ENTREVISTAS
Toffoli foi criticado por setores do PT que defendiam a aplicação da Lei da Ficha Limpa
nas eleições de 2010 ao decidir que a lei altera, sim, o processo eleitoral. E, por isso,
deveria respeitar a carência de um ano prevista na Constituição Federal para passar a
valer. Amigos que compreendem bem seu papel e caráter saíram em sua defesa: "O Toffoli
agora é ministro, deixou de ser advogado do partido ou da União".
O ministro recebeu a revista Consultor Jurídico em seu gabinete no Supremo para uma
entrevista, cujo objetivo era o de compor seu perfil para o Anuário da Justiça, que será
lançado em março. Os principais trechos da conversa, onde Toffoli conta alguns episódios
de sua carreira e revela sua visão do Direito e de mundo, o leitor poderá conferir abaixo.
Para o ministro, o tribunal tirou uma lição do impasse que se deu no mais polêmico
julgamento do ano no Supremo, o da Lei da Ficha Limpa. Ele afirma que poderia haver o
mesmo empate com a composição completa se um ministro se considerasse impedido para
julgar a matéria: "Tal circunstância mostra a necessidade de o tribunal pensar soluções
mais seguras, fixar regras mais claras para situações de empate".
Toffoli não crê que o tribunal fique com a imagem arranhada por conta dos debates
acalorados cada vez mais frequentes entre os ministros. Costuma dizer que o Supremo
não é um clube de amigos e que isso é bom para a transparência e equilíbrio das
decisões. "Não que as pessoas não se deem bem, mas não é um clube de amigos. E é
bom que não seja, porque a ideia é que a manifestação do tribunal corresponda ao
somatório das visões e pré-compreensões de cada um de seus ministros. Em certa
medida, as ideias vencidas contribuem para legitimar a tese vencedora", afirma.
"Temos centenas de parlamentares que são donos de rádios e TVs. Muitos deles
participam da disputa municipal, na condição de candidatos ou de apoiadores dos
prefeitos em busca da reeleição. Uma coisa é a atuação no plano federal, com todos os
mecanismos de controle, outra coisa é o eventual abuso restrito à pequena cidade ou na
média cidade, onde há um poder maior de influência dos meios de comunicação, cujos
titulares são os próprios políticos. Quem nasceu e conviveu no interior conhece bem o
potencial de utilização dos serviços de radiodifusão em benefício ou em prejuízo de
determinada candidatura", afirma o ministro nascido em Marília, no interior de São Paulo.
Na conversa com a ConJur, Toffoli fez uma análise sob a perspectiva histórica de
algumas das principais e mais recentes decisões do STF e falou das mudanças de
entendimento no Judiciário: "A jurisprudência não pode ser estática, mas também não
pode ser traiçoeira. Numa caricatura da divisão dos poderes, o Executivo cuida do
presente, o Legislativo do futuro e o Judiciário do passado. Judiciário que quer cuidar do
futuro ou do presente acaba tornando o passado instável".
Leia a entrevista:
ConJur — O julgamento da Lei da Ficha Limpa foi, senão o mais importante, o mais
polêmico do Supremo em 2010, principalmente em razão do impasse em torno da
aplicação imediata da lei. O que é possível fazer para evitar isso?
Dias Toffoli — Não há dúvidas de que esse julgamento foi um momento de grande
expectativa da sociedade em relação ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal,
principalmente porque estávamos em ano de eleições. E foi marcante pelo inusitado da
situação, porque acabou se configurando um empate de cinco a cinco. Isso pode
acontecer, como de fato ocorreu, diante da ausência de um ministro. Mas poderia se dar
também com a composição completa, se um ministro se considerasse impedido para julgar
a matéria. Tal circunstância mostra a necessidade de o tribunal pensar soluções mais
seguras, fixar regras mais claras para situações de empate.
ConJur — Uma reunião prévia, informal, não poderia ter evitado essa situação?
Toffoli — Existe a tradição de não se fazer reuniões prévias. Isso traz vantagens e
desvantagens. A vantagem é que torna o julgamento mais transparente. Cada um leva o
seu voto sem saber como votará o colega. É da tradição desta Suprema Corte. Por outro
lado, isso gera situações como a que vimos: diante de um empate, a definição do modo
como se decidirá a matéria é feita ao vivo, em cores, transmitida pela televisão. Esse
aspecto é bom por revelar que, no Supremo, nada é combinado. A decisão é de cada um.
E o colegiado fala em nome de todos.
ConJur — O senhor considera que a ação criminal, por si só, já é uma pena?
Toffoli — Eu vou dar-lhe um exemplo. Eu era recém-formado e um médico formado pela
USP, com 55 anos de idade, qualificado técnica e intelectualmente, recebeu uma citação
por conta de uma dívida não quitada. O valor era pequeno e ele havia se esquecido de
pagar. Bastava quitar a dívida e acabava o litígio. Ele me procurou indignado porque o ato
judicial se referia a ele como réu. Ele repetia: “Como réu? Não cometi nenhum crime e vou
pagar a dívida, como ele me chama de réu? O credor não me ligou, não recebi cobrança e
agora virei réu? Não sou criminoso!”. O mais difícil foi explicar-lhe que não se lhe imputava
crime algum. Mas, o termo réu, naquela citação, já lhe colocava em situação difícil, ao
menos em sua visão do caso. Veja, estamos falando de uma pessoa esclarecida. O
exemplo mostra como, para o senso comum, o fato de alguém ser réu já lhe impõe uma
mácula. É dentro desse contexto que o juiz precisa analisar o recebimento de uma
denúncia. Não é à toa que a lei processual penal passou a exigir recentemente que, antes
do recebimento da denúncia pelo juiz, o acusado seja intimado para se defender. Por que
se passou a exigir isso? Exatamente pelo sentido de desvalor que vem acompanhado do
ato de recebimento da denúncia.
ConJur — É por isso que muitas denúncias no STF são consideradas ineptas?
Toffoli — Chegam ao Supremo muitas denúncias de natureza objetiva. Por exemplo, um
prefeito assina determinado convênio, há um desvio e ele é denunciado apenas por ter
assinado o convênio. Se há um desvio na execução do convênio, é necessário verificar
quais foram os sujeitos responsáveis por aquele desvio. O fato de alguém ser imputado
apenas pela ocupação de um cargo é um exemplo típico da famigerada responsabilidade
objetiva, utilizada geralmente por regimes de força. Há uma teoria do Direito Penal que é
a do domínio do fato. “Ah, o cidadão tinha o domínio do fato”. O Código Penal brasileiro
adotou a necessidade de individualização das condutas. Por isso, eu considero não ser a
teoria do domínio do fato adequada ao sistema penal e processual penal brasileiro.
Preocupa-me a ideia da responsabilidade objetiva no Direito Penal.