1. Ética e História
2. Ética Grega
Os problemas éticos são objeto de uma atenção especial na filosofia grega exatamente
quando se democratiza a vida política da antiga Grécia e particularmente de Atenas. Ao
naturalismo dos filósofos do primeiro período (os pré-socráticos), sucede uma preocupação
com os problemas do homem, e, sobretudo, com os problemas políticos e morais. As novas
condições que se apresentam no século V (a. n. e.) em muitas cidades gregas — e
especialmente em Atenas — com o triunfo da democracia escravista sobre o domínio da velha
aristocracia com a democratização da vida política, com a criação de novas instituições eletivas
e com o desenvolvimento de uma intensa vida pública, deram origem à filosofia política e
moral. As idéias de Sócrates, Platão e Aristóteles neste campo estão relacionadas com a
existência de uma unidade democrática limitada e local (o Estado-cidade ou polis), ao passo
que a filosofia dos estóicos e dos epicuristas surge quando este tipo de organização social já
caducou e a relação entre o indivíduo e a comunidade se apresenta em outros termos.
I. – Os Sofistas
Constituem um movimento intelectual na Grécia do século V (a.n.e.). O vocábulo “sofista”
— que desde Platão e Aristóteles toma um sentido pejorativo — originariamente significa
mestre ou sábio, como o mostra sua semelhança com a palavra grega sofia (sabedoria). O
sofista reage contra o saber a respeito o mundo porque o considera estéril e se sente atraído
especialmente por um saber a respeito do homem, particularmente político e jurídico. Mas não
ambiciona um conhecimento gratuito e especulativo, mas prático, tendente a influir na vida
pública. Por esta razão, os sofistas se transformam em mestres que ensinam principalmente a
arte de convencer, ou retórica. Numa sociedade em que o cidadão intervém ativamente e é
muito importante ter êxito na vida política, a arte de expor, argumentar ou discutir ensinada
pelos sofistas — cobrando por isto, com grande escândalo dos seus concidadãos — não deixa
de ter uma aceitação excepcional, até o ponto de convertê-los numa verdadeira força social.
Mas esta arte de persuadir é desenvolvida e transmitida pondo em dúvida não só a tradição,
mas a existência de verdades e normas universalmente válidas. Não existe nem verdade nem
erro, e as normas — por serem humanas — são transitórias. Protágoras cai assim no
relativismo ou subjetivismo (tudo é relativo ao sujeito, ao “homem, medida de todas as coisas”),
e Górgias sustenta que é impossível saber o que existe realmente e o que não existe.
II. — Sócrates.
Nasce em Atenas em 470 (a.C.); adversário da democracia ateniense e mestre de
Platão; acusado de corromper a juventude e de impiedades é condenado a beber a cicuta e
morre em 399. Compartilha o desprezo dos sofistas pelo conhecimento da natureza, bem como
sua crítica da tradição, mas rejeita o seu relativismo e o seu subjetivismo.
Para Sócrates, o saber fundamental é o saber a respeito do homem (daí a sua máxima:
“conhece-te a ti mesmo”) que se caracteriza por sua vez, por três elementos: 1) é um
conhecimento universalmente válido, contra o que sustentam os sofistas; 2) é, antes de tudo,
conhecimento moral; e 3) é um conhecimento prático (conhecer para agir retamente).
Portanto, a ética socrática é racionalista. Nela encontramos: a)uma concepção do bem
(como felicidade da alma) e do bom (como o útil para a felicidade); b) a tese da
virtude (areté) — capacidade radical e última do homem — como conhecimento, e do vício
como ignorância (quem age mal é porque ignora o bem; por conseguinte, ninguém faz o mal
voluntariamente), e c) a tese, de origem sofista, segundo a qual a virtude pode ser transmitida
ou ensinada.
Resumindo: para Sócrates, bondade, conhecimento e felicidade se entrelaçam
estreitamente. O homem age retamente quando conhece o bem e, conhecendo-o, não pode
deixar de praticá-lo; por outro lado, aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por
conseguinte, é feliz.
III. - Platão.
Nasce em Atenas em 427 e morre em 347 (a.C.). Discípulo de Sócrates e, como este,
inimigo da democracia ateniense. A condenação e a execução do seu mestre induzem-no a
renunciar à política efetiva. A ética de Platão se relaciona intimamente com a sua filosofia
política, porque para ele — como para Aristóteles — a polis é o terreno próprio da vida moral.
A ética de Platão de depende intimamente, como a sua política: a) da sua concepção
metafísica (dualismo do mundo sensível e do mundo das idéias permanentes, eternas,
perfeitas e imutáveis que constituem a verdadeira realidade e têm como cume a Idéia do Bem,
divindade, artífice ou demiurgo do mundo); b) da sua doutrina da alma (princípio que anima ou
move o homem e consta de três partes: razão, vontade ou ânimo, e apetite; a razão que
contempla e quer racionalmente é a parte superior, e o apetite, relacionado com as
necessidades corporais, é a inferior.
Pela razão, como faculdade superior e característica do homem, a alma se eleva —
mediante a contemplação – ao mundo das idéias. Seu fim último é purificar ou libertar-se da
matéria para contemplar o que realmente é e sobretudo a Idéia do Bem. Para alcançar esta
purificação, é preciso praticar várias virtudes, que correspondem a cada uma das partes da
alma e consistem no seu funcionamento perfeito: a virtude da razão é a prudência; a da
vontade ou ânimo, a fortaleza; e a do apetite, a temperança. Estas virtudes guiam ou refreiam
uma parte da alma. A harmonia entre as diversas partes constitui a quarta virtude, ou justiça.
Como o indivíduo por si só não pode aproximar-se da perfeição, torna-se necessário o
Estado ou Comunidade política. O homem é bom enquanto bom cidadão. A Idéia do homem se
realiza somente na comunidade. A ética desemboca necessariamente na política.
Em A República, Platão constrói um Estado ideal à semelhança da alma. A cada arte
desta, corresponde uma classe especial que deve ser guiada pela respectiva virtude: à razão a
classe dos governantes — filósofos, guiados pela prudência -; ao ânimo ou vontade, a classe
dos guerreiros, defensores do Estado, guiados pela fortaleza; e ao apetite, os artesãos e os
comerciantes, encarregados dos trabalhos materiais e utilitários, guiados pela temperança.
Cada classe social deve consagrar-se à sua tarefa especial e abster-se de realizar outras. De
modo análogo ao que sucede na alma, compete à justiça social estabelecer na cidade a
harmonia indispensável entre as várias classes. E, com o fim de garantir esta harmonia social,
Platão propõe a abolição da propriedade privada para as duas classes superiores (governantes
e guerreiros).
Na ética platônica transparece o desprezo, característico da Antiguidade, pelo trabalho
físico e, por isto, os artesãos ocupam o degrau social inferior e se exaltam as classes
dedicadas às atividades superiores (a contemplação, a política e a guerra). Por outra parte, de
acordo com as idéias dominantes e com a realidade política e social daquele tempo, não há
lugar algum no Estado ideal para os escravos, porque desprovidos de virtudes morais e de
direitos cívicos. Com estas limitações de classe, encontramos na ética de Platão a estreita
unidade da moral e da política, dado que, para ele, o homem se forma espiritualmente somente
no Estado e mediante a subordinação do indivíduo à comunidade.
IV. — Aristóteles
V. — Estóicos e Epicuristas
I. — A Ética Religiosa.
O cristianismo não é uma filosofia, mas uma religião (isto é, antes de tudo, uma fé e um
dogma). Apesar disto, faz-se filosofia na Idade Média para esclarecer e justificar, lançando mão
da razão, o domínio das verdades reveladas ou para abordar questões que derivam das (ou
surgem em relação com as) questões teológicas. Por isto, dizia-se naquele tempo que a
filosofia é serva da teologia. Subordinando-se a filosofia à teologia, também se subordina a
ética. Assim, no âmbito da filosofia cristã da Idade Média, verifica-se também uma ética
limitada pela sua índole religiosa e dogmática. Nesta elaboração conceitual dos problemas
filosóficos em geral, e morais em particular, aproveita-se a herança da Antiguidade e
particularmente de Platão e de Aristóteles, submetendo-os respectivamente a um processo de
cristianização. Este processo transparece especialmente na ética de Santo Agostinho (354-
430) e de Santo Tomás de Aquino (1226-1274).
A purificação da alma, em Platão, e a sua ascensão libertadora até elevar-se à
contemplação das idéias, transforma-se em Santo Agostinho na elevação ascética até Deus,
que culmina no êxtase místico ou felicidade, que não pode ser alcançada neste mundo.
Contudo, Santo Agostinho se afasta do pensamento grego antigo ao sublinhar o valor da
experiência pessoal, da interioridade, da vontade e do amor. A ética agostiniana se contrapõe,
assim, ao racionalismo ético dos gregos.
A ética tomista coincide nos seus traços gerais com a de Aristóteles, sem esquecer
porém que se trata de cristianizar a sua moral como, em geral, a sua filosofia. Deus, para Santo
Tomás, é o bem objetivo ou fim supremo, cuja posse causa gozo ou felicidade, que é um bem
subjetivo (nisto se afasta de Aristóteles, para quem a felicidade é o fim último). Mas, como em
Aristóteles, a contemplação, o conhecimento (como visão de Deus) é o meio mais adequado
para alcançar o fim último. Por este acento intelectualista, aproxima-se de Aristóteles.
Na sua doutrina político-social, atém-se à tese do homem como ser social ou político, e,
ao referir-se às diversas formas de governo, inclina-se para uma monarquia moderada, ainda
que considere que todo o poder derive de Deus e o poder supremo caiba à Igreja.
4. - A Ética Moderna
Entendemos por moderna a ética dominante desde o século XVI até os começos do
século XIX. Embora não seja fácil reduzir as múltiplas e variadas doutrinas éticas deste período
a um denominador comum, podemos destacar a sua tendência antropocêntrica — em contraste
com a ética teocêntrica e teológica da Idade Média — que atinge o seu ponto culminante na
ética de Kant.
A ética moderna se cultiva na nova sociedade que sucede à sociedade feudal da Idade
Média e se caracteriza por uma série de mudanças em todas as ordens. Na econômica,
incrementam-se consideravelmente as forças produtivas em relação com o desenvolvimento
científico que se concretiza na constituição da ciência moderna (Galileu e Newton) e se
desenvolvem as relações capitalistas de produção; na ordem social, se fortalece uma nova
classe social — a burguesia — que se preocupa com estender o seu poder econômico e luta
para impor a sua hegemonia política através de uma série de revoluções (na Holanda,
Inglaterra e França); no plano estatal, desaparece a fragmentação da sociedade feudal — com
a sua multidão de pequenos Estados — e se criam os grandes Estados modernos, únicos e
centralizados. É preciso assinalar, contudo, que esta transformação social não possui um
caráter uniforme e que com ela coexiste o atraso político e econômico de outros países (como
Alemanha e Itália), que somente no século XIX conseguem realizar a sua unidade nacional.
Na ordem espiritual, a religião deixa de ser a forma ideológica dominante e a Igreja
Católica perde a sua função de guia. Verificam-se os movimentos de reforma que destroem a
unidade cristã medieval. Na nova sociedade consolida-se um processo de separação daquilo
que a Idade Média unira: a) a razão separa-se da fé (e a filosofia, da teologia); b) a natureza,
de Deus (e as ciências naturais, dos pressupostos teológicos); c) o Estado, da Igreja; e d) o
homem, de Deus.
O homem adquire um valor pessoal, não só como ser espiritual, mas também como ser
corpóreo, sensível, e não só como ser dotado de razão, mas também de vontade. Sua natureza
não somente se revela na contemplação, mas também na ação. O homem afirma o seu valor
em todos os campos: na ciência (pondo-a a serviço de suas necessidades humanas); na
natureza (considerando-a como objeto de transformação ou produção humana); na arte
(representando tudo — inclusive as virgens — com olhos humanos).
O homem aparece, portanto, no centro da política, da ciência, da arte e também da
moral. Ao se transferir o centro de Deus para o homem, este acabará por apresentar-se como o
absoluto, ou como o criador ou legislador em diferentes domínios, incluindo nestes a moral.
Em Descartes (século XVII) já se esboça claramente a tendência a basear a filosofia no
homem, embora este ainda se conceba como um abstrato eu pensante; nos iluministas e
materialistas franceses do século XVIII, a filosofia está a serviço da tarefa de destruir os pilares
ideológicos de um mundo já caduco (o Antigo Regime, ou ordem feudal-absolutista) e de
formar — mediante a ilustração — um novo homem em harmonia com a sua natureza racional
(a filosofia — segundo estes pensadores que preparam ideologicamente a Revolução Francesa
— deve orientar a reforma do homem); em Kant, o homem como consciência cognoscente ou
moral é, antes de tudo, um ser ativo, criador e legislador, tanto no plano do conhecimento
quanto no da moral.
Vemos, portanto, que no mundo moderno tudo contribui para que a ética, libertada de
seus pressupostos teológicos, seja antropocêntrica, isto é, tenha o seu centro e fundamento no
homem, embora este ainda se conceba de uma maneira abstrata, dotado de uma natureza
universal e imutável. A ética de Kant é a mais perfeita expressão da ética moderna, razão pela
qual nos referimos de preferência a ela, mesmo que sucintamente, visando a situá-la — pela
mudança decisiva que representa —dentro da evolução do pensamento ético que culminará na
nossa época.
Kant (1724-1804), do seu solitário retiro de Koenigsberg, foi contemporâneo dos grandes
acontecimentos que estremeceram a França e que deviam culminar na Revolução de 1789.
Suas obras éticas fundamentais apareceram nos anos imediatamente anteriores a esta
revolução: Fundamentação da metafísica dos costumes, em 1785, e Critica
da razão prática, em 1788.
Como outros grandes pensadores alemães do seu tempo — Goethe, Fichte e Hegel
— Kant acompanha com admiração a revolução que se realiza do outro lado do Reno e como
os seus coetâneos, anseia também por uma mudança revolucionária, mas, dadas as condições
peculiares da realidade social alemã, esta mudança se operará somente no campo do
pensamento. E, de fato, Kant tem consciência de que revolucionou a filosofia e, por analogia
com a revolução que Copérnico operou ao demonstrar que a terra gira ao redor do sol e não ao
contrário, afirma que realizou uma revolução copernicana ao inverter a ordem que se admitia
tradicionalmente nas relações sujeito-objeto. No terreno do conhecimento — não é o sujeito
que gira ao redor do objeto, mas ao contrário. O que o sujeito conhece é o produto de sua
consciência. E a mesma coisa se verifica na moral: o sujeito — a consciência moral —dá a si
mesmo a sua própria lei. O homem como sujeito cognoscente ou moral é ativo, criador e está
no centro tanto do conhecimento quanto da moral.
Kant toma como ponto de partida da sua ética o factum (o fato) da moralidade. É o fato
indiscutível, certamente, que o homem se sente responsável pelos seus atos e tem
consciência do seu dever. Mas esta consciência obriga a supor que o homem é livre. Pois bem,
dado que o homem como sujeito empírico é determinado casualmente e a razão teórica nos diz
que não pode ser livre, é preciso admitir então, como um postulado da razão prática, a
existência de um mundo da liberdade ao qual pertence o homem como ser moral.
O problema da moralidade exige que se proponha a questão do fundamento da bondade
dos atos, ou em que consiste o bom. Já conhecemos a resposta de Kant: o único bom em si
mesmo, sem restrição, é uma boa vontade. A bondade de uma ação não se deve procurar em
si mesma, mas na vontade com que se fez. Mas quando é que uma vontade é boa, ou como
uma boa vontade age ou quer? É boa a vontade que age por puro respeito ao dever, sem
razões outras a não ser o cumprimento do dever ou a sujeição à lei moral. O mandamento ou
dever que deve ser cumprido é incondicionado e absotuto; ou seja, o que a boa vontade ordena
é universal por sua forma e tem um conteúdo concreto: refere-se a todos os homens em todo o
tempo e em todas as circunstâncias e condições. Kant chama de imperativo categórico esse
mandamento, formulando-o assim: “Age de maneira que possas querer que o motivo que te
levou a agir se torne uma lei universal”.
Se o homem age por puro respeito ao dever e não obedece à outra lei a não ser a que
lhe dita a sua consciência moral, é — como ser racional puro ou pessoa moral — legislador de
si mesmo. Por isto, tomar o homem como meio parece a Kant profundamente imoral, porque
todos os homens são fins em si mesmos e, como tais — isto é, como pessoas morais
—, formam parte do mundo da liberdade ou do reino dos fins.
5. A Ética Contemporânea
I. — De Kierkegaard ao Existencialismo
lI. — O Pragmatismo
IV. — O Marxismo
O marxismo como doutrina ética oferece uma explicação e uma crítica das morais do
passado, ao mesmo tempo em que põe em evidência as bases teóricas e práticas de uma nova
moral. Os fundamentos da teoria marxista da moral se encontram nas tentativas de Marx de
recuperar também o homem concreto que se tinha transformado numa série de abstrações: em
Hegel (como predicado da Idéia), em Stirner (como eu absoluto ou o único) e em Feuerbach
(como homem em geral).
Segundo Marx o homem real é, em unidade indissolúvel, um ser espiritual e sensível,
natural e propriamente humano, teórico e prático, objetivo e subjetivo. O homem é, antes de
tudo, práxis: isto é, define-se como um ser produtor, transformador, criador; mediante o seu
trabalho, transforma a natureza externa, nela se plasma e, ao mesmo tempo, cria um mundo à
sua medida, isto é, à medida de sua natureza humana. Esta objetivação do homem no mundo
externo, pela qual produz um mundo de objetos úteis, corresponde à sua natureza de ser
produtor, criador, que também se manifesta na arte e em outras atividades.
Ademais, o homem é um ser social. Só ele produz, produzindo ao mesmo tempo
determinadas relações sociais (relações de produção) sobre as quais se elevam as demais
relações humanas, sem excluir as que constituem a superestrutura ideológica da qual faz parte
a moral.
O homem é também um ser histórico. As várias relações que contrai numa determinada
época constituem uma unidade ou formação econômico-social que muda historicamente sob o
impulso de suas contradições internas e, particularmente, quando chega ao seu
amadurecimento a contradição entre o desenvolvimento das forças produtoras e das relações
de produção. Mudando a base econômica, muda também a superestrutura ideológica e,
evidentemente, a moral.
A história do homem — como história da produção material e da produção espiritual nas
quais o homem produz a si mesmo — apresenta-se como um processo objetivo e inevitável,
mas não fatal. São os homens que fazem a sua própria história, seja qual for o grau de
consciência com o qual a realizam e de sua participação consciente nela. Mas, em cada época
histórica, o agente principal da mudança é a classe ou as classes cujos interesses coincidem
com a marcha ascendente do movimento histórico. Destas premissas, deduzem-se as
seguintes teses fundamentais para a ética:
1ª. - A moral, como toda forma de superestrutura ideológica, cumpre uma função social;
no caso específico a de sancionar as relações e condições de existência de acordo com os
interesses da classe dominante. Nas sociedades divididas em classes antagônicas, por
conseguinte, a moral tem um caráter de classe.
2ª. - Até hoje existiram diferentes morais de classe, e inclusive numa mesma sociedade
podem coexistir várias morais, já que a cada classe corresponde uma moral particular. Por isto,
enquanto não se verifiquem as condições reais de uma moral universal, válida para toda a
sociedade, não pode existir um sistema moral válido para todos os tempos e para todas as
sociedades. As tentativas de construir semelhante sistema no passado, ou de apresentar-se
com tal universalidade, visavam a expressar sob uma forma universal interesses particulares.
3ª. - A moral de cada sociedade, ou de cada classe, tem um caráter relativo, mas na
medida em que nela ocorrem, junto com os seus elementos caducos, elementos vivos, as
morais particulares se integram num processo de conquista de uma moral verdadeiramente
humana e universal. A moral proletária é a moral de uma classe que está destinada
historicamente a abolir a si mesma como classe, para ceder lugar a uma sociedade
verdadeiramente humana; por isto, prepara também a passagem a uma moral universalmente
humana.
4ª. - A história está sujeita a uma necessidade objetiva, e as morais surgem nesse
processo histórico necessário, o qual determina, por sua vez, a aparição delas. Os homens
necessitam como necessitam da produção; a necessidade da moral se explica pela função
social que ela cumpre, de acordo com a estrutura social existente.
5ª. - Uma nova moral — que deixe de ser a expressão das relações sociais alienadas –
torna-se necessária para regular as relações dos indivíduos, tanto em vista da transformação
da velha sociedade, como em vista de garantir a unidade e a harmonia entre os membros da
nova sociedade socialista. Dado que a transformação da antiga ordem social como a
construção e a conservação da nova exigem a participação consciente dos homens, a moral —
com as suas novas virtudes — se transforma numa necessidade.
6ª. - A necessidade da moral na transformação radical da sociedade não significa cair
num moralismo - característico do socialismo utópico – que deseja esta transformação
mediante uma via moral, apelando para princípios de justiça ou para sentimentos morais. Mas
isso tampouco quer dizer que se desdenhem - Marx não os desdenhou — os apelos morais. De
fato, uma vez que se toma consciência de que o homem é o ser supremo para o homem, e de
que este está humilhado e abandonado, a transformação das relações sociais, que o retêm
neste estado, converte-se para ele — como diz Marx — num imperativo categórico. Tal
imperativo, certamente, não teria sentido se essa transformação ou restauração da dignidade
humana fosse um processo automático e fatal. Portanto, a possibilidade de que a história tome
outro rumo, se o homem não atua conscientemente como seu sujeito, coloca-lhe um problema
moral.
7ª. - O homem deve intervir na transformação da sociedade porque, sem ã sua
intervenção prática e consciente, pode verificar-se uma possibilidade que Marx entreviu — e
que o uso destruidor da energia atômica torna hoje dramaticamente atual — ou seja, a
possibilidade de um retorno à barbárie, ou de que o homem não possa subsistir como tal. Mas,
por outro lado, toda tentativa de reduzir essa participação ao cumprimento de um imperativo
moral ou de um ideal à margem das condições e possibilidades reais somente transformaria a
moral naquilo que Marx, de certa feita, chamou de “a impotência em ação”.