Assembleia do Povo
O QUE IMPORTA É O QUE A GENTE É!
CAMPINAS
2009
BÁRBARA MIDORI NOMURA
DAVID DA SILVA JUNIOR
OTÁVIO AUGUSTO ANTUNES DA SILVA
RAFAEL OLIVEIRA JORGE
REGINEI DOMINGOS DE MORAIS
Assembleia do Povo
O QUE IMPORTA É O QUE A GENTE É!
Ficha catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação – SBI –
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Introdução ............................................................................................................................. 7
1. A Representação Jornalística do Tema .......................................................................... 10
1.1. Campinas e a Assembleia do Povo .............................................................................. 10
1.1.1. Início da urbanização em Campinas ......................................................................... 10
1.1.2. Década de 1950: surgem as favelas .......................................................................... 12
1.1.3. Década de 1970: cresce a população favelada e a efervescência social ................... 14
1.1.4. Assembleia do Povo ................................................................................................. 19
1.1.4.1. A Lei da Terra ....................................................................................................... 24
1.1.4.2. Seminário Nacional de Favelas ............................................................................. 26
1.1.4.3. Eleições e posicionamento político ....................................................................... 27
1.1.4.4. Mutirões pela urbanização ..................................................................................... 28
1.1.4.5. A Prefeitura e a urbanização ................................................................................. 31
1.1.4.6. A luta esfria ........................................................................................................... 33
1.1.4.7. A herança ............................................................................................................... 35
1.2. Concebendo um documentário sobre a Assembleia do Povo ...................................... 37
1.2.1. Limites entre documentário e telejornalismo ........................................................... 37
1.2.1.1. Documentário: cinema X jornalismo .................................................................... 39
1.2.1.2. Cinema direto e cinema verdade ........................................................................... 40
1.2.2. A opção pelo documentário ...................................................................................... 43
1.2.3. Concepção do vídeo: proposta ................................................................................. 44
1.2.3.1. Dispositivo ............................................................................................................ 44
1.2.3.2. Questões éticas consideradas ................................................................................. 45
2. Procedimentos para a execução do Projeto Experimental .............................................. 48
2.1. Processo de Pesquisa ................................................................................................... 48
2.1.1. Localização das fontes .............................................................................................. 50
2.2. As etapas da Produção jornalística .............................................................................. 52
2.2.1. Seleção de fontes ...................................................................................................... 52
2.2.1.1. Lideranças entrevistadas ........................................................................................ 53
2.2.1.2. Assessores entrevistadas ....................................................................................... 55
2.2.2. Pautas ou pré-roteiro ................................................................................................ 56
2.2.3. Trabalho de campo ................................................................................................... 57
2.2.4. Processo de edição ................................................................................................... 61
3. Apresentação do produto final ....................................................................................... 62
3.1. Justificativa .................................................................................................................. 62
3.2. Público alvo ................................................................................................................. 62
3.3. Custo/Gastos ................................................................................................................ 63
3.4. Viabilidade de divulgação ........................................................................................... 63
Considerações finais ........................................................................................................... 65
Referências ......................................................................................................................... 66
Anexos ................................................................................................................................ 71
Introdução
7
Muitos desses favelados não tiveram oportunidades de estudar, alguns são
analfabetos, outros tem pouca leitura e escrita, mas gostariam de ter registrado toda a luta.
Essa foi a motivação maior da escolha pelo documentário, já que o audiovisual não exige o
domínio da leitura. Assim, a opção pelo vídeo se deu pela possibilidade de fundir imagem
e som no local de moradia dos personagens, além de tornar o registro acessível a um dos
públicos alvo prioritários do trabalho: os próprios moradores das favelas.
Nosso objetivo, ao fazer o registro histórico do movimento Assembleia do Povo em
formato de documentário, é possibilitar que as experiências desse movimento possam ser
apropriadas pelas futuras gerações e suscitar o debate acerca de dilemas contemporâneos
das grandes metrópoles. E, assim, contribuir para os debates em torno dos movimentos
sociais urbanos, do direito à cidadania, da participação popular, da organização social e do
direito à terra, principais assuntos a permear o tema.
O trabalho tem importância como registro histórico e de memória para os
moradores dos bairros ou das favelas que ainda hoje lutam por condições mínimas de
saneamento e urbanização, além de outros movimentos por qualidade de vida, como saúde
e educação. As pesquisas já desenvolvidas sobre a Assembleia do Povo permanecem
dentro dos limites da academia, conforme será discriminado em outro momento deste
relatório, o que faz com que aos poucos uma parte da história seja perdida de vista pelos
moradores da periferia de Campinas. Desta forma, produzir um documentário a partir
dessas pesquisas já realizadas e dos depoimentos de quem viveu essa história se justifica
como uma opção desse grupo de futuros jornalistas, em atuar com e para um segmento da
sociedade, via de regra, excluído dos meios de comunicação.
Para a melhor compreensão desta história, no primeiro capítulo deste relatório
apresentamos uma cronologia com os principais aspectos da história da urbanização do
município. Passando rapidamente pelo início da urbanização, com ciclo do açúcar e do
café, seguindo pela contratação do engenheiro arquiteto Prestes Maia que elaborou o Plano
de Melhoramentos Urbanos de Campinas, o surgimento e o ápice das favelas, até
chegarmos ao que foi a Assembleia do Povo, suas lutas, conquistas e a herança deixada.
Na segunda parte do primeiro capítulo, nossa intenção foi demonstrar os limites
entre documentário e telejornalismo, nossa área de estudos. Procuramos apresentar a teoria
que dá bases de sustentação ao projeto e permite sua construção, estabelecimento de
linguagem e formato.
8
No segundo capítulo, traçamos uma espécie de diário de bordo da equipe que
mostra como caminhamos com o projeto, desde a etapa de pesquisa bibliográfica,
documental e entrevistas passando pelas etapas da produção (seleção de fontes, gravação
etc.) até a finalização do vídeo. Nesse diário, abordamos a importância de utilizar métodos
funcionais de entrevista ao conversar com idosos e por isso apresentamos resumidamente
os resultados de nossa breve pesquisa sobre algo fundamental em nossa produção, a
entrevista. Mostramos também em que momentos e os porque tomamos determinadas
decisões, para a chegarmos ao resultado esperado.
No terceiro e último capítulo, apresentamos com maior detalhamento o nosso
público alvo e nossa justificativa da importância de apresentar o documentário para esse
público. Além disso, apresentamos nossos custos e traçamos estratégias e metas de
divulgação e distribuição, para que possamos cumprir nosso objetivo e contribuir para os
debates no espaço público.
Acreditamos assim que a fundamentação de nosso trabalho, por meio deste
relatório, poderá dar ao estudante e/ou pesquisador que buscá-la, uma contribuição ao
estudo da produção de documentários no meio universitário.
9
1º Capítulo
A Representação Jornalística do Tema:
10
Para controlar novos surtos, a Intendência Municipal se viu obrigada a criar
medidas de infra-estrutura e higiene em Campinas. As medidas cumpriram os objetivos
pensados e em 1900, a população urbana já era de 19 mil habitantes. Baeninger (1992, p.
38) afirma que com a chegada de novas pequenas indústrias, a população cresceu,
atingindo, em 1934, uma população de 132.819 habitantes.
Campinas não tinha estrutura para suportar tamanha população. Segundo
Carpintero (1991), com o fluxo migratório da década de 1920, surgiram os cortiços e os
bairros periféricos. Para controlar o crescimento, implantar o saneamento necessário e
padronizar o ambiente urbano, satisfazendo a elite campineira, a administração municipal
contratou o engenheiro arquiteto Prestes Maia, que traçou em 1934 o Plano de
Melhoramentos Urbanos de Campinas, conhecido como “Plano Prestes Maia”.
As primeiras providências tomadas pela administração municipal ao contratar o
engenheiro, foi instalar a Seção de Arquitetura e Urbanismo, reestruturar o Serviço de
Cadastro e de Estatística, e criar a Comissão de Urbanismo para dar suporte aos estudos.
Ainda em 1934, também foi criado o Código de Construção, que determinava regras sobre
as dimensões das vias, calçadas, altura de prédios e recuos. Com o código:
12
Não se pode afirmar ao certo a data e o local em que se instalou a primeira favela
em Campinas. As primeiras reportagens2 a tratarem do assunto são da década de 1960, mas
apontam a década anterior como sendo a do surgimento das favelas. As reportagens
traziam manifestações e pedidos para que a administração municipal tomasse providências
em relação ao novo problema que se alojava em Campinas.
Como exemplo, há a reportagem “Necessária a erradicação das favelas – Prefeitura
tem meios para impedir construções clandestinas”, publicada no jornal Diário do Povo em
17 de janeiro de 1963. Segundo a reportagem, “as favelas que se instalaram na Vila
Olímpia, Vila Georgina e outros pontos, não podem ter tido suas plantas aprovadas nem
fornecidas pela Prefeitura. Logo, são clandestinas”.
A reportagem “Estas são as soluções para o desfavelamento”, do jornal Diário do
Povo, em 10 de setembro de 1969, mostra que um levantamento da Secretaria do Bem
Estar, registrou cerca de 400 famílias em terrenos da Prefeitura. Para tirar estas pessoas de
suas casas, a administração municipal, deslocou os favelados para residências transitórias
onde ficariam por seis meses, prazo dado para que comprassem uma casa.
Segundo Lopes (1997), as favelas surgiram em Campinas no momento em que o
país moldava sua infra-estrutura à maciça industrialização (fim da década de 1950), onda
que também atingiu o município. Os investimentos da prefeitura na época eram revertidos
quase que exclusivamente para a reforma das bases urbana e industrial, o que manteve a
economia campineira entre as mais representativas do país e deixou a população de baixa
renda no total abandono. Campinas tinha potencial para aumentar sua planta industrial
cada vez mais, pois possuía imóveis e mão-de-obra mais baratos que as capitais.
A partir de 1960, o município tornou-se eixo da expansão industrial do Estado.
Segundo Baeninger (1992, p. 12), a relativa descentralização da atividade industrial a partir
da Região Metropolitana de São Paulo conduziu Campinas ao crescimento econômico e
populacional acelerado. Além disso, a integração do mercado de trabalho e subordinação
da agricultura à indústria contribuiu para que novos incentivos estatais beneficiassem a
região.
Para resolver o problema da moradia popular, em 1960 a Prefeitura passou a
planejar as casas populares e em 1961 prorrogou o prazo de regularização das construções
clandestinas. Para Paoli (2000), em 1965 a medida adotada foi a construção de casas
2
Em pesquisa realizada no acervo da Rede Anhanguera de Comunicação, o grupo não conseguiu localizar
nenhum jornal da década de 1950 com informações sobre o assunto.
13
populares com a atuação da Companhia de Habitação Popular de Campinas (COHAB-
Campinas). Durante todo este período, o município sofreu transformações econômico-
sociais que reproduziram o padrão periférico urbano peculiar às grandes concentrações
metropolitanas, “tanto pelos baixos níveis de remuneração da classe trabalhadora,
reforçando a relação capital-trabalho, como pela carência de políticas sociais”
(PATARRA, 1989 apud BAENINGER, 1992, p. 15). A taxa de crescimento manteve ritmo
acelerado neste período. Segundo Barninger (1992, p. 69), Campinas passou de uma taxa
de crescimento de 3,7% ao ano, entre 1950 e 1960, para 5,5% ao ano, em 1960-70. A taxa
de crescimento anual chegou a 5,9% na década de 1970.
Para esta autora, o programa de casas transitórias não obteve resultado, pois a
maioria da população carente não conseguia em seis meses atender às exigências feitas
pelo BNH. Enquanto isso, novas famílias chegaram a Campinas ocupando áreas livres de
uso comum do povo, como praças e margens de mananciais.
Baeninger (1992, p. 75) aponta que no “período 1970-80, Campinas foi o principal
pólo receptor dos fluxos migratórios no interior do Estado de São Paulo”. As principais
origens dessas pessoas eram os estados de Minas Gerais e Paraná, e a Região
Metropolitana de São Paulo. A socióloga explica que a maioria das pessoas vindas dos
estados vizinhos tinha como destino as favelas, enquanto a maioria vinda da Região
Metropolitana de São Paulo representava mão de obra qualificada e recurso humano para
os centros de pesquisas e universidades campineiras.
Segundo a reportagem “A promoção do favelado numa análise profunda”, de 31 de
outubro de 1973, do jornal Correio Popular:
15
Da região sul, vieram para Campinas 42 famílias do Paraná; 2 de Santa
Catarina; 12 do Rio Grande do Sul. Além de todos esses dados concretos,
a pesquisa realizada pela Promoção Social do Município acusou a vinda
de mais 181 famílias não identificada em relação a sua origem.
18
1.1.4. Assembleia do Povo
3
Em entrevista concedida ao grupo. Campinas, setembro de 2009 ((Todas as citações com referência a este
nome são baseadas nesta entrevista).
19
das Administrações Regionais, se organizaram através de assembleias, para reivindicarem
“cerca de 70 itens: água, luz, escolas, transporte, passarelas, redução do preço do asfalto,
eliminação de focos de xistoses etc” (LOPES, 1997, p. 76). Os favelados só conseguiram
se organizar e ganhar força política com a criação da Assembleia Popular, que deu bases
para o movimento de favelados da Assembleia do Povo. E as SABs de Campinas,
“rearticularam-se sob a influência dos grupos locais de oposição, que atuavam também em
áreas mais especificas, como saúde, educação, habitação e transporte” (LOPES, 1997, p.
75).
O movimento operário e sindical em Campinas também passou por reformulações
neste período, as greves dos trabalhadores ocorridas no ABCD (Região industrial formada
por sete municípios da Região Metropolitana de São Paulo) influenciaram decisivamente
sua rearticulação em Campinas. Para Lopes (1997), nesse contexto, as SABs viram que os
bairros tinham direitos e não serviam somente de currais eleitorais.
4
Segundo Ronaldo Simões, ex-assessor do movimento, não se sabe ao certo como o novo nome foi
escolhido. “Assembleia Popular” era um nome que soava bem tanto para assessores quanto para as lideranças
dos bairros. O mais provável é que o nome do movimento tenha mudado após, em discursos, Leobino
Francisco de Oliveira, uma das lideranças no Campo Elíseos, dizer que deixou a Assembleia de Deus (sua
igreja), para entrar na Assembleia do Povo, brincando com as palavras.
5
O jornal O Repórter da Região, segundo Ronaldo Simões, foi criado em 1978 por militantes de movimentos
sociais estudantes da UNICAMP, como veículo alternativo, para informar trabalhadores de Campinas sobre
assuntos relevantes, perante a omissão da imprensa local em relação às lutas sociais.
21
A população favelada ao ouvir falar das reuniões no Pio XII e incentivados pelos
assessores viram na Assembleia do Povo uma ferramenta de luta que daria mais força e
representatividade aos marginalizados.
Na segunda Assembleia do Povo, em 30 de março de 1979, o prefeito Francisco
Amaral, tentou derrubar a proposta de loteamentos para os favelados (apresentada na
primeira Assembleia), “com o argumento de impedimento legal, usando como álibi o
Código Florestal da União, o decreto estadual nº 13.069 (de 29.12.78)6 e a recém-publicada
lei municipal7” (LOPES, 1997, p. 81). Como contraproposta, Amaral apresentou o
Profilurb (Programa de Financiamento para Lotes Urbanos) e prometeu não promover
nenhuma remoção até o fim do mandato.
Mesmo com a promessa do prefeito, as remoções continuaram em Campinas, como
mostra a reportagem “A periferia cobra Amaral”, de 4 de maio de 1979 do jornal Diário
do Povo, quando os moradores do Jardim São Marcos foram despejados. A reportagem,
“As máquinas param e os favelados ganham a questão”, de 26 de outubro do mesmo ano,
também publicada no Diário do Povo, mostra novas tentativas de despejo dos favelados
para serem levados para as casas do Profilurb. Porém, os moradores do Jardim Santa
Mônica, resistiram e não deixaram as máquinas soterrar cinco barracos. A prática das
remoções “foi fortalecida e veio a ser o elo articulador do movimento dos favelados, que
passaram a resistir organizadamente às ações da Prefeitura nesse sentido. O PROFILURB
foi rejeitado e, em setembro de 1980, o Prefeito reconheceu o fracasso” (PAOLI, 2000, p.
117).
Lopes (1997) aponta que, experientes, os favelados perceberam que o ideal era lutar
para permanecerem nos bairros que estavam desde que chegaram a Campinas. O Profilurb,
por sua vez, tentou tirar as famílias pobres da área central, removendo-as para regiões
distantes, como as proximidades do aeroporto de Viracopos. “Neste clima de insegurança e
revolta, as reuniões da Assembleia do Povo foram ficando cada vez mais lotadas, e a
participação em debates e em concentrações públicas já não podia ser ignorada, muito
embora a imprensa tentasse” (LOPES, 1997, p. 84). Os favelados continuaram insistindo
na venda dos terrenos a preços acessíveis e ao mesmo tempo, cobravam as necessidades
dos bairros.
6
Decreto que estabelece normas relativas ao saneamento ambiental de loteamentos urbanos ou para fins
urbanos.
7
A Lei Municipal nº 4.865, de 7 de março de 1979, proíbe qualquer negociação em torno da questão da posse
da terra.
22
A AsP voltou à Prefeitura para a quinta manifestação pública em 12 de
novembro de 1979. Participaram desta vez cerca de três mil moradores da
periferia. As favelas representadas eram as seguintes: J. Ipaussurama, V.
Georgina, São Marcos, Santa Mônica, Bandeira I e II, V. Nogueira, V.
Ipê, J. Campineiro, J. Paranapanema, J. Campos Elíseos, J. Santa
Eudóxia, V. Brandina (LOPES, 1997, p.86).
Os favelados passaram a participar cada vez mais das assembleias mensais no Paço
Municipal e das articulações nas reuniões semanais no Centro de Pastoral Pio XII, com o
principal objetivo de entender políticas públicas e posicionamentos da Prefeitura.
23
1.1.4.1. A Lei da Terra
24
Mas a aprovação não foi fácil. Para chegar à Lei 5.079, houve muita discussão
entre o poder executivo e legislativo. Em 14 de janeiro de 1981, a Assembleia do Povo
enviou ao prefeito seu projeto da Lei da Terra. O executivo já tinha seu projeto, mas havia
uma diferença fundamental entre um e outro: o projeto dos favelados previa que, “a terra
deveria ser exclusivamente destinada à moradia” (LOPES, 1997, p. 112), para não gerar
especulação imobiliária. Segundo Ronaldo Simões8, ex-assessor do movimento, “o Chico
Amaral, recebe o projeto, se confraterniza com o movimento e encaminha o projeto para a
Câmara”.
Na Câmara Municipal, vereadores demoraram algum tempo para discutir o projeto
(da Lei da Terra). Segundo Lopes (1997) a votação deveria ter ocorrido no dia 26 de
fevereiro de 1981, mas foi feita só na madrugada do dia 27, pois os vereadores teriam se
incomodado com a presença de cerca de 120 favelados. Os favelados por sua vez, “sem
dormir desde a madrugada do dia anterior, agüentando de pé sete horas de palavrório, após
um penoso dia de trabalho, e sem jantar” (Jornal de Hoje, 1981, apud Lopes, 1997, p.
113), ficaram até o fim da votação; e mesmo com o projeto da Assembleia do Povo
substituído por um novo projeto, contrariando as previsões de que a Câmara Municipal iria
abaixo, os favelados cantaram o hino nacional como protesto à substituição. O novo
projeto concedia para os favelados apenas os chamados Bens Patrimoniais.
Dessa forma, em 4 de março de 1981, a assessoria jurídica e membros da
Assembleia do Povo apresentaram ao prefeito uma proposta para acabar com o problema
gerado pelo novo projeto. “Após várias consultas juristas da área de Direito
Administrativo, verificou-se que não havia impedimento legal em decretar a desafetação
das áreas onde estão as favelas, convertendo-as em Bens Patrimoniais” (LOPES, 1997,
p.116). Com isso, o prefeito promulga a Lei nº 5.079 em 30 de março de 1981 e o Decreto
6.449.
26
Ao termino do evento, a prefeitura não conseguiu obter o resultado desejado de
apresentar alternativa ao projeto da Assembleia do Povo, ao contrário, o documento final
tinha reivindicações e resoluções dos favelados. “Chegou a reconhecer a possibilidade de
viabilizar juridicamente a posse da terra e também a necessária participação dos favelados
em projetos de urbanização específicos” (LOPES, 1997, p. 128).
Em 1982, era chegada a hora das eleições municipais. O prefeito Francisco Amaral
deixou o cargo para se candidatar a deputado federal. O vice, Magalhães Teixeira se
candidatou a prefeito e era o favorito a ocupar a cadeira. Enquanto isso, quem assumiu a
Prefeitura foi o Presidente da Câmara de Vereadores, José Nassif Mokarzel.
Segundo Lopes (1997), o movimento também se organizou em torno das eleições
lançando pelo PT (Partido dos Trabalhadores) dois candidatos, Alcides Mamizuka
(sociólogo e assessor da AsP desde seu início) e Marlene Correia (presidente da
Associação dos Moradores da Favela do Jardim das Bandeiras e Região).
A organização dos favelados e o direcionamento de seus votos nos candidatos da
Assembleia do Povo começavam na base. Enxergava-se nas eleições um importante fator
de fortalecimento do movimento. Na busca por transformações sociais, acreditava-se que a
presença de militantes na máquina pública poderia voltar as atenções do Estado para
aquele povo marginalizado.
27
1.1.4.4. Mutirões pela urbanização
Direito de moradia sempre e para todos, terra para moradia, terra para
sempre, terra não deve ser paga, terra para o inquilino, terra com todos os
melhoramentos urbanos, um terreno por família, impor limites ao Direito
de Propriedade, o terreno não pode ser vendido, o barraco ou casa pode
ser vendida, a terra para os herdeiros, impenhorabilidade e construção de
moradia, subsidiada pelo Estado.
28
Segundo Paoli (2000), a elaboração dos projetos, até agosto de 1981, foi feita em
conjunto com os moradores e cada um podia desenhar a casa que desejava. A proposta
chamava-se “Casa dos Sonhos”. A partir do trabalho em conjunto, a Assessoria de
Moradia, optou por um método de trabalho na elaboração dos projetos e atuação nas áreas,
por uma interação entre a aspiração individual e coletiva dos favelados, o que reforçava o
caráter político da luta pela terra.
Ainda de acordo Paoli (2000), a assessoria do movimento, em 1981, possuía apenas
um Plano de Urbanização Específica (PUE), para a urbanização da primeira favela, a do
Campos Elíseos. Aos poucos, desenvolveram outros planos, de acordo com as
necessidades de cada favela, mas que tinham como base comum, as ações de divisão dos
terrenos entre os moradores, cuidados com o solo e córregos, instalação do sistema de
água, luz e esgoto, e marcação de ruas.
Para marcar o início da urbanização nas favelas era necessário abrir ruas e erguer
casas de alvenaria. Os favelados foram encorajados a iniciar a construção das moradias
pelos assessores do movimento. Como a Prefeitura não destinaria todo dinheiro para os
núcleos, era necessária a ajuda coletiva no trabalho de urbanização, fabricação de tijolos e
melhorias gerais. Crianças, adultos e idosos trabalhavam aos fins de semana para o
beneficio de todos os favelados. As mulheres também cooperavam e preparavam o almoço
para os trabalhadores do mutirão.
Os integrantes da comissão de moradia queriam que os favelados tivessem
participação ativa neste processo. Para isso, explicavam a cada morador, de forma simples,
a leitura técnica da arquitetura e urbanização. Os favelados tinham que ser construtores do
espaço pelo qual estavam batalhando desde as primeiras reivindicações da Assembleia do
Povo. “A assessoria dos arquitetos da AsP foi fundamental para organização dos favelados
no processo de urbanização do local de moradia” (LOPES, 1997, p. 137).
Tanto os planos como as obras executadas pelos favelados em seus bairros, eram
feitos em mutirão, que para Ermínia Maricato (1978), é um ajuda coletiva de
espontaneidade e solidariedade entre as pessoas que objetivam a melhoria de habitação no
país.
29
o produto, já que o morador acompanha, decide e executa os mínimos
detalhes da própria habitação [...] (MARICATO, 1979, p. 72).
Em 1981 foi criada uma cooperativa para a fabricação de tijolos. O Jardim Campos
Elíseos, sob o comando do então presidente Leobino Francisco de Oliveira, começou a
produção voltada a atender demandas dos próprios moradores e das favelas que
encomendassem os tijolos. Segundo Leobino9, ele chegou a produzir cerca de oito mil
tijolos.
A urbanização de favelas com a participação popular, segundo Lopes (1997), teve
início em junho de 1981. “Todas as associações e a assessoria participaram de um mutirão
na favela do jardim Campos Elíseos, inaugurando simbolicamente este nova etapa do
movimento” (LOPES, 1997, p. 138). Neste dia, os favelados abriram um caminho na
favela, orientados pelos assessores e pelo PUE. Os demais mutirões realizados, além de
objetivar a urbanização, mostravam à Prefeitura que “apesar da resistência à Lei da Terra,
eles não tinham nenhuma proposta que solucionasse o problema da moradia para essa
população” (PAOLI, 2000, p. 153). Ao mesmo tempo, os assessores do movimento
incentivavam os favelados a aprenderem as técnicas de obras na teoria e na prática. De
acordo com Maricato (1979) a autoconstrução (quando os moradores constroem a própria
moradia) e o sistema de mutirão, mostram um problema político habitacional de cada
município.
9
Em entrevista concedida ao grupo. Campinas, setembro 2009.
30
A urbanização só seria viável mediante a adesão de todos os moradores
da favela, caso contrário poderiam ocorrer impasses nas tarefas coletivas
de abertura de caminhos, deslocamentos de barracos, obedecendo à
demarcação dos lotes, discutidos com os assessores arquitetos (LOPES,
1997, p. 141).
32
Para Lopes (1997), os dados de setembro de 1998 da Gerência de Urbanização de
Favelas, subordinada à Secretaria de Promoção Social, revelaram que a Prefeitura
continuava cedendo títulos de posse definitiva da terra, mas sem obras de infra-estrutura
previstas no PUE.
33
liderança de favela conseguia conquistar o que reivindicava, deixava de freqüentar as
reuniões. “Os presidentes se afastaram, o Leobino (Leobino Francisco de Oliveira, do
Campos Elíseos), os Alcides (Alcides de Lima e Alcides Vieira Pinho, do Parque Dom
Pedro II) e outros, se afastaram do movimento”, conta. A favela do Parque Dom Pedro II
foi a primeira a receber o título de concessão de direito real de uso. A entrega dos
documentos foi feita pelo então prefeito Magalhães Teixeira em 1985.
Para Simões, as favelas se redefiniram dentro delas mesmas “e se voltaram para si,
para a própria urbanização. Os locais tiveram benfeitorias, como postos de saúde, creches,
casas e assim as lideranças se voltaram para cada favela. Mas sem perder a noção da
origem da conquista”, lembra.
Para compreender como o movimento perdeu força, é preciso relativizar o
abandono das lideranças, pois elas não tinham necessariamente as mesmas reivindicações.
É preciso considerar a heterogeneidade de militantes e a relação diferenciada de cada um
com sua base e com o movimento.
Além disso, é necessário considerar o que mostra Jacobi (1989) ao afirmar que os
movimentos sociais urbanos tinham um ponto de convergência: a contestação de
legitimidade do poder do Estado na luta pelas suas necessidades básicas. Para ele, com a
ascensão dos governos democráticos em 1983, verifica-se que a possibilidade de mudança
não corresponde às expectativas no plano das realizações, o que provoca um refluxo nos
movimentos.
10
Em entrevista concedida ao grupo, Campinas, outubro de 2009.
11
Em entrevista concedida ao grupo, Campinas outubro de 2009.
35
atua ainda na associação do bairro, tanto que entregadores, oficiais de justiça, dentre
outros, procuram a ele quando precisa achar algum morador, por saberem de sua atuação.
Cada bairro ganhou características novas de herança, como no Jardim das
Bandeiras II, com água e esgoto encanados, luz elétrica, escola e posto de saúde. Outras
favelas urbanizadas tiveram as mesmas conquistas. Outras favelas não foram urbanizadas
até hoje (2009) por estarem em posições geográficas desprivilegiadas, como em área de
mananciais. O Parque São Quirino é uma das favelas que ainda espera por urbanização,
como lembrado pelo morador e ex-militante, Sebastião Ferreira da Silva12, “[...] 36 anos
que to lá e não ta urbanizada ainda. Vejo que os outros foram urbanizados e a minha ainda
não”.
Mesmo quem não ganhou a posse da terra, tem como herança do movimento o
reconhecimento de ser um cidadão e ser respeitado pela cidade, como conta o ex-assessor,
Alcides Mamizuka13, que entende que todos deixaram de ser vistos como intrusos na
cidade. Se nos guiarmos pelos conceitos de cidadania levantados por Martins (2000), a
maior herança deixada pela Assembleia do Povo foi transformar o cidadão cliente que era
o favelado na época em um cidadão conhecedor de seus direitos e, em último estágio, em
cidadão sujeito de seu próprio destino histórico. Ou seja, a pessoa que antes era apenas um
“cliente” que “comprava” o discurso de políticos passa a lutar para ter suas demandas
atendidas e construir seu futuro, torna-se de fato um ser político que de alguma forma ao
mesmo tempo faz parte e interfere nas relações de poder.
Essa conquista da cidadania fica clara no documentário, no qual os ex-militantes
não se mostram como marginais, mas como construtores de sua própria história e
protagonistas de um movimento que de alguma forma mexeu com a vida dos moradores da
periferia de Campinas, talvez até com a vida de pessoas de outros lugares. No vídeo não
aparecem marginais, aparecem cidadãos.
12
Em entrevista concedida ao grupo, Campinas outubro de 2009.
13
Alcides Mamizuka em entrevista concedida ao grupo, Campinas, outubro de 2009.
36
Para entender o vídeo, é importante discutir os limites entre documentário e
telejornalismo, nossa área de estudos. Antes de pensar no vídeo e na prática da produção, é
interessante conhecer a teoria que dá bases de sustentação ao projeto e permite sua
construção, estabelecimento de linguagem e formato, escolha do melhor plano e da melhor
fala.
Tanto as TVs quanto o cinema são meios de comunicação de massa e, como afirma
Marshall (2003), tem o poder de determinar o que é realidade no mundo de hoje. Isso
acontece porque os próprios receptores dão crédito e legitimidade, principalmente, ao que é
publicado na mídia. As coisas existem ou deixam de existir à medida que são publicadas.
“A realidade deixa assim de ser a expressão dos fatos, para se revelar como sua
apresentação midiática” (MARSHALL, 2003, p. 50). A mídia tende a transmitir a realidade
que lhe é conveniente.
É importante ressaltar que existe uma diferença fundamental entre a pressão sofrida
pelo jornalismo televisivo e pelo cinema documentário. “O universo do jornalismo é um
campo, mas que está sob a pressão econômica por intermédio do índice de audiência”
(BOURDIEU, 1997, 77). Essa pressão não tem necessariamente a ver com a intervenção
direta de determinada pessoa no conteúdo, formato ou linguagem, mas é algo intrínseco a
uma cultura de gestão e produção televisiva. No cinema documentário brasileiro, isso
acontece em menor escala, pois, no país, o cinema é majoritariamente bancado por projetos
estatais de fomento que, com raras exceções, não dão conta de qualquer tipo de
questionamento quanto ao conteúdo, linguagem ou formato.
Admitindo a teoria do agendamento, o telejornalismo tem poder de agir e
influenciar outros campos, inclusive os pautando.
37
Em outras palavras, um campo, ele próprio cada vez mais dominado pela
lógica comercial, impõe cada vez mais suas limitações aos outros
universos. Através da pressão do índice de audiência, o peso da economia
se exerce sobre a televisão, e, através do peso da televisão sobre o
jornalismo, ele se exerce sobre os outros jornais, mesmo sobre os mais
“puros”, e sobre os jornalistas, que pouco a pouco deixam que problemas
de televisão se imponham a eles. E, da mesma maneira, através do peso
do conjunto do campo jornalístico, ele pesa sobre todos os campos de
produção cultural (BOURDIEU, 1997, p. 81).
38
tende a um mercado de exibição independente, embora venha ganhando força no ciclo
comercial de cinema nos últimos anos.
É inegável que Robert Flaherty foi um dos documentaristas pioneiros, mas em seu
clássico Nanook do Norte (1922), o diretor juntou alguns atores esquimós e pediu para que
um deles representasse Nanook, atuando em ações que executava diariamente e em outras
que nunca tinha executado para serem filmadas. Tudo isso aconteceu porque Flaherty
perdeu os rolos de filmes do documentário que havia filmado sobre o verdadeiro Nanook,
anos antes.
Apesar de questionar os métodos de Flaherty e de outros documentaristas clássicos,
ainda no Cinema Direto a atuação existia. Se a tal “mosquinha na parede” não intervinha
diretamente nos acontecimentos, a presença da câmera produzia um tipo de intervenção e
os personagens, [...] no mínimo, precisavam fazer de conta que a câmera não estava ali (DI
TELLA, 2005, p. 75).
No cinema direto, os cineastas ressaltavam que o trabalho de seus documentários é
apenas evidência, mas para Winston (2005), esse conceito é ideologicamente poderoso,
mas com uma noção ingênua de objetividade que encoraja o público nessa ingenuidade.
Para o autor, ao assumir tal postura, os documentaristas colocam em risco o conceito de
40
“tratamento criativo”, exatamente o que torna os documentários diferentes de outras
formas audiovisuais de não-ficção. “O desaparecimento dos limites com o jornalismo
significou, de fato, o desaparecimento de todos os documentários, exceto os jornalísticos
[...]” (WINSTON, 2005, p. 24).
Para ele, o maior problema é que os documentaristas foram obrigados a tornarem-se
jornalistas. Apesar da força com que surge (e ainda existe) o cinema direto, logo depois de
sua concepção, já foram criadas formas de resistência, como o Cinéma Vértié (cinema
verdade) francês, que teve como maior ícone Jean Rouch. Apesar de muitas vezes
confundido com o cinema direto, o realizador do documentário no cinema direto não
simula sua ausência, pelo contrário, assume que o encontro entre o documentarista e seu
assunto é exatamente o que há a ser documentado. Nas palavras de Rouch, caso citado por
Di Tella (2005), deixa de ser mosca na parede (fly-on-the-wall) para ser a mosca na sopa
(fly-in-the-soup).
Documentários são asserções e, como tal, fazem afirmações sobre a realidade, não
são a realidade. “Não é possível colocar o mundo tal qual é num filme, num vídeo, nem no
papel Kodak. Todo formato da mídia é uma representação ou signo do real e não uma
transposição” (ANDACHT, 2004). O que vemos na tela não é o mundo, são apenas
imagens e sons que carregam consigo determinado discurso.
O que não quer dizer que a imagem não valha nada: ela pode mentir,
falsificar, simulando dizer a verdade, mas pode também ser associada a
outras imagens e outros sons para fabricar experiências inéditas,
complexificar nossa apreensão do mundo, abrir nossa percepção para
outros modos de ver e saber. As imagens são frágeis, impuras,
insuficientes para falar do real, mas é justamente com todas as
precariedades, a partir de todas as lacunas que é possível trabalhar com
elas (LINS; MESQUITA, 2008, p. 81-82).
14
LOPES, Mariana Ferreira. Jornalismo Literário cinematográfico: uma leitura de “Ônibus 174”.
Disponível em: <http://www.abjl.org.br/detalhe.php?
conteudo=fl20070507194021&category=ensaios&lang=>. Acesso em: 9 nov. 2009.
15
LIMA, Edvaldo Pereira. Jornalismo Literário no cinema. Disponível em:
<http://www.abjl.org.br/detalhe.php?conteudo=fl20031110160922& category=ensaios&lang>. Acesso em: 9
nov. 2009.
42
Ao iniciarmos as pesquisas, notamos que a Assembleia do Povo foi notícia nos
jornais durantes quase uma década. Já existem também registros históricos sobre o
movimento na academia, em dissertações de mestrado e teses de doutorado. Então
pensamos que a melhor maneira de abordar o assunto sob uma perspectiva até então não
explorada seria o documentário. Para Lopes (2009), ao trabalhar temas que já foram
registrados, o cinema documentário busca, em sua forma, dar tratamento mais
interpretativo e contextualizado do que o dispensado pelos meios de comunicação de
massa, o que reafirma o documentário enquanto interpretação do real.
Quando pensamos no nosso documentário, não entendemos que ele seja apenas um
registro histórico, mas pode representar uma nova ferramenta para a melhor compreensão
desse momento de Campinas. Por isso entendemos que acima de tudo, nosso trabalho é
uma espécie de documentário social.
43
é exterior, coisa ou pessoa. “[...] A natureza das imagens-câmera e, principalmente, a
dimensão da tomada através da qual as imagens são constituídas determinam a
singularidade da narrativa documentária em meio a outros enunciados assertivos, escritos
ou falados” (RAMOS, 2008, p. 22).
Pode-se definir um vídeo como documentário pela simples intenção do autor em
fazer um documentário, desde que caiba no nosso entendimento que isso foi proposto. Não
há exigência quanto ao conteúdo, apenas quanto à forma da narrativa e a indexação do
filme. Partimos desse dispositivo para definir todo o resto do vídeo. O reencontro dos
militantes foi o que nos deu material e fôlego para a finalização do documentário.
1.2.3.1. Dispositivo
45
com que a construção do personagem coletivo (a soma de experiências individuais voltadas
para o todo, reconstitui a visão de um todo), ficasse clara para quem assiste.
Sobre esse sistema de valores, Ramos (2008) afirma que a reflexão teórica e a
produção imagética que o cerca são carregadas de preocupação com a posição da voz que
enuncia. “Se a intervenção articuladora do discurso é inevitável, a narrativa deve jogar
limpo e exponenciá-la, seja através de procedimentos interativos na tomada, seja na própria
articulação discursiva (montagem/mixagem)” (RAMOS, 2008, p. 37).
Seguir o sistema de valores éticos da interação e reflexão nos enquadra no que
Nichols (2005) chama de modo reflexivo. O autor classifica os documentários em seis
categorias que ele denomina “modos”, o poético, o expositivo, o participativo, o
observativo, o reflexivo e o performático. Os documentários reflexivos olham para si e
questionam sua própria estrutura, se posicionando com uma linguagem realista. A reflexão
acontece nas perspectivas formal e política.
46
Entre as principais características desse processo comunicacional estão:
opção política de colocar os meios de comunicação a serviço dos
interesses populares; transmissão de conteúdos a partir de novas fontes de
informações (do cidadão comum e de suas organizações comunitárias); a
comunicação é mais que meios e mensagens, pois se realiza como parte
de uma dinâmica de organização e mobilização social; está imbuído de
uma proposta de transformação social e, ao mesmo tempo, de construção
de uma sociedade mais justa; abre a possibilidade para a participação
ativa do cidadão comum como protagonista do processo16.
16
PERUZZO, Cicília M Krohling. Direito à Comunicação comunitária, participação popular e cidadania.
Artigo publicado na Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, ano II, n.3, jul//dic. 2005.
São Paulo: ALAIC. p.18-41.Disponível em: http://74.125.47.132/search?
q=cache:XjR_8LU6HpMJ:www.metodista.br/poscom/cientifico/docentes/cicilia-peruzzo/artigos-de-cicilia-
peruzzo+comunica%C3%A7%C3%A3o+comunit%C3%A1ria+-+cicilia&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br.
Acesso 13.11.2009.
47
2º Capítulo
Procedimentos para a execução do Projeto Experimental:
O processo de pesquisa foi iniciado ainda no mês de maio de 2009, quando o tema
do trabalho foi definido. Decidimos começar por uma pesquisa bibliográfica, pois isso
poderia abrir nossos horizontes com relação ao tema, que era pouco conhecido por dois
integrantes do grupo (que vivem em Campinas) e estranho aos três integrantes vindos de
outras localidades.
O primeiro livro consultado foi Marginais da História? de Doraci Alves Lopes. O
livro nos ajudou, pois além de discutir conceitos de marginalidade, conta a história do
movimento visto de dentro, por uma das assessoras. Este livro foi, desde então, nosso guia
nas pesquisas que daí seguiram-se. A autora citava vários trechos de jornais, motivo que
nos levou a assumir como segunda parte do processo de pesquisa a visita aos arquivos da
Rede Anhanguera de Comunicação (RAC), empresa proprietária dos dois principais jornais
de Campinas, Diário do Povo e Correio Popular. As pesquisas no arquivo da RAC foram
feitas de 14 de julho a 11 de agosto de 2009. Levantamos reportagens que foram
publicadas sobre o movimento e sobre os problemas de urbanização em Campinas
(pesquisamos os arquivos de jornais com datas entre 1962 a 1985). Mesmo diante de tanto
material, sentimos falta de outros jornais. O livro Marginais da História? citava em
determinado trecho um arquivo cuidadosamente montado pela ex-assessora do movimento
Maria Conceição Vieira. Em 14 de agosto de 2009 fizemos uma pré-entrevista com ela.
Na entrevista, descobrimos que todo o arquivo havia sido doado ao Centro de
Memória da Unicamp. Visitamos o CMU e encontramos jornais, atas, fotos e recortes de
jornais. Fotografamos os jornais, mas nosso acesso ao restante do arquivo foi restringido.
Ainda não estávamos contentes com o material que conseguimos, motivo que nos levou à
hemeroteca da Biblioteca Municipal de Campinas, onde encontramos vários recortes de
jornais sobre o movimento.
Pesquisando sobre nosso tema na Internet, encontramos um artigo, também da
cientista social Doraci Alves Lopes (Um momento único: aprender com Dalmo Dallari),
48
em que a autora prestava uma homenagem ao jurista Dalmo Dallari, que apoiou a luta da
Assembleia do Povo, e dava algumas informações sobre o movimento. Encontramos
também a dissertação de Mestrado do arquiteto Fábio Boretti Netto Araújo, Participação
popular e a construção do espaço público, que em determinado trecho estabelecia relações
entre nosso tema e outros movimentos sociais urbanos, indicando uma lógica de
funcionamento própria dos movimentos na época. Para aprofundar isso, encontramos um
artigo do cientista social Pedro Roberto Jacobi, intitulado Atores sociais e Estado:
Movimentos reivindicatórios urbanos e Estado – dimensões da ação coletiva e efeitos
político-institucionais no Brasil.
Tínhamos um déficit de informações sobre história da urbanização e migração. Para
saná-lo, consultamos os textos Campinas: o despontar da modernidade (Ricardo de Souza
Campos Badaró), Espaço e tempo em Campinas: Migrantes e a expansão do pólo
industrial paulista (Rosana Aparecida Baeninger), Momento de Ruptura: as
transformações no centro de Campinas na década dos cinqüenta (Antônio Carlos Cabral
Carpintero) e A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial (Ermínia
Maricato).
Precisávamos entender o funcionamento das associações de moradores em
Campinas. Para isso utilizamos a dissertação de mestrado Associação de moradores em
debate no município de Campinas, de Olívia Salgado Costa. Como a Assembleia do Povo
se organizava em uma estrutura própria dos movimentos sociais vinculados às
organizações da igreja católica, precisávamos entender o contexto. Para isso, consultamos
o livro Movimento Social Urbano, Igreja e Participação Popular, de Ana Maria Doimo.
Não queríamos nos prender a um só livro para entender a história do movimento.
Ao procurar por mais obras bibliográficas, encontramos a dissertação de mestrado Favela
código Cidade: O muito falar e o não fazer é suar em vão, de Térsia Pilomia de Paoli, que
nos permitiu entender o movimento a partir de outro olhar.
A bibliografia nos deu o suporte teórico necessário para a segunda etapa da
pesquisa. A nossa proposta desde o início era ouvir as lideranças das favelas, as pessoas
que não tiveram oportunidade de mostrar seus olhares sobre a história. Por isso, nos
guiamos também pelo conteúdo das pré-entrevistas, o que nos ajudou a entender o
movimento por dentro, a partir de sua estrutura, a base.
Para entrevistar os idosos o grupo precisou estudar o assunto (Assembleia do Povo
e urbanização em Campinas). A partir desses conhecimentos adquiridos, foi possível
49
ajudar os idosos reconstituírem as suas memórias. Para não limitar as memórias, o grupo
não achou proveitoso ter um roteiro fixo de perguntas. Segundo Bosi (1999), o ideal é ter
algumas perguntas condutoras, com dados que auxiliem as lembranças do entrevistado,
como datas importantes da época em que viveu, acontecimentos políticos e econômicos,
entre outros. A partir disso, o grupo fez um roteiro como fio condutor, que foi utilizado nas
gravações, mas que sofreu alterações conforme o diálogo fluía.
Esperávamos muito da pré-entrevista de 10 de setembro, com Leobino Francisco de
Oliveira, liderança da região do Campos Elíseos. Considerado principal articulador da
Assembleia do Povo, pensávamos nele como chave para contar a história do movimento.
Ao chegarmos à casa de Leobino, nos deparamos com um senhor que mal consegue
completar frases. Seria impossível entrevista-lo.
Enquanto seguíamos com as entrevistas, percebemos que as fotos arquivadas no
Centro de Memória da Unicamp não eram suficientes para ilustrar o que era relatado pelos
entrevistados. Começamos a procurar por arquivos pessoais e encontramos fotos referentes
à urbanização do Núcleo Iporã (Parque Dom Pedro II) pertencente a uma das entrevistadas,
Luzia Maria da Costa. Ainda com o arquivo esse arquivo, sentíamos um certo vazio de
imagens, descobrimos então o arquivo de Ronaldo Simões, ex-assessor de comunicação do
movimento, em que estão guardadas centenas de fotos referentes ao movimento e seus
militantes em diferentes situações, como em reuniões, assembleias, mutirões de
urbanização e outras. Graças à pesquisa de fotos, conseguimos material suficiente para
produzir o vídeo.
Notamos que fizemos as melhores opções, pois conseguimos entender o
movimento indo além da sequência de fatos que compõem sua história. Compreendemos o
contexto em que a Assembleia do Povo se insere e a lógica que guiava os movimentos
sociais urbanos surgidos a partir do início do processo de reabertura, iniciado no governo
Geisel.
Resolvemos desde o início das pesquisas que usaríamos apenas depoimentos das
lideranças das favelas. Chegamos a cogitar a utilização de relatos de um dos assessores
como fio condutor da narrativa, mas desistimos, por fugir do objetivo inicial: apresentar
versões dos acontecimentos mais próximas dos militantes da base, pessoas que não tinham
como tornar público seu olhar sobre os acontecimentos, por não deter os meios de
produção de informação. Logo descobrimos que o “dar voz” é um mito. Não somos e nem
conseguiríamos ser porta voz desses ex-militantes.
52
notamos que seria injusto excluir as pessoas com as quais conversamos por um método
imposto pela nossa noção do que foi o movimento.
Diante de tudo isso, optamos por reconstruir as memórias dos militantes do
movimento usando fragmentos, formando assim um personagem coletivo. Como em O
Cortiço, de Aluísio Azevedo, dentre outras obras, em que os personagens são
representações de todas as pessoas que vivem em situações parecidas.
Mas, segundo as lideranças do movimento, os assessores tiveram papel
fundamental na organização, e por isso decidimos não excluí-los do documentário.
Optamos por usá-los em determinados trechos do vídeo apresentando o pano de fundo do
que é narrado, informações que as lideranças não poderiam nos dar, pois os favelados não
tem a percepção de como o movimento caminhou para alguns acontecimentos que seriam
chave em sua história. Além disso, para quem tiver acesso ao DVD, os assessores tem seu
devido espaço nos extras, abordando assuntos que julgamos pertinentes para uma melhor
compreensão do que foi a Assembleia do Povo.
Só ficamos frustrados pela impossibilidade de entrevistar Maria Conceição Vieira,
que, mesmo pré-entrevistada, não pode nos conceder entrevista gravada, pois a ex-
assessora do movimento sofreu um acidente de carro no mesmo dia do reencontro.
Conceição foi apontada como uma das principais assessoras por todos os entrevistados.
53
Francisco Lems é morador do Bairro da Conquista, onde até hoje atua na
Associação de Moradores e é reconhecido como uma das grandes lideranças do Bairro.
Francisco foi, na época da Assembleia do Povo, a maior liderança da Favela da Vila Ipê,
onde mobilizou moradores que urbanizaram o bairro com as próprias mãos. Francisco nos
cedeu uma entrevista e foi ouvido no reencontro.
Geraldo Borges é morador do Jardim Londres e foi militante da associação de
moradores durante a Assembleia do Povo. Geraldo foi ouvido apenas no reencontro, não
pode nos ceder uma entrevista.
José Augusto de Morais é presidente da Associação do Bairro da Vitória, antes
conhecido como favela da Vila Georgina. Ao chegar em Campinas enfrentou o despejo e a
pressão dos fiscais da prefeitura. José Augusto foi ouvido apenas no reencontro, não pode
nos ceder uma entrevista.
José Duarte Costa Filho é morador do Jardim Ipaussurama, e ajudou na
urbanização de diversas favelas. José Duarte foi ouvido apenas no reencontro, não pode
nos ceder uma entrevista.
Jovelina Celi da Silva acompanhava o arquiteto Antonio da Costa Santos, ex-
assessor da Assembleia do Povo (posteriormente eleito prefeito de Campinas), nas
medições e no preparo para a urbanização do Jardim Santa Mônica. É da entrevista com
Jovelina que foi tirada a frase do título do documentário. Jovelina nos cedeu uma
entrevista, mas não pode participar do reencontro.
Leobino Francisco Oliveira foi presidente da Associação de Favelados do Jardim
Campos Elíseos. Abria todas as reuniões de lideranças no Centro Pastoral Pio XII.
Negociou diversas vezes com o prefeito Francisco Amaral. É reconhecido pelas lideranças
das favelas como grande liderança do movimento. Não o entrevistamos formalmente, por
limitações de saúde de Leobino, mas utilizamos uma de suas falas do reencontro em um
trecho do documentário. Leobino foi ouvido apenas no reencontro, não pode nos ceder
uma entrevista.
Luzia Maria da Costa é moradora do Parque Dom Pedro II. Atuou como uma das
lideranças do Núcleo Iporã, junto aos Alcides, principais lideranças do bairro. Luzia nos
cedeu uma entrevista e foi ouvida no reencontro.
Mariza de Lima Sousa é moradora do Jardim das Bandeiras II. Atuou na
Associação de Moradores do bairro junto a Marlene Teixeira de Abreu Correia, grande
liderança da luta na região. É Mariza quem aparece em uma das fotos no documentário
54
tomando o microfone do então vice-prefeito, Magalhães Teixeira. Mariza foi ouvida
apenas no reencontro, não pode nos ceder uma entrevista.
Marlene Teixeira Abreu Correia é moradora do Jardim das Bandeiras II. Foi a
principal liderança da favela a ponto de tomar uma dimensão maior que a própria favela.
Foi líder de bairro, liderança da região e uma das principais lideranças da Assembleia do
Povo. Marlene foi a primeira candidata mulher do PT de Campinas a uma cadeira na
Câmara Municipal, além de uma das principais lideranças do partido em na época de sua
fundação. Marlene nos cedeu uma entrevista e foi ouvida no reencontro.
Sebastião Ferreira da Silva é morador do Parque São Quirino e foi uma de suas
lideranças. Sebastião foi ouvido apenas no reencontro, não pode nos ceder uma entrevista.
Sebastião Rosa é morador da Vila Brandina e freqüentava as reuniões de lideranças
no Centro de Pastoral Pio XII. Sebastião foi ouvido apenas no reencontro, não pode nos
ceder uma entrevista.
Valdecir José da Silva é morador do Jardim São Marcos e foi militante da
associação de moradores durante a Assembleia do Povo. Valdecir nos cedeu uma
entrevista, mas não pode participar do reencontro.
57
aproveitamos para entrevistá-la. No mesmo dia, gravamos com Marlene Teixeira Abreu
Correa, liderança do Jardim das Bandeiras e articuladora das passeatas no Paço Municipal.
Visitamos o Museu da Imagem e do Som de Campinas no dia 16 de outubro para
entrevistar Ronaldo Simões, mais conhecido como Batata. Ele foi fotografo d’O Repórter
da Região e membro da assessoria de comunicação da Assembleia do Povo. Fomos até a
Cúria Metropolitana de Campinas em 17 de outubro gravar uma entrevista com o Padre
Benedito Ferraro, que viu o movimento nascer, sob a ótica de um membro da igreja
católica.
Em 10 de outubro, organizamos um reencontro de lideranças e assessores da
Assembleia do Povo, na Cúria Metropolitana de Campinas. gravamos todo o evento, onde
os presentes, um a um, fizeram suas considerações sobre o movimento. Apresentando um
vídeo com recortes de jornais sobre a Assembléia do Povo para instigar as memórias dos
presentes. Conseguimos ótimos relatos de pessoas que ainda não havíamos entrevistado,
como Geraldo Borges (Jardim Londres); José Augusto de Morais (Bairro Vitória e
Georgina); José Duarte Costa Filho (Jardim Ipaussurama). Ao fim do evento,
entrevistamos o ex-assessor do movimento e vereador, Alcides Mamizuka e a ex-assessora
e prefeita de Campinas, Izalene Tiene. A cientista social e ex-assessora do movimento,
Doraci Alves Lopes, também estava presente. Agendamos sua entrevista para a semana
seguinte, 17 de outubro.
A ideia do reencontro com os favelados surgiu em um encontro de orientação com a
orientadora. Optamos por organizar o evento no local em que os favelados se encontravam
para discutirem as reivindicações de cada favela: o Centro Pastoral Pio XII (Cúria
Metropolitana de Campinas). A data agendada foi 10 de outubro, das 8h às 16h.
Estavam presentes 24 pessoas, sendo que cinco eram assessores. Apenas alguns dos
ex-militantes vieram sozinhos para o Centro Pastoral, como foi o caso da Marlene Teixeira
Abreu Correia e Francisco Lems. Combinamos com os demais que buscaríamos cada um
em suas casas, pois não queríamos que eles tivessem gasto financeiro para chegar ao Pio
XII e também, por preocupação com a saúde dos idosos.
Combinamos então, que um dos integrantes do grupo (Reginei Domingos de
Morais) buscaria alguns ex-militantes. Por uma questão de logística seria necessário dispor
de mais carros. Como não poderíamos ceder mais um integrante do grupo para buscar os
convidados, decidimos pedir ajuda a alguns amigos, que se dispuseram a buscar e a levar
os ex-militantes. Tivemos então, cinco carros a nossa disposição.
58
Os demais integrantes chegaram às 8h no Centro de Pastoral Pio XII para arrumar a
sala, a mesa de comida e esperar os cinegrafistas que foram contratados. Contratamos, com
ajuda de patrocinadores, contratar a produtora Ponto Z, de São Paulo, para gravar com três
câmeras, estrutura de iluminação e auxiliares na produção. Explicamos a eles como
pensamos o enquadramento e do que se tratava o documentário. Arrumamos a sala com
uma fila de cadeiras em forma de ferradura para poder filmar todos e fazer duas rodadas de
perguntas. Quando entravam no jardim, os ex-militantes tinha a sua direita um painel de
banners com fotos do movimento e a sua frente uma mesa de café da manhã.
Cerca de 30 minutos depois, chamamos os ex-militantes para entrarem na sala.
Uma de nossas preocupações era não deixar que o encontro passasse das 12 horas, pois os
idosos poderiam ficar cansados em demasia. Ao se acomodarem, nos apresentamos,
falamos do objetivo do documentário e em seguida exibimos um áudio visual, elaborado
por Rafael Oliveira Jorge. O produto tinha fotos de jornais, todos fotografados no Centro
de Memória da Unicamp, em minucioso trabalho de pesquisa e seleção de momentos
importantes da Assembleia do Povo. O audiovisual apresentando teve duração de dez
minutos. A ideia era despertar as memórias dos favelados.
Em seguida explicamos que faríamos duas rodadas. A primeira seria somente para
falarem o nome e o bairro onde moram; e a segunda seria para falarem das conquistas e
histórias da Assembleia do Povo. Nada aconteceu como programamos. Ao se
apresentarem, os ex-militantes já começavam a contar suas memórias, optamos por não
interromper. A segunda rodada então foi uma rodada aberta para quem quisesse fazer
complementações.
Ao final fizemos algumas tomadas pelo Pio XII e levamos cada um de volta para
casa. O reencontro do dia 10 de outubro superou nossas expectativas. Todos os convidados
participaram. Não tivemos problemas com os carros, cinegrafista e nem nas rodadas. O
único problema foi a extensão das rodadas até as 13h, o que pode ter cansado um pouco os
ex-militantes. Percebemos que todos ficaram emocionados, alguns choraram e até falaram
que esse reencontro seria uma possível volta da Assembleia do Povo, da qual eles
acreditam que todos ainda precisem, para promover a união, para novas conquistas.
Assim produzimos o vídeo, tentando representar uma parte das vidas das pessoas
que ali estavam, e por que não, das nossas vidas. Documentamos o momento de cada um
de nossos encontros formais com eles e utilizamos cenas de todos esses encontros no
59
vídeo. Cada cena, cada tomada, cada sequência foi cuidadosamente pensada para a
constituição do documentário.
Só fugimos à regra por nós mesmos imposta duas vezes: na entrevista com
Francisca Martins Pinho (Parque Dom Pedro II) e no reencontro dos militantes (na Cúria
Metropolitana). No primeiro caso, optamos por planos mais fechados para esconder o
cenário, pois já havíamos entrevistado Luzia Maria da Costa exatamente no mesmo lugar e
não queríamos repetir o quadro.
No reencontro, aproveitamos a estrutura que montamos (três câmeras e técnicos de
som e iluminação) e utilizamos duas câmeras voltadas para o personagem que fala e uma
capturando as reações dos outros participantes. Uma das câmeras que enquadrava o
entrevistado mantinha planos médios e americanos, enquanto a outra fazia quadros
fechados (primeiro plano e plano detalhe). Além disso, fizemos imagens da chegada dos
ex-militantes, tentamos documentar a emoção das pessoas ali presentes, algumas que já
não se viam há quase três décadas. Com exceção de fotos de arquivo, as únicas imagens
que usamos para cobrir trechos do vídeo vieram justamente das gravações feitas nos
60
jardins da Cúria Metropolitana de Campinas, na tentativa de mostrar com cada dos quadros
que mais que companheiros de luta, os militantes da Assembleia do Povo são uma família.
Capturamos todo o material que gravamos em um disco rígido e fizemos boa parte
do trabalho fora do Laboratório de Imagem e Som da PUC-Campinas. Em casa, com o
auxílio de um editor de vídeo amigo, decupamos todo o material, cortamos, montamos na
ordem que pensamos o documentário, assistimos e a partir disso montamos o roteiro para
levar o projeto para os técnicos da Universidade.
Na ilha de edição da Universidade, tivemos que cortar boa parte do material, pois
nosso documentário tinha em torno de 30 minutos. Passamos dois dias cortando falas e
acertando os cortes entre tomadas. Passamos outros dois dias tratando fotos e áudio do
vídeo. Contratamos um editor para fazer as artes e finalizar o vídeo, pois já não havia
tempo de fazê-lo.
Os extras do DVD foram feitos depois de fechado o vídeo principal. Aproveitamos
para utilizar falas de assessores que ainda não haviam sido utilizadas, inclusive as falas da
arquiteta Tércia Pilomia De Paoli e as da advogada Maria Cecília Mazzoriol Volpe, que
não entraram no documentário porque foram captadas já em fins do processo de edição.
61
3º Capítulo
Apresentação do produto final:
3.1. Justificativa
Nosso público alvo prioritário são os moradores das favelas de Campinas, pois eles
que vivenciaram e vivenciam em alguma medida a Assembleia do Povo. Eles construíram
as favelas ou bairros (antigas favelas) onde moram e brigaram pela conquista da cidadania.
Os mais jovens não vivenciaram o movimento, mas cresceram cercados pelas conquistas
da Assembleia do Povo, ou seja, de alguma forma vivem agraciados pelos frutos do
movimento.
Pensamos neles como nosso público alvo, por notarmos que a história do
movimento ainda não lhes foi contada, sobrevive apenas na academia. Nos bairros
restaram algumas lembranças que pretendemos instigar e, que sabe, ajudar algumas
pessoas na compreensão de sua própria história, pois compreendendo o passado fica mais
fácil construir o futuro.
62
Assim, o documentário pode ser utilizado também como material de ensino nas
escolas públicas da periferia, pois, além de contar uma parte da história de Campinas
ignorada pelo currículo escolar, pode gerar nos mais jovens certa consciência cidadã.
Talvez, nosso vídeo possa ser assistido por estudantes universitários de diversos cursos das
Ciências Sociais e Humanas, que tenham interesse em conhecer e estudar movimentos
sociais urbanos ou, especificamente, a Assembleia do Povo.
3.3. Custo/Gastos
64
Considerações finais
65
Referências
Livros
AMADO, Ana. Michael Moore e uma narrativa do mal. In: MOURÃO, Marcia Dora;
LABAKI, Amir. (Org.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 216-233.
BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
______. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Atliê
Editorial, 2003.
DI TELLA, Andrés. O documentário e eu. In: MOURÃO, Marcia Dora; LABAKI, Amir.
(Org.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 68-81.
66
MARCONDES FILHO, Ciro. Comunicação e jornalismo: a saga dos cães perdidos. 2.
ed. São Paulo: hacker, 2002.
MEDINA, Cremilda. Entrevista: O diálogo possível. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário?. São Paulo:
Editora Senac São Paulo, 2008.
RENOV, Michael. Investigando o sujeito: uma introdução. In: MOURÃO, Marcia Dora;
LABAKI, Amir. (Org.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 234-257.
ROTH, Laurent. A câmera DV: órgão de um corpo em mutação. In: MOURÃO, Marcia
Dora; LABAKI, Amir. (Org.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 26-41.
Sites
LOPES, Doraci Alves. Um momento único: aprender com Dalmo Dallari. Campinas:
UNISAL, 2008. Apresenta textos Utilizados pelos estudantes da UNISAL. Disponível em:
<http://sistemasunisal.liceu.com.br/downloads/index.php?>. Acesso em: 13 out. 2009.
Revistas científicas
Anais de congressos
68
ANDACHT, Fernando Torres. Formas documentárias da representação do real na
fotografia, no filme documentário e no reality show televisivo atuais. In: VI
LUSOCOM Ciências da Comunicação em Congresso na Convilhã, 2004. Disponível em:
<http://www.bocc.ubi.pt/_listas/tematica.php?codtema=75>. Acesso em: 9 nov. 2009.
OLIVEIRA, Ana Paula Silva; CARMO-ROLDÃO, Ivete Cardoso do; BAZI, Rogério
Eduardo Rodrigues. Documentário e vídeo-reportagem: uma contribuição ao ensino de
Telejornalismo. In: 9º Forum Nacional de Professores de Jornalismo, 2006, Campos de
Goytacazes-RJ. Disponível em: <http://www.fnpj.org.br/grupos.php?det=156>. Acesso
em: 9 nov. 2009.
Documentários assistidos
LUND, Kátia ; SALLES, João Moreira. Notícias de Uma Guerra Particular. Filme.
Produção de Kátia Lund e João Moreira Salles, direção de Kátia Lund e João Moreira
Salles. Videofilmes, 1999.
MORAES, Tetê. Terra para Rose. Filme. Produção de Tetê Moraes, direção de Tetê
Moraes. Vemver Brasil, 1987.
MORAES, Tetê. O Sonho de Rose: 10 Anos Depois. Filme. Produção de Tetê Moraes,
direção de Tetê Moraes. Vemver Brasil e Riofilme, 2001.
PADILHA, José ; PRADO, Marcos. Ônibus 174. Filme. Produção de José Padilha e
Marcos Prado, direção de José Padilha. Riofilme, 2002.
PRADO, Marcos ; PADILHA, José. Estamira. Filme. Produção de Marcos Prado e José
Padilha, direção de Marcos Prado. Zazen Produções Audiovisuais e Riofilme, 2006.
Jornais
Diário do Povo
- 17 de janeiro de 1963 – “Necessária a erradicação das favelas – Prefeitura tem meios para
impedir construções clandestinas”
- 10 de setembro de 1969 – “Estas são as soluções para o desfavelamento”
- 16 de maio de 1978 – “Favela, bonita só no samba”
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- 4 de maio de 1979 – “A periferia cobra Amaral”
- 26 de outubro de 1979 – “As máquinas param e os favelados ganham a questão”
- 7 de outubro de 1980 – “Já é formal, o Prefeito pode ser deposto”
Correio Popular
- 31 de outubro de 1973 – “A promoção do favelado numa análise profunda”
- 1º de outubro de 1980 – “Favelados querem pleno direito sobre a terra”
- 23 de agosto de 1983 – “Decreto proíbe novos barracos nas favelas”
- 4 de agosto de 1985 – “Apenas duas favelas já foram urbanizadas”
- 25 de abril de 1987 – “Prefeitura entrega hoje títulos de posse da terra”
O Repórter da Região
- maio de 1979 – “Barraco vira casa?”
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ANEXOS
Anexo II - Pautas
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