Presidente da República
LUIZ I NÁCIO L ULA DA S ILVA
Ministro da Cultura
JUCA FERREIRA
Diretoria Executiva
MYRIAM LEWIN
Diretora
Gerência de Edições
MARISTELA RANGEL
Gerente
Coordenação de Dança
LEONEL BRUM
Coordenador
Coordenação Geral de
Planejamento e Administração
ANAGILSA NÓBREGA
Coordenadora Geral
Roberto Pereira
Organização
AO LADO DA CRÍTICA
A história recente da dança
carioca através da
crítica jornalística – 1999-2009
VOLUME 1
1999-2004
Produção gráfica
JOÃO CARLOS GUIMARÃES
Assistentes editoriais
SIMONE MUNIZ
SUELEN BARBOZA TEIXEIRA
Revisão
ANALUIZA MAGALHÃES
Capa
PAULA NOGUEIRA
(recortes do Jornal do Brasil)
Arte-final digital
CARLOS ALBERTO RIOS
ISBN 978-85-7507-123-6
978-85-7507-125-0
CDD 792.80981
Agradeço a todos que me
ajudaram nesse percurso da crítica.
Nayse López, por ter me convidado
a escrever a primeira crítica.
A todos os editores e colegas
do Jornal do Brasil com quem
tive o prazer de trabalhar nesses
dez anos. Silvia Soter, colega
de ofício, amiga querida.
Sonja Gradel, por tudo, disso tudo.
...e que o mesmo signo que eu
tento ler e ser é apenas um possível
ou impossível em mim em mim
em mil em mil em mil...
C AETANO VELOSO
Sumário
Apresentação / 13 20
20000
JUCA FERREIRA A hora de sair do corpo / 41
Ministro da Cultura
Encontro de épocas ilustrado pelo
Ao lado da crítica / 15 contraste entre força e romantismo / 42
SÉRGIO MAMBERTI
Presidente da Funarte Acertos e ruídos em
dois diálogos com o teatro / 43
O ofício da crítica em dose dupla / 117
7
(para nossa sorte e deleite) A afinação de várias influências / 44
AIRTON TOMAZZONI
Crescimento evidente / 45
Introdução / 19
ROBERTO PEREIRA Ator descobre a geometria do espaço / 46
Emoção do flamenco
1999 em atmosfera clean / 47
O palco como lugar de
ação vigorosa e incessante / 27 Genialidades
coreográficas a serviço do amor / 48
Domínio raro do
tempo e do espaço em cena / 28 Recursos evidenciam
fragilidade da dança / 49
Duelo entre música, palavra falada
e dança na apresentação da Quasar / 29 Danças que coabitam
mas não se misturam / 51
Novos significados
para o corpo e para a dança / 31 Dança feita de ideias,
corpos e indignação / 52
Palco de discussão da dança de hoje / 32
Trilha de Arnaldo Antunes inaugura
Criadores aprofundam novos caminhos físicos e urbanos / 53
pesquisas em cena / 34
A experiência da
O mito de Antígona dança como vertigem / 54
olhado pela metade / 36
Plischke sacode
Um bom presente de Natal / 37 a percepção do espectador / 55
Distintas artes e culturas O encontro do gesto e
ganham novo território / 56 do movimento no palco / 91
Graham dá brilho à noite americana / 69 Dança que opera no universo pop / 106
20 04
2004 Passos tecidos com sabedoria / 203
Dança e reflexão no
palco do Espaço SESC / 165 Gestos de beleza e
suavidade em Márcia Milhazes / 205
Permanências mutantes / 1167
67
Qualidade técnica à prova / 207
Palco para a reflexão / 1169
69
Driblando obstáculos / 209
Saltos com riscos / 1171
71
Bibliografia / 213
12
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Apresentação
JUCA FERREIRA
Ministro da Cultura
13
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
14
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Ao lado da crítica
SÉRGIO MAMBERTI
Presidente da Funarte
15
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
16
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O ofício da crítica em dose dupla
(para nossa sorte e deleite)
A IRTON T OMAZZONI
Coreógrafo, jornalista e diretor do
Centro Municipal de Dança de Porto Alegre
A palavra crítica vem do grego krimein, que significa “quebrar”, sentido que
também influenciou a formação da palavra “crise.” E, provavelmente, es-
tabelecer uma crise seja o papel decisivo de um crítico. Uma crise pode gerar,
por sua vez, vários estados: percepção, transformação, e até mesmo choque e
reação. Por isso, uma crise, mesmo que em primeira instância possa parecer
algo negativo, tem um papel determinante e fundamental, ainda mais quando
se fala em arte, ainda mais quando se fala em dança, num País de pouca memó-
ria e tão carente de informação qualificada sobre esta arte.
Por isso, é tão importante e significativa a publicação desta obra, reunindo
dez anos de produção sistemática dos críticos de dança Roberto Pereira (Jornal
do Brasil) e Silvia Soter (O Globo). Seus textos foram decisivos tanto para fazer
um retrato da dança na cidade do Rio de Janeiro, no período de 1999 a 2009,
quanto para um refinado exercício de reconhecimento e provocação do que e
como se produzia, do que se assistia, do que se fazia e se deixava de fazer nos
palcos e nos bastidores, na arte e na política do Brasil. Sim, porque o espaço
aberto por estes dois críticos não foi apenas para dar opinião a respeito de es-
petáculos e eventos. Ambos estiveram sempre atentos e dispostos a alertar, co-
brar, revelar ações e omissões que reverberavam diretamente na dança.
Talvez, por esses motivos, eu fale com certa inveja. Com a inveja de quem atua
em um cenário cultural (de Porto Alegre) que não possui, como outros tantos es-
tados desse País, um crítico atuando sistematicamente e com o mínimo conheci-
mento e vocação para tal ofício. Talvez por isso eu perceba com maior ênfase a
falta que faz o acesso a textos de uma escrita clara e precisa, que analisem a produ-
ção de dança, textos com posições devidamente argumentadas, textos que, quando
necessário, se permitem vibrar, amar, odiar, pois são textos de quem vive a dança,
conhece a dança e torce pela dança. Esses atributos fazem a diferença em um
cenário que, muitas vezes, é o de pseudocríticas de dança redigidas por alguém
sem o mínimo conhecimento da história da dança (sim, não apenas temos uma como
várias), de suas referências, de sua realidade local e global e que acha que emitir
impressões com uma escrita “bacaninha” dá conta do recado.
17
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
As críticas de Silvia e Roberto são a constatação da diferença que uma
postura consistente faz e traz. Para tal, não precisamos concordar sempre com
suas opiniões, que não estão ali em busca de uma unanimidade, mas sim de
uma pequena (pois breve) e necessária porção de alteridade. Alteridade no
sentido de também compreender o mundo a partir do olhar outro, sensibiliza-
do pela experiência do contato com a(s) obra(s). E aqui não falo apenas dos
criadores, “alvo” das críticas, mas de todos os leitores que fazem do exercício
da crítica jornalística uma possibilidade de troca de experiência em dança, e
não só o público carioca. Quantas vezes me interessei por coreógrafos sobre
os quais li nos textos de Roberto e Silvia, quantas vezes descobri que os des-
conhecia, quantas vezes levei seus textos para sala de aula, quantas vezes
acolhi apontamentos que serviam como uma luva para o meu trabalho, quan-
tas vezes discordei e estabeleci argumentos para “no dia em que eu falar com
eles”. Enfim, que coisa mais saudável esta que uma boa crítica produz.
Também por isso a importância desta publicação. Por valorizar um ofício cada
vez mais raro. Pela oportunidade de ler esses textos tão fugidios no jornal que
no outro dia pode estar enrolando peixe. Pela chance de lê-los em conjunto. De
poder relê-los. De poder lê-los complementarmente a partir de duas perspecti-
vas tão singulares e capacitadas. Essa coletânea de críticas é um legado, num
cenário ainda árido da produção bibliográfica sobre dança no Brasil e pratica-
mente nulo no que se refere à crítica fora dos jornais e sites. Mas, independente
de tudo isso, o leitor poderá se deleitar com um generoso exercício de análise e
com o olhar apurado de Roberto e Silvia.
Esta obra também pode ser uma forma de talvez começar a perceber a im-
prensa como um dos vértices fundamentais para que uma produção consistente
de dança se firme. Esta publicação, enfim, é um retrato de dois profundos co-
nhecedores, de dois sensíveis cronistas do seu tempo, donos de um texto perspi-
caz e inteligente, de dois apaixonados que fizeram, nesse período, um bocado
daquilo que precisa ser feito, mas poucos se arvoram, pois o ofício da crítica não
é só feito de louros e exige coragem e rigor. Coragem e rigor que sempre pri-
maram tanto Roberto, que nos deixou tão prematuramente e que tanta falta já
faz, quanto Silvia, que espero que prossiga compartilhando com a gente por mais
um bom tempo seus textos.
E que bom que o Roberto teve a ideia desta publicação, bem como a paciên-
cia de organizar seu material e o da Silvia, além de digitar todas as críticas.
Se ele não tivesse pensado e trabalhado por isso, estas continuariam nos arqui-
vos pessoais e não à nossa disposição. E crédito especial à Sonja Gradel, incan-
sável até descobrir uma forma de não ver engavetado todo o trabalho já feito
pelo Roberto.
Parabéns à Funarte, por assumir essa iniciativa e torná-la possível, com sen-
sibilidade e agilidade. Tenho a certeza de que a dança brasileira agradece.
18
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Introdução
R OBERTO PEREIRA
19
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
tenta conceder a essa mesma leitura quase um caráter narrativo. E disso, cer-
tamente, um sabor especial advém.
Esse sabor, que muitas vezes deve ter causado dissabores também aos per-
sonagens que habitam essas páginas, está latente em cada uma de suas linhas,
em cada parágrafo. Apenas não se deve esquecer de que, ao retirar essas críti-
cas do seu hábitat original e reagrupá-las em outro lugar, estamos falando mesmo
quase que de uma aventura romântica de preservação. Jornalismo cultural, que
carrega consigo a noção de cotidiano, do aqui e agora, ganha feições de uma
extensão no tempo e no espaço que não fazem parte de sua especificidade.
Implicados aí estão ganhos e perdas. O leitor não deve perder isso de vista, jamais.
***
A crítica de dança que se apresenta aqui é o exercício diário que permitiu mi-
nha formação profissional na área. Na verdade, trata-se de um exercício com-
partilhado principalmente com minha colega, e antes de tudo, amiga, Silvia So-
ter. Escrevemos há dez anos para os dois principais jornais da cidade do Rio de
Janeiro, ela para O Globo e eu para o Jornal do Brasil.
No início, o desafio era novo para ela e para mim: o de se fazer entender por
um público anônimo, de cuja amplitude não tínhamos qualquer dimensão. O al-
cance de cada palavra escrita por nós era algo pouco traçável, nos dois senti-
dos: tanto em direção ao artista criticado, quanto em direção ao público.
Nessa tarefa, a aprendizagem do código se tornou quase um enigma a ser
decifrado dia a dia, texto a texto. O “como se fazer entender por esse público
amplo” teria de vir aliado a outras tantas determinações, muitas vezes alheias
à nossa vontade, ou ao que ainda ingenuamente chamávamos de “estilo”. Dei-
xar claro de que espetáculo está se falando, quem é o artista, onde e até quan-
do ele se apresenta fazia pesar a prática do lead jornalístico quase como uma
bomba num texto que se queria algumas vezes puramente poético. Negocia-
ções começaram a ser feitas. Aqui e ali.
Ou mesmo o tamanho destinado para cada texto determinava a eficácia de
seu conteúdo. Dimensionar isso, exatamente, talvez tenha sido a aprendizagem
mais demorada para mim. Se o espaço é pequeno, cada palavra começava a valer
imediatamente mais. Quase ouro puro. E nada, nada mesmo a tornava substi-
tuível por qualquer outra palavra. A saída era ir sempre testando. Até hoje se
testa. E não há um resultado, um diagnóstico. Há a prática de quem realiza um
ofício cuja formação é um amontoado de aptidões: a facilidade em escrever, o
olhar aguçado, o incessante pesquisar sobre dança, e mais tantos etcs. pertinen-
tes que possam porventura caber aqui.
Outra informação que poucos leitores, e artistas, sabem: não somos nós que
escolhemos os títulos e as legendas que acompanham nossos textos. E também
não escolhemos as fotos que os ilustram. Algumas vezes, o título é pinçado de
20
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
alguma passagem de nossa autoria. Outras, ganha um colorido estranho, pró-
prio de um título que jamais seria dado por nós. Isso tudo fazia parte do modo
de acontecer de uma redação de jornal. Tudo. Algo muito simples de se enten-
der, mas que fincava de uma só vez uma bandeira que demarcava especificida-
des jornalísticas em minha escrita, área em que não sou formado.
Aliás, qual poderia ser minha formação como crítico? Tinha feito muitas e
muitas aulas de dança, começando meus estudos numa academia de minha ci-
dade natal, São José dos Campos, interior de São Paulo. Como acontecia com
todo rapaz em plena década de 1980, ganhei uma bolsa de estudos de minha
primeira professora, Damares Antelmo, e me lancei ao balé, ao jazz e ao sapa-
teado, mesmo que este último eu tenha abandonado logo de início. Em 1982,
lembro ter ficado impressionado ao assistir na televisão a uma jornalista falan-
do sobre dança de um modo inteiramente novo para mim. Helena Katz, na T V
Cultura, comentava o impacto da movimentação de Michael Jackson nos vide-
oclipes que acompanhavam o lançamento de seu álbum Thriller. E esse modo
reverberou em mim, e o faz até hoje, a certeza de que ali residia uma outra
possibilidade, absolutamente legítima, de se fazer dança também. Fui para a
capital paulista, onde me formei em Letras pela PUC/SP, e parei definitivamente
de fazer aulas de dança. Comecei, então, a participar do grupo de estudos or-
ganizado por Helena. Algumas coisas começaram a se encaixar.
Saí do País, fiz meu mestrado na Universidade de Viena, Áustria, cuja disser-
tação tinha como tema uma antiga paixão: o balé Giselle. Voltei ao Brasil, mais
especificamente ao Rio de Janeiro, em 1997, como convidado de minha irmã que
já era quase uma carioca. Nesse mesmo ano, conheci Silvia. Em dezembro, numa
reunião realizada na sala de ensaio de Lia Rodrigues, localizada no Teatro Villa-
Lobos, combinamos a primeira reunião daquele que viria a ser conhecido como
Grupo de Estudos em Dança do Rio de Janeiro. Começaríamos a nos reunir logo
no dia 19 de janeiro do ano seguinte, no estúdio da Silvia, no Jardim Botânico.
A existência desse grupo foi absolutamente fundamental para meu futuro
exercício da crítica. E logo nas primeiras reuniões, realizadas sempre às
segundas-feiras, às 19 horas, começou-se a delinear um núcleo que seguiria
adiante por mais seis anos: além de mim e da Silvia estavam Beatriz Cerbino,
Dani Lima e Lia Rodrigues.
As leituras, sempre combinadas de antemão, faziam um percurso sugerido no
início por Helena Katz. Depois, nossos desejos foram sendo naturalmente des-
pertos pela própria dinâmica das discussões que se davam nos encontros. Auto-
res como Antonio Damasio, Daniel Dennett e Richard Dawkins apresentavam
um novo universo a todos nós, que ficávamos incumbidos em traçar paralelos entre
toda aquela teoria e a dança. Fazíamos isso, claro, ao nosso modo. E fomos cons-
truindo ali uma ética da pesquisa, mas, sobretudo, uma estética do estar junto.
Lá no finzinho de 1999, em outubro, sai a primeira crítica da Silvia no Segun-
do Caderno do jornal O Globo. Sua incursão naquele universo complementaria
21
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
de forma exemplar o espaço dado por esse jornal à dança, sobretudo pelo em-
penho da jornalista Adriana Pavlova, responsável pela área até o ano de 2005.
Uma parceria e tanto foi construída ali, dia a dia, ano a ano. E o jornal passou
a desempenhar um papel fundamental nas questões sobretudo políticas que cir-
cundavam a dança carioca. E essa dança ganhou um outro status, diferente
daquele provindo de visitas esporádicas da crítica teatral Bárbara Heliodora a
apresentações de dança, geralmente restritas ao Theatro Municipal. A dança
virou uma prática jornalística também.
Logo em seguida, ainda no mês de outubro, Silvia começou a escrever sobre
o Panorama RioArte de Dança, um dos mais importantes festivais brasileiros
que, naquele momento, era dirigido por sua idealizadora, a coreógrafa Lia Ro-
drigues. Eu, desde o ano anterior, desempenhava ao lado dela o ofício de sua
curadoria. Pouco mais tarde, fui entendendo que curadoria e crítica eram ape-
nas interfaces de uma mesma mediação entre artista, obra e público. Mas como
não havia também nenhuma formação própria para “curador de dança”, tudo o
que eu fazia era ao mesmo tempo testado. E as maiores aulas que tive nesse
sentido vinham da experiência da própria Lia, que também aprendeu fazendo
aquele festival, mesmo que a duras penas, desde 1992.
Era uma experiência nova para mim e para Silvia: meu trabalho estava sen-
do, de alguma forma, criticado por ela. Curioso. Muito curioso.
Para o bem do Panorama e de toda a classe artística da dança carioca, críti-
cas sobre o festival passaram a ser constantes até o ano anterior ao que este
livro contempla. Escritas por Silvia, por Beatriz Cerbino, e mais tarde por mim,
quando deixei a curadoria do festival em 2004, todas as edições dos anos pos-
teriores, excetuando 2005, foram contempladas com críticas nos dois jornais. E
sua leitura, hoje, traça curiosos percursos de um festival que promovia, a cada
ano, estranhamentos poderosos num público que vinha lentamente se formando.
Por outro lado, infelizmente, nenhum dos importantes festivais e mostras que
existiram ou ainda existem na cidade do Rio de Janeiro foram contemplados
com críticas nossas desde seu início ou sem interrupções. O saudoso festival
D ança Brasil, por exemplo, teve sua primeira edição em 1997, com curadoria
de Leonel Brum, e foi a principal e muitas vezes a única investida em dança do
Centro Cultural do Banco do Brasil carioca. Sua última edição foi em 2004,
dando fim a um processo interessante de observação de imbricações entre dança
e outras linguagens artísticas, recorte eleito para balizar sua curadoria. De suas
oito edições, apenas as dos anos de 2000, 2001, 2003 e 2004 ganharam crítica
minha ou da Silvia. E uma inversão outra vez curiosa se deu aí: a partir de sua
sexta edição, Leonel convidou Silvia para dividir com ele a curadoria do festi-
val. E eu, como crítico, passei a criticar o trabalho dela, exatamente o inverso
de como havia acontecido há alguns anos.
E também os Solos de Dança no SESC, mostra de formato inédito entre nós,
e um dos principais eventos de dança do primeiro semestre carioca, que havia
22
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
se iniciado em 2000, pelas mãos de Beatriz Radunsky, só ganharam aprecia-
ções críticas nossas a partir do ano de 2002. Desde então, até o ano passado,
esta passou a ser uma ação ininterrupta, felizmente.
Mas o Rio de Janeiro contava, sim, com crítica de dança antes de começar-
mos, eu e Silvia, em 1999. Nayse López, então editora do Caderno B do Jornal
do Brasil, acumulava também a função de escrever críticas para sua editoria. E
foi justamente Nayse quem me convidou para escrever minha primeira crítica
(e única daquele ano), que saiu em dezembro de 1999. A partir de então, passei
a, timidamente ainda, dividir com ela esse espaço no Jornal do Brasil, até que,
depois de sua saída do jornal em abril de 2001, assumi sozinho o ofício.
Bem, não totalmente sozinho. Nessas trocas incessantes de posição, algumas
vezes crítico, algumas vezes curador, surgiu a oportunidade de convidar a pes-
quisadora Beatriz Cerbino para que me substituísse no Caderno B, em escritas
sobre o Panorama ou sobre algum espetáculo a que eu não poderia assistir por
uma razão ou outra. Beatriz havia sido minha aluna no Curso de Dança da
UniverCidade, e na época em que começou a escrever, me substituindo, em 2001,
cursava o mestrado em Comunicação e Semiótica da PUC/SP.
Em nosso segundo ano como críticos de dança, Silvia escreveu 15 textos,
e eu, o dobro do que havia escrito no ano anterior, ou seja, apenas dois textos.
E no ano seguinte, foram dez da Silvia e eu continuava dobrando minha quan-
tidade: quatro textos. Esse número passou lentamente a aumentar, para nós dois.
E nossa prática passou a ser uma dinâmica.
Começamos a perceber o que representava o fato corriqueiro, por exemplo,
de sentarmos lado a lado em uma estreia. Ou como nossos gestos eram lidos
durante ou após os espetáculos. Cada pequeno gesto. E como nossos textos fo-
ram demarcando dois estilos tão diferentes de leituras. E ainda, o que significa-
va fazer parte de um rol tão restrito no País de críticos de dança atuantes, que
encerrou o ano passado contando apenas com Helena Katz, em São Paulo (O
Estado de S.Paulo) e Marcelo Castilho Avellar, em Belo Horizonte (O Estado
de Minas).
Formação? Ela se dá ainda em continuidade. Silvia concluiu o mestrado
em Artes Cênicas pela UniRio em 2005 e eu, o doutorado em Comunicação
e Semiótica pela PUC/SP em 2003. Ambos sobre dança. E ambos os resulta-
dos foram publicados. Organizamos livros, participamos de festivais, comis-
sões, produzimos eventos e continuamos a dar aulas no mesmo curso supe-
rior de dança na UniverCidade. Um repertório que se alarga desde que
começou a existir. No caso da Silvia, quando ela tinha 13 anos e, no meu, quando
tinha 17. Muita dança de lá pra cá. Muita. E num desses mistérios que nos
cercam, essa quantidade toda, pelo menos quando se enfrenta a tela vazia
do computador ao iniciar a escrita de uma nova crítica, se transforma mila-
grosamente em qualidade.
23
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
Esse livro reúne críticas escritas por mim em dez anos. Curiosamente, nes-
te ano comemorativo de 2009, uma bailarina rasgou em cena a folha de jor-
nal que estampava uma crítica minha sobre seu espetáculo. Todas as leituras
de atos que se desdobram: algumas mais elegantes, outras mais emergenciais.
Todas legítimas.
Entre tantos erros e acertos, os textos aqui apresentados contam um pouco
da história e da percepção dessa história da dança entre nós, moradores da ci-
dade do Rio de Janeiro, ou apenas brasileiros. Para tanto, resolvi manter mi-
nhas versões originais dos textos. Assim, algumas vezes, temos uma mistura
interessante de títulos e legendas tal como figuram nos jornais e textos em ver-
sões que muito diferem daqueles publicados. Ou mesmo textos que seriam mes-
clados com outros textos de autoria de jornalistas, especialmente em balanços
de fim de ano, e que aparecem aqui apenas nas versões escritas por mim. Esta
era, finalmente, a (única?) chance de eles serem lidos como foram concebidos
originalmente. Resolvi também trazer aqui críticas que, por uma razão ou ou-
tra, não foram publicadas.
Ao leitor, resta meu pedido de lembrar, sempre, que se trata aqui não mais
apenas da crítica de dança, que tem tantas qualidades quando estampada no
suporte do jornal. Mas, antes, trata-se de um registro de um registro e, como tal,
só poderia existir admitindo seu recorte e as falibilidades decorrentes dele, assim
como assumindo as especificidades deste outro suporte, um livro.
Bom diagrama a todos. Um outro jeito absolutamente legítimo de se fazer
dança se inicia na página seguinte.
24
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
1999 CRÍTICAS
25
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
26
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE OUTUBRO • 1999
S ILVIA S OTER
27
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 22 DE OUTUBRO • 1999
PANORAMA/RUI HORTA
S ILVIA S OTER
28
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 25 DE OUTUBRO • 1999
S ILVIA SOTER
29
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
num espetáculo não muito regular, porém rências explícitas a estilos e a momentos
despretensioso, agradável e impregnado de históricos.
humor masculino. Encerrando a noite de sábado, Lara
Os excelentes bailarinos Priscilla Tei- Pinheiro e Marcos Gallon visitam a dança-
xeira e André Vidal se convertem em co- teatro. O teatro do absurdo, de Ionesco, ser-
reógrafos e apresentam Um passo a dois. ve de pano de fundo para Alice. Uma cena
Uma barra, objeto emblemático das au- construída dentro da cena e a iluminação
las de balé clássico,vai sendo construí- sugerem um certo distanciamento. No en-
da no meio da cena enquanto o espelho tanto, nesta criação, dança e teatro conta-
é sugerido pela movimentação simétri- minam-se pouco e os bailarinos se
ca dos bailarinos. Numa tentativa visível limitam a alternar situações teatrais, sem-
de mergulhar no universo da dança, eles pre ligadas ao texto e aos objetos de cena,
acabam ficando presos às suas trajetóri- com boas sequências de dança como, por
as pessoais como bailarinos, com refe- exemplo, o duo final.
30
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 29 DE OUTUBRO • 1999
S ILVIA S OTER
31
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 1 DE NOVEMBRO • 1999
Palco de discussão
da dança de hoje
Panorama/Brasileiros: Diferentes investigações
femininas marcam a segunda semana do festival
S ILVIA S OTER
32
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Andréa Maciel circula por terreno desco- Nesta oitava versão, o Panorama se afir-
nhecido já que sua dança se baseia, em ma como fórum de discussão sobre a dança
geral, na sua grande capacidade explosi- que se faz hoje, suas diversas superfícies de
va. Com momentos interessantes, em que contato e possibilidades de definição. Este
o derreter e o descongelar criam uma bela ano, a dança não só esteve presente no pal-
qualidade tônica nos bailarinos, o fio con- co, mas também nos produtivos encontros
dutor de Alaska se encontra mais na am- teóricos e workshops. O festival vai encerran-
bientação cenográfica do que na coreo- do o seu oitavo ano, confirmando seu lugar
grafia em si. de destaque no cenário carioca da dança.
33
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 2 DE NOVEMBRO • 1999
Criadores aprofundam
pesquisas em cena
Panorama/Noite carioca: Conjunto não decepciona
S ILVIA S OTER
34
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
numa coreografia que se apoia na simplici- palco do Teatro Carlos Gomes, além das
dade e na clareza da movimentação. mesas redondas, workshops e master clas-
A Noite carioca mostrou que a criação ses. Apesar do orçamento reduzido deste
coreográfica exige um compromisso sério ano, o Panorama manteve o compromis-
erigoroso,que passa pelo aprofundamento so com a qualidade dentro da variedade
das questões colocadas em cena e pela com- e trouxe para cena olhares múltiplos e
preensão de que a dança é algo mais do que manifestações diversas. Num ano marca-
uma simples sucessão de passos. do por poucas estreias cariocas, o Pano-
Durante duas semanas de intenso tra- rama concentrou o que há de novo na
balho,18 companhias desfilaram pelo dança do Rio de Janeiro.
35
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 10 DE NOVEMBRO • 1999
O mito de Antígona
olhado pela metade
Passion: Obadia só mostra a visão de Creonte
S ILVIA S OTER
36
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 3 DE DEZEMBRO • 1999
Um bom
presente de Natal
R OBERTO P EREIRA
37
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
festa de natal acontece, e lançando mão de porcionar ao público momentos tão mági-
ótimos efeitos especiais, erra a mão no cos, seduzindo-o com cores e formas den-
segundo ato, tanto no cenário quanto na tro deste imaginário que o Natal recria to-
maior parte dos figurinos. Principalmente dos os anos.
na tão popular Valsa das flores, o quase Formação de plateia precisa destes
excesso de cores e detalhes chega a compro- recursos, claro. Mas, tratando-se de esva-
meter a coreografia acertada de Dalal ziamento de símbolos, tal como a árvore
A chcar.A qui, a exuberância natalina já está de Natal que vira enfeite, espera-se que
na música e na dança e qualquer outro elemento este balé possa servir como um convite
cênico deve apenas contribuir para esta coe- para que os olhos do público se tornem
são coreográfica, sem roubar-lhe a atenção. cada vez mais aguçados para os espetácu-
Sem dúvida este foi um grande presen- los de seu Theatro Municipal. E isto, mais
te de Natal para os cariocas. E até mesmo do que qualquer outra coisa, é uma obri-
esses pequenos excessos permitem que se gação que pode também virar um presen-
pergunte se não vale mesmo a pena pro- te de Natal.
38
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
2000 CRÍTICAS
39
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO – 4 DE JULHO DE 2000
Danças que coabitam mas não se misturam
SILVIA SOTER
40
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 25 DE MARÇO • 2000
A hora de sair
do corpo
Assinatura impressa no outro
R OBERTO PEREIRA
41
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 8 DE ABRIL • 2000
S ILVIA S OTER
42
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 8 DE ABRIL • 2000
S ILVIA S OTER
43
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 22 DE ABRIL • 2000
S ILVIA S OTER
44
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 1 DE MAIO • 2000
Crescimento evidente
ROBERTO P EREIRA
45
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 6 DE MAIO • 2000
Ator descobre a
geometria do espaço
Pra ver do céu: Luiz Carlos Vasconcelos foi
visivelmente seduzido pelos encantos da dança
S ILVIA S OTER
46
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 26 DE MAIO • 2000
Emoção do flamenco
em atmosfera clean
Sensaciones: Espetáculo enfatiza sensualidade
S ILVIA S OTER
47
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 7 DE JUNHO • 2000
Genialidades coreográficas a
serviço do amor
S ILVIA SOTER
48
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 10 DE JUNHO • 2000
Recursos evidenciam
fragilidade da dança
Ghazal: Estudo coreográfico em segundo plano
S ILVIA S OTER
49
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
tantos convidados não se justifica. Este trio rios da companhia, parece ter colocado em
de bailarinos, ícones da companhia, é res- segundo plano o mais importante: aprovei-
ponsável pelo único quadro em que a emo- tar a maturidade de 20 anos de trabalho
ção se tece em cena. para investir em pesquisa rigorosa com o
A coreógrafa, que usou a internet para objetivo de enriquecer seu vocabulário
acompanhar, a distância, os trabalhos diá- coreográfico.
50
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 4 DE JULHO • 2000
S ILVIA S OTER
A companhia Montalvo/Hervieu se
ocupa, há três anos, do único centro
coreográfico nacional da região parisiense.
insistem nas cores primárias e servem
como paradigma da própria criação. No
O jardim de io io ito ito não há verde. Não
A convivência de várias raças e culturas – há cor secundária. Na dança de Montalvo/
nem sempre pacífica nos subúrbios de Paris Hervieu, não há, de fato, mistura ou mes-
– se transforma na questão central do espe- tiçagem. A coabitação de diferentes cul-
táculo apresentado no Theatro Municipal. O turas se dá no palco, mas não se dá na
jardim de io io ito ito é uma festa, como os dança inscrita nos corpos. Enquanto no
bailes que a companhia anima, periodica- palco, a impossibilidade da mestiçagem
mente, em Crèteil, quando os participantes se afirma, o suporte tecnológico cria, no
mostram a sua dança. telão, maravilhosos seres híbridos, ima-
O espetáculo se desenvolve em dois gem onírica da fusão das diferenças in-
planos: no fundo, um telão vertical no qual transponíveis.
a realidade é deformada pelo jogo de Apesar da repetição um pouco cansati-
sombras, pela ampliação de corpos que de- va da estrutura que alterna imagens proje-
safiam a gravidade, pela projeção de se- tadas e bailarinos se desafiando no palco,
res fantásticos. No palco, coabitam lingua- O jardim de io io ito ito agrada. A facilidade
gens cênicas variadas e bailarinos de ori- de comunicação do espetáculo com o pú-
gens diversas, afirmando sua identidade, blico em geral parece fazer parte de um
fazendo, com virtuosismo, apenas aquilo projeto maior: despertar num grande núme-
que sabem fazer. ro de espectadores o prazer de conviver
Se é fascinante reconhecer tantos es- com aquilo que não é igual. Em uma França
tilos e qualidades físicas diferentes é, no onde o racismo assume proporções assus-
entanto, curioso perceber que estas dan- tadoras, O jardim de io io ito ito insiste em
ças não se contaminam. Os figurinos reafirmar Vive la Différence!
51
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 14 DE JULHO • 2000
52
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 17 DE AGOSTO • 2000
53
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 22 DE SETEMBRO • 2000
A experiência da
dança como vertigem
Salt: O coreógrafo Édouard Lock cria um jogo
de manipulação consentida, lírico e violento
S ILVIA S OTER
54
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 19 DE OUTUBRO • 2000
Plischke sacode a
percepção do espectador
S ILVIA S OTER
55
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 27 DE OUTUBRO • 2000
S ILVIA SOTER
56
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 31 DE OUTUBRO • 2000
Panorama se firma
como palco do debate sobre dança
Entre pontos altos, ingresso barato
e programação rica
S ILVIA S OTER
57
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
Os novíssimos, tarde dedicada à apresen- dades carentes. Aqui, o caráter espetacular
tação de trabalhos de jovens criadores, lo- da dança passou a segundo plano e o inte-
tou o Teatro Cacilda Becker, lembrando os resse se voltou para a função da dança no
tempos em que o Panorama servia como contexto da favela.
“celeiro” da dança carioca. A boa qualida- O Panorama tem aperfeiçoado, a cada
de da maioria dos trabalhos demonstrou que ano, o seu papel de palco de discussão da
criar chances para que novos coreógrafos criação contemporânea, provocando o pú-
possam apresentar-se em palcos profissio- blico com espetáculos polêmicos, estimulan-
nais é oportuno e necessário. Na tarde do do o debate e trazendo importantes exem-
último domingo, foi a vez de lançar um olhar plos da diversidade da pesquisa de ponta da
sobre a dança feita com jovens de comuni- dança nacional e internacional.
58
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 27 DE NOVEMBRO • 2000
S ILVIA S OTER
59
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O Oriente sempre interessou ao coreógrafo, Akaky Akakievich, personagem de Gogol
como berço das danças sagradas e da união que remenda seu casaco com sacrifício até
entre dança e experiência teatral. No en- conseguir um novo casaco que lhe garante o
tanto, em A rota da seda,a viagem de Béjart sucesso. Le Manteau se apoia no talento
não vai além da superfície. clownesco de Roman, bailarino-ator que re-
Abrindo o segundo programa, Frag- sume as qualidades do teatro total de Béjart.
mentsreúne extratos de criações anteriores. Finalmente, Sept Danses Grecques fecha
Nessa seleção,apenas Dois estudos para uma a noite resgatando o vigor do Béjart de ou-
Dama das Camélias se destaca em meio a trora. Apoiada numa bela e simples ilumi-
peças que não compõem um conjunto nação, essa criação de 1983 desenvolve a
expressivo da obra de Béjart. geometria e a musicalidade das danças fol-
Gil Roman, diretor adjunto do Béjart clóricas gregas e utiliza o conjunto dos bai-
Ballet Lausanne e colaborador de Béjart larinos em construções que, em alguns mo-
desde 1979, é o ator central de Le Manteau, mentos, recriam as mandalas e a movimen-
outra obra de 1999. A qui o coreógrafo cons- tação de Bolero. De novo o passado, mas
trói, em narrativa linear, a trajetória de agora sentimentos menos nostálgicos.
60
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
2001 CRÍTICAS
61
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL – 30 DE SETEMBRO DE 2001
Em boa forma
ROBERTO PEREIRA
62
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 26 DE MARÇO • 2001
S ILVIA S OTER
63
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 4 DE MAIO • 2001
Tecnologia feita
de erros e acertos
Paulo Mantuano/Dani Lima: Pesquisas em cena
S ILVIA S OTER
64
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
da identidade. É evidente que Digital a presença do bebê. As telas construídas
Brazuca se divide em dois momentos dis- pelas caixas de papelão “esquentam” as
tintos, em duas peças autônomas que me- imagens digitais e imprimem intimidade
recem um tratamento diferenciado. No pri- aos relatos. Na contramão deste primeiro
meiro momento, a identidade é tratada momento, a tecnologia vira o centro das
como construção, mostrando de maneira atenções na segunda parte do espetáculo.
delicada, poética e divertida como o olhar Aqui, a interatividade, símbolo das possi-
do outro se integra às impressões individu- bilidades abertas pelas novas tecnologias,
ais e deixa marcas. Os dispositivos tecno- é explorada na relação entre os dois baila-
lógicos são empregados apenas para atra- rinos e entre bailarinos e espectadores,
vessar as diferentes camadas dessa identi- entre música e dança. Como uma brinca-
dade construída, trazendo para a cena fo- deira, este último duo denuncia a precarie-
tos de infância, depoimentos da rua e mer- dade de alguns recursos ditos de ponta e im-
gulhando no ventre da coreógrafa, grávi- provisa a partir do erro. Felizmente, espe-
da de oito meses, para extrair e amplificar cialidade incorporada pela dança brasileira.
65
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 25 DE MAIO • 2001
66
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 22 DE JUNHO • 2001
Entre o formalismo
e a renovação
Balé do Teatro Guaíra /Contemporâneos
Brasileiros: Aposta na diversidade
S ILVIA S OTER
67
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
Fechando a noite,O segundo sopro,de dança moderna. Embora pareça inovar
R oseli Rodrigues,resgata elementos de trazendo poeira e água para a cena, o for-
um Guaíra de outrora e oferece ao públi- malismo marca o uso desses elementos,
co algo que ele já viu, reconfortando-o amarrando-os a um vocabulário restrito e
com a familiaridade. Na contramão das ineficiente. Apesar disso, nesta turnê, o
outras obras da noite, O segundo sopro Balé Guaíra se reafirma, maduro e reno-
caminha, sem criatividade, nos trilhos da vado, no cenário da dança brasileira.
68
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JULHO • 2001
Graham dá brilho
à noite americana
3 x América: Ballet do Municipal mostra
versatilidade e competência em programa desigual
S ILVIA S OTER
69
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 3 DE AGOSTO • 2001
S ILVIA S OTER
70
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
de Manon e de Des Grieux, com a picardia e ou expressões e presença viril. Na noite de
a comicidade de Lescault e sua amante. Nos estreia, Irma Nioradze imprimiu dramati-
dois casos, os pas-de-deux são eficientes e cidade levemente exagerada à Manon de
criativos.Marca do talento de MacMillan. MacMillan. Natalya Sologub se destaca, ilu-
Precisão e vigor são qualidades comuns minando a cena com a sua presença, no pa-
a toda a companhia. No papel do apaixona- pel de amante de Lescault.
do Des Grieux, Igor Zelensky prova que é Bons ventos trazem o Kirov de volta ao
um bailarino raro. Sem qualquer traço de Rio. Bons ventos o renovam para que per-
afetação ou maneirismo,Zelensky alia ex- maneça encantando suas fiéis plateias e
celência técnica, total economia de gestos conquistando outras.
71
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 3 DE AGOSTO • 2001
Um Kirov renovado
Com Manon, balé russo começa a se desengessar
R OBERTO P EREIRA
72
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
caricato. Frivolidade e sedução devem dados, desafio se transformou em compe-
aparecer em pinceladas sutis nessa dama tência, numa noite memorável.
do século XVIII sem, contudo, ser manei- Nesse sentido, aliar tradição, escola e
rista. Nessa nova fase, então, balés como dinheiro parece ser mesmo a receita para
Manon funcionam como um belo exercício uma companhia de balé de repertório.
de interpretação. Acrescentando aí uma direção inteligente
Entretanto,a companhia como um todo e instigante, o Ballet Kirov vem mostrando
mostra ter aceitado bem o desafio.Com seu que a coragem para a mudança é talvez a
corpo de baile renovado,grandes solistas chave para a continuação de uma história
(merece destaque Natalya Sologub, na noi- que não deve ficar presa ao passado, mas sim
te de estreia), cenários e figurinos bem cui- se lançar com qualidade para o futuro.
73
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 6 DE AGOSTO • 2001
S ILVIA S OTER
74
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 6 DE SETEMBRO • 2001
R OBERTO PEREIRA
75
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 30 DE SETEMBRO • 2001
Em boa forma
Balé do Municipal supera desafios
de O lago dos cisnes
R OBERTO P EREIRA
76
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Marcelo Misailidis acertou no tom se impõe. Tal qualificação apenas espe-
dramático de seu bruxo Rothbart, papel ra uma oportunidade melhor para se dar
que exige maturidade, e André Valadão a ver. É o que o público carioca também
foi, sem dúvida, a grande estrela do pri- espera. Nessa recriação assinada por
meiro ato, no papel de Benno. Isso prova Makarova, sente-se saudade da pena co-
como a companhia está cada vez mais reográfica dos grandes mestres Petipa e
qualificada para os desafios aos quais ela Ivanov.
77
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 3 DE OUTUBRO • 2001
Construção coreográfica é
ponto frágil na encenação
O lago dos cisnes: Makarova faz montagem
eficiente de peça mítica do balé
S ILVIA S OTER
78
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 14 DE NOVEMBRO • 2001
Festival confirma
vocação de fazer pensar
Panorama RioArte de Dança:
Vanguarda da cena internacional
e diversidade da dança carioca
destacaram-se na décima edição do evento
S ILVIA S OTER
79
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
da crítica internacional, equivale, em cria- vem e a movimentação do intérprete, em
tividade e importância, à geração da Judson simultaneidade. O agora trio Ikswalsinats
Church, berço da dança pós-moderna continua ressaltando a persona de seus in-
americana. Ainda que sem uma herança térpretes, tocando o teatro e as artes plásti-
direta, esses criadores resgatam a ideia da cas num jogo de cena milimetricamente
democracia no corpo e na cena, conceito de construído.
partida que permite que cada elemento que No inesquecível The Moebius Strip, a
compõe a representação possua valor equi- movimentação dos bailarinos serve de con-
valente, podendo ser explorado sem uma torno para o espaço, a grande estrela da peça
hierarquia definida. E permite, igualmente, de Gilles Jobin. O espectador é hipnotica-
que o movimento circule pelo corpo sem mente transportado pela repetição dos des-
respeitar uma ordem estabelecida pela cons- locamentos e pelo ambiente visual ambíguo
trução de uma técnica instalada no corpo nos modos da Op-Art, numa subversão de
que dança. O movimento pode ser apenas planos e direções.
funcional; a identidade do artista, sua bio- As parcerias internacionais com o Bri-
grafia, suas características físicas e cinéti- tish Council, a Alliance Française, a AFAA,
cas são sublinhadas e contrabandeadas a Consulado Geral da França e o Goethe
ponto de borrar o corpo real e o construído. Institut permitiram ainda que o Rio assis-
A dança, enquanto linguagem, expõe seus tisse entre os convidados de fora, pela pri-
limites em cena, e outros modos de relação meira vez, à Compagnie à Fleur de Peau,
entre obra e público são convocados para, de Michael Bugdham e da brasileira De-
finalmente, colocar em xeque a própria nise Namura, residente na França. A re-
ideia de representação. trospectiva de cenas dessa dupla confir-
Parte dessas questões surge, também, em mou a maturidade e a seriedade da pes-
algumas obras dos criadores cariocas este quisa realizada por eles no diálogo entre
ano. É o caso de A paisagem daqui é outra, dança e teatro. Enquanto a inglesa Rose-
de Márcia Rubin. Nesta peça simples e pre- mary Butcher presenteou a plateia do Es-
cisa, criadora e criatura se confundem, num paço Sérgio Porto, por duas noites conse-
jogo de identidades que se revela junto com cutivas, com uma demonstração do pro-
a exposição dos descaminhos de um proces- cesso de criação e composição de sua pró-
so de criação.De forma diferente,já que a xima peça, logo depois de um interessan-
dança ainda guarda muitos de seus traços te e bem dançado Scan.
de identidade, mesmo se borrando com ou- A presença das companhias cariocas
tras artes,Vaidade,da Cia. Dani Lima, mer- nessa edição deixa claro que cada criador
gulha de forma poética, bem-humorada e caminha em trilhas de investigação bem
quase melancólica, no olhar do outro como delineadas, produzindo uma saudável e ne-
construção da identidade do sujeito.Eu e meu cessária diversidade. Joaquim Maria, de
coreógrafo no 63, do jovem e competente Márcia Milhazes, preciso e delicado como
Bruno Beltrão,cria para o espectador uma uma renda, traz a atmosfera de Machado
experiência quase telepática de comunica- de Assis numa movimentação incessante
ção entre as construções mentais de um jo- e prolixa que, aliada à pesquisa musical,
80
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
sonoriza e colore a relação do casal em Além do Cena 11, os coreógrafos-intér-
cena. A Esther Weitzman Cia. de Dança pretes Martha Soares e Marcelo Gabriel
promoveu em cena o encontro entre três trouxeram para o Rio os ares da pesquisa
intérpretes de uma mesma geração, parti- de outros estados. O homem de jasmim, da
lhando referências e o prazer da dança. criadora paulista, discute de modo obsessivo
Palimpsesto, de Paulo Caldas, mergulha o corpo que cria apesar do encarceramento
ainda mais fundo no fluxo contínuo de e do desmantelamento da doença mental. Já
impulsos que entrelaçam e suspendem no o Útero cromosserial, de Marcelo Gabriel,
tempo o encontro amoroso. A Ana Vitória circula em terreno perigoso, preso num ema-
Cia. de Dança dividiu com o público o ranhado de referências autocentradas.
evidentemente ainda embrionário Asè, Os novíssimos, tarde que reúne experi-
investida da coreógrafa nas qualidades de mentações de coreógrafos emergentes, teve
movimentação dos orixás. Agora em ru- sua segunda versão, confirmando sua rele-
mos tão claros, resta aos criadores, como vância ainda que necessite encontrar um
próximo desafio, a busca de um ritmo mais ritmo mais ágil para o concentrado de pe-
enxuto para os espetáculos que, muitas quenas peças.
vezes, diluem o conteúdo numa duração A democratização do acesso aos espetá-
extensa demais. culos através de ingressos mais baratos, a
As discussões da plateia-foyer, oportu- continuidade da política municipal de apoio
nidade de troca de impressões entre cria- à dança, a ampliação do raio de ação do fes-
dores e público iniciadas na edição do ano tival na multiplicação das atividades e dos
passado, consolidaram-se, ampliando seu espaços de apresentação, associadas às as-
espectro de ação. Os espetáculos Suddenly, sinaturas de curadoria de Lia Rodrigues e
Anyway, Why all this ? While I…, da Impu- Roberto Pereira, contribuíram de modo de-
re Company de Hooman Sharifi, e Nina, do finitivo para o sucesso do evento.
Cena 11 de Florinanópolis, anteciparam as Nesses anos de existência e resistência,
discussões do seminário Corpo em risco, o Panorama se construiu mais de acertos do
encontro de pesquisadores de áreas dife- que de erros. Definiu uma linha curatorial
rentes, obra e público, que agregou pontos coerente sem que isso representasse ausên-
de vistas diversos às noites de segunda e cia de diversidade, o que demonstra que
terça-feira. As peças assistidas e os criado- continuar é preciso. O décimo ano do Pano-
res também colaboraram com seus pontos rama confirma que a permanência é condi-
de vista. ção fundamental para a transformação.
81
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 27 DE NOVEMBRO • 2001
O balé que
antecipa o Natal
Atuação do corpo de baile do Municipal em
O quebra-nozes renova, com qualidade, a antiga tradição
R OBERTO P EREIRA
A montagem de O quebra-nozes na
época do Natal faz parte de uma tra-
dição seguida por várias capitais do mun-
ela vem atravessando em sua carreira. Jun-
tos, os dois viveram respectivamente, a rai-
nha e o príncipe das neves. A produção, que
do, com as mais importantes companhias de envolve inúmeros figurinos e cenários, além
dança, em diferentes montagens. Esse balé de iluminação, também funciona muito bem
de 1892 traz consigo todo o peso de nomes dentro do espírito do balé. Mas é o desem-
como Lev Ivanov, seu primeiro coreógrafo, penho brilhante do corpo de baile que cha-
e Tchaikovski, um dos primeiros composito- ma mais atenção, este ano.
res a emprestar maior dignidade à música A atuação do grupo esteve tão coesa e
feita especialmente para a dança, até então. segura, que coloca a companhia num nível
Aqui no Brasil, podemos contar com a de qualidade internacional. Isso pôde ser ob-
versão de Dalal Achcar, que confere à obra servado, por exemplo, na dança dos flocos de
uma assinatura coreográfica bastante pró- neve e na valsa das flores, momentos emble-
pria, sem, contudo, fugir da essência da ideia máticos do balé. Mas é, sobretudo, em algu-
original. Na nova montagem, que teve sua mas performances individuais que se pode
estreia no último sábado pelo Ballet do vislumbrar futuros solistas e primeiros bai-
Theatro Municipal, a cidade do Rio de Ja- larinos, como Wellington Gomes, interpretan-
neiro teve a oportunidade de contar, mais do o boneco, Ronaldo Martins, na dança rus-
uma vez, com um dos símbolos natalinos sa, e o trio Regina Ribeiro, Rodrigo Negri e
mais fortes e, o que é mais importante, com René Salazar, na dança dos mirlitons.
a qualidade que ele exige. A montagem desse balé pela nossa prin-
Mencionar como a primeira bailarina cipal e mais antiga companhia brasileira já
Cecília Kerche esteve absolutamente impe- é, sem dúvida, uma tradição. Mas é a quali-
cável ao lado do bailarino convidado Mar- dade de seus bailarinos que faz com que essa
celo Gomes, estrela do American Ballet tradição se transforme também num dos
Theater, parece ser dispensável, quando se melhores presentes de Natal para a cidade
acompanha o momento especial pelo qual do Rio de Janeiro.
82
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 22 DE DEZEMBRO • 2001
Dramas cotidianos
em movimentos coreográficos
Rua Alice 75 – Quartos de aluguel:
Híbrido de dança, artes visuais e teatro
S ILVIA S OTER
83
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
84
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
2002 CRÍTICAS
85
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL – 6 DE JULHO DE 2002
Monólogo de movimentos
ROBERTO PEREIRA
86
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 6 DE MARÇO • 2002
Uma companhia
sem a cara do Rio
O despertar: Grupo oficial da cidade mostra
trabalho eficiente, mas que não traduz a
transformação da dança carioca
S ILVIA S OTER
87
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
sível. Limpeza, clareza e precisão se asso- zação das linhas do balé permitindo, por
ciam ao vigor dos jovens bailarinos. Suas exemplo, a quebra da narrativa e o uso de
atuações não deixam nada a desejar, por elementos externos ao vocabulário clás-
exemplo, a do convidado especial Pedro sico, tem sido explorada há muitas déca-
Goucha Gomes, da companhia do espanhol das, com mais ou menos eficiência, no Bra-
Nacho Duato. Bem preparados, eles ame- sil e no mundo. Na trajetória de Oliveira,
nizam até certo ponto as diferenças de suas reconhece-se uma boa experiência em
formações de origem, mesmo que ainda companhias que desenvolvem essa lingua-
haja um longo caminho pela frente para gem como, por exemplo, o Béjart Ballet
que um maior entrosamento se faça pre- Lausanne sob direção de Maurice Béjart.
sente. É natural. As coreografias de Roberto Oliveira apre-
Tehillin,a primeira coreografia da noi- sentadas nessa noite não parecem, no en-
te funciona como hors-d’oeuvre para tanto, somar algo autoral às propostas de
O despertar. Com música de Steve Reich, trabalhos em linhas semelhantes.
essa peça mais curta apresenta as quali- Ao final do espetáculo, mais pergun-
dades dinâmicas da companhia e introduz, tas: Será pertinente a existência de uma
de modo um pouco forçado, personagens companhia oficial? Será coerente com a
que serão centrais em O despertar. Esta política cultural do município do Rio de
última discorre pela solidão no ambiente Janeiro, que há anos investe no reforço do
urbano,inspirada no filme Asas do desejo, caráter plural das criações, a existência
de W im W enders. O personagem centralé de sua companhia oficial? Ao final do es-
salvo por anjos da opressão e da indife- petáculo, uma constatação: a dança do
rença misturadas ao caos urbano.O cená- Rio tem uma cara. E essa cara não se re-
rio funciona como um personagem tam- duz, em absoluto, à apresentada naquela
bém, colaborando para fechar o espaço do noite. A cara da dança do Rio permane-
palco e jogando os bailarinos em confron- ce porque se transforma. Uma identida-
to permanente. de que se vem construindo, há anos, pela
Roberto Oliveira define sua lingua- parceria de diversos criadores e bailari-
gem como balé contemporâneo. Nas pa- nos, aliando a tradição do balé à pesqui-
lavras do coreógrafo, um misto de balé sa de vanguarda. As cenas nacional e in-
com a dança contemporânea. A flexibili- ternacional já sabem disso.
88
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 9 DE MARÇO • 2002
ROBERTO P EREIRA
89
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
Oliveira, no entanto, parece ter faltado à “balé”.E o que falta enquanto projeto se re-
aula onde se ensinou essa lição. flete na estrutura da montagem do espetá-
Por fim, uma última questão, que pai- culo: os ótimos bailarinos, que apenas pre-
rava no ar no Teatro Carlos Gomes, no úl- cisam de mais tempo de convívio para me-
timo dia 28, data da estreia da DeAnima: lhor afinação, nada ficam a dever ao baila-
Qual é o projeto de uma política de dança rino convidado, fazendo de sua participa-
que concede uma quantia vultuosa a ape- ção mais uma questão no meio de tantas
nas um grupo, se a cidade conta com tan- outras. Desse modo, o espetáculo de estreia
tos outros, alguns com preocupações esté- espelha a fragilidade de concepção tanto
ticas semelhantes, e que estão na estrada da peça O despertar, quanto do próprio pro-
há anos e ainda não contam com nenhum jeto da companhia.
apoio financeiro? A seriedade com a qual deve ser enca-
Essas questões aparecem, de alguma for- rada essa nova empreitada não concerne
ma, na obra O despertar, escolhida para lan- apenas a todos os bailarinos, coreógrafos,
çar a companhia. Coreograficamente, o que professores e pesquisadores, que há anos
é“oficial” não é a cara do Rio.O que é con- vêm escrevendo a história da dança no Rio
temporâneo apenas remete a clichês de mo- de Janeiro. Ela é tarefa de cada cidadão, em
vimentos, sem ideia, sem pesquisa, justa- seu intuito de entender como seus impostos
mente as condições que marcam essa nova podem ser, eticamente, transformados em
dança de hoje, mesmo que sob a alcunha de dança de qualidade.
90
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 14 DE MARÇO • 2002
O encontro do gesto e
do movimento no palco
Solos de Dança: Projeto do SESC se firma
na agenda carioca como um espaço plural de dança
S ILVIA S OTER
91
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
cido coreográfico gestos de comunica- tecer uma partitura gestual limpa e intensa,
ção direta com os espectadores. a qual se junta um texto de Clarice Lispec-
Em Memória concreta, solo de Sylvio tor. A peça de Diaz, ao mesmo tempo sim-
D ufrayer dançado pela bonita Alessandra ples e sofisticada, serve como uma aula de
Lofiego,um lençol branco estendido no cen- composição fundamentada no gesto.
tro do palco desenha uma cama como cená- Crianças, de Márcia Milhazes, encerrou
rio.Em off,a voz da própria intérprete desfi- a noite. O bailarino, sempre em percurso
la lembranças íntimas de sua infância e ado- circular, segue um tocador de acordeom e
lescência enquanto encena seu corpo rea- sua música. Aqui, gesto e música criam am-
ge à voz, resgatando a memória nele im- bientes afetivos diversos. Mesmo ainda bas-
pregnada. A qui, está no texto e menos na tante embrionária, a peça aponta os novos
movimentação a necessidade de maior e interessantes rumos de investigação da
elaboração para que o sentido transcenda o coreógrafa.
de mero relato pessoal. Em sua terceira edição, o projeto So-
O encenador Enrique Diaz foi desafia- los e Duos no SESC se afirma na agenda
do pela curadoria da mostra a criar uma cultural da cidade como um espaço de
peça. O trabalho,defendido com competên- dança no plural. Há espaço tanto para
cia por Mariana Lima, trata da construção estreias como para peças não inéditas,
de uma cena, e por que não de uma sequên- para criadores que raramente são vistos
cia de dança, a partir do gesto cotidiano.A em circuitos oficiais e ainda para a promo-
atriz parte de gestos como designar, afastar ção de encontros férteis como, por exem-
e negar, associados a sons abstratos,para plo, o de Enrique Diaz com a dança.
92
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 19 DE MARÇO • 2002
S ILVIA S OTER
93
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
jovem ganha equivalência precisa na mo- remoto musical. O espectador torna-se, ao
vimentação derivada da linguagem da mesmo tempo, DJ e voyer. O resultado é
dança de rua. Aquilo que se ouve e aquilo bastante interessante. A bailarina não se
que se vê em cena são pensamentos e mo- deixa cair na relação fácil de ilustrar a
vimentos partidos, gestos reversíveis e in- música escolhida, e a ansiedade dos es-
terrompidos, produzindo pequenas constru- pectadores em contribuir resulta num tex-
ções não lineares. to coreográfico picado por cortes prema-
Encerrando a noite, a coreógrafa e turos produzindo no espectador um misto
bailarina Paula Águas propõe uma brin- de frustração e “gosto de quero mais”.
cadeira divertida com a plateia. Munida Embalados pelo jogo de Paula Águas,
de vários CDS, Paula convida os especta- ao final da noite, todos os intérpretes vol-
dores a escolherem as músicas a partir das tam ao palco numa festa improvisada, ce-
quais ela irá improvisar. Em Qual é a lebrando a confirmação dos Solos no
música?, cada espectador pode interagir SESC como início da temporada carioca
com a intérprete através desse controle da dança contemporânea.
94
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 25 DE MAIO • 2002
Rostropovich rouba a
cena e faz a sua festa
Romeu e Julieta: Montagem do clássico de Shakespeare
no Municipal mostra desequilíbrio entre a qualidade da
direção musical e a coreografia
S ILVIA S OTER
95
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O desejo de isolamento e intimidade preciso, ainda que contido, enquanto as inú-
experimentado pelo casal protagonista é meras qualidades da jovem Roberta a
partilhado pelo espectador. Quando a cena transformam numa impecável Julieta.
está vazia, restando apenas (apenas?) Ros- Ainda que não dê conta de equilibrar a
tropovich, sua orquestra e Roberta e Thia- obra de Prokofiev, sob a batuta de Rostro-
go, o espetáculo Romeu e Julieta conhece povich, e a dança, na coreografia de Vassi-
seus pontos mais altos.A sobriedade e a liev, o espetáculo guarda surpresas e alguns
nobreza de Thiago fazem dele um Romeu momentos que ficam na memória.
96
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 27 DE MAIO • 2002
S ILVIA S OTER
97
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 17 DE JUNHO • 2002
S ILVIA S OTER
98
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
entre público e obra. Estreando como Albre- Sublinhados por uma bela iluminação,
cht, Jean-Guillaume Bart, mesmo parecen- os cenários e os figurinos, reconstituídos
do ainda buscar o equilíbrio entre a nobre- a partir dos croquis originais e de outros
za inerente ao personagem e o seu disfarce documentos de época, são um espetáculo
de camponês, mostrou grande competência à parte. Ponto sempre delicado nas obras
em suas variações, sobretudo no segundo ato. de repertório, a ambientação da monta-
O corpo de baile, depois de alguns ajus- gem francesa alia grandiosidade e limpeza
tes no início do primeiro ato, brilhou por de linhas.
sua homogeneidade e musicalidade. No Ao final do primeiro ato, uma surpre-
segundo ato, apesar de momentos de im- sa: por momentos, a movimentação é sus-
precisão, as cenas de voo das wilis foram pensa, criando bonitos tableaux vivants,
garantidas pela leveza e pela ausência quando o tempo é esgarçado para dar
absoluta de ruído do contato das bailari- visibilidade à hesitação de Giselle em
nas com o chão. acreditar no seu trágico destino.
99
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 17 DE JUNHO • 2002
Corpo de baile
rouba a cena
Balé da Ópera de Paris surpreende ao fazer
do primeiro ato o destaque de Giselle
R OBERTO P EREIRA
100
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Mesmo com essas desigualdades entre mundos tão distintos parece não ter sido
os dois atos, o corpo de baile parece mes- vencido nessa noite.
mo ter sido a étoile da noite, roubando a Assim, pôde-se comprovar que o intui-
cena de Jean-Guilhaume Bart e Agnès to da companhia era o de uma remonta-
Letestu, nos papéis principais. Enquanto o gem cuidadosa, mesmo que se note a au-
bailarino,em sua estreia como Albrecht, é sência de alguns detalhes importantes,
impecável em seu desempenho técnico, em como a cena da aparição de Giselle vin-
especial nos saltos e baterias,carece ainda da do túmulo e, sobretudo, a cena em que
de maturidade dramática, tão importante, ela leva seu amado para perto da cruz, a
por exemplo, no segundo ato.Já Letestu, fim de protegê-lo dos poderes satânicos de
bailarina que surpreende pela sua alta es- sua rainha, ambas no segundo ato, e tão im-
tatura, não acomoda bem em seu corpo a portantes para a compreensão do balé.
dualidade da frágil menina do primeiro ato Mas, nesse zigue-zague entre novas e ve-
e sua transformação em um ser etéreo no lhas versões, há de se considerar perdas e
segundo.Se é neste último ato em que me- ganhos. Para o público brasileiro, num ba-
lhor atua, o desafio confiado às primeiras lanço final, com certeza ganhou-se mais do
bailarinas de transitar entre esses dois que se perdeu.
101
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 29 DE JUNHO • 2002
Ilustração de ritmos
Coreografia de O grande circo
místico se rende à música
ROBERTO P EREIRA
102
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
ticamente o que lhe foi reservado, mesmo um de dentro do outro como aquelas bo-
que seja ainda evidente a pouca familia- nequinhas russas. A semelhança com as re-
ridade dos bailarinos com sua linguagem. centes comissões de frente das escolas de
Já Rosa Magalhães, responsável pelos ce- samba é evidente.
nários e figurinos, ao optar também pela Uma produção cara, ótimos baila-
ilustração óbvia da música, esqueceu-se rinos (parabéns ao trabalho de Elaine de
de que se tratava de dança, e investiu numa Markondes) e uma tarefa ingrata de co-
encenação carnavalesca, especialidade memoração. Ouvir as canções ainda é o
sua, que pode ser conferida sobretudo na modo mais gratificante de recuperar os
cena dos animais que vão sendo retirados 20 anos dessa obra tão especial.
103
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 6 DE JULHO • 2002
Monólogo de movimentos
Diálogo de Deborah Colker com
as artes plásticas não se conclui
R OBERTO P EREIRA
104
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
vido a partir de dois grandes painéis assi- quebra de uma sonoridade excessivamen-
nados por Victor Arruda, foi, com certeza, o te homogênea desenvolvida por Berna
quadro mais problemático da noite. O ges- Ceppas e Kassin, o segundo trabalha com
to que se quer infantilizado se perde em uma o perigo de um espaço habitado matemati-
movimentação enfraquecida em termos de camente por vasos, idealizado por Gringo
vocabulário coreográfico, parecendo, antes, Cardia. O desafio é o movimento dos bai-
uma homenagem ao jazz, linguagem carac- larinos entre eles, sem danos para ne-
terística de uma época da Broadway. O ges- nhum dos lados. Novamente, a coreó-
to, portanto, aparece por demais datado, e grafa parece deixar escorrer pelos dedos
seu diálogo com a pintura não se efetua. a possibilidade de, no corpo e, portanto,
Por fim, em Vasos, Deborah revisita na dança, traduzir tal desafio.
dois momentos emblemáticos de sua car- Deborah Colker, em 4 por 4, confirma
reira. O primeiro deles é sua atuação sua habilidade impecável de construir
como pianista, enquanto duas bailarinas, obras que se sustentam sob o registro do
excelentes, dançam sobre as pontas. E o espetacular. Transformar tal habilidade
segundo é sua volta, sempre ansiosamen- em uma chance de se fazer pensar é tare-
te aguardada pelo público,ao risco.Se o fa que ela, visivelmente, parece ainda
primeiro oferece um feliz momento de querer vencer.
105
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 8 DE JULHO • 2002
S ILVIA S OTER
106
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
como lugar para explorá-la como universo entranhas que a dança de Deborah rara-
imaginário, que a coreógrafa se coloca em mente utiliza como matéria de criação.
posição mais frágil. Em Povinho,dois telões Gringo Cardia é a grande estrela em
gigantes de V itor Arruda são esvaziados por Vasos, última peça da noite. A precisão
uma leitura bastante rasa em que as cores e milimétrica da disposição dos 90 vasos de
imagens representadas ganham citações nos cerâmica construída diante dos olhos do
gestos infantis.Apesar da busca de amplia- público já é um espetáculo à parte. Dan-
ção do vocabulário de movimentos, uma çar entre eles, uma experiência circense
maior elaboração ainda parece necessária. que requer a segurança e a agilidade de
Abrindo a segunda parte do espetáculo, um atirador de facas. Mais uma vez aqui
As meninas aponta, finalmente, uma nova o espaço arquitetural retorna, diagrama-
trilha a ser percorrida por Deborah. A o pia- do pelos vasos.
no,a coreógrafa traz Mozart para ambien- Quem acompanha a trajetória da co-
tar a dança nas pontas de duas bonitas bai- reógrafa desde Vulcão, percebe que a dan-
larinas.Talvez o que faz As meninas tão in- ça de Deborah opera no universo pop. O
teressante em 4 x 4 seja exatamente o fato glamour, o mundo fashion, a música ele-
de trazer visível aos olhos do público a dan- trônica, a juventude dourada e sedutora
ça em seu momento de elaboração,de ex- estão tão aderidas na dança de Deborah
ploração de caminhos e possibilidades.Esse quanto, por exemplo, na publicidade. Sua
algo que ainda não está fechado e pronto é dança corresponde ao que o grande públi-
borrado de forma feliz pela distribuição dos co conhece, deseja ver e, quem sabe, de-
vasos no palco,mais uma vez revelando as seja possuir e ser.
107
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 18 DE JULHO • 2002
S ILVIA S OTER
108
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
pantomima substitui sequüências dançadas Botkay garante delicadeza ao papel de
para avançar o fio narrativo, já que a pala- Cinderela. Apesar de sua bela figura, falta
vra, solução mais imediata, não cabia na tra- a Fernando Bersot mais maturidade para
dição do ballet. O curioso é que em Cinde- tornar-se um partner à altura de Nina Botkay.
rela ser ou (a)parecer palavras e exclama- Fran Mello constrói Tio Fairy com seguran-
ções sonoras têm lugar,e a pantomima per- ça e bom timing de cena. Ainda que absolu-
de função e torna-se alegoria. tamente submersos no excesso de elemen-
Os bailarinos da atual formação da tos visuais, figurantes e participações especi-
companhia dão conta de suas tarefas com ais, os jovens intérpretes do DeAnima são,
eficiência. A jovem e talentosa Nina sem dúvida, o melhor do espetáculo.
109
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 20 DE JULHO • 2002
R OBERTO P EREIRA
110
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 7 DE SETEMBRO • 2002
ROBERTO P EREIRA
111
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O Grupo Corpo é, hoje, nossa maior e dade tem uma explicação, talvez a primei-
melhor companhia de dança contemporâ- ra, e ao mesmo tempo a mais simples e com-
nea. Tem reconhecimento aqui no Brasil e plexa: o pensamento de dança que se cons-
também no exterior, e a crítica, nacional e trói ali é bom. É muito bom. Basta apenas
estrangeira, não o “esnoba”. Essa unanimi- que se perceba.
112
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE SETEMBRO • 2002
S ILVIA S OTER
113
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
ou mulher. Mas sempre que o outro apare- lência já havia sido explorada. Nuances de
ce, os corpos se unem, em geral pelos qua- um vocabulário de movimento que está sem-
dris. Uma atração veloz e ritmada, como que pre em processo.
provocada por um ímã. A ondulação do tron- Se as peças mais antigas apontam cami-
co que em Parabelo aparece em um fluxo nhos para leitura das mais recentes, cada
contínuo, sempre do chão para o alto,está nova criação do Grupo Corpo ilumina as
presente em Santagustin. Ela é a mesma e é peças anteriores. A sensualidade debocha-
outra, já que uma espécie de violência se da de Santagustin mostra como, de forma
instala e interrompe bruscamente o fluxo de menos explícita, a sensualidade sempre es-
movimento. Em O corpo,criação de 2000 teve presente e produtiva naqueles corpos
com música de Arnaldo Antunes,essa vio- que dançam. E como dançam!
114
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUART A-FEIRA • 1
QUARTA-FEIRA 1 DE SETEMBRO • 200
11 20022
S ILVIA S OTER
115
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
brilho e criatividade à música. Um espe- culos anteriores, são acompanhadas por
táculo à parte. momentos de solos e duos. O coro de dan-
Na primeira cena da peça, um pêndu- ça é, muitas vezes, desmembrado, dei-
lo inaugura o ritmo, elemento central na xando emergir a singularidade de cada
dança de Ivaldo. A dança indiana, devi- dançarino. Corpos diferentes num ritmo
damente incorporada pelos jovens a pon- comum.
to de ganhar nuances bastante pessoais, Ao deixar a tarefa da cena apenas
exige complexas divisões rítmicas que para o corpo de dança, Bertazzo arrisca e
são defendidas com segurança pelo cor- acerta. A continuidade e a qualidade da
po de dança. informação recebidas pelos jovens garan-
Em Dança das marés,as bonitas dan- tem um espetáculo delicado, preciso e
ças de conjunto, marca dos dois espetá- cheio de esperança.
116
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 13 DE NOVEMBRO • 2002
S ILVIA S OTER
117
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
e da cena, desenhando o espetáculo a seu viu de fio condutor para muitas obras. An-
modo, já que o show deve continuar. gel Vianna e Maria Alice Poppe, mestra e
Os espectadores de Deluxe Joy Pillow pupila, encontraram-se em Impromptus, de
recebem coordenadas antes do espetáculo. Alexandre Franco, outro colaborador de
Dependendo de onde o espectador se colo- Angel. Impossível dissociar as intérpretes
car, a relação que estabelecerá com a peça de suas histórias, o que carrega de densida-
será diferente.A queles que se instalam nas de e delicadeza a peça. Cenas que recortei e
camas pequenas espalhadas pelo espaço guardei no bolso da memória ou lembran-
podem ser integrados de forma ativa na ças que chegaram com o Baile Perfumado,
peça, os que ficam nas camas de casal po- de Rubens Barbot, traz memórias da infân-
dem ser manipulados pelos bailarinos e os cia do coreógrafo. A bailarina Cristina Mou-
que quiserem apenas assistir (caretas,tími- ra fala de si e de outras possíveis identida-
dos,cansados e voyeurs) devem sentar-se nas des em Like an idiot. Dando ainda mais vi-
poltronas azuis ou na arquibancada. Os bai- sibilidade à questão da identidade, o festi-
larinos improvisam a partir do contato en- val convidou cinco criadores cariocas a dan-
tre eles e entre eles e espectadores. O que çarem seus autorretratos. Patrícia Nieder-
se inicia como uma aparente estrutura aber- meyer misturou texto, bom humor e dança
ta e um jogo de provocação sensorial ganha, em Não se fala com os muros; Giselda Fer-
aos poucos,um único e cansativo ritmo.Pa- nandes construiu o bonito Castelo d’água,
radoxalmente, o espectador que está inte- dialogando com uma peça de Suzanne
ragindo fisicamente não parece de fato ati- Linke; Alexandre Franco, intérprete compe-
vo,mas submetido a um jogo de cartas mar- tente, mostrou A casa dos ossos; e Henrique
cadas em que apenas um tipo de estímulo e Schuller evocou Nijinsky, ao criar uma at-
resposta tem lugar, o do jogo sexual. mosfera delirante que mistura presente e a
Em Distanzlos, Lehmem, sozinho em memória da dança. Fechando a noite, Paula
cena, fala de si e discorre sobre uma peça Águas brincou com seu nome e a solidão.
que poderiarealizar.Descreve cenas,con- Ainda no sentido de investir na forma-
ta histórias,faz perguntas e responde,reve- ção e no estímulo a novos criadores, Os no-
lando inquietações.A distância entre o que víssimos, espaço da programação do Pano-
ocorre em cena e o que é construído pelo rama que apresenta novos coreógrafos, ga-
discurso do artista dependerá apenas da nhou um formato diferente e mais eficien-
imaginação do espectador.As ideias de re- te este ano. Em diálogo direto com as
presentação e de espetáculo são colocadas faculdades de dança, o festival convidou
em xeque nessa obra. três estudantes para fazerem a curadoria
A inda dialogando com a plateia, Andréa das obras. Os jovens curadores elegeram 12
Jabor provocou o público com bom humor e peças curtas, construindo uma noite diver-
improvisou com o cotidiano em I-eu, solo sa. Vale lembrar que Os novíssimos resga-
armado, um pré-texto para a improvisação. ta o frescor de origem do festival, que nos
A identidade foi outra ideia nuclear do seus primeiros anos serviu de celeiro para
Panorama 2002. Uma identidade traficada, a criação carioca. Hoje, uma nova geração
revelada entre autobiografia e ficção,ser- cheia de integrantes ou ex-integrantes de
118
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
companhias cariocas que lançaram suas promovendo encaixes mesmo a distância
pesquisas no próprio Panorama experimen- em Duo, enquanto Middle high tones, do
ta-se criador e deixa clara a influência de paulista radicado na Bélgica Christian
seus caminhos de origem. Duarte com Shani Granot, investigou a
Minas Gerais, Santa Catarina, Brasília autonomia do corpo e a busca de novos
e São Paulo também estiveram presentes modos de articulação.
nos palcos do Panorama. Thembi Rosa Fechando o Panorama 2002, a companhia
experimentou a marca dos criadores minei- de Marcia Rubin, em sua nova formação,
ros Rodrigo Pederneiras e Dudude Herr- brindou o público com Um estudo. A literatu-
mann em seu corpo em movimento, em ra, antes presença garantida na obra da cria-
Ajuntamento. Que nome daremos a nossos dora, retira-se e cede espaço para a prazero-
pares apresentou o competente Wagner sa exploração entre música e movimento.
Schwartz ao público carioca. Renata Fer- O compromisso selado pelo Panorama
reira trouxe Estudo sobre o tempo para a e seus parceiros com a difusão da criação
noite composta pelos criadores (agora cu- contemporânea da dança nacional e
radores) Frederico Paredes e Gustavo internacional no ambiente carioca acon-
Ciríaco. A noite, que contou ainda com a teceu em mão dupla. A programação ofi-
participação de Imagens, de Marcela Levy, cial, as performances da noite de abertu-
e Dressed dance, da alemã Katjia Watcher, ra e os resultados das oficinas foram
teve como foco a nudez que pode ser tra- acompanhados de perto por inúmeros e
vestida no corpo que dança. incansáveis programadores de festivais
Em Oito trigramas, o Kaiowas Grupo de internacionais, o que faz com que o Pano-
Dança, formado por jovens ex-integrantes rama sirva de vitrine da criação brasileira
do Cena 11, avançou na estrada aberta pela aos olhos do mundo.
companhia catarinense. O Basirah Grupo A imagem do pastel, logomarca do even-
de Dança mostrou em Uroboros que, nesse to, serve de emblema para postura do festi-
momento, a investigação de Giselle Rodri- val: deseja tornar-se cada vez mais popular,
gues apresenta-se menos teatral e mais democratizando o acesso através do ingres-
apoiada na exploração das circulações do so de R$ 1 e não garante que, necessaria-
movimento no corpo. mente, o recheio agradará o freguês. Esco-
Centrados nas possibilidades e nas im- lha acertada, já que o importante é a irriga-
possibilidades do movimento, o carioca ção de informações em via dupla que, a
Paulo Mantuano e a australiana Kylie- cada ano, o Panorama RioArte de Dança
Jane Wilson exploraram suas diferenças garante ao solo da dança carioca.
119
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 30 DE DEZEMBRO • 2002
Movimentação
a passos largos
Com festivais, atrações isoladas e experiências
criativas, Rio se firma como polo de dança no País
120
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Já fora dos festivais, as companhias cari- E como dança não é apenas espetáculo
ocas também compareceram. A injustificá- que se vê no palco, há de se registrar dois
vel DeAnima mostrou sua injustificável grandes acontecimentos: o Encontro Laban,
versão para Cinderela, numa injustificável promovido por Regina Miranda, movimen-
produção caríssima. Deborah Colker es- tando uma série de bailarinos e pesquisado-
treou seu 4x, reafirmando sua tendência ao res de todo o mundo em torno de seu tema, e
universo pop através do espetacular. E o o lançamento da bem cuidada revista Gesto,
B allet do Theatro Municipal abriu o ano pelo RioArte. Em ambos, a preocupação de
com sua superprodução de Romeu e Julie- que dança se faz com reflexão, sempre.
ta, convidando até Rostropovich para a di- Fechando o ano, um dos maiores pre-
reção musical, e acabou amargando uma sentes de natal para o público de dança
Gala Tchaikovsky, com uma imperdoável carioca: Danças de porão, dos bailarinos
e borrada Serenade, de Balanchine, além e coreógrafos Paula Nestorov e João Sal-
de requentados trechos de balés de Petipa. danha. Trânsito livre entre estruturas de
Sem dúvida, aqui, a falta de uma política aula, ensaio e espetáculo, os dois desve-
efetiva foi a responsável, num ano de tran- laram o ato de coreografar numa sabe-
sição eleitoral. doria tão sofisticada e ao mesmo tempo
Constrastando com esse painel das tão simples, que o resultado impressiona.
grandes companhias,as investidas de no- Ali, história se vê no corpo. Não qualquer
vos coreógrafos foram mais saborosas: história, mas aquela que sedimenta estru-
Esther W eitzman, em passos seguros de turas de onde emergem o novo e a quali-
pesquisa coreográfica e de estruturação dade. Isso faz da dança do Rio de Janei-
de sua companhia, o novo grupo de Paulo ro, hoje, ímpar. E faz do balanço do fim
Mantuano e as aventuras de improvisa- de 2002 uma constatação de que vivemos
ção propostas por Andréa Jabor foram im- um momento especial para a dança atra-
portantes para traçar novos contextos de vés de uma de suas mais importantes
dança na cidade. características: sua diversidade.
121
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
122
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
2003 CRÍTICAS
123
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO - 30 DE AGOSTO DE 2003
Em busca do movimento do corpo
SILVIA SOTER
124
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 16 DE MARÇO • 2003
S ILVIA S OTER
125
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
Guardadas em você, coreografia de Alex grande, de gestos amplos e líricos, mergu-
Neoral para Nina Botkay, é marcada por lhou com rigor no universo de movimentos
uma energia de juventude. Nina é precisa, da coreógrafa para construir Silêncio. O bo-
veloz, vigorosa e dá conta, perfeitamente, nito resultado revela a transformação e o en-
das exigências da coreografia do promissor riquecimento do material da coreógrafa, no
Alex. No entanto, essa juventude também se corpo da intérprete.
manifesta num desejo de fazer muito. Há Frederico Paredes, da dupla Ikswalsinats,
um certo excesso, tanto nas músicas que coreografou Se eu estivesse aqui agora, para
compõem a trilha, quanto na própria escri- Andréa Maciel. A teatralidade com toques
ta coreográfica. Não há silêncio ou pausa surrealistas da Ikswalsinats não é matéria
que dê tempo para que as ideias apontadas de fácil incorporação. Apoiada no jogo en-
se desenvolvam. Ajustes que certamente tre intérprete e público, Andréa apresenta
acontecerão com o tempo. ainda um certo desconforto, natural eviden-
Talvez o encontro mais inusitado da noi- temente, nas situações mais teatrais, com-
te, justamente pela diferença dos estilos das pensado por momentos de domínio absolu-
duas, é o de a Soraya Bastos com a coreó- to nas variações espaciais.
grafa Ana Vitória. Ana Vitória é, reconhe- Semana que vem, os coreógrafos Regi-
cidamente, uma criadora-intérprete de so- na Miranda, Paulo Caldas, Esther Weitzman
los. Seu corpo pequeno, ágil e preciso, é pon- e Henrique Schuller convidam quatro intér-
to partida e destino de seu vocabulário co- pretes e propõem outras misturas no palco
reográfico. Mas Soraya Bastos, bailarina do mesmo teatro.
126
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 23 DE MARÇO • 2003
A simplicidade
engole a medusa
Solos de Dança no Sesc: Série é marcada
pela irregularidade; coreografias
simples saíram-se melhor
S ILVIA S OTER
127
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
cione bem, é preciso que haja uma certa Num projeto como Solos de Dança no
ambiguidade entre o interpretar e o estar dis- SESC, a duração de cada peça se impõe
ponível para apenas reagir aos estímulos, a como questão fundamental. Cada noite é
de fato improvisar. O que pouco acontece. composta pelo conjunto dos trabalhos, e
Salvo em alguns momentos, como naquele cada peça, criada de maneira independen-
em que a atriz brinca com sua identidade e te por autores diferentes, está, aos olhos do
seus atributos físicos, um certo excesso na te- público, inevitavelmente comprometida
atralidade e a preocupação de mostrar o que com a que a precede ou a seguinte. Assim,
se está fazendo de simplesmente fazer, com- o bom timing de cada parte é fator impor-
prometem o equilíbrio entre o improvisar e tantíssimo para o sucesso da noite.
o interpretar, enfraquecendo a proposta. Os Solos de Dança no SESC termina
Em Alguma coisa de novo,o jovem Ro- hoje seu quarto ano consecutivo, consoli-
drigo Gondim é coreografado por Esther dando seu importante lugar na temporada
W eitzman. A qui, a forma circular e a ilumi- da dança carioca. A irregularidade dos
nação também são elementos centrais.Es- resultados não compromete em nada a
ther explora, com o apoio da luz, a circulari- relevância da proposta de promover encon-
dade do espaço e do tempo, jogando com o tros inéditos e inusitados entre criadores e
silêncio,a suspensão e os movimentos de re- intérpretes. Ela faz parte do risco inerente
cuar e avançar.Alguma coisa de novo,ainda à ideia. Com certeza, o amadurecimento
que um esboço,revisita elementos explora- das parcerias oferecerá, em breve, novos
dos pela coreógrafa em suas peças anterio- e interessantes desdobramentos ao públi-
res e apresenta o promissor Rodrigo Gondim. co carioca.
128
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 21 DE ABRIL • 2003
Talentos em versão
mal construída
R OBERTO P EREIRA
129
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
contribuem mais no papel de Hilarion. ca de formação de primeiros bailarinos
Quem, contudo, se destaca pela qualidade e solistas, sem dispensar atenção devida
de sua dança é Rodrigo Negri, excelente ao corpo de baile.
bailarino que atrai toda a atenção do públi- A recém-inaugurada iluminação do te-
co ao participar do pas-de-six do primeiro atro, orçada em US$1 milhão, que deveria
ato,assim como a competente solista Már- ser também uma das estrelas da tempora-
cia Jaqueline. O corpo de baile,muito afi- da, aparenta ser, entretanto, bastante inade-
nado,sobretudo na cena das wilis do segun- quada. Desajustes como um palco pouco ilu-
do ato, fez esquecer a péssima impressão minado e cheio de sombras no primeiro ato
deixada no final do ano passado com a Gala e uma lua distante quase dois metros do foco
Tchaikovsky. de luz no segundo ato são imperdoáveis nes-
A direção de Cragun aparenta ser se contexto.
promissora. Enfim, dentro de uma compa- A mais antiga companhia de dança do
nhia com a qual possui uma identificação País começa muito bem seu ano. Mas já que
de estilo, o bailarino americano já se valoriza seus bailarinos, deveria também
mostrou empenhado em revelar talentos, valorizar as versões e o repertório que fa-
dando oportunidades a jovens bailarinos, zem sua história. Este poderia ser um novo
em récitas vespertinas,voltadas às esco- desafio que Cragun, com certeza, saberia
las públicas.Muito bem-vinda sua políti- vencer com toda a sua competência.
130
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 2 9 DE ABRIL • 2003
Movimentos plurais
Dança Brasil recebe trabalhos diversos
e afirma sua vocação investigativa
ROBERTO P EREIRA
131
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
nheimer parece representar o lugar ade- rôme Bel e Lia Rodrigues dividem a cena,
quado onde Márcia tem a chance de visu- por exemplo, com televisão, cinema, video
alizar seus intentos. game, Revista Caras, ficção científica, ain-
A Cia. Vatá, da cearense Valéria Pinhei- da que tudo isso aparece com a referência
ro, e o Grupo de Rua de Niterói, dirigido estética à qual o coreógrafo se propõe: a
pelo jovem Bruno Beltrão, compuseram um dança de rua. A discussão sobre a ideia de
belo programa na segunda semana da mos- legenda e o que ela representa em termos
tra, embora com propostas estéticas tão di- de significação para o mundo, hoje, resolve-
versas. Bagaceira, cana e engenho pode ser se com exatidão no uso de recursos tecnoló-
visto como resultado ainda embrionário de gicos, o que faz rever de forma determinan-
uma fusão bastante difícil a que Valéria tem te o uso quase óbvio que a dança contempo-
se proposto em sua pesquisa coreográfica: o rânea vem fazendo da tecnologia, sobretu-
sapateado, técnica e estética de origem do no Brasil. Vale ainda ressaltar, dentro do
americana, e as danças populares nordesti- excelente grupo de bailarinos da compa-
nas devem passar pelo filtro generoso da nhia, a atuação de Eduardo Hermanson, cuja
dança contemporânea. Nesse desafio,há inteligência e timing podem ser vistos em
ainda ajustes a serem feitos nos corpos que seu corpo e em sua narração durante o es-
carregam informações por vezes apenas petáculo.
justapostas. Mas o espetáculo consegue É possível dizer que a terceira semana
apontar para o ineditismo dessa hibridiza- do Dança Brasil foi a que mais se adequou
ção de técnicas e estéticas de maneira ho- à proposta dos curadores de se investigar a
nesta e a cena é carregada de uma força relação entre música e dança. E, curiosa-
impactante.A música, executada pelos pró- mente, essa relação apareceu de forma di-
prios bailarinos em cena, com instrumen- versa nos dois trabalhos que compunham a
tos,além, é claro,do próprio sapateado,é noite. O primeiro deles, D.A.M., assinado
um dos elementos vitais,e faz com que esse pelo paulista Roberto Ramos, vem a ser o
espetáculo seja um dos que melhor respon- resultado, segundo o programa, de uma téc-
dem à proposta da mostra como um todo. nica própria desenvolvida pelo coreógrafo:
Se o mesmo não acontece com o Grupo “desenvolvimento anímico do movimento”.
de Rua de Niterói, isso não parece ser, aqui, Sua demasiada pretensão, entretanto, que se
um problema. Telesquat,criação do coreó- auto intitula autodidata, resulta numa pes-
grafo-revelação Bruno Beltrão,é,com cer- quisa escolar, cujo parco vocabulário de mo-
teza, o espetáculo mais instigante de todo o vimentos, sempre muito óbvios, encontra
D ança Brasil. A ideia era discutir o impac- pouco espaço para a exploração de sonori-
to da televisão na contemporaneidade, mas dades. Felizmente, para borrar a excessiva
oresultado vai muito além disso.Referên- simetria e a previsibilidade desse trabalho,
cias as mais diversas do mundo pop estão Maria Clara Villa-Lobos, brasileira residen-
lá, numa convivência nem sempre pacífica. te na Bélgica há mais de dez anos, apresen-
Mas são os atritos provocados pela mistura ta, em seguida, seu Trio. Nele, a bailarina di-
proposta por Bruno o que mais interessa: vide a cena com Peter Jacquemyn e seu con-
citações de obras de coreógrafos como Jé- trabaixo. Na verdade, pode-se dizer que essa
132
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
obra faz lembrar as investigações de músi- bloco espesso de referências que carece
ca erudita experimental de décadas atrás. ainda de ser trabalhado. Fica a vontade de
Mas a novidade está na interferência da ver essa grande bailarina e irrequieta co-
bailarina, que usa a improvisação para cos- reógrafa traduzir suas ideias mais em seu
turar, ou antes, descosturar, relações possí- próprio corpo e menos nos recursos cêni-
veis entre a fisicalidade dos três elementos cos demasiadamente utilizados por ela,
em cena e a música que disso resulta. que resultam em truques fáceis e conhe-
Cristina Moura fecha a mostra na quarta cidos de dança contemporânea.
semana, dando oportunidade ao público O Dança Brasil, ao mapear criadores
carioca de rever seu solo Like an idiot, brasileiros, sabiamente percebeu que esse
apresentado no ano passado. Nele, a bai- “brasileiro” deve ser encarado como uma
larina revisita questões sociais e políticas, via de mão dupla entre o que se faz aqui e
dissolvidas em suas reminiscências. A pes- o que se faz no resto do mundo. E a dança
soalidade com que essas questões são tra- pode ser um lugar privilegiado para se
tadas parece ser o filtro para que sua dan- observar esse trânsito tão eloquente de
ça explore, com precisão e força, as quali- referências mútuas. Assim, sendo mesmo o
dades físicas da bailarina e sua relação único evento de dança do CCBB, o Dança
com os objetos de cena. Já em IM-Pulso, Brasil faz com que sua maturidade e sua
seu segundo trabalho da noite, essa mes- aceitação sejam o aval mais que suficien-
ma relação parece não estar bem resolvi- te para que ele ganhe um teatro maior e
da. Se a ideia era investigar como a dança mais digno de sua importância na história
e a voz podem interagir, o que se vê é um da dança brasileira.
133
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 15 DE JUNHO • 2003
O olhar contemporâneo de
um coreógrafo genial
Ballet Frankfurt: Peças de William Forsythe mostram
caminhos de um inventor de espaços
S ILVIA SOTER
134
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
mesmo tempo, atravessado por uma cor- Quintett (1993), talvez a mais poética
da. Esses dois elementos, associados à ilu- das três obras, fechou a noite. Para alívio
minação, parceira poderosa do criador, re- daqueles que esperavam formas do balé,
cortam na cena diferentes campos de ação. em Quintett, ele está mais presente. Nessa
É impossível para o espectador acompa- peça, criada por Forsythe às vésperas da
nhar tudo o que acontece. A dança se insi- morte de sua mulher, cinco bailarinos são
nua, emerge e desaparece, veloz e simul- mais uma vez atravessados por um fluxo de
tânea, criando um ambiente caótico que movimento que não pára, mesmo quando
aumenta de tensão até a vertigem. O es- cada um se ausenta. Em solos, duos e trios,
paço parece tecido por redes elétricas, e fluxo contínuo, encontros e desencontros
os bailarinos são sugados por verdadeiros constroem uma emocionante, ainda que
turbilhões. Sem referência aos códigos evidente, metáfora da vida.
mais banais da relação da dança com o Sem dúvida alguma, a contribuição ma-
teatro, como a narrativa ou o gestual dura e competente do Ballet Frankfurt im-
expressivo, Enemy in the figure é de uma prime ainda mais brilho à dança desse co-
teatralidade impressionante. reógrafo genial.
135
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 30 DE JUNHO • 2003
S ILVIA S OTER
136
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
consciência da complexidade que cerca a plateia com sua presença sorridente e tea-
exclusão se faz, a cada dia, mais aguda, a tral. A brasileira Márcia Haydée, com do-
simplicidade da abordagem impressiona. mínio absoluto de cena, dá credibilidade, ge-
Coreograficamente, Béjart se apoia na nerosidade e delicadeza à sua personagem.
agilidade e na flexibilidade de seus jovens Com Madre Teresa e as crianças do mun-
intérpretes. Pernas altas, saltos, movimentos do, a Compagnie M cumpre seu papel, ofe-
acrobáticos e uma fartura de grand-écarts recendo a seus jovens integrantes a oportu-
apresentam as qualidades dos egressos de nidade (rara nos dias hoje) de partilhar a
Rudra. Infelizmente, a agilidade e o vigor cena com uma personalidade como Márcia
juvenis ainda não são acompanhados de Haydée. O experiente educador Maurice
grande precisão, o que fica evidente, por Béjart sabe que um bailarino só irá de fato
exemplo, na cena dos bastões. Uma grata se formar com a prática do palco mediante
surpresa: W illiam Pedro,o jovem e compe- convívio saudável e necessário com outras
tente brasileiro da Compagnie M, seduz a gerações e outras experiências.
137
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
CRÍTICAS NÃO PUBLICADAS
RIO DE JANEIRO • 200
20033
R OBERTO P EREIRA
138
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 8 DE JULHO • 2003
Tradição e história
O lago dos cisnes resgata
história do Ballet do Municipal
R OBERTO PEREIRA
139
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 24 DE AGOSTO • 2003
S ILVIA S OTER
140
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
entre os dois. O afinco com que Rodova- Nesses 15 anos, a Quasar construiu um
lho busca deixar claro para o espectador trabalho sólido através de uma linguagem
sua ideia de solidão e os resultados de sua coreográfica interessante e vigorosa que
pesquisa sobre o tema não é acompanha- identifica a companhia como uma assinatu-
do pela forma como a ideia se materia- ra. Talvez agora, o próximo passo desse ca-
liza no corpo. O tema serve apenas como minho seja flexibilizar essa marca, deixan-
um lugar onde, nesse momento, a mesma do-a ser permeada por novas referências
dança do Quasar acontece. Em momento para que não se engesse. Tarefa de que Ro-
algum, o tema chega a contaminar, de fato, dovalho dará conta, com tranquilidade,
o tecido coreográfico. como a sua trajetória confirma.
141
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 28 D E AGOSTO • 2003
R OBERTO P EREIRA
142
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 30 DE AGOSTO • 2003
S ILVIA S OTER
143
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 9 DE SETEMBRO • 2003
Experiências de
Carlota Portella
Espetáculo ressalta o carisma da mestra
R OBERTO P EREIRA
144
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
A segunda obra da noite é assinada pelo A cena final, quando tijolos são arremes-
onipresente Mário Nascimento, que vem sados pelos bailarinos, funciona como
trabalhando com diversas companhias por exemplo, quando remete a Weight of a hand,
todo o Brasil. Dono de uma movimentação do belga Win Wandekeybus. E a teatrali-
vigorosa, fruto da mistura de sua herança dade que se busca nesse trabalho parece
do jazz com sua atual pesquisa de dança estar ainda perdida entre os excessos de
contemporânea, Mário parece ainda tatear movimentos e de recursos, como se essa
o que poderia ser uma assinatura coreográ- teatralidade tivesse a obrigatoriedade de
fica. Isso fica por demais evidenciado em existir para legitimar uma ideia.
Jogo do olho,onde clarasreferências apa- Em Memórias, de Carlota Portella, a
recem não em forma de citação, mas são qualidade de seus bailarinos faz dos dois tra-
simplesmente tragadas, colocadas lado a balhos apresentados apenas lugares para
lado,sem que tenham oportunidade de se- que ela apareça, absoluta. E é essa qualida-
rem tingidas pelo ofício do coreógrafo. de, sem dúvida, a grande estrela da noite.
145
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 7 DE OUTUBRO • 2003
Sucessão de passos
Clichês prejudicam a coreografia de Terra Brasilis
R OBERTO P EREIRA
146
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
animais pré-históricos, a motocicleta e o he- do o País vivia um processo de aceitação de
licóptero, sugerem um arremedo canhestro sua mestiçagem, em pleno projeto estado-
de musicais da Broadway, que faz assinalar novista, as mesmas preocupações de se re-
ainda mais uma tendência para cópia que se tratar o Brasil pelo filtro do balé estavam
arrasta desde os idos anos de 1940, com nos- lá. Hoje, ao se assistir a Terra Brasilis e ao
sas chanchadas e nossos musicais de cassinos. se ler o texto ufanista de Fernando Bicudo
O grupo de bailarinos, bastante hetero- em seu programa, uma questão se impõe: ao
gêneo ao misturar profissionais e iniciantes, propor, hoje, o entendimento do brasileiro
parece ainda estar pouco familiarizado com como resultado de uma “síntese do melhor
a proposta, e mesmo as sequências mais sim- de todas as raças”, esse espetáculo parece
ples são mal executadas, necessitando visi- mesmo acreditar nas duas palavrinhas que
velmente de ensaios. estampam a bandeira brasileira. A mesma
Há uns sessenta anos, quando a dança crença de décadas atrás.Isso,em estudos de
cênica ainda intentava ser brasileira, quan- evolução,tem outro nome.
147
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA• 8 DE OUTUBRO • 2003
S ILVIA S OTER
148
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
de hoje. A virtualidade do cenário de Hélio Infelizmente,Terra Brasilis desperdiça
Eichbauer dá apenas velocidade às trocas igualmente o que ainda poderia trazer qua-
de cada quadro, sem, no entanto, propor nada lidade ao espetáculo: o conjunto de 54 bai-
que vá além do telão pintado dos tradicio- larinos,alguns ótimos e experientes.Na noite
nais cenários de balé. Cada quadro corres- de estreia, no TeatroJoão Caetano,eravisí-
ponde a um ritmo que é superficialmente vel a falta de ensaio e de entrosamento en-
explorado pela coreografia limitada, assi- tre o conjunto.
nada por Antonio Gaspar, que busca tradu- Para terminar, não poderia deixar de
zir e, sobretudo mostrar, através de uma co- citar mais uma vez as palavras do diretor:
lagem de passos, citações e referências, a “Apesar de nosso passado de injustiças so-
dança em questão. ciais, somos o povo mais feliz do mundo,o
Assim seguem os 29 quadros do espetá- que melhor sabe viver, o que mais cultua seu
culo. Para cada um, uma ambientação espa- amor à vida. Somos o povo do perdão e da
cial, um grupo de bailarinos e um desfile de esperança. Somos o país do belo.” Resta sa-
figurinos. A coreografia de Antonio Gaspar ber de que lugar Fernando Bicudo olha o
passa uma régua nas diferenças e deixa para Brasil, de que país,de que povo ele está fa-
o telão e para os figurinos a tarefa de carac- lando e como brasileiro perguntar: “Nós
terizar o que no corpo não está presente. quem, cara pálida?”.
149
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 22 DE NOVEMBRO • 2003
O surpreendente
salto da DeAnima
Parceria entre a companhia e Forsythe dá frutos
R OBERTO P EREIRA
150
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
companhia e Forsythe. Se a vontade era a O espetáculo forsythe@deanima parece
de traduzir esse encontro tão promissor, revelar novos ares na companhia dirigida
parece que a escolha do coreógrafo foi, no- por Richard Cragun. A escolha de um nome
vamente, a utilização da narrativa, quase como Forsythe pode ser um ótimo índice de
balé, o que se torna pouco forsytheano nes- que existe a vontade de transformá-la em
se sentido. Oliveira padece ainda da lite- uma companhia de repertório contemporâ-
rariedade, usando-a como único recurso neo. Que essa parceria continue e que ou-
para construir suas obras, deixando de lado tras se estabeleçam.
a oportunidade de se lançar aos desafios da A qualidade dos bailarinos permite tal
pura construção coreográfica, marca do co- avanço, e o público carioca só teria o que
reógrafo americano. agradecer.
151
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA• 27 DE NOVEMBRO • 2003
S ILVIA S OTER
152
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Bersot. A desarticulação dos corpos cria uma diálogo cênico com o criador e a citação do
dança angulosa que joga entre as linhas do que antes foi mostrado, e Oliveira, ao se
clássico e a movimentação de aranhas. apegar demais à ideia de narrar o que acon-
Herman Schmerman, criada para New teceu nesse encontro, acaba por criar uma
York City Ballet, é o ponto alto da noite.Os camisa de força para sua dança. Balanchi-
ótimos Roberto de Oliveira e Paula Mara- ne já havia dito que, quando fosse importan-
cajá, com entrosamento perfeito,trazem o te contar algo, mandar uma carta seria mais
jogo para a cena, com o humor e a criativi- eficiente do que criar uma coreografia. Tal-
dade de Forsythe. vez a lição desse mestre não se aplique a
Fechando a noite, é a vez de Roberto de todos os casos, mas no caso de Forsythe, vale
Oliveira, agora como coreógrafo,dialogar ser lembrada.
com a dança do coreógrafo americano.Uma Vale também lembrar que dançar Forsythe
semana com Bill(y) é produto do convívio não é tarefa fácil. Tarefa que o DeAni-
com Forsythe durante a semana da residên- ma Ballet Contemporâneo enfrenta com
cia. No entanto,há um tênue limite entre o coragem e competência.
153
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA• 9 DE DEZEMBRO • 2003
R OBERTO P EREIRA
154
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Se Onegin representa uma prova de pode ganhar o estatuto de papel consagra-
fogo para a companhia, que foi aprovada dor em sua carreira. Sua interpretação é
em muitos de seus quesitos,representa tam- perfeita, madura, sutil. Consegue modular
bém (e, talvez, sobretudo) um grande mo- com minúcia as diferenças de sua persona-
mento na carreira da bailarina Ana Bota- gem entre os atos, partindo de uma Tatiana
fogo. Maturidade,sabedoria, técnica e dra- jovem e ingênua para chegar a uma outra
maticidade são elementos dissolvidos em mais velha, dramática, no último ato. Sua
sua dança que se espalha por toda a cena, cena final impressiona. E faz o público sair
por todo o teatro.Tatiana, assim como Gi- do teatro com uma certeza: Ana Botafogo
selle, embora personagens tão distintos,já é uma diva.
155
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUINT A-FEIRA• 1
QUINTA-FEIRA• 1 DE DEZEMBRO • 2003
11
Balé do Municipal
encerra temporada
em grande estilo
Onegin: Ana Botafogo se destaca,
demonstrando mais uma vez a técnica
e a interpretação repleta de
nuances que caracterizam uma estrela
S ILVIA S OTER
156
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Roberta Marquez, como Olga, brindou o tro de Tatiana e Onegin é uma dessas
público com mais uma atuação impecá- imagens que ficam impregnadas na me-
vel. O bom entrosamento do corpo de mória do espectador. Ana Botafogo car-
baile garantiu brilho às cenas de conjun- rega o público com ela. Coloca-o na pele
to, especialmente criativas no desenho de Tatiana.
coreográfico. Onegin é mais uma oportunidade de
Ana Botafogo, perfeita no papel de confirmar a rara capacidade da bailari-
Tatiana, destila diante dos olhos do pú- na em tornar legível em seu corpo,em seu
blico suas qualidades dramáticas. Sua in- rosto,o texto dramático.A dança de Ana,
terpretação é repleta de surpresas, nuan- mais uma vez, faz vibrarem as palavras
ces e hesitações. A cena do último encon- dos poetas.
157
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 1
155 DE DEZEMBRO • 2003
Os corpos são o
lugar da dança
Lia Rodrigues faz dos bailarinos sua cena
R OBERTO P EREIRA
158
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 25 DE DEZEMBRO • 2003
Balança e dança
Dança carioca encontra em festivais e mostras
terreno sólido para a sua produção em 2003
159
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
relação música/dança foi eleita. Este senti- Outras mostras se agregam a este cená-
do, dois trabalhos aparecem como funda- rio de resistência: o Projeto Dança em Foco,
mentais: o de Márcia Rubin, que estreou uma das atividades do superprodutivo Es-
uma nova possibilidade coreográfica em paço SESC (outro anticorpo a ser mencio-
sua carreira em Tempo de valsa moderado nado), que investiga aproximações entre ví-
com elegância, e o furacão jovem chamado deo e dança, assinado por Paulo Caldas e
Bruno Beltrão,com os atritos que provoca Leonel Brum; o Dança em trânsito, da Se-
ao fazer dialogarem a dança de rua e a con- cretaria das Culturas, que investiga a rela-
temporânea. Beltrão,com seu inteligente Te- ção entre dança e paisagens urbanas; o Pro-
lesquat, foi, com certeza, um dos grandes mo- jeto raio X, da UniverCidade, que revelou
mentos da dança em 2003. o processo criativo de oito importantes com-
O terceiro importante festival de dança panhias cariocas, em ensaios abertos, sob a
carioca é o veterano Panorama RioArte de curadoria de Roberto Pereira; e o 4º Circui-
Dança, que alcançou algo bastante signifi- to Carioca que, embora tenha a boa inten-
cativo no cenário brasileiro hoje: sua déci- ção de ser uma palheta da vasta produção
ma segunda edição.Com a direção artística de dança da cidade, em seus mais diversos
de Lia Rodrigues, esse evento funciona estilos, ainda sofre por não contar com uma
como uma espécie de mapa da dança con- curadoria mais cuidadosa, que se preocupe
temporânea carioca ou, até mesmo,sua ár- também com a formação de plateias. Enten-
vore genealógica. Em 2003, sua marca foi der esses festivais e mostras como anticor-
mostrar como seus projetos ganharam cor- pos é talvez o modo mais interessante de se
pos e tiveram prolongamentos tão frutífe- notar, antes de tudo, o caráter formativo
ros.Trabalhos desenvolvidos em residên- deles, num ambiente que se nutre se infor-
cias em 2002 foram apresentados nesse ano, mações, muitas vezes tão escassas. Informa-
mostrando o papel fundamental desse fes- ção, aqui, também é formação.
tival como fomentador de pesquisa de dan- As companhias cariocas, muitas delas
ça na cidade.Nesse sentido,ostrabalhos de vivendo atualmente os percalços de falta de
Frederico Paredes e Denise Stutz são ótimos organização dos poderes públicos em rela-
exemplos de processos cuja ignição foi o ção à subvenção disponibilizada, também
próprio festival. Contando com outros pro- são fortes anticorpos que lutam pela saúde
jetos,como a quarta edição de Os novíssi- da dança que se faz nesta cidade. Dani Lima
mos,mostra de pesquisa de jovens coreógra- apresentou um dos trabalhos mais maduros
fos,curadorese,agora também, críticos,oPa- de sua carreira, Falam as partes do todo?,
norama continua como talvez a única pos- investigando identidade numa cena e em
sibilidade de apresentar importantes com- corpos bastante diferentes do que até então
panhias estrangeiras a preços realmente era conhecida como sua marca; Carlota
acessíveis.Nesse ano,tão parco de atrações Portella mostrou seus excelentes bailarinos
internacionais,poder ver a mais recente cri - em novos trabalhos assinados por coreó-
ação da coreógrafa francesa Maguy Marin, grafos convidados e estreantes; a DeAni-
Les applaudissements ne se mangent pas,foi ma Ballet Contemporâneo abriu o ano,
um presente. logo em janeiro, com um mal estruturado
160
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
projeto de residência coreográfica, mas ta de verba agregada a uma direção polê-
mostrou, no segundo semestre, alguns frutos mica de Richard Cragun tornou o ano da-
de uma parceria com o genial coreógrafo quela companhia pouco produtivo. Após
americano William Forsythe, revelando ao requentadas remontagens de Giselle e O
público carioca que Roberto de Oliveira, lago dos cisnes, e uma constrangedora
sem dúvida alguma, tem na sua prática Gala, apresentada em novembro, Onegin,
como bailarino sua melhor faceta; e Lia de John Cranko, foi seu grande momento.
Rodrigues, encerrando o ano, que pôde Ana Botafogo, Marcelo Misailidis, André
revelar aqui porque sua pesquisa interessa Valadão e o jovem talento Roberta
tanto aos importantes festivais internacio- Márquez formam, sem dúvida, um elenco
nais, sempre com grande sucesso, como no de primeira linha na mais importante com-
Nouvelle Danse, FIND, do Canadá, onde panhia de balé brasileira.
ganhou o prêmio de melhor espetáculo O ano de 2003, para a dança, embora
dado pelo público, deixando em segundo abalado pela falta evidente de estrutura,
lugar ninguém menos que Forsythe. Aliás, o criou mecanismos de produção que tor-
mesmo Forsythe foi, para nós, a única visi- nam o Rio de Janeiro, com certeza, uma
ta estrangeira, fora do âmbito dos festivais, cidade com um perfil bastante peculiar
de relevância. Num ano em que as empre- quando se observa os grandes centros cul-
sas se viram fadadas a cancelar temporadas, turais brasileiros. Aqui, arregaçar as man-
como infelizmente aconteceu com a de gas é a palavra de ordem. E aprender com
Merce Cunningham, da série Antares, assis- o próprio corpo como resistir, como com-
tir ao Ballet de Frankfurt foi uma experiên- bater, criando anticorpos vivos, ativos, in-
cia ímpar, por sua qualidade, por sua inteli- teligentes, concede à sua dança um cará-
gência, pela marca atualíssima forsytheana. ter que ultrapassa a dimensão estética. É,
O Ballet do Theatro Municipal também antes de tudo, um procedimento ético, de
enfrentou dificuldades de toda sorte: a fal- sobrevivência.
161
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
162
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
2004 CRÍTICAS
163
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL - 24 DE JULHO DE 2004
Lição de Antonio Gades
ROBERTO PEREIRA
164
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 15 DE JANEIRO • 2004
Dança e reflexão no
palco do Espaço SESC
Afirmações intencionais – Acidentes:
Em seu novo espetáculo, João Saldanha divide mais
uma vez com o público as entranhas do ato de criar
S ILVIA S OTER
165
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
por exemplo, que algumas pessoas do pú- um momento de pausa da dança é o que tem
blico troquem de lugar e avisando que de mais interessante nesse trabalho de João
aquilo não é um espetáculo, na noite de es- e que já estava apontado em Danças de
treia ficou evidente que a presença do porão: a possibilidade de confrontar o que o
público é um fator de influência para o público experimenta, ainda que sem neces-
rendimento dos intérpretes/criadores, para sariamente formular, com as impressões dos
o bem e para o mal, e não pode ser des- bailarinos e do coreógrafo.A peça é tecida
considerado. a partir de idas e voltas entre a dança e a
Em alguns momentos da noite, os baila- reflexão. Em Afirmações intencionais –
rinos descansam, comentam o que percebe- Acidentes,as palavras do dramaturgo fran-
ram de suas experiências, dividem frustra- cês Bernard Dort são confirmadas diante
ções, ouvem as opiniões e sugestões do co- dos olhos do público: a dramaturgia é uma
reógrafo. Aquilo que poderia parecer como consciência e uma prática.
166
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 18 DE JANEIRO • 2004
Permanências mutantes
Espetáculo de João Saldanha analisa o paradoxo da dança
R OBERTO PEREIRA
167
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
seus colegas coreógrafos, num jogo intri- méstica de “jardineiro-jardinando”.Na cren-
gante de vice-versas. ça popular, aquele que possui a habilidade
O grande mestre de todos, o coreógrafo de fazer vingar uma planta em seu jardim
russo George Balanchine, comparava seu ao plantá-la tem o que chamam de “mão
ofício de coreógrafo e professor ao de um boa”. Essa mesma mão, dissolvida na sabe-
jardineiro, também um de seus hobbies fa- doria de um corpo inteiro, faz de João mais
voritos: a atenção ao crescimento de suas do que um mero “orientador”: ele é mesmo
plantas e a consciência do ambiente em que aquele que sabe fazer florescer seu canteiro
cresciam davam-lhe a certeza da constru- de dança, colocando a mão em sua terra, cul-
ção de um processo.No texto do programa, tivando-a. E faz torcer para que a estação da
João Saldanha comenta sua atividade do- dança carioca seja sempre primavera.
168
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 7 DE MARÇO • 2004
R OBERTO PEREIRA
169
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
grafos, mostrando que o que ela aprendeu rino em se aproximar do coreógrafo e não
em seu curso universitário de dança pode um jogo entre vice-versas que poderia ser
ser transformado em investigação própria instigante.
de movimento. Duas trajetórias, Denise e Por fim, no último solo da noite, Marcelo
Milene são dois vetores que nos fazem lem- Braga e Paula Nestorov transformam o pú-
brar que história não se conta de forma li- blico em um voyeur que perscruta a fina
near, – da esquerda para a direita, – princi- relação entre artistas amigos ou, antes, en-
palmente quando a linguagem escolhida tre amigos artistas. Jacaré, peixe e cachorro
para contá-la é a dança. é uma fresta que se abre para que se obser-
O terceiro solo da noite marca um encon- ve o que se tece, em seu próprio exercício
tro inédito entre o bailarino Marcellus Fer- de tecer. A belíssima voz de Paula, que can-
reira e o coreógrafo Paulo Caldas.A elegân- ta ao vivo uma trilha composta especialmen-
cia com que tudo se constrói, já a partir do te por Antonio Saraiva, se refaz na movi-
título do trabalho,Basse danse,uma referên- mentação de Marcelo. O convívio e a cum-
cia a um modo de se fazer dança antes que plicidade que se desvelam no palco são
ela se tornasse cênica no Ocidente, carece transformados em dança e em música e no
ainda de ajustes típicos de encontros como que há de mais belo entre essas duas artes.
estes.Dono de uma pesquisa de movimento É nos atritos entre misturas que a série
bastante apurada, que vem sendo burilada Solos de Dança no SESC promove reflexão.
há muito tempo,Paulo parece não investir Essa é uma das principais tarefas que se
nas novas possibilidades que a excelência impõe a um evento como esse. A julgar por
da dança de Marcellus sugere. O resultado essa primeira parte, a tarefa parece ter sido
que se vê é muito mais um esforço do baila- plenamente cumprida.
170
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 13 DE MARÇO • 2004
R OBERTO PEREIRA
171
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
em dança, traz consigo armadilhas que tal- ço na investigação coreográfica. Mesmo
vez apenas a maturidade na lida coreográ- com o terreno já preparado e bastante fér-
fica possa desarmar, desafio que o jovem til, o que nasce são frases feitas na movi-
Thiago ainda tem pela frente. mentação, na música e, sobretudo, na ilu-
Por fim, um reencontro entre os expe- minação e no figurino. Nessa conversa que
rientes Carolina Wiehoff e Renato Vieira se retoma, Renato e Carolina, com a sa-
parece trafegar justamente na mão con- bedoria dos dois, poderiam ter se lançado
trária do trabalho anterior. Em Mulher so- a criar neologismos.
zinha no palco, pode-se observar como es- Os Solos de Dança no SESC funcionam
truturas coreográficas são familiares à como provocações: nos atritos de novas re-
bailarina e ao coreógrafo,como se os dois lações, desviam os olhos do público dos au-
falassem um dialeto que é trazido à tona tomatismos, redirecionando-os para estru-
depois de algum tempo sem ser praticado. turas não conhecidas. E essa parece mes-
Mas esse conforto,próprio do que já é co- mo ser a função primordial de uma mos-
nhecido,não incita, infelizmente,um avan- tra como esta.
172
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA• 21 DE MAIO • 2004
S ILVIA S OTER
173
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
rino do Ballet de Sttutgart, fecha a noite. A ciente as qualidades físicas e técnicas de
iluminação de Milton Giglio cria efeitos em todo o elenco, com destaque para Bettina do
linhas que cruzam o palco e se dirigem para Dalcanale.
o foco de energia ao fundo da cena, de onde Esta não é a primeira vez (e espera-se que
e para onde a movimentação caótica dos não seja a última) que o Ballet do Theatro
bailarinos se orienta. Gestos angulares, Municipal explora uma vertente mais con-
desarticulados e repetitivos se estruturam de temporânea. É sempre interessante para
forma análoga à música, recriando as elipses uma companhia alargar seu leque de possi-
propostas por Philip Glass. Como uma citação, bilidades estéticas, investindo em outras
a luz recria imagens de nuvens que se acele- corporeidades, o que faz com que iniciati-
ram no céu, como no filme Koyaanisqatsi, vas como o Tríptico sejam bem-vindas. Mas
de Godfrey Reggio, com música de Glass. a composição do programa deveria ser nor-
Roberto de Oliveira consegue, em alguns teada pelas qualidades intrínsecas das
momentos,tocar a vertigem e o caos a que obras, aliada à certeza de adequação ao
se propõe, ainda que pareça não confiar ple- perfil dos intérpretes da casa. Não é o que
namente nas possibilidades de sua própria acontece em Tríptico. É uma pena que o
dança, insistindo em se apoiar em diferen- programa da noite não faça da estreia da
tes elementos cênicos para explicitar suas temporada de 2004 um momento inesque-
intenções.Oliveira aproveita de forma efi- cível. Saudades de Oneguin.
174
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • DOMINGO• 2 DE MAIO • 2004
R OBERTO PEREIRA
175
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
mostrando em planos e suportes diferentes mostra que suas idealizadoras não aprende-
como esse corpo reage e interfere nessas ram ainda o sentido da palavra metáfora.
novas texturas de espaço. A beleza com a Escolar, frontal, óbvio, perpassado por um
qual essa questão é tratada com carinho humor pasteurizado e de gosto americanoi-
pelas duas bailarinas-coreógrafas é, de cer- de, não se habilita a explorar o que o sapate-
ta forma, continuada na noite através do tra- ado e tantas pesquisas ali apenas iniciadas
balho de Thembi Rosa, em seu Ajuntamen- (mas nunca acabadas) podem render como
to.Nele,três diferentes coreógrafos inscre- diversas criações diferentes. O problema,
vem no corpo da bailarina sua noção de es- entretanto, mais do que a escolha “estética”
paço que se acomoda como podem, ao lon- de suas jovens coreógrafas, é entender sua
go do tempo,em sua qualidade de dança. O presença neste festival, cujo perfil investiga-
interessante é justamente observar como se tivo de dança contemporânea parece não
inaugura um outro amálgama entre compo- condizer com a proposta apresentada.
sição de três assinaturas diferentes no espa- Por fim, única companhia a ter toda uma
ço de um único corpo,entendido aqui como noite para si, o Zikzira Physical Theatre, que
mídia dessas assinaturas.Entre o espaço-cor- trabalha entre Brasil e Inglaterra, mostrou
po de Luciana e Margô e o corpo-espaço de Verissimilitude. Este não é o primeiro conta-
Thembi, esse programa possibilitou a decu- to do Rio de Janeiro com essa companhia. No
pagem das novas relações que a dança con- ano passado, por exemplo, foi possível ver na
temporânea promove ao (re)criar, a cada programação do Panorama o longa-metra-
atualização,sua própria noção de espaço. gem Cinzas de Deus, realizado por ela. Em
A Cia. Carlota Portella – Vacilou Dançou comum, os dois trabalhos constroem um cor-
e Celina Portella & Flavia Costa compuse- po foucaultiano para falar de sentidos e rea-
ram o terceiro programa, todo carioca. A lidade. O tom sépia que reveste a cena cos-
mestra Carlota mostrou um trabalho que in- tura em sinestesias o corpo que dança e aque-
triga se entendido dentro de uma dimensão le que o assiste, em trocas sensoriais que re-
histórica. Em Espaço de luz, a pesquisa esté- metem a um corpo comum, aquele tratado
tica da coreógrafa aponta duas setas: uma que pelo filósofo como lugar de discurso de po-
avança e outra que retrocede em busca do der. A competência com que tal relação é
resgate de um vocabulário que lhe é famili- tecida se espalha desse corpo que dança, à
ar.A o deixar de lado a tarefa de tratar a dan- cena, para, então, invadir a plateia, impreg-
ça como suporte de narrativas,elarecupera nando o lugar de uma mesma atmosfera.
com propriedade a movimentação de jazz Assim, a edição deste ano do Dança
que lhe ocupou tantos anos de sua carreira Brasil fala, de algum modo de si mesma,
pararedimensioná-la em um outro contexto. na medida em que o festival agrega, em
A chave para seu entendimento é observar, seu próprio nome, duas noções de espa-
sem pré-conceitos,como essa dimensão his- ço: tanto a dança quanto o nosso País são
tórica faz do trabalho,a um só tempo,resgate mapas culturais de entendimentos diver-
e avanço,citação e criação, metalinguagem sos de tempos e de espaços que, a todo
e descoberta.Já o segundo trabalho da noite, instante e em qualquer lugar, transfor-
Volume,de Celina Portella & Flavia Costa, mam o corpo em movimento em seu abri-
tem a competência do entretenimento,mas go de reflexão.
176
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 5 DE JULHO • 2004
R OBERTO PEREIRA
177
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 12 DE JULHO • 2003
S ILVIA S OTER
178
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
mostarda, destacam-se os bailarinos. Os fi- Tudo que é sólido desmancha no ar, cabe
gurinos, da mesma cor do tecido do fundo, lembrar aqui.
ajudam a caracterizá-los como partículas A impermanência de suas figuras só
desse ambiente sonoro e espacial. Mais pode, no entanto, ser garantida pela regu-
uma vez e agora de forma nervosa, acele- laridade com que esse artista insistiu em
rada e até bem humorada, os corpos transi- não se acomodar com os passos que deu.
tam de maneira aparentemente errática, Assisti-lo é confirmar que mais cinquenta
sem se fixarem em figuras, esboçando de- anos continuariam a trazer para dança be-
senhos que imediatamente se desmancham. leza, frescor e risco.
179
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 12 DE JULHO • 2004
R OBERTO P EREIRA
180
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
R I O D E J A N E I R O • S E X T A - F E I R A • 16 DE JULHO • 2004
Lembranças pensadas
no presente que
orientam projetos futuros
Memórias do corpo: Renato Vieira
explora o corpo como receptáculo
de experiência de vida
S ILVIA S OTER
181
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
te na ausência de silêncio na movimenta- Não parece por acaso que esse expe-
ção e na música, dificultando o trânsito en- riente coreógrafo tenha escolhido tratar da
tre as imagens construídas em cena e as memória do corpo nesse momento de sua
memórias que aquelas imagens poderiam carreira. Pensada a partir do presente, a
despertar no espectador. Ainda assim, em memória pode orientar os projetos futuros.
alguns instantes, uma gestual menor conse- Nesse espetáculo fica visível que Renato, ao
gue se insinuar num desenho de cena que, se voltar para trás, começa a tocar em pro-
escapando da narrativa, aponta para novas missores caminhos a serem trilhados com
possibilidades de construção dramatúrgica. sua competente companhia.
182
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 24 DE JULHO • 2004
R OBERTO PEREIRA
183
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 1 0 D E AGOSTO • 2 0 0 4
ROBERTO P EREIRA
184
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
se desvela. Um tempo colorido pela música seu espaço, seu tempo, sua qualidade de
executada ao vivo por Chris Lancaster, que movimento e, sobretudo, sua ideia traduzi-
respeita o silêncio, e que se move junto e não da na cena. Idéia aqui funcionando como
justaposta aos bailarinos. puro ato da grafia, como processo. Página
Em Coreografismos,pode-se observar em branco tingida pela vontade do apuro
menos uma ação dramática, a que per- técnico. Não a destreza, mas a paixão por
meava as obras anteriores de Caldas e mais encontrar a palavra exata. Ou, nesse caso,
a excelência do que é específico da dança: o movimento exato.
185
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA• 13 DE AGOS TO • 2004
AGOSTO
S ILVIA S OTER
186
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
o coreógrafo se lançou ao desafio de trabalhar fismos ganha qualidades plásticas próximas
com um grupo maior. Além de Paulo e Maria das artes visuais. O grafismo do título mere-
Alice, estão em cena Carolina Wiehoff, ce ser destacado. Paulo Caldas investe tão
Natasha Mesquita e Toni Rodrigues. Esses radicalmente no jogo entre as linhas do qua-
experientes bailarinos e novos integrantes da drado e a circularidade dos corpos, brincan-
companhia colaboram de maneira diversa do com as inúmeras combinações entre os
para a corporeidade da Staccato. Natasha se cinco bailarinos, que a escrita da dança se
integra à fluidez dos gestos de Maria Alice e faz desenho e pintura. Como o próprio coreó-
Paulo, enquanto Carolina e Toni agregam ao grafo lembra no programa, a cena toca de
trabalho qualidades menos fluídas e mais perto o expressionismo abstrato.
densas. No corpo de cada um, a dança da Stac- Coreografismos mostra que a Staccato se-
cato só tem a ganhar. gue sua investigação com coragem, sem aban-
Se algumas criações anteriores do coreó- donar sua trajetória, mas também sem se dei-
grafo dialogaram com o cinema, Coreogra- xar acomodar. Ponto para a dança carioca.
187
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA
SEXTA-FEIRA•• 3 DE SETEMBRO • 2004
S ILVIA S OTER
188
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
um amor risível.Já em Lecuona,tudo é se- uma citação rasgada à peça de Twyla Tharp,
dução e envolvimento.Pederneiras usa e Nine Sinatra songs, no último quadro.
abusa de sua competência para ganhar a Os bailarinos do Corpo, que vemos aqui
plateia com seu amor rasgado,sensual, viril destacados em suas singularidades, parecem
e glamouroso.A não originalidade da trilha experimentar um momento prazeroso, car-
musical parece ter autorizado Pederneiras regando com teatralidade as canções de
a também se apropriar de outras referên- Lecuona. Prazer esse que transborda para
cias e influências,trazendo, por exemplo, o público que, entregue e seduzido, deixa-
para a cena, os musicais de Hollywood e até se levar pela dança.
189
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 4 DE SETEMBRO • 2004
Um balé de paixão
Grupo Corpo tira o fôlego da plateia com o
arrebatamento e a permissividade de Lecuona
R OBERTO P EREIRA
190
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA• 17 DE SETEMBRO • 2004
R OBERTO PEREIRA
191
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
canções, funcionando quase como legendas, mente, parecem apontar para essa questão
ambos assinados por Moeller, são resquíci- central, construindo no corpo que dança qua-
os desse modo narrativo, próprio do musi- se uma ideia tropicalista. Sem dúvida, dois
cal, de conceber um espetáculo. momentos especiais em todo o espetáculo.
Como balé e show se juntam para falar Colocar 22 jovens bailarinos em cena,
de Tropicália, momento muito especial não numa estrutura de peso e qualidade inegá-
apenas da música, mas da cultura brasilei- vel é tarefa que só poderia ser plenamente
ra, fica como questão. Momentos de virtuo- cumprida através da competência de Dalal
sismo técnico irrompem sem qualquer com- Achcar, espécie de versão brasileira de
promisso com a ideia que ali se pretende Diaghilev, mitológico empresário e ideali-
desenvolver, por exemplo. Altamente dis- zador dos Ballets Russos. A experiência que
pensáveis, uma vez que a qualidade dos esses jovens adquirem a cada contato com
bailarinos é evidente, esses momentos tiram um diferente criador e com o esmero da
do foco o que se deveria ter tomado como qualidade técnica imprime neles algo que,
tarefa, ou seja, como tratar do tema escolhi- por si só, já merece todo nosso apreço: o res-
do: fala-se a partir da Tropicália ou sobre a peito pelo ofício da dança. É nesse lugar que
Tropicália? Nesse sentido,as canções Baby a Companhia Jovem El Paso de Dança tra-
e Divino maravilhoso,coreografadas por balha. E é desse respeito que a dança no
Ivonice Satie e Renato V ieira, respectiva- Brasil parece ainda necessitar.
192
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA• 24 DE SETEMBRO • 2004
Mais liberdade
para o som dos pés
Sensorial: Um diálogo entre
o sapateado e a dança contemporânea
S ILVIA S OTER
193
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SÁBADO• 2 DE OUTUBRO • 2004
O Brasil em Lyon
Se a Bienal de Dança na cidade
francesa impulsionou a arte no Rio, sua 11ª edição
mostra que a mão inversa também se deu
R OBERTO P EREIRA
194
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
“uma declaração de fé nos homens e sobre- ser uma das tarefas de um festival: fazer
tudo nos artistas” que pertencem a um con- saborear a singularidade a partir do plural
tinente que ele chama de “puzzle de lingua- que o envolve.
gens e de culturas”. Nesse sentido, o desfile, que aconteceu
Os números que fazem desse evento um no dia 19 de setembro, levando o título A
dos mais importantes festivais de dança do Europa das grandes narrativas, faz um retra-
mundo remetem mesmo à ideia de puzzle: to desse continente. Reunindo 4.500 parti-
700 artistas envolvidos,40 companhias con- cipantes em 22 grupos de regiões circunvi-
vidadas,21 países europeus participantes,13 zinhas a Lyon, além de 2 grupos convidados
criações para o ano de 2004, e 7 coprodu- da Romênia, o Défilé narra grandes históri-
ções da própria Bienal. as em coreografias para grandes massas: o
Dentro deste rico universo de tantos mito do Fausto, Romeu e Julieta, o Danúbio,
países e culturas,a curadoria de Guy Dar- Cassandra e o cavalo de Tróia são alguns
met vem marcada pela generosidade do dos temas abordados.
olhar sobre a diversidade de estilos de dan- Para nós brasileiros, esse desfile se tor-
ças.Assim, dança de rua (que,sintomatica- na, sem dúvida, algo bastante curioso, já que
mente,abriu o festival) e danças populares, saiu daqui a ideia de sua concepção. Entre-
por exemplo,dividem a cena em pé de igual- tanto, o olhar brasileiro, ao observá-lo, deve
dade com grandes companhias europeias, levar consigo a informação de que ali se
como o próprio Ballet da Ópera Nacional inicia uma possibilidade de dança que ain-
de Lyon, o Nederlands Dance Theatre e o da carece de tempo para se transformar
B allet du Grand Théâtre de Genève,e com numa tradição, ao contrário do que aconte-
artistas mais experimentais,como a portu- ce por aqui.
guesa Sónia Baptista, o belga Jan Fabre,ou Subvencionados pelas prefeituras locais,
ainda umas das melhores surpresas do fes- os integrantes de cada “bloco” não pagam
tival, ogrego Andonis Foniadakis e sua com- nada por seus figurinos e a Bienal fica res-
panhia francesa Apotosoma. ponsável pelos cachês dos coreógrafos e dos
Toda essa diversidade apenas traça um artistas plásticos envolvidos. Num processo
mapa possível do que se produz de dança na de ensaio que pode durar de 6 meses a 1 ano,
Europa hoje, sem deixar de arranhar um esses cidadãos dançantes são pessoas co-
pouco as expectativas de quem busca na muns, de idades e classes sociais as mais di-
Bienal apenas dança contemporânea. Guy versas. Embutida nessa ideia, a carnavali-
D armet se arrisca nos atritos de linguagens. zação da cultura e da sociedade é evidente.
E o público,que lota todos os 24 teatros en- Mas uma carnavalização europeia, que tal-
volvidos,em todos os espetáculos,percebe vez possa aprender (conosco?) como preen-
que neste caldeirão o que se cozinha é um cher uma rua inteira de espetáculo, de en-
tempero europeu de um corpo que dança: redo, de coesão e de ritmo, para dar conta
um corpo que traz consigo sua cultura, ao de uma narrativa. Não à toa, o segundo gru-
mesmo tempo que dialoga com a de seu vi- po a desfilar neste ano, e que mereceu aplau-
zinho.A cada apresentação,uma pitada faz sos mais entusiasmados pela sua performan-
modificar o gosto do conjunto.E essa deve ce, foi o coreografado por um brasileiro, o
195
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
bailarino mineiro Rui Moreira, que perten- outra para o fim do ano, para apresentar seu
ceu ao Grupo Corpo. O Brasil está em Lyon, mais novo trabalho, com coprodução de vá-
mesmo quando a Bienal é sobre a Europa. rias instituições como o Centre National de
E, no ano que vem, ano do Brasil na Fran- la Danse, o Festival d’Autonne de Paris, La
ça, essa pequena cidade ainda será palco de Ferme de Buisson e o próprio Maison de La
mais dança brasileira. Graças ao mesmo Danse.
Guy Darmet, que dirige um belo teatro es- Inclusive, na frente deste teatro pode-se
pecialmente dedicado à dança, o Maison de ver um enorme cartaz exibindo os próximos
la Danse, várias companhias daqui se apre- espetáculos a serem ali exibidos. Nomes
sentarão por lá, uma a cada mês do ano. Bru- como Merce Cunningham, Carolyn Carlson,
no Beltrão, Quasar e Grupo Corpo serão Maguy Marin, Maurice Béjart e Sankai
algumas delas. Lia Rodrigues estará na ci- Juku aparecem na lista. Entre eles, figura
dade por duas vezes: uma em março, no também o da carioca Márcia Milhazes. Para
Centro Cultural Le Toboggan, convidada um brasileiro que se sente um flaneur em
para desenvolver um trabalho a partir das plena Lyon, neste momento, fica praticamen-
fábulas de La Fontaine, ao lado de mais dois te impossível não sentir o coração se encher
coreógrafos, uma francesa e um africano, e de orgulho. O Brasil dança em Lyon.
196
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • DOMINGO• 3 DE OUTUBRO • 2004
Shakespeare condensado
Ballet do Scala de Milão faz bela homenagem
ao centenário do coreógrafo Balanchine
R OBERTO PEREIRA
197
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
Vale ainda mencionar a perfeita parti- No ano que Balanchine completaria seu
cipação das 24 crianças da Escola do Tea- centenário, assistir ao Ballet do Scala de
tro Bolshoi, da pequena cidade de Joinville, Milão dá-nos a sensação de que a tempora-
Santa Catarina. Motivo de orgulho para nós da de balé finalmente se iniciou nos palcos
brasileiros, essas crianças desempenharam cariocas, mesmo que um tanto atrasada.
com apuro técnico e sobretudo musical o Belo início e uma justa homenagem que nós
que lhes foi proposto. ainda não fomos capazes de prestar.
198
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA• 8 DE OUTUBRO • 2004
S ILVIA S OTER
199
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
coreografia, levando essa literalidade a zer com que a dança proponha sua pró-
momentos de redundância absoluta como pria poesia.
no caso das músicas Três caravelas,na voz Talvez o maior desafio dessa compa-
de Caetano Veloso e Gilberto Gil e Super- nhia seja encontrar uma dança feita por jo-
bacana,de Caetano. vens e para jovens, que não caia numa abor-
A poesia das letras,ponto forte e ino- dagem superficial e infantil. Como a Cia.
vador do movimento tropicalista, perde, Jovem El Paso de Dança está apenas nas-
assim, todo seu impacto.Felizmente,es- cendo, espera-se que a juventude no nome
capando em outra direção,os coreógra- possa contaminar a ideia de dança que está
fos Renato V ieira em Divino maravilho- por trás de suas criações. Se ainda não foi
so,Tíndaro Silvano em Parque industrial dessa vez, com esse time de primeira será,
e Ivonice Satie em Baby conseguem fa- com certeza, da próxima.
200
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA• 9 DE NOVEMBRO • 2004
Desafio ainda é
politizar o corpo que dança
Boas ideias e pouco aprofundamento marcam a 13ª edição
do festival Panorama com seu excesso de performances
R OBERTO PEREIRA
201
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
tado, mas antes como processo. Assim como que funciona quase como um bisturi afia-
se deve torcer para que esse processo, se se do que nos revela onde está a questão, per-
for lembrar de dança, leve suas questões de seguindo-a, perscrutando-a. O novo, todos
volta ao corpo, num outro momento. sabemos, pode estar também no lugar do
Como um festival é uma lupa que reve- tradicional, corrompendo-o pelas beiradas,
la o que se produz e como essa produção traz sutil e sabiamente.
consigo marcas de seu ambiente, identida- O Panorama RioArte de Dança, em seu
de e memória foram matéria-prima também 13º ano, mostra, sem medo, aquilo que aju-
de grande parte do que foi apresentado. Os dou a construir. Uma construção que não
olhos atentos de Nayse López e Eduardo tem um fim, mas funciona como índice de
Bonito, que assinam agora a curadoria do rotas, como estruturas de investigação, como
Panorama, organizaram para o público ca- mapas de ideias. Assim como na ciência,
rioca o que cabia nessa lupa tão temática. métodos que ajudam a revelar podem ser
Como tudo o que é aumentado, qualidades mais úteis do que aquilo que foi revelado.
e fragilidades ficaram evidentes: havia A cidade do Rio de Janeiro e sua dança
muitas ideias, mas muito pouco aprofunda- vêm construindo, a seu modo, esses méto-
mento. Ou seja, havia algumas boas ideias dos e isso muito se deve ao Panorama. E
que não pareciam ter surgido como neces- muito também se deve à sua idealizadora
sidade, ficando, desse modo, abafadas umas e diretora artística, Lia Rodrigues, que
pelas outras. numa determinação quase insuportável
Curiosamente, as três únicas obras de (como diria a coreógrafa Paula Nestorov),
todo o festival que levaram a cabo sua ques- persegue essa tarefa como parte de sua
tão, corajosamente, dignamente, sem fazer existência no mundo.
concessão alguma ao que impera como vi- Numa atitude míope, a Secretaria das
gente, foram aquelas que, talvez não por Culturas inacreditavelmente diminuiu em
coincidência, aconteceram no palco, na ve- 50% a verba destinada a esse festival. Que
lha estrutura que separa artista do público. bom que outros parceiros e apoiadores con-
Samba do crioulo doido,de Luiz de Abreu, tinuaram a entender e a reconhecer o que o
Elemento bruto e raio X, da Membros Com- Panorama promove. Formaram, assim, um
panhia de Dança, e Les morts pudiques,de corpo. Um corpo político, tal como aquele
Rachid Ouramdane têm em comum o em- da performance e da dança. E num festival
bate político no corpo que dança, desafio entendido como lupa que tudo aumenta, fica
nada fácil e que não se maquia de perfor- claro o que, nesse corpo, ainda padece de
mance para chegar ao ponto. Uma dança alguma doença.
202
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 22 DE NOVEMBRO • 2004
R OBERTO PEREIRA
203
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
eles uma relação triádica coesa, como se ela fos contemporâneos. Desta vez, valsas foram
já estivesse, potencialmente, desde sempre, escolhidas para compor com o figurino e
em outras obras de Márcia. Sua dança, des- com o lustre assinado por sua irmã, a artista
lumbrante, faz com que a cena se preencha plástica Beatriz Milhazes, um todo cuja ele-
com singularidades gestuais que dialogam gância também se dá a partir do que ali se
com os outros bailarinos. Isso pode ser visto, constrói como pensamento de dança.
sobretudo, no duo com Al Crisppinn, que im- A última cena, ao som de uma das
pressiona pelo que ali carrega de técnica e Valsas de esquina,de Francisco Migno-
de densidade dramática. ne, arremata (e arrebata) o que vem sendo
Nas criações de Márcia Milhazes, músi- destilado por todo o espetáculo.Depois des-
ca se transforma em trilha sonora, processo te momento,o que erarenda de artesão vira
nem sempre entendido por muitos coreógra- questão de sobrevivência do artista.
204
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
O GLOBO
RIO DE JANEIRO • SÁBADO• 27 DE NOVEMBRO • 2004
S ILVIA S OTER
205
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
movimentação incessante dos corpos. Em a cena. As sombras desenhadas pela ilumi-
Tempo de verão parece existir apenas uma nação de Glauce Milhazes mereceriam, no
mulher desdobrada nas duas. entanto, um contraponto solar. Terminada a
Al Crisppinn, a única presença masculi- peça, quando as luzes invadem o palco, per-
na na peça, serve como esteio para os cor- cebe-se que, infelizmente, a escultura de
pos das bailarinas.Ele é o pivot para a cir- Beatriz Milhazes não é bem aproveitada
cularidade da movimentação.Ele é a ânco- como fonte irradiadora do verão.
ra para que as duas não partam nos ares por No quase apagar das luzes da tempora-
seus movimentos centrífugos. da 2004 de dança, Tempo de verão é bem-
Sobre as cabeças dos três,um lustre-es- vindo. A peça brinda o público carioca com
cultura de Beatriz Milhazes,feito de brilhos, beleza e suavidade, frutos da competência
flores e rosáceas, compõe magnificamente e da tenacidade dessa coreógrafa carioca.
206
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 6 DE DEZEMBRO • 2004
R OBERTO PEREIRA
207
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
feito como a mãe Simone, mostrando que acertar os tons sutis que o balé requisita em
sua carreira dentro daquela companhia ba- sua tarefa de contar uma história.
lizou-o para esse grande desafio; e o segun- Talvez o maior mérito na remontagem
do foi Rodrigo Negri, bailarino que vem se de La fille mal gardée esteja no fato de que
destacando pela qualidade que imprime foi assinada pela excelência de conhecimen-
em sua dança, agora experimentando um tos de um brasileiro,Emilio Martins,um dos
outro modo de estar em cena, como o cari- únicos autorizados neste ofício para a ver-
cato Alain. são de Ashton. Curioso é que o Brasilassis-
O corpo de baile precisa de ajustes eviden- tiu a este balé, pela primeira vez, no mesmo
tes. As cenas de conjunto ainda precisam de teatro, em 1928, quando foi dançado pela
burilamento, e isso fica claro logo no início, na russa Anna Pavlova e sua companhia. Emi-
dança do galo e das galinhas. O cenário, além lio,em uma de suas remontagens pelo mun-
de carregado pelas fortes cores que mais lem- do, foi consagrado ao ser convidado pelo
bram ilustrações de livros infantis, o que lhe B allet Bolshoi há dois anos.Isso prova que,
confere um caráter pouco verossímil, deveria no fluxo da história, Rússia e Brasil, por
ser melhor construído para não parecer que exemplo, podem aprender sempre um com
pode desabar a qualquer momento, como acon- o outro.E prova também que,para nós,ter
tece especialmente no primeiro ato. A ilumi- um profissional desse quilate é motivo de
nação também merece maior atenção, para grande orgulho.
208
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
JORNAL DO BRASIL
RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 30 DE DEZEMBRO • 2004
Driblando obstáculos
Diante da ausência de políticas públicas para a área,
dança do Rio depende de festivais para aparecer
R OBERTO PEREIRA
A
dança carioca, neste ano de 2004, po- senvolvendo junto não apenas à dança mas
deria ser tomada como uma amostra às artes cênicas como um todo. Dirigido por
perfeita da situação da dança no Brasil hoje: Beatriz Radunsky e com consultoria de João
a sua rica pluralidade e a qualidade de seus Saldanha, o evento vem provocando atritos
artistas ainda se debatem com um de seus sempre instigantes ao promover encontros
maiores problemas, ou seja, a falta de uma inéditos entre coreógrafos e bailarinos.
política pública eficiente e que entenda as es- Neste ano, vale citar Basse danse, que re-
pecificidades da área. Tanto aqui no Rio de sultou da parceria entre o excelente baila-
Janeiro quanto no resto do País, a saída tem rino Marcellus Ferreira e o coreógrafo Pau-
sido criar estratégias de sobrevivência para lo Caldas, além do solo autoral de Denise
que se possa continuar a ousar fazer da dan- Stutz, DeCor, que emocionou o público ao
ça um ofício possível, como qualquer outro. visitar a memória física do percurso profissi-
Uma dessas estratégias, e talvez a mais onal desta intérprete/criadora.
eficaz ainda no momento, são os festivais de O segundo importante festival, que acon-
dança, que permitem a circulação de com- teceu logo no mês seguinte, foi o Dança Bra-
panhias, além de dar visibilidade aos nossos sil, único importante evento de dança desen-
artistas para programadores nacionais e in- volvido no Centro Cultural do Banco do
ternacionais. Nesse sentido, o Rio continua Brasil, e que conta com a preciosa curado-
sendo uma cidade privilegiada, pois possui ria de Leonel Brum e Silvia Soter. Propon-
três importantes festivais que, neste ano, pro- do, nesta sua oitava edição, a ideia de espa-
varam sua eficiência dentro desse parco ço como fio condutor, reuniu trabalhos de
ambiente de infraestrutura para dança. O vários estados brasileiros que apresentavam
primeiro deles a acontecer na agenda anual, diferentes abordagens sobre o tema. Se a
logo no mês de março, é o Solos de Dança no dupla mineira formada por Luciana Gonti-
SESC que, em sua quinta edição, comprovou jo e Margô Assis, em In situ, foi a que mais
a ação singular que o Espaço SESC vem de- se ateve ao uso do espaço como questão
209
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
estética, vale, entretanto, chamar a atenção estreias mais expressivas do que se produz
para Espaço de luz, trabalho assinado pela na área no Rio: Afirmações intencionais, de
veterana Carlota Portella, que revisitou com João Saldanha, Coreografismos, de Paulo
propriedade aquilo do qual é uma das mais Caldas, e Tempo de verão, de Márcia Milha-
sérias representantes no País, o jazz, numa zes. Em comum entre os três, observa-se uma
feliz fusão com a dança contemporânea. pesquisa acurada que constrói no corpo, co-
Fechando o ano, o Panorama RioArte reograficamente, a ideia que cada um des-
de Dança, festival criado pela coreógrafa ses importantes coreógrafos quer trabalhar.
Lia Rodrigues, foi um grande provocador de Outras estreias merecem também ser
discussões, ao colocar em ambientes comuns citadas, como Memória do corpo, de Renato
dança e performance. Suscitar novas ques- Vieira, Sensorial, de Steven Harper, Mais
tões, tanto nos artistas como no público, já simples, de Ana Vitória, além do novato
faz parte de sua tradição, e a questão da vez Carlos Laerte, com seu Caminhos. Já Dalal
foi como essas duas linguagens podem en- Achcar apresentou sua Companhia Jovem
contrar espaços comuns num corpo transfor- Elpaso de Dança em Superbacana, priman-
mado em mídia. Neste ano, revigorado pela do, como sempre, e sobretudo, pela qualida-
curadoria de Nayse López e Eduardo Boni- de técnica de seus bailarinos.
to, o Panorama apresentou trabalhos impor- A mesma qualidade de produção da dan-
tantes como O samba do crioulo doido, de ça contemporânea, entretanto, não pôde ser
Luiz de Abreu, e Les morts pudiques, de vista na área do balé clássico, representado
Rachid Ouramdane, além de diversas per- aqui pela única companhia brasileira dedi-
formances em locais pouco usuais, como o cada a esse estilo: o Balé do Theatro Muni-
antigo hospital da Beneficência Portugue- cipal. Contando com uma direção artística
sa, na Glória. O descaso da Secretaria das capenga, abriu seu ano com um programa
Culturas, junto com o Instituto RioArte, cor- reunindo obras de três coreógrafos (Uwe
tando pela metade o orçamento desse festi- Scholz, Glen Tetley e Roberto de Oliveira),
val, tornou-se, portanto, inexplicável, permi- intitulado Tríptico, que, além de absurda-
tindo que as parcerias conquistadas com ou- mente caro, nada acrescentou ao repertório
tras entidades, nacionais e internacionais, dessa companhia, devido à sua fragilidade
fossem as grandes promotoras desse even- estética, sobretudo nos trabalhos de Tetley
to histórico, que já está em sua 13ª edição. e Oliveira. Depois desse desastroso come-
A cidade ainda contou com outros fes- ço de ano, a companhia reapresentou mon-
tivais e mostras, como o Projeto Dança em tagens da temporada passada, como o óti-
Foco, que discute as imbricações entre as mo Onegin, de Cranko, além de um apressa-
linguagens de dança e vídeo, além de Cor- do Les sylphides, feito de última hora. O que
reios em Movimento e Dança em Trânsi- salvou o ano foi, sem dúvida, o balé La fille
to, dois festivais que buscam uma linha de mal gardée, com remontagem primorosa
curadoria mais precisa. assinada por Emílio Martins.
Ainda falando sobre dança contemporâ- Das poucas companhias estrangeiras
nea, três espetáculos, distribuídos ao logo do que visitaram a cidade, apenas duas foram
ano, formaram, sem dúvida, o conjunto de destaque: a de Merce Cunningham, que
210
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
apresentou dois marcos de sua histórica tra- um papel na cidade que não deveria ser
jetória, Biped, de 1999, e Sounddance, de apenas seu. Um dos lugares que poderiam
1975; e o Ballet du Grand Théâtre de exercer essa função, o Centro Coreográfi-
Genève, que apresentou para um teatro da co da Cidade do Rio de Janeiro, finalmen-
Uerj semivazio obras impecáveis como te inaugurado em agosto, na Tijuca, ainda
Selon désir, do grego Andonis Foniadakis. tateia uma linha de ação que possa conju-
Motivo de orgulho para nós, Bruno Cezá- minar arte e política com eficiência, e que
rio, um dos integrantes brasileiros da com- possa também reverberar para além dos
panhia, mostrou porque é um dos melho- limites do bairro em que foi implantado.
res bailarinos da atualidade. A dança carioca, no ano de 2004, deixou
Das ações políticas na cidade, vale ci- claro que muito ainda deve ser feito para
tar a importante contribuição do projeto que se forme um pensamento político vol-
Cahiers de la Danse, dirigido por Lia tado para a área, e que seja realmente efi-
Rodrigues e Silvia Soter, em parceria com caz não apenas na cidade do Rio de Janeiro,
o Serviço Cultural do Consulado-Geral da mas em todo o País. Apenas assim, a dança
França. Além de ter promovido encontros não fará mais uso de estratégias de sobre-
para discutir políticas para a dança, entre vivência, mas será, além de uma arte, uma
os meses de outubro e novembro, reunindo profissão tão digna e respeitada como as
movimentos como o Dança Niterói e o outras. Tomando a qualidade da dança ca-
Contágio Coletivo, foi sede de residências rioca como amostra, esse é, sem dúvida, um
coreográficas de artistas como Márcia desafio que a dança brasileira pode, em
Milhazes e Ana Vitória, cumprindo com breve, vencer.
211
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
212
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
Bibliografia
ALZER, Luiz André e CLAUDINO, Mariana. Al- NOVAES, Adauto. Anos 70 – Ainda sob a tempes-
manaque anos 80, Rio de Janeiro: Ediouro, 2004 tade, Rio de Janeiro: Aeroplano e Senac Rio, 2005
B A H I A NA, Ana Maria. Almanaque anos 70, Rio PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. Viva o rebolado!
de Janeiro: Ediouro, 2006 Vida e morte do teatro de
C A Y O U, Dolores Kirton. Modern Jazz Dance, San revista brasileiro, Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
Francisco: National Press Books,1971 1991
F O RT U NA TO ,Joanne.“A new perspective of Jazz PEREIRA, Roberto. A formação do balé bra-
D ance” In: Encores for Dance, W ashington: sileiro, Rio de Janeiro: FGV, 2003
AAHPER publication, 1978 SEGUIN, Eliane. Histoire de la danse jazz, Paris:
G Ü N T H E R , Helmut. Jazz Dance – Geschichte, Chiron, 2005
Theorie, Praxis, Berlin: Henschel V erlag,2005 SEVCENKO, Nicolau et alli. Anos 70: Trajetórias,
K O E G L E R , Horst. The concise Oxford Dictionary São Paulo: Iluminuras, 2006
of Ballet, Oxford: Oxford University Press,1987 STEARNS, Marshaal e STEARNS, Jean. Jazz
MAIOR, Marcelo Souto.Almanaque da TV Globo, Dance: The Story of American
Rio de Janeiro: Editora Globo, 2007 Vernacular Dance, Nova York: Shirmer Books, 1968
M A R X , Henry.Die Broadway Story,V iena: Econ, SUCENA, Eduardo. A dança teatral no Brasil, Rio
1986 de Janeiro: Minc/Fundacen, 1988
213
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
214
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009
215
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2 009
Este livro foi produzido
na cidade do Rio de Janeiro
pela Fundação Nacional de Artes – Funarte
e impresso na Imo’s Gráfica e Editora, Rio de Janeiro – RJ
no quarto trimestre de dois mil e nove
com fotolitos fornecidos pela Funarte
216
AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009