Disciplina
Processo de Conhecimento
Aula 1
LEITURA OBRIGATÓRIA 2
Petrônio Calmon
Doutor em Direito Processual pela USP
Secretário-Geral do Instituto Brasileiro de Direito Processual
Procurador de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal
Membro do Instituto Ibero-americano de Direito Processual
Membro da Associação Internacional de Direito Processual
ABUSO DO PROCESSO
1
Cf. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Abuso de direito processual no ordenamento jurídico brasileiro, in
Abuso dos Direitos Processuais, coordenado por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA. Rio de Janeiro: Forense-
Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, 2000.
2
Cf. BRUNELA VIEIRA DE VINCENZI, A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 22.
3
Cf. NELSON NERY JÚNIOR e ROSA NERY. Código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2003, p. 222
2
poder-se-ia pensar em incluir no estudo do abuso processual, as medidas subrogatórias (ou
pelo menos as sancionatórias) previstas para o descumprimento das medidas judiciais que
determinam o cumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa. Afinal, o
disposto no inciso V e no parágrafo único do art. 14 guarda enorme similitude com o disposto
no § 5o do art. 461 do CPC. Apesar desta consideração, não se chegou a tamanha abrangência
neste trabalho.
Condutas positivas:
Com forte apelo pedagógico, antes de dispor sobre as principais condutas
processuais abusivas, o Código de Processo Civil brasileiro estabelece condutas positivas pelas
quais devem se pautar todos os litigantes e aqueles que de qualquer forma participam do
processo (CPC, art. 14), a saber:
• expor os fatos em juízo conforme a verdade
• proceder com lealdade e boa-fé
• não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de
fundamento
• não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou
defesa do direito
• cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à
efetivação de provimentos judiciais de natureza antecipatória ou final.
Condutas negativas:
Não obstante essa nobre estratégia, como norma jurídica que é, o Código de
Processo Civil estabelece as condutas inadmissíveis que visa a coibir.
As condutas processuais abusivas previstas na legislação processual civil brasileira
podem ser classificadas em três grupos. O primeiro é o das condutas típicas caracterizadoras
da má-fé, previstas inicialmente no art. 17 do CPC e em diversos outros dispositivos, puníveis,
em regra, com multa e indenização. O segundo grupo contém as condutas que atentam contra
o exercício da jurisdição, costumeiramente chamadas de comtempt of court (art. 14, inciso
V). O terceiro grupo contém as diversas condutas para as quais estão previstas sanções de
natureza processual.
4
A sanção para o ato abusivo pode ser, também, a decretação de sua própria
nulidade, podendo até ser proposta ação rescisória para desconstituir sentença que tenha sido
prolatada sem que a nulidade tenha sido, antes, decretada.
Para os atos atentatórios à dignidade da justiça ou, em melhor expressão, atos
atentatórios ao exercício da jurisdição, discute-se a possibilidade de ser decretada a prisão
como conseqüência do descumprimento de ordem judicial ou de ato que embarace a
efetivação de provimentos judiciais de natureza antecipatória ou final. Conforme já se
salientou, o disposto no inciso IV do art. 14 do CPC em muito se assemelha com o previsto
para o cumprimento das decisões que condenam a obrigação de fazer, não fazer ou entrega
de coisa, conforme disciplina dos arts. 461 e 461-A do CPC. Como medidas subrogatórias ou
sancionatórias, o § 5o do art. 461, aplicável ao art. 461-A, estabelece a possibilidade de
aplicação de multa, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
Ocorre que no Brasil é previsto o crime de desobediência, previsto no art. 330 do
Código Penal – “desobedecer a ordem legal de funcionário público: pena – detenção, de
quinze dias a seis meses, e multa.” Há, pois, a permanente ameaça da aplicação das penas
previstas para esse crime, o que, evidentemente, há que ser feito na sede própria do
processo penal. Adianta-se, no entanto, que com o advento da Lei dos Juizados Especiais (Lei
nº 9.099, de 1995), o crime de desobediência passou a ser considerado de menor potencial
ofensivo, para os quais há vedação expressa da prisão em flagrante, retirando o caráter
coercitivo prático de valer-se deste tipo de ameaça para evitar-se o descumprimento de
ordem judicial.
Discute-se a aplicação da prisão cível para os casos de descumprimento de ordem
judicial. Para uns a Constituição Federal veda essa possibilidade. Para outros, a Constituição
somente veda a prisão civil por dívidas, mas não outras espécies de prisão civil. De qualquer
forma, esta discussão é de lege ferenda, pois ninguém pode ser privado de sua liberdade sem
expressa previsão legal, ainda que a prisão tenha natureza não-penal.
Há, ainda, no Código Penal, o crime de fraude processual, previsto no art. 347 –
“inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de
lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: pena – detenção
de três meses a dois anos, e multa”.
Considerando a classificação das condutas abusivas supra apresentada, são as
seguintes as sanções previstas e seus destinatários:
5
do valor da multa. Não o fazendo no prazo, o recurso pretendido restará deserto, não
devendo ser conhecido.
Em relação à interposição de agravo de instrumento para dar seguimento aos
recursos excepcionais, caso manifestamente inadmissível ou infundado, a multa mantém-se
entre 1 e 10% do valor corrigido da causa.
5
ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, Abuso do direito de demandar, in Revista de Processo, São Paulo: Revista dos
Tribunais, nº 19, 1980, jul.-set.
6
Cf. RUI STOCO, que conclui sua obra Abuso no processo e má-fé processual (São Paulo, RT, p.150)
afirmando: “Na má-fé processual a imputação é subjetiva, na esteira da teoria do abuso do direito, da
qual decorre e onde ncontra fundamento e sustentação.”
7
simplesmente pratica um ato, mas somente aquele que o pratica agindo com disposição, se
não para causar dano ou desacato, mas pelo menos com consciência de que irá atingir
objetivo vedado pelo ordenamento, como, por exemplo, defender-se sem fundamento, não
dizer a verdade sobre os fatos, não revelar onde se encontram bens sujeitos à execução ou
recorrer somente para protelar o desfecho do processo. Esses são exemplos de condutas que,
ao cometê-las, obviamente o litigante está ciente de estar abusando, ou seja, esta agindo
com dolo ou culpa.
Em relação à interposição de agravo de instrumento para dar visando seguimento
aos recursos excepcionais, evidentemente a lei não está pretendendo punir quem
simplesmente recorre sem razão, o que significaria o reconhecimento de responsabilidade
objetiva, mas deseja punir quem recorre com intuito meramente protelatório. Ocorre que a
aferição da índole protelatória somente é possível quando, antes, verifica-se a
inadmissibilidade patente ou a manifesta ausência de fundamento para o recurso. A sanção,
no entanto, somente deverá ser aplicada quando reconhecido o intuito meramente
protelatório.