(Psicóloga, Mestre em Saúde do Trabalho pela Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, Doutoranda pela Universidade Federal do Estado de São Paulo - UNIFESP em Medicina do Trabalho)
A pesquisa do SINTRAJUD detectou um índice de assédio moral
muito grande na Justiça Federal de São Paulo. A ótica da prevenção é o tema desta palestra, quanto ao assédio moral, pois o tema é tratado enormemente pela mídia. Segundo a pesquisa do SINTRAJUD, 98% dos servidores sabem o que é o assédio moral, deste total, 74% já presenciaram ocorrências e 28% já sofreram assédio moral no trabalho. “O trabalho é um elemento fundamental para entender o homem e a mulher, porque ele é produtor e construtor de nossa identidade”. Geralmente, quando nos perguntam o que somos, logo respondemos o que somos profissionalmente. Na sociedade capitalista, o trabalho vai sempre ser espaço de conflitos de interesses. Dificilmente não encontramos no local de trabalho uma relação de conflito de interesses.
Como a Administração organiza o trabalho?
Existem várias formas de gestão. No início de século passado surgiu o modo de gestão Fordista (ex: filme Tempos Modernos de Charles Chaplin) e o Taylorismo. Desde esta época, com tais modos de gestão, o trabalho foi fragmentado; o trabalhador faz apenas uma parte do trabalho que outra pessoa planejou. Há divisão do trabalho, o trabalhador perde a visão completa do seu trabalho, pois não sabe a finalidade do mesmo. Tais formas de gestão, que pressupõem rapidez, intensificaram o volume de trabalho e o trabalhador passa a ter redução do tempo livre para, por exemplo, ir ao banheiro, tomar uma água, tomar café etc. Outras formas de gestão: Toyotista (modelo japonês de gestão do trabalho, em que existem grupos de trabalhadores com uma meta a cumprir, incentivando-se a competitividade, pois este grupo se presta a tomar conta dos outros trabalhadores, de forma que o controle dos colegas sobre a organização do trabalho é fortíssimo. A conclusão é que tais formas de gestão geraram muitos desgastes à saúde do trabalhador. Uma pesquisa da OIT comprovou que cerca de 4 milhões de trabalhadores no mundo morrem em acidentes de trabalho, por ano. No Brasil, o assédio moral tem-se tornado parte da organização do trabalho, visando aumentar a lucratividade e a produtividade, segundo a autora francesa Marie – France Hirigoyen). Segundo o autor Ricardo Antunes, no Brasil fala-se que existe um sistema de “Toyotismo dos trópicos” mesclado com o jeitinho brasileiro e o favoritismo. Nesse sentido, o assédio moral é uma violência oculta e institucionalizada como método de organização do trabalho. Quando os assediadores têm aprovação da administração, e esta, por sua vez, não dispõe de freios para brecá-lo, isso tende a aumentar. Na Justiça Federal, por exemplo, o assédio moral encontra-se institucionalizado, pois ocorre: desmoralização do servidor por parte da chefia junto aos colegas, (exemplificando, 50% dos entrevistados já tiveram sua fala interditada); outros sofreram ameaças pessoais e profissionais, sobretudo porque na Justiça Federal existe uma cadeia de subordinação: JUIZ – DIRETOR – SUPERVISOR – SERVIDOR – POPULAÇÃO. O autor Herval Pina Ribeiro da UNIFESP escreveu um livro intitulado: “O Juiz sem a toga” que fala do autoritarismo como problema sério do Poder Judiciário. Neste livro, ela relata o depoimento de um magistrado no seguinte sentido: “Tem que se tirar da cabeça de alguns juízes que ser juiz não é ser deus, é uma pessoa igual às outras só que com o poder de julgar” e o autoritarismo é parte da organização do trabalho no Poder Judiciário. Outro problema no Poder Judiciário, sobretudo na Justiça Federal, é o fato de que 47% dos servidores não dispõem de informação suficiente para realizar seu trabalho. Debate-se ainda a questão do assédio horizontal, em que o colega fica sem informação para a realização de seu trabalho por questões de competitividade, de forma que o trabalhador / servidor deixa de ter controle, conhecimento e autonomia em seu trabalho. Ele é fruto do fato de que muitas vezes o funcionário acaba reproduzindo o que vê acontecer na chefia, tomando isso como um padrão normal de conduta, já que não se coíbe o assédio moral vertical. O controle das funções comissionadas, a carga excessiva de trabalho, a falta de funcionários, são o grande problema no Judiciário. A função comissionada, especificamente, é usada como moeda de troca, pois se eu tenho função sou mais dominado no ambiente de trabalho, de forma que a luta do sindicato e da classe no geral deve ser por mais concursos públicos (se falta pessoal e este é o motivo do assédio dos poucos que estão trabalhando num determinado setor), por progressão funcional (para haver menos disputa por função, de forma que um salário digno, um plano de carreira possa tornar o valor da função insignificante e não tão sedutor) e democratização que é oposto do autoritarismo. A conseqüência do assédio moral é o problema de danos causados à saúde mental do trabalhador. Para quem observa de fora não vê o sofrimento no trabalho da vítima, o sofrimento no trabalho é menosprezado, ofuscado, sendo que a pessoa simplesmente sofre sozinha: sente dificuldades para dormir, ou para acordar, falta de ânimo e perda progressiva do sentido da vida. Há quem diga que vai para o trabalho como o boi vai para o matadouro. Isto é evidência de um processo de adoecimento a longo prazo e não rápido, de forma que a sensação de mal-estar do funcionário pela chefia assediadora é apontada como pura “frescura” ou “preguicite”. O fato é que entre a doença e a saúde existe um estado de transição caracterizado por uma indisposição, sendo que se o trabalhador consegue uma saída psicosocial, pode evitar adoecer de vez, futuramente. Há vários sinais dessa fase de transição, como por exemplo: a pessoa vive lembrando do trabalho em casa, ou simplesmente liga a televisão ou qualquer outro subterfúgio e se desliga do mundo, como num entorpecimento, ou simplesmente procura outras fugas como bebida, drogas etc. Wanderlei Couto fala da existência de uma síndrome, ao estudar professores públicos (Síndrome de Burnout, ou esgotamento) em que o trabalhador já desistiu de seu trabalho, porém, continua trabalhando, mesmo que não veja sentido naquilo, ele tem aversão ao trabalho, mas continua trabalhando para poder pagar as suas contas. Este trabalhador, de tanto sofrer desgostos em seu meio de trabalho, desiste de tentar mudar, resigna-se. Isso causa diminuição na produção, pois não há envolvimento do trabalhador com o trabalho e um trabalhador que é vítima do assédio moral e está sofrendo de psiquismo tem uma série de enfermidades e produz menos, ele falta mais ao local de trabalho e tira mais licenças saúde. Existe um número excessivo de licenças por motivo de depressão na Justiça Federal e a Administração, ao invés de procurar curar as causas de tais anomalias, coíbe a conseqüência, através de Portarias que passaram a limitar as licenças. Concluindo-se, o trabalho é visto como tortura, castigo, penalidade e gera desprezo no trabalhador. Estimativamente, de todos os casos de assédio moral, apenas 15% chegam ao Recursos Humanos, por falta de confiança e apenas 10% chegam ao Sindicato. O RH no Judiciário tem poder inferior ao do Juiz, quando o servidor pede para sair de determinado setor, além disso, existe a banalização do autoritarismo, como se assédio moral fosse algo normal e sempre será assim, mas isso é distorção pois vem aliado a um adoecimento invisível. Se há um local de trabalho em que o trabalhador sofre assédio, equipara-se ao caso de acidente do trabalho (caso – índice), de forma que o local deve ser investigado. Sugestão de livros sobre o assédio moral: “A loucura do trabalho” e “A banalização da injustiça social” de Cristo Fidejur, cuja idéia central repousa no fato de que o trabalhador deve se indignar com as injustiças do trabalho e não banalizá-las ou normalizá-las. Na Justiça Federal, existe uma série de fatores que favorecem o assédio moral como institucionalização. O poeta Bertold Brecht, em um de seus poemas traz a idéia central de que para uma situação desumana jamais devemos dizer “isto é natural” a fim de que tal situação não se torne imutável. Existe uma gama de transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho: existem pessoas que sequer conseguem caminhar pela rua em que se situa o local de trabalho após experiências traumáticas de assédio moral em suas vidas. Portanto, o assédio moral é equiparado a acidente do trabalho. Porém, na Justiça Federal e no serviço público em geral a caracterização de acidente do trabalho é feita administrativamente e sem fins previdenciários, de forma que a Administração evidentemente irá puxar a sardinha para o lado do órgão empregador. Na iniciativa privada, existe a CAT – COMUNICAÇÃO DE ACIDENTE DO TRABALHO. Quando o acidente do trabalho é caracterizado, eu devo levar um laudo médico à administração da empresa e esta deverá pagar o tratamento médico. A sugestão é que seja feito o laudo médico e anotada em um diário cada ocorrência de assédio moral sofrido pelo funcionário, facilitando sua comprovação. Agora, se o órgão é responsável pelo assédio moral, logo, não há interesse em coibir ou disponibilizar tratamento médico para suas vítimas. Quanto ao SINTRAJUD, a palestrante estará de plantão no sindicato uma vez por semana para prestar apoio à vítima do assédio moral na Justiça Federal, encaminhando-o ao tratamento médico devido, através do Coletivo de Saúde do Sindicato. Questões polêmicas: 1- Até que ponto o assediado tem culpa pelo assédio que sofre ou se a inação diante do assédio já faz parte de quadro patológico, como a Síndrome de Burnout, por exemplo; 2- A questão da omissão e submissão: a possível existência de um par perfeito, o assediador e seu assediado, ou dominador e dominado; 3- Faz parte do assédio introjetá-lo em sua vida, ou seja, a pessoa vítima passa a ter a imagem de que o problema é só dela; 4- Existe uma lei municipal e uma lei estadual contra o assédio moral, as quais, todavia, não vinculam a Administração Federal, porquanto não existe lei federal, apenas um projeto de lei em tramitação muito a desejar; 5- Os diretores e chefes em geral, aqui na Justiça Federal não têm competência para motivar o indivíduo ao trabalho, então, usam o atalho do assédio para gerar maior produção; 6- O assédio moral mexe de tal forma com a auto – estima do trabalhador que ele pensa que a culpa é dele e isto já faz parte do esquema do próprio assédio moral.