Ardila, doutoranda em geografia pela UFRJ por elaborar os mapas que aparecem neste texto.

10
também produziam alforrias. Por exemplo, o eixo Jacarepaguá – Guaratiba no sentido
sul-oeste concentrou 8 alforrias, e o eixo noroeste partindo de Inhaúma passando por
Irajá e chegando até Iguaçu tinha 12 alforrias pagas.
Como já comentamos, as alforrias não são necessariamente a imagem exata
da localização dos negros livres. Mas, mesmo assim a ideia que passa do mapa 1 é que
fronteira que separava o núcleo do Rio de Janeiro e a sua periferia era muito mais fluída
que aquela que mantinha o núcleo de Richmond com a sua própria periferia. Incluso se
o 20% que representam os alforriados do núcleo sobre o total de alforrias na cidade
carioca em 1852 não podam ser extrapolados para falar de toda a população de negros
livres na urbe, se é claro que na periferia se arrumavam recursos suficientes para
financiar, em grande escala, um grupo de habitantes que se transformava de escravos em
livres.
Essas formas diferentes no arranjo espacial, com os negros livres de
Richmond muito mais aglomerados que os do Rio de Janeiro, sugere o emprego de
métodos de clusters que é a forma tradicional de trabalhar com as questões de
distribuição espacial. Trata-se de empregar cada região pre-definida da cidade, por
exemplo bairro ou zona periférica, e observar a sua concentração para compará-la com
as outras regiões. Porém, esse uso de zonas já pre-definidas pode ser contestado ao
afirmar que isso interfere nos resultados (MORPHET, 1997).
Para resolver esse problema, alguns autores preferem métodos que não
precisem de regiões pre-definidas e sim que calculem suas próprias regiões com a
informação disponível optimizando a quantidade de regiões segundo a concentração na
variável observada (MARCON & PUECH, 2009). Isso significa, para nós neste texto,
que poderíamos calcular a quantidade de sub-zonas que definem a distribuição espacial
dos negros livres empregando a acumulação econômica como a variável que define esse
arranjo.
Para fazer isso precisamos da informação de acumulação. A ilustração 6 tem
a informação dos 87 negros livres que estão, simultaneamente, no diretório de 1852 e
nos registros de impostos pessoais desse mesmo ano. Como se observa, a maioria deles
pagaram US$1 e um indivíduo só, pagou menos que isso. Outros 13 pagaram entre
US$1.01 e US$2. Outros dois pagaram entre US$2.01 e US$3. Um outro pagou
US$3,01 e por fim, o negro livre mais rico da cidade pagou US$9.80.
Como a ilustração apresenta, a maioria dos indivíduos da região noroeste

11
pagaram US$1, mas aquele que era o mais rico da cidade morava no outro extremo da
cidade, na região sul-ocidental e foi nessa região em que a diversidade de valores pagos
ficou mais clara. Isso significa que a atual região de Jackson Ward concentrava a
maioria dos negros livres pobres, enquanto na veira do Rio no lado oriental da cidade
moravam alguns dos que tinham um pouco mais de recursos. Porém, também existiam
um par de indivíduos que pagaram importantes quantidades e que moravam no sul da
Board St entre as ruas Segunda e Terceira e alguns de aqueles que moravam no sul do
centro da Cidade também tinham mais recursos que seus vizinhos do lado norte.

Ilustração 6: Ubicação e valor pago nos impostos pessoais dos negros livres de
Richmond em 185215

Para o Rio de Janeiro a dispersão na moradia também influi na distribuição


dos totais pagos nas alforrias. O mapa 2 mostra essa informação. O primeiro que fica
claro é que no eixo sul-oeste de Jacarepaguá – Guaratiba os valores pagos foram
menores que no núcleo da Cidade e também menores que no eixo noroeste de Inhaúma
– Irajá – Iguaçu. E este último eixo tem valores similares a aqueles pagos no núcleo.
15 Impostos pessoais. Disponível na Biblioteca da Virgínia, Richmond.

12
Também é importante observar que aquelas alforrias pagas na periferia mais
próxima do núcleo tem valores menores, ou seja o borde formado por a Ilha do
Governador, Benfica e Jardim Botânico não tem valores tão altos quanto os dos eixos
Jacarepaguá – Guaratiba ou Inhaúma – Irajá – Iguaçu, ou mesmo da região de Campo
Grande.

Mapa 2: Valores pagos pela alforria no Rio de Janeiro entre 1850-185416

O outro lugar de importante concentração da acumulação era o núcleo de


Niterói, no lado oriental da Baia de Guanabara. Para o período de 1850-1854 os oito
alforriados pagaram 2 contos 841 mil-réis pela alforria. Porém, esse valor despenca no
período de 1858-1862 quando o total pago (valores nominais) foi de 1 conto 400 mil-
réis. Essa queda foi consequência da redução das alforrias, mas também dos valores
pagos por cada uma delas. Como o mapa 3 mostra, a quantidade de liberdades no
período de 1858-1862 se reduz se comparado com o quinquênio de 1850-1854, por
tanto a queda na quantidade de alforrias em Niterói está em relação com a redução em
toda a região. Porém, o valor total pago (comparando valores nominais) se mantem
constante de um período para outro denotando que a queda de Niterói foi específica
desse lugar.

16 Cartas de Liberdade. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, seção de cartórios.

13
Mapa 3: Ubicação das alforrias pagas no Rio de Janeiro entre 1858-186217

A pesar da queda nas alforrias, os 45 pontos que foi possível localizar no


mapa continuam apresentando o mesmo padrão de dispersão que aquele do período
1850-1854. De novo a maior concentração está no núcleo da Cidade e o eixo sul-oeste
de Jacarepaguá – Guaratiba mantem sua importância relativa. Da mesma forma a região
de Campo Grande está presente.
As diferenças importantes entre o primeiro e o segundo quinquênio foram,
por um lado, a perdida de alforrias no eixo noroeste de Inhaúma – Irajá – Iguaçu que no
mapa 3 só aparece com pontos para a segunda destas localidades; e por outra lado, o
sumiço das alforrias na periferia mais próxima do núcleo, pois aquele borde formado
pela Ilha do Governador, Benfica e Jardim Botânico não registra alforrias.
Contudo, estas duas diferenças não transformam de forma importante o
arranjo que observamos para 1850-1854. O mapa 4, com os valores pagos, continua a
mostrar a dispersão na Cidade, pois embora o núcleo consiga elevar a sua participação,
ela não é tão grande assim, se é comparada com a concentração em Richmond para
1860.

17 Ibid

14
Mapa 4: Valores pagos pela alforria no Rio de Janeiro entre 1858-186218

Como já explicamos, para Richmond em 1860 não foi possível estabelecer


os pontos de moradia dos negros libres e a informação do Censo só permite inferir que
tão perto, ou afastados, se encontravam uns indivíduos dos outros. Para ter uma ideia
disso construímos as gráficas 1, 2 e 3; uma para cada região em que o Censo
desagregava a Cidade. Na gráfica aparece no eixo vertical o número da casa na
sequência em que foi visitada pelo funcionário e no eixo horizontal o dia do censo em
que essa visita aconteceu. Desse jeito, um ponto da gráfica está do lado de outro ponto
na mesma sequência em que aparecem registrados no Censo. Além disso, cada ponto
tem um círculo que tem por rádio o valor pago no imposto pessoal, isto é que a maior o
círculo maior o pagamento.
É claro que a sequência do registro na fonte não quer dizer que
necessariamente os pontos estão nessa mesma sequência no espaço físico da Cidade,
pois o funcionário não deveu percorrer as ruas de forma tão arrumadas como os gráficos
apresentam, e sempre era possível que o funcionário tivesse que ir e voltar ao mesmo
ponto várias vezes durante os quase três meses que demorou a realização do Censo de
aquele ano. Mas, esse ir e vir do funcionário não invalida a imagem de aglomeração que
as gráficas passam.

18 Ibid

15
Gráfico 1: Valor pago em impostos pessoais pelos negros livres da primeira região
de Richmond segundo a sequência no Censo de 186019
1400

1200

1000
Número da casa

800

600

400

200

0
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55

Día do Censo

Gráfico 2: Valor pago em impostos pessoais pelos negros livres da segunda região
de Richmond segundo a sequência no Censo de 186020
1400

1200

1000
Número da casa

800

600

400

200

0
10 20 30 40 50 60 70 80

Día do Censo

19 Impostos pessoais. Disponível na Biblioteca da Virgínia, Richmond e Censo de Richmond em 1860.


Disponível na Biblioteca da Universidade da Virgínia, Charlottesville.
20 Ibid

16
Gráfico 3: Valor pago em impostos pessoais pelos negros livres da terceira região
de Richmond segundo a sequência no Censo de 186021
12

10

8
Número da Casa

0
1
Día do Censo

Como fica claro, a Terceira região (3a. Ward) de Richmond concentra a


maior quantidade de negros livres com um total de 131 famílias enquanto a Primeira e
Segunda tinham 37 e 30 famílias respectivamente. Para saber a ubicação das regiões na
Cidade cruzamos a informação dos gráficos com o diretório de 1852 e se confirma que a
Terceira corresponde com Jackson Ward, isto é aquela que fica ao norte de Broad St
entre Henry St e a Terceira. Enquanto a Primeira é aquela que está ao oriente da Cidade
após a rua 17 entre Grace e Cary St. A Segunda região era aquela entre a Terceira e a 17
no centro da Cidade.
Em outras palavras, o arranjo de concentração de 1852 continua presente em
1860 e a diferença de um ano para outro foi que aqueles indivíduos mais ricos
aumentaram a sua concentração em 1860 na Segunda região enquanto aqueles da
Primeira ficaram mais pobres, por tanto há um possível deslocamento da riqueza da
Primeira para a Segunda enquanto a Terceira se mantem inalterada.
Para confirmar essa imagem é necessário calcular os índices de
aglomeração. Como já comentamos, esses índices podem ser calculados tendo como
dados as unidades geográficas de referência (MORPHET, 1997) ou determinando essas
unidades geográficas a partir da distancia entre os pontos e um centro determinado
(MARCON & PUECH, 2009).
Para Richmond calculamos os índices segundo o método de unidades

21 Ibid

17
espaciais pre-definidas e dessa forma empregamos a informação das regiões da cidades
que o Censo de 1860 traz. A tabela 1 tem essa informação. Para estabelecer as trés
regiões de 1852 usamos os limites dos que falamos na página anterior e para 1860 cada
zona foi sub-dividida em trés grupos de 26 dias cada.

Tabela 1: Valores pagos nos impostos pessoais pelos negros livres de Richmond
segundo a distribuição espacial22
1852 1860
Valor % 1wd Valor %
>26 $43.35 14,61%
27-52 $42.71 14,39%
1wd $40.74 41,1% Total 1wd $ 86,06 29,00%
2wd
-26 $13.78 4,64%
26-52 $29.45 9,92%
<53 $21.01 7,08%
2wd $13.53 13,7% Total 2wd $ 64,24 21,64%
3wd
>26 $16.43 5,54%
26-52 $10.70 3,61%
<53 $119.37 40,22%
3wd $44.74 45,19% Total 3wd $ 146,50 49,36%
Total $99.01 Total $ 296,80

Os impostos pessoais pagos pelos negros livres de Richmond foram de


US$99 para US$296 entre 1852 e 1860. Porém, esses valores são nominais e não podem
ser comparados diretamente. O que podemos observar é a transformação nas
porcentagens em cada ano. Como sugerimos na página anterior, a Primeira região da
Cidade perdeu importância nesses anos, pois no primeiro concentrava o 41% dos
pagamentos e no segundo foi o 29%. Essa queda foi gerada pelo aumento na Segunda
região que elevou sua participação de 13.7% para 21.6%. Enquanto isso, a Terceira
região continuava pagando quase a metade dos impostos pessoais dos negros livres.
Essa parte da cidade tinha só 1 km de largura por menos de 1 km de comprimento; em
contraste, as outras eram muito maiores mas geravam muito menos. A pergunta que fica
é porque tal concentração?
Para o Rio de Janeiro calculamos os índices segundo o método das
distancias. Definimos o centro da Cidade (Praça XV) como ponto de referencia e a

22 Ibid

18
partir dele geramos sete rádios: o primeiro com um comprimento menor de 1 km, o
segundo entre 1 km e 10 km, o seguinte entre 10 km e 20 km, e assim até chegar aos 50
km. Os pontos localizados numa maior distancia que esses 50 km foram alocados numa
sub-região adicional.

Tabela 2: Valores pagos pelos alforrias no Rio de Janeiro segundo a distribuição


espacial23
1850-1854 1858-1862
Rádio
Classe Acumulado Classe Acumulado
(km)
Valor % Valor % Valor % Valor %
0-1 $6,290,500 20,80% $6,290,500 20,84% $16,440,000 43,73% $16,440,000 43,73%
1.1 – 10 $5,946,000 19,70% $12,236,500 40,54% $4,700,000 12,50% $21,140,000 56,23%
10.1 – 20 $5,693,000 18,86% $17,929,500 59,40% $4,753,000 12,64% $25,893,000 68,88%
20.1 – 30 $2,856,000 9,46% $20,785,500 68,86% $3,900,000 10,37% $29,793,000 79,25%
30.1 – 40 $2,600,000 8,61% $23,385,500 77,47% $3,750,000 9,98% $33,543,000 89,23%
40.1 – 50 $5,200,000 17,23% $28,585,500 94,70% $2,950,000 7,85% $36,493,000 97,07%
Maior 50.1 $1,601,000 5,30% $30,186,500 100,00% $1,100,000 2,93% $37,593,000 100,00%
Total $ 30.186.500,00 $37,593,000

Como aconteceu para Richmond, os valores do Rio de Janeiro são nominais


e não podem ser comparados entre períodos. Porém, podemos observar as porcentagens
de concentração. No porto carioca, entre 1850 e 1854 o km 2 do núcleo produz o 20%
dos pagamentos pela liberdade. Essa foi a região que maior concentração tinha, mas as
duas seguintes, aquelas que aglomeram os pontos entre 1-10 km e entre 10-20 km,
tinham concentrações semelhantes e bem próximas do 20%. Depois, nos rádios de 20-
30 km e 30-40 km a concentração se reduz e volta a crescer no rádio com pontos entre
40-50 km.
Para 1860 o núcleo concentra muito más e fica próximo do patamar da
Terceira região de Richmond, pois sua porcentagem chega ao 43%. Esse incremento se
deu pela queda na aglomeração nas duas regiões seguintes, pois elas reduzem a sua
participação para 12.5% e 12.6% respectivamente. A mesma redução se dá na região da
rádio de 40-50 km que tinha 17% no período de 1850-1854 e neste de 1858-1862 fica
com 7.8% só. Nas outras sub-regiões a participação não varia tanto quanto nestas que
mencionamos.
Dessa forma, nessa década seria possível que o Rio de Janeiro assistira um
aumento na aglomeração da acumulação econômica dos negros livres. Mas, mesmo que

23 Cartas de Liberdade. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, seção de cartórios.

19
isso acontecera, também é claro que a fronteira de essa distribuição é mais fluída que a
de Richmond, pois no Rio de Janeiro enquanto nos afastamos do centro da Cidade, de
forma simultânea os valores acumulados paulatinamente se reduzem. Por tanto,
começamos na máxima concentração no núcleo e terminamos na mínima na periferia
que fica distante a 50 km desse centro.
Uma imagem diferente fica de Richmond. Nela há um espaço menor que
concentra a metade da acumulação e esse centro não se dilui de forma paulatina
enquanto percorremos uma distância maior nos afastando dele. E a fronteira da Cidade é
uma fronteira física para a acumulação econômica dos negros livres.

4. Concluir com uma ideia provisoria


A pergunta que fica é por que existe essa diferença? Por que os negros livres
de Richmond acumulam num arranjo espacial de forte aglomeração e os do Rio de
Janeiro numa dispersão? Como já comentamos nas primeiras páginas, ainda não temos
uma resposta conclusiva. Para dar esse tipo de resposta faltam elementos, pois neste
texto somente descrevemos o problema fazendo menção das questões espaciais e outras
variáveis, como o mesmo processo de acumulação econômica em cada cidade como um
todo não foi discutido e nenhuma variável macro-econômica foi mencionada.
Contudo, algumas das coisas que devem estar na resposta podem ser
discutidas aqui. Comecemos afirmando que assim como as variáveis macro-econômicas
devem ter um papel na explicação da acumulação econômica dos negros livres, também
a geografia dever ter lugar na explicação e com certeza não foi por acaso que uns
indivíduos escolheram morar juntos de outros, enquanto os outros preferiam ficar
afastados. Ou seja, a aglomeração ou a dispersão influíam nas possibilidades de
acumulação econômica, disso não dá para duvidar. Talvez a pergunta seja se num
contexto específico a aglomeração ou a dispersão podem contribuir positiva ou
negativamente na acumulação econômica (HAM & MANLEY, 2010).
Porém, aqui não estamos interessados em saber se essa aglomeração em
Richmond, ou a dispersão no Rio de Janeiro, contribuíam para elevar a acumulação
desses indivíduos. Embora essa pergunta seja muito importante e existam pesquisas para
a resolver em outros contextos (OREOPOULOS, 2003)(BOLSTER, Et. Al., 2007), aqui
partimos que esse arranjo espacial existia, esperamos ter demonstrado isso, e a questão é
saber por que ele existia.
Um dos elementos na possível resposta estava na propriedade da terra na

20
periferia da Cidade. Todo pareceria indicar que os negros livres cariocas tinham mais
oportunidades de ter terras na periferia que os virginianos. Era bem possível que essa
tenência não fosse necessariamente formal e legal, mas o padrão de distribuição espacial
poderia estar na mesma trilha da famosa brecha camponesa da escravidão nas Américas.
A situação poderia ser que os negros cariocas tinham terras na periferia e os
de Richmond não, e portanto estes ficavam aglomerados em Jackson Ward. Porém, a
questão passa ser os salários que eles tinham, pois como é mais ou menos evidente, os
lugares com alta densidade de atividade econômica geralmente significam maiores
preços da terra mas também maiores salários (GLAESER & MARE, 2001).
Em outras palavras, os negros livres de Richmond seriam trabalhadores na
Cidade que eram retidos pelos produtores ao mesmo tempo em que não podiam ter
terras na periferia? Seria um processo simultâneo de exclusão da produção camponesa e
de retenção na atividade econômica urbana? Em quanto no Rio de Janeiro a situação
seria a contraria: menor retenção no núcleo e oportunidades na periferia?
A forma mais obvia de resolver a questão seria observando os ocupações
dos negros livres: se eles declaram nas alforrias ou nos impostos, censo ou diretório qual
era sua ocupação poderíamos saber se uns eram trabalhadores urbanos e os outros
combinavam atividades urbanas e camponesas. No obstante, e a pesar que essa pesquisa
tem que ser feita, as chances dela resolver a questão são pequenas, já que as fontes tem
problemas com essa informação, pois as ocupações se mencionam com pouco rigor nas
fontes e os entrevistados e entrevistadores preenchem esse campo nos formulários e
documentos sem reparar muito neles.
Não seria tão simples assim estabelecer que os negros livres de Richmond
eram trabalhadores especializados e os do Rio de Janeiro bem mais flexíveis e essa
relação entre aglomeração e especialização não pode ser pensada como dada para estes
contextos. (BACALOD, Et. Al., 2009). Nas duas estes indivíduos tem trabalhos
semelhantes. Mas, a diferença poderia estar mais no lado da procura do mercado de
trabalho que no lado da oferta.
Em Richmond havia um pequeno grupo de grandes empregadores de
trabalhadores, pois existiam grandes complexos produtivos, no Rio de Janeiro a
demanda por trabalhadores não estava tão concentrada. Por tanto, existia um relativo
monopsônio na capital da Virgínia se comprado com a capital carioca, pois a grande
quantidade de oferentes de força de trabalho eram contrapostos a poucos compradores

21
em Richmond em relação a quantidade desses compradores no Rio de Janeiro.
Essa situação, agregada à alta elasticidade da oferta de trabalho em relação
ao salário implicava um estímulo à aglomeração da atividade econômica em Richmond,
pois os empregadores poderiam aumentar a atividades de forma simultânea com salários
estáveis ou mesmo em queda. Enquanto no Rio de Janeiro, a pesar de ser uma cidade
maior e mais densa, esse processo não tinha a mesma força e os empregadores não
estavam numa situação de monopsônio, pois em geral, as grandes cidades tem mercados
de trabalho nos que um grupo de empregadores não consegue impôr o salário
(MANNING, 2009).
Esta ideia não foi testada neste texto e é só uma ideia simples. Mas, mesmo
que suponhamos que ela seja verdade, ainda assim não resolver completamente a
questão, já que ela só demonstraria que existia um processo de aglomeração da
atividade econômica e não da concentração dos negros livres em poucos quarterões. Por
muito, ela poderia responder porque a fronteira do núcleo do Rio de Janeiro era mais
fluída, mas não responde porque Jackson Ward concentrava tanta gente em Richmond.
Contudo, a aglomeração da atividade econômica poderia ter uma
consequência no arranjo da moradia dos trabalhadores, pois se eles moravam perto uns
dos outros, talvez assim conseguiram reduzir seus custos de transação, pois era no bairro
onde circulava a informação sobre os trabalhos, sobre onde estavam os melhores e os
piores empregos, e era nas pequenas conversas na rua e nas interações simples dos
indivíduos em que se resolvia uma boa parte dos problemas da existência (HAM &
MANLEY, 2010) num contexto tão difícil como foi Richmond naqueles anos.
Como o mercado de trabalho no Rio de Janeiro era bem mais equilibrado
entre procura e oferta, então a redução dos custos de transação possivelmente não era
uma questão tão fundamental para o arranjo espacial. Nesta Cidade, a combinação de
atividades no meio rural e no meio urbano eram o tema essencial para estabelecer a
moradia.
De tal forma, seria possível que a combinação diferente de trés âmbitos:
mercados de trabalho urbano, oportunidade para produção rural e custos de transação
seja o que explique o arranjo espacial diferenciado de Richmond e do Rio de Janeiro.
Mas, isso só sera possível de saber avançando na pesquisa e incluir muitas mais
variáveis e agentes.

22
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