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COMUNICAÇÃO

E
SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
POR

JACOB (J.) LUMIER


Websitio Produção Leituras do Século XX – PLSV:
Literatura Digital
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Rio de Janeiro, Janeiro de 2011


Comunicação e Sociologia do Conhecimento © 2011 Jacob (J.) Lumier
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COMUNICAÇÃO E
SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
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JACOB (J.) LUMIER


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Ficha para Catálogo

Lumier, Jacob (J.) [1948]

"Comunicação e Sociologia do Conhecimento"


Ensaio de Análise e Interpretação
Versão E-book pdf 59 págs, Janeiro de 2011
Notas, bibliografia e
Índice analítico eletrônico (sumário)

Publicação do Websitio Leituras do Século XX


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1. Sociologia 2. Comunicação social.

I. Título.

ISBN

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Comunicação e Sociologia do Conhecimento


Jacob (J.) Lumier

Apresentação

Neste pequeno volume exponho comentários resumidos


sobre alguns problemas de sociologia diferencial 1.
Meu propósito foi provocar o interesse intelectual e a
reflexão sobre certos aspectos realistas, em especial as
correlações entre o conhecimento e os quadros sociais.
Para o sociólogo não há comunicação fora do psiquismo
coletivo.

Janeiro de 2011

Jacob (J.) Lumier

1
Ao invés de acentuar as regularidades tendenciais do desenvolvimento, a so-
ciologia diferencial põe em relevo a variabilidade e a mudança no interior das es-
truturas (os níveis múltiplos da realidade social), com foco nas manifestações de
sociabilidade (os Nós, as relações com outrem), explorando desta forma o alcance
da microssociologia para a explicação dos fatos sociais.

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Sumário

Tecnificação e Condição Humana:.....9


Introdução: a mirada diferencial...9
As Correlações Funcionais...... 13
Consciência Coletiva e Consciência Individual 15
Tecnificação e Sociologia ........ 17
Internet e Cultura do Compartilhamento 23
Indústria cultural e redes de informação (tics) 23
Novo paradigma de construção do conhecimento 26
Internet e Utilitarismo.............. 28
Conhecimento e Sociologia..... 34
Será "radical" a sociologia do conhecimento? 41
Realismo de Saint-Simon......... 45
Ausência da Mirada diferencial em Sartre 53
Perfil do Autor Jacob (J.) Lumier .....62

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9

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Tecnificação e Condição Humana:

Notas sobre o Interesse e atualidade da


Sociologia do conhecimento.

Introdução: a mirada diferencial

A “tradição” histórica da sociologia que se nutre nos


fundadores, inclusive em Saint-Simon 2 e no “jovem” Marx
3
é antes de tudo sociologia diferencial, disciplina científica
dedicada ao estudo das variações nos quadros sociais, e
não apenas uma sociologia sistemática limitada ao estudo
das regularidades tendenciais das mudanças na estratifi-
cação.
Na medida em que se volta para pôr em relevo a varia-
bilidade e a mudança no interior das estruturas sociais,
acentuando a descrição dos níveis múltiplos da realidade
social com foco nas manifestações de sociabilidade (os
Nós, as relações com outrem), a mirada diferencial explo-
ra assim o alcance da microssociologia para a explicação
dos fatos sociais.

2
Claude-Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon (1760 — 1825).
3
Karl Marx (1818 — 1883)

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Melhor aparelhada que a metodologia sistemática, a


abordagem diferencial é capaz de isolar os pré-conceitos
filosóficos inconscientes e assim desmontar os dogmatis-
mos, em vista notadamente de alcançar a superação do
“pré–conceito” herdado dos filósofos do século XVIII
(Kant, Rousseau) que representam um Eu genérico, uma
consciência idêntica em todos, pré-conceito inconsciente
porque não discutido, presente em nossos dias nas con-
cepções que simplesmente tomam como natural e sem
crítica a suposição de uma estrutura lógica na base das
sociedades 4.
Como se sabe, Saint-Simon trata do que é a realidade
social; examina a relação entre produção material e pro-
dução espiritual; as fases “militar”, “industrial” e as épocas
“críticas”; a dissolução futura do Estado na sociedade eco-
nômica e, finalmente, trata das classes sociais. Saint-
Simon apenas vê na economia, na vida moral e na vida
intelectual aspectos de uma atividade coletiva total.
A sociologia diferencial articula como disse uma visão
de conjuntos para o problema das variações do saber na
estruturação das mudanças sociais e as observa no âmbito
das três escalas da realidade social: (a) microssociologia
(inclui a descrição dos níveis múltiplos, o estudo dos Nós e
as relações com outrem), (b) sociologia dos agrupamentos
particulares e classes sociais, (c) macrossociologia dos ti-
pos de sociedades globais (reencontradas na história das
civilizações).

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Os estruturalismos com base na linguística incorrem em tal suposição logicis-
ta projetada na base das sociedades.
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Desde logo algumas precisões em vista da metodologia


são recomendáveis para assinalar a indispensabilidade da
dialética das três escalas da realidade social 5 .
Com efeito, os procedimentos dialéticos introduzem nos
quadros operativos da sociologia a constatação da insufici-
ência do pensamento conceitual para conter nos conceitos
a manifestação do todo social ele mesmo. Juntamente
com isto, introduzem o procedimento determinista voltado
para dar expressão à ambivalência dialética assim apreen-
dida na insuficiência do conceitual. Tais as orientações di-
ferenciais tiradas como disse da tradição de Saint-Simon e
do jovem Marx.
Daí que o reconhecimento da sociabilidade humana fa-
ça ver que a realidade social não se reduza a um lugar
(res extensa). Antes de isto, é uma realidade que se des-
cobre em ato, em vias de se fazer na multiplicidade dos
quadros sociais.
Desta forma, ao descrever os aspectos da atividade co-
letiva total observa-se a correspondência entre estrutura
social, produção econômica, propriedade, regime político,
idéias intelectuais e morais, assim como os seus conflitos
possíveis. É o estudo dos determinismos sociais, aos
quais, buscando aqueles aspectos da atividade coletiva to-
tal, Saint-Simon se referia ao falar dos modos de operar a
integração dos fatos particulares nos planos de conjunto 6.

5
Veja Gurvitch, Georges: (1894-1965): "Dialectique et Sociologie",
Flammarion, Paris 1962, 312 pp., Col. Science.
6
Cf. Gurvitch, Georges (1894-1965): “Breve Esboço da História da Socio-
logia”, in Gurvitch et al.: “Tratado de Sociologia - vol.1", trad. Rui Cabeçadas,
revisão: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964, pp.51 a 98. 2ª edição
corrigida (1ª ed. em Francês: Paris, PUF, 1957).

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Mas não é tudo. Há que distinguir os determinismos so-


ciais em sentido estrito (estudo dos níveis múltiplos da re-
alidade social) e os determinismos sociológicos (estudo da
unificação nas estruturas sociais passando pelas hierarqui-
as múltiplas). Suas descrições acentuam, por um lado, o
efeito e a função do esforço de integração característico
dos elementos microssociais, em vista da unificação do
conjunto, ou seja: acentuam o alcance dos modos de ope-
rar dos Nós e das relações com outrem, de cuja combina-
ção se fazem as unidades coletivas reais; por outro lado,
tal procedimento descritivo põe em relevo o efeito do es-
forço unificador característico de cada classe ou de cada
grupo, como favorecendo ou desfavorecendo o modo de
operar das massas, ou o das comunidades, ou o das co-
munhões para a unificação do conjunto 7.
Por sua vez, a relevância metodológica do estudo das
sociedades globais é bastante significativa. Basta lembrar
que orientações marcantes da sociologia do conhecimento
são tiradas das análises dos tipos de sociedades globais e
suas estruturas. Tal é como disse o caso da orientação
para a superação dos preconceitos filosóficos inconscien-
tes legados do século XVIII, em particular, a superação do
“pré–conceito” que projeta uma consciência idêntica para
todos.

***

7
Veja Gurvitch, Georges: (1894-1965): “Determinismos Sociais e Liberda-
de Humana: em direção ao estudo sociológico dos caminhos da liberdade”, trad.
Heribaldo Dias, Rio de Janeiro, Forense, 1968, 361 pp., traduzido da 2ª edição
francesa de 1963. (1ª edição em Francês: Paris, PUF, 1955).
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As Correlações Funcionais

Seja como for o estudo sociológico dos determinismos


sociais não se confunde em absoluto com a tecnificação.
Pelo contrário, seu ponto de partida é a constatação de
que (1) a condição humana é regida pelo determinismo
científico e (2) não se pode avançar no estudo dos deter-
minismos sociais sem levar em conta a microssociologia e
as aplicações das teorias de consciência aberta às influên-
cias do ambiente 8, desenvolvidas em epistemologia nota-
damente por Gastón Bachelard (1884 – 1962) a partir de
sua dialetização do simples 9.
Se tivermos em conta a linguagem, a intervenção do
conhecimento, e o direito espontâneo verão que a consci-
ência faz parte das forças produtivas em sentido lato e de-
sempenha um papel constitutivo nos próprios quadros so-
ciais (grupos, classes, sociedades).
Deste fato decorre que a construção do objeto na teoria
sociológica se faz a partir dos quadros sociais compreen-
didos como modos de ação comum, atualizados nas mani-
festações da sociabilidade, nos agrupamentos particulares,
classes sociais e sociedades globais.
Em suma: quer se tratem dos Nós, grupos, classes so-
ciais, sociedades globais, os quadros sociais exercem um
envolvimento sobre a produção material e espiritual que

8
Ibid, Ibidem.
9
Veja Bachelard, Gaston: “O Novo Espírito Científico”, São Paulo, ed. Abril,
1974, coleção “Os Pensadores”, vol.XXXVIII, pp.247 a 338 (1ª edição em Fran-
cês, 1935). Veja também do mesmo autor “La Dialectique de la Durée”, Paris,
Press Universitaire de France - PUF, 1972, 151 pp., 1ª edition 1936.

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se manifesta em seu seio, produção esta que se prova


mediante as correlações funcionais.
Por sua vez, as correlações funcionais revelam os qua-
dros sociais como produtos das forças produtivas também
em sentido estrito, de tal sorte que quadros sociais e
consciência real podem por isso permanecer objetivados,
ensejando em continuação a dialética dos níveis de reali-
dade social.
10
De fato, os fenômenos do todo da realidade , embora
apreendidos, não deixam ser conhecidos senão em modos
seccionados, dando lugar à sociologia dos patamares em
profundidade da realidade social.
A microssociologia permite corroborar essa ambigüida-
11
de do objeto real , sendo este um dos principais méritos
de Georges Gurvitch, em cuja obra Henri Lefebvre (1901 –
1991) assinala como êxito a refinada elaboração da lin-
guagem de ciência para a sociologia como disciplina cientí-
fica do século XX, notando a aplicação fecunda do aspecto
12
tridimensional da dialética .

10
Os fenômenos sociais totais, no dizer de Gurvitch. Veja desse autor: "De-
terminismos sociais e Liberdade Humana", op.cit.
11
Em sociologia diferencial o objeto social real é oculto pela estandardização
dos símbolos e condutas cristalizadas, impostas com os dogmas do discurso dos
aparelhos organizados e suas regulamentações preestabelecidas. Ibid, Ibidem.
12
Lefébvre, Henri: "Psicologia das Classes Sociais", in Gurvitch e al.: "Tra-
tado de Sociologia - vol.2", tradução Almeida Santos, revisão Alberto Ferreira,
Porto, Iniciativas Editoriais, 1968, pp.505 a 538 (1ª edição em francês: Paris,
PUF, 1960).
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15

Consciência Coletiva e Consciência Individual

Como se sabe, quando se trata dos atos mentais e da


vida consciente, a reciprocidade de perspectiva faz so-
bressair uma imanência recíproca tornada tão intensa que
conduz a um paralelismo ou a uma simetria mais ou me-
nos rigorosa entre as manifestações do coletivo e as do
individual que, então, se recobrem completamente.
É assim que, nas profundezas mais íntimas do Eu en-
contramos a consciência coletiva e, inversamente, vemos
que é nos estados mais intensos que as consciências cole-
tivas deixam de exercer a menor pressão sobre as consci-
ências individuais que nelas participam. Tal é o princípio
das consciências intercomunicadas que o célebre Karl
Mannheim (1893 -1947) fracassou ao buscar em sua co-
13
nhecida obra “Ideologia e Utopia” .
Seja como for é preciso evitar a postura dogmática que
se monta em torno do desconhecimento dos problemas da
microssociologia e superar notadamente o desprezo pelo
estudo dos Nós como expressão concreta da consciência
coletiva, isto é, como focos das interpenetrações das
consciências e das condutas, de suas fusões parciais cons-
tituindo os fenômenos de participação direta dos indiví-
duos nas totalidades espontâneas.

13
Mannheim, Karl: « Ideologia e Utopia: uma introdução à sociologia do co-
nhecimento », tradução Sérgio Santeiro, revisão César Guimarães, Rio de Janeiro,
Zahar editor, 2ª edição 1972, 330 pp.(1ª edição em Alemão, Bonn, F.Cohen,
1929; 2ª edição remodelada em Inglês, 1936).

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Segundo Gurvitch, em sociologia os Nós são precisa-


mente compreendidos em um movimento dialético real
pela simples razão de que: se interpenetrar ou fusionar
parcialmente não quer dizer em absoluto se identificar,
mas quer dizer se afirmar de uma só vez irredutíveis e
participantes, unidos e múltiplos.
Sabemos que, já na primeira metade do século XX, É-
mile Durkheim (1858 – 1917) e seus colaboradores toma-
ram em consideração a existência de memórias coletivas
múltiplas, acentuando que as consciências individuais se
revelam penetradas pelas memórias coletivas.
Durkheim ele próprio em debate com Gabriel Tarde
(1843 – 1904), ao insistir que não se pode desconhecer a
descontinuidade e a contingência que diferenciam as esfe-
ras do real, se posiciona sobre a referência das funções
cerebrais na vida da consciência, como que antecipando a
preocupação das chamadas ciências cognitivas em nossos
dias.
Assim em seu artigo sobre Les Représentations Collec-
tives et les Représentations In-dividuelles, estudo posteri-
ormente inserido na sua obra Philosophie et Sociologie,
pressentindo a dialética ao argumentar por analogia sobre
a autonomia relativa nas relações entre a consciência co-
letiva e a consciência individual, Durkheim deixa claro sua
recusa em reabsorver a consciência coletiva nas consciên-
cias individuais, nos dizendo que isto equivaleria a reab-

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sorver o pensamento na célula e retirar à vida mental toda


14
a especificidade .
Certamente já se sabe hoje em dia que a descontinui-
dade diferenciando a consciência individual das células do
cérebro não é idêntica àquela que diferencia a consciência
coletiva da consciência individual. Apesar de suas variadas
implicações, o psíquico e o biológico ou orgânico perten-
cem a esferas mais ou menos disjuntas do real, admitindo
sobreposição, enquanto que, pelo contrário, a consciência
coletiva e a consciência individual são manifestações da
mesma realidade estudada como fenômeno psíquico to-
tal15.

Tecnificação e Sociologia

Seja como for, é certo que nas engrenagens da realida-


de em que a sociologia descobre os determinismos sociais
não estão excluídos os traços do capitalismo organizado e
dirigista notado na segunda metade do século XX, tais
como a sujeição dos homens e dos grupos às máquinas, a
destruição das estruturas sociais e das obras de civilização
por técnicas cada vez mais independentes. Tanto mais que
a Era da automatização e das máquinas eletrônicas dá
primazia lógica ao conhecimento técnico em um grau tal

14
Veja Gurvitch, Georges (1894-1965): “A Vocação Actual da Sociologia –
vol.II: antecedentes e perspectivas”, tradução da 3ª edição francesa de 1968
por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1986, 567 pp. (1ª edição em francês: Paris,
PUF, 1957).
15
Veja Gurvitch, Georges (1894-1965): “O Conceito de Fenômenos Psíqui-
cos Totais” in “Tratado de Sociologia - Vol.2”, Revisão: Alberto Ferreira, Inici-
ativas Editoriais, Porto 1968, (1ª edição em Francês: PUF, Paris, 1960).

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que “todas as outras manifestações do saber são influídas


16
ao ponto de tecnificarem-se tanto quanto possível” .
As próprias ciências humanas são comprometidas gra-
vemente com as gigantescas organizações de sondagens
da opinião pública, de estudos de mercado, etc. as quais
apenas se limitam à mecanização e à tecnificação das "re-
lações humanas” e dos problemas reais que suscitam a
vida mental e a vida social atuais, com o objetivo de su-
bordiná-los aos esquemas prefixados, muito ao gosto dos
defensores da lógica simbólica que espelhados em Witt-
genstein tecnificam a filosofia.
Lembre-se entre parêntesis que, depois da tecnificação
avançada da filosofia introduzida pelo “Tractadus Logico-
Philosophicus”, de Wittgenstein (1889 – 1951), o leitor de
filosofia viu-se obrigado a saber manejar uma combinató-
ria prévia com mais de trinta símbolos de uma “sintaxe ló-
gica” só para acessar as proposições e começar sua leitura
do texto. Sem o conhecimento antecipado dessa técnica
especialíssima de enunciação, torna-se impossível ao leitor
de Wittgenstein entrar em contato com a filosofia e com a
investigação do objeto oculto de que se ocupa toda a ciên-
17
cia .
Essa tendência para a tecnificação da filosofia deve ser
situada no quadro da tecnocracia, e o sociólogo se opõe

16
Tal influência do conhecimento técnico não reduz a especificidade dos de-
mais gêneros do conhecimento, mas revela a tentativa de tecnificação do saber
como característica da ascensão da tecno-burocracia.
17
Wittgenstein, Ludwig : «Tractadus Logico-Philosophicus», Tradução Pier-
re Klossowski, Introdução Bertrand Russel, Paris, Gallimard, 1961, 177 Pp. (1ª
edição Em Alemão : 1921).
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com firmeza ao dirigismo e à tecnocratização, não só dos


conhecimentos e dos controles sociais, mas repele igual-
mente a tecnocratização das relações humanas.
O sociólogo põe em questão a primazia lógica na con-
cepção e no modo de intervenção dos programas de me-
lhoramento organizacional. Há, nestes últimos, um desejo
de manipular o conhecimento já aplicado nas sintaxes em
vigor social, em uso nas ambiências onde as práticas ge-
renciais se desenvolveram e foram assimiladas no históri-
co dos planejamentos (como acervo de procedimentos).
Vale dizer, a tecnificação dos controles que atinge as re-
lações humanas nas organizações visa desmontar as sin-
taxes existentes para impor os esquemas previamente de-
finidos em presumidas teorias administrativas. Se exige do
grupo a submissão aos mapeamentos previamente defini-
dos e muitas vezes estranhos aos vocabulários operativos
em uso. O que caracteriza esses programas é que são a-
plicados não só como intervenções exógenas e de cima
para baixo, mas é o fato de que os mesmos deixam de la-
do a possibilidade de vincular suas intervenções ao desen-
volvimento espontâneo das expectativas.
Neste sentido, tendo por objeto a condição humana
como regida pelos determinismos científicos (inclusive os
sociais), a sociologia faz par com o existencialismo de di-
ferentes tendências, na medida em que o existencialismo
constituiu uma tentativa de resistência em nome do Eu,
do outro e das coletividades concretas à tecnificação da
filosofia.

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Mas não é tudo. Para alcançar um posicionamento rea-


lista sobre a questão da tecnificação é preciso ter em con-
ta que o aperfeiçoamento do conhecimento técnico levan-
do ao maquinismo se encontra em relação direta não com
as aquisições da ciência, mas com as melhoras de ordem
prática - como já fora assinalado por Adam Smith e Karl
Marx, apesar de suas diferenças.
Quer dizer, Karl Marx (1818 - 1883) tivera razão ao in-
18
sistir no primeiro tomo de “O Capital” de que não são as
invenções técnicas as que tiveram por resultado a profu-
são de fábricas, mas, pelo contrário, fora a divisão do tra-
balho técnico nas grandes fábricas cada vez mais numero-
sas a que criou a necessidade de técnicas mecanizadas, e
provocou assim a introdução das máquinas, tal como con-
firmado pelo estudo das técnicas industriais dos séculos
XVII e XVIII.
A união do conhecimento técnico e conhecimento cien-
tífico não se produziu efetivamente até o século XX, e ve-
rificou-se somente no setor limitado da tecnologia, envol-
vendo o grau superior dos “experts" e dos engenheiros.
Foi somente a partir da metade do século XX que o conhe-
cimento técnico começou a dominar o conhecimento cien-
tífico e a reservar-lhe um papel subalterno.
O estudo sociológico dos determinismos sociais não se
confunde como disse com a tecnifi-cação. É descrição da
realidade social em seus procedimentos de integração e

18
Marx, Karl: ‘Le Capital-Livre I’, traduzido em 1872 por J.Roy, apresenta-
ção Louis Althusser, Paris, Garnier-Flammarion, 1969, 699 pp. (1ª edição em A-
lemão: 1867).
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não racionalidade do desejo de manipular a natureza ou


os homens, como na técnica. Tal estudo tem por critérios
necessários (a) - a condição humana; (b) - o domínio das
significações, dos símbolos, das idéias e valores, dos atos
mentais. Os mitos e os símbolos sociais revelam-se na re-
alidade social como os intermediários positivos indispen-
sáveis ao conhecimento.
Em favor da positividade da equação existencial no
fundamento do determinismo em sociologia, C. Wright Mil-
ls (1916 – 1962) constatou a ocorrência de fatores extra-
lógicos como intervindo e influindo na validade do pensa-
mento de uma elite técnico-científica ou de pensadores in-
dividuais, e não só assinalou tratar-se de uma situação de
fatos, mas reconheceu uma realidade objetiva interessan-
19
do à sociologia como disciplina determinística .
Aliás, a demanda por uma nova sociologia do conheci-
mento foi nitidamente ressentida pelos filósofos da cultura
científica e tecnológica, como Leszek Kolakowski (1927 –
2009), que identifica um “coeficiente da intenção humana
valorativa”, mas só vê duas funções sociais do mito: a
função de defesa contra a inquietude e a função de oposi-
20
ção a essa função .

19
Wright Mills, Charles: ‘Consecuencias Metodológicas de la Sociología
del Conocimiento’, in Horowitz, I.L. (organizador): ‘Historia y Elementos de la
Sociología del Conocimiento – tomo I’, artigo extraído de Wright Mills, C.: ‘Power,
Politcs and People’, New York, Oxford University Press, 1963; tradução Noemi
Rosenblat, Buenos Aires, Eudeba, 3ª edição, 1974, pp.143 a 156.
20
Kolakowski, Leszek: ‘’A Presença do Mito ‘’, tradução José Viegas Filho, a-
presentação J.G.Merquior, Brasília, editora Universidade de Brasília, 1981, 112
pp. (1ª edição em Polonês, 1972).

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Para o sociólogo com mirada diferencial a colocação do


conhecimento em perspectiva sociológica é interveniente
na base das interpretações das idéias e valores coletivos.
Toda a sociologia está contida nessa afirmação de que as
idéias e os valores somente se deixam ser acessíveis atra-
vés dos atos coletivos.
Deste ponto de vista, a aplicação da visão de conjunto
com a colocação em perspectiva sociológica do conheci-
mento – viabilizada por essa mediação dos atos coletivos
– expressa a coincidência entre os quadros sociais e os
quadros de referências, sejam tais referências lógicas ou
estimativas, de juízos cognitivos ou de atitudes morais.
É com base nessa “coincidência”, nessa reciprocidade
de perspectivas entre os quadros sociais e os quadros de
referências, que se podem estabelecer as correlações fun-
cionais como procedimento de verificação dos determinis-
mos sociais, pois que se trata de uma questão de afirma-
ção do compromisso com a explicação (teoria determinís-
tica) em sociologia que nos leva à sociologia do conheci-
mento. Tais idéias e valores, assim como os juízos cogniti-
vos, são questões de fato e não podem ser nem verifica-
dos, nem vividos, nem experimentados, nem apreendidos,
nem afirmados sem a intervenção dos atos coletivos.
***

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Aspectos do tema do
Impacto da ciência e da tecnologia
Na sociedade

Internet e Cultura do Compartilhamento

Indústria cultural e redes de informação (tics)

O estudo das redes de redes, como aspecto das tecno-


logias de informação e comunicação social (tics), introduz
na sociedade de redes de informação um quadro diferen-
cial que exige uma apreciação mais ou menos profunda
para ser compreendido.
Aos olhos da Teoria de Comunicação Social, os progra-
mas peer-to-peer (P2P), como eMule, Gnutella, eDonkey,
BitTorrent e outros tantos permitiram que a rede se es-
tendesse para além de conteúdos compartilhados nos ser-
vidores, desde a base dos 340 milhões de computadores
ligados à rede (junho de 2005), para os computadores
pessoais dos usuários da rede, ou seja, estendendo o in-
tercâmbio de conteúdo para outras 910 a 940 milhões de
máquinas em uso (eT-Forecast, 2005).

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24

Trata-se de uma quantidade gigantesca de informação


21
que flui de forma descentralizada e frenética pela rede .
No estudo dessa situação da indústria cultural na socie-
dade de informação e por efeito desta, a Teoria de Comu-
nicação Social não só nos oferece (a) - uma descrição da
mentalidade no círculo social dos administradores e usuá-
rios das redes de redes, à qual chama “cultura do compar-
tilhamento”, mas, por esta via, sem esclarecer sobre as
competências próprias às tecnologias, nos deixa ver (b) -
uma noção do conhecimento como conteúdo impresso/
gravado comunicado nos produtos da indústria cultural (o
que nos anos sessenta e setenta chamava-se “mensa-
gem”: o meio é a mensagem), bastante submetida ao
ponto de vista da tecnologia da informação e ao aspecto
quantitativo; (c) - põe em relevo as mudanças verificadas
no complexo sistema de produção, distribuição, logística,
planejamento que envolvia as relações entre o produ-
tor/autor e o consumidor na indústria cultural.
Quer dizer: tomadas em conjunto, as tecnologias da in-
formação e comunicação e a dinâmica da Internet, tanto
pela introdução do suporte virtual quanto pela expansão
das redes “P2P”, tiveram várias conseqüências levando a
quebrar o elo em torno da função de fazer o conhecimento
/ informação / mensagem chegar ao cidadão / consumi-

21
Apud Machado, Jorge Alberto S.: “Difusão do conhecimento e inovação -
o Acesso Aberto a publicações científicas” pdf; 2005, Gestão de Políticas Públicas,
EACH/USP, http://www.forum-global.de/jm/art04-05/jorge_machado-acesso_aberto.html, link con-
ferido em 13/01/2011.
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dor, que, muitas vezes era uma função assumida pelas e-


ditoras e gravadoras com suporte convencional.
Uma dessas conseqüências foi colocar em xeque a pro-
priedade do conhecimento, pois “qualquer obra humana
que possa ser convertida em bits pode ser reproduzida in-
determinadas vezes e facilmente distribuída”; em face
dessa qualidade inverteu-se o procedimento da comercia-
lização, falando-se mais em “vender o suporte do que a
informação”, com tendência a “pagar apenas pelos áto-
mos"; além disso, nesse âmbito digital, observou-se o
surgimento de “uma comunhão de bens culturais, técnicos
e científicos considerados ‘públicos’, "(...) em que o único
constrangimento para a reprodução / distribuição deve ser
o controle do autor sobre a integridade de seu trabalho, o
22
direito de sua propriedade intelectual e devida citação” .
Deste modo, afirma-se a exigência de rever os papéis
econômicos, para o que a Teoria de Comunicação Social
sugere que o contexto configurado pelos programas peer-
to-peer (P2P) seja tomado como modelo. Estaríamos di-
ante de um contexto em que “a informação e, principal-
mente, o conhecimento são tanto insumos como produtos
cada vez mais importantes para a produção cultural, eco-
nômica, artística, intelectual e, assim, para o desenvolvi-
mento econômico e social”, estabelecendo-se a configura-
ção de “um novo paradigma da difusão e construção do
conhecimento”, o qual seria observado no “compartilha-
mento através das redes de criação e inovação”.

22
Machado, “Difusão do conhecimento e..." op.cit. 2005.

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Nos termos da Teoria de Comunicação Social esse mo-


delo principal de análise e interpretação, é o seguinte: “O
compartilhamento do conhecimento tem sido a base da
inovação e da produção de novos conhecimentos. As mo-
dernas tecnologias de informação e comunicação propor-
cionam ferramentas inovadoras para o intercâmbio de co-
nhecimento em nível global e em tempo real; consolida-
se cada vez mais uma cultura do compartilhamento, base-
ada principalmente nas comunidades de interesses e, cada
vez mais, na troca entre particulares – nas redes do tipo
23
P2P” .
Novo paradigma de construção do conhecimento

Em realidade, o que a Teoria de Comunicação Social


quer dizer quando nos fala de um novo paradigma de
construção do conhecimento não é tanto o fato de que as
tecnologias da informação possibilitem ao conhecimento
técnico ser construído em seus conteúdos lógico-
numéricos pelas próprias ferramentas tecnológicas, ou que
as tecnologias sejam construídas pelas próprias tecnologi-
as (os computadores constroem computadores, robôs
constroem robôs).
Trata-se simplesmente de que, ao quebrar-se o elo
convencional em torno da função de fazer o conhecimen-
to/ informação/mensagem chegar ao consumidor, a difu-
são desse conhecimento, tal como disponibilizado na in-
dústria cultural, passa a sofrer os efeitos das redes de re-

23
Machado, “Difusão do conhecimento e..." op.cit. 2005.
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des, de tal sorte que “o compartilhamento desse conheci-


mento tem sido a base da inovação e da produção de no-
vos conhecimentos”.
A noção de “construção” do conhecimento é, portanto
empregada no sentido preciso de que o conhecimen-
to/informação/mensagem não é mais imposto desde cima
pela indústria cultural, mas o usufruto do mesmo, como
conteúdo impresso/ gravado socialmente comunicado, re-
sulta do círculo dos administradores e usuários das novas
tecnologias da informação, sobretudo do compartilhamen-
to e das trocas entre os particulares, que é decorrente das
24
novas redes de redes P2P .
Admite-se, então, que esse conhecimento/ informação/
mensagem assim difundido e desfrutado em redes de re-
des, introduz novas referências para a compreensão dos
papéis sociais na indústria cultural.
Por sua vinculação direta aos meios tecnológicos de di-
fusão da informação, ou como extensão desses meios, so-
bretudo pela magnitude do seu volume e rapidez, tais co-
nhecimentos em redes adquirem um valor econômico pró-
25
prio que anteriormente não se verificava .
Daí falar-se em conhecimento-insumo e em conheci-
mento-produto para chegar a uma análise dessa situação
em que, como foi dito, “uma quantidade gigantesca de in-

24
Recente pesquisa internacional confirmou a predominância intercontinental
das redes P2P em 2010. Acesse a Web da Sandvine e faça sua verificação no link
abaixo: http://www.sandvine.com/news/global_broadband_trends.asp
25
Sobre a noção econômica de valor vejam o artigo de Christian Höner na re-
vista Krisis http://www.krisis.org/2004/quest-ce-que-la-valeur

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formação flui de forma descentralizada e frenética pela re-


de”.
Quer dizer, trata-se de uma configuração particular do
conhecimento técnico, como atividade de selecionar e
classificar as informações recebidas das redes com o fim
de fabricar, confeccionar ou elaborar produtos que retor-
nem as informações para as redes, em um encadeamento
sucessivo e ininterrupto no qual toda a informação já é um
conhecimento técnico, já é uma atividade de selecionar e
classificar informações em redes, conhecimento este tor-
nado informação por seu estatuto duplamente instrumen-
tal nessa corrente circular (a informação como conheci-
mento/ insumo e conhecimento/ produto e vice-versa) e
todo o consumidor/ usuário vem a ser de alguma maneira
autor/ produtor cultural e vice-versa, com todos esses pa-
péis sociais revertendo em benefício do desenvolvimento
sustentado das próprias tecnologias da informação. Tal o
seu valor econômico.

Internet e Utilitarismo

►A representação do conhecimento como insumo ou


produto promove os valores do utilitarismo.

Portanto, a novidade não é tanto o incremento do co-


nhecimento técnico, que já é predominante no século vin-
te, mas, sim, a mudança dos papéis econômicos na indús-
tria cultural em decorrência desse incremento, os quais
passam a reverter como disse em benefício do desenvol-

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vimento das tecnologias da informação/ comunicação,


pressionando não só a indústria cultural, mas toda a in-
dústria do copyright.
A Teoria de Comunicação Social sofre, pois, os efeitos
dessa pegada pelas tics e nos deixa ver seu componente
discursivo na sua própria maneira de formular tal configu-
ração particular de um conhecimento técnico com acrés-
cimo de valor no sistema cognitivo.
Daí representá-lo em termos de “conhecimento-
insumo” e de “conhecimento produto” promovendo desse
modo, nessa representação, os valores do utilitarismo:
não será tanto o conhecimento que importa, mas a utili-
dade da atividade classificadora – como insumo – para o
desenvolvimento das tecnologias da comunicação, consi-
derado como um progresso benéfico.
Resumindo, em face da potenciação do conhecimento
técnico como atividade classificadora em redes, direta-
mente exercida no prolongamento das próprias tecnologi-
as da informação e em benefício do desenvolvimento des-
tas – e que, em consequência, revela-se uma atividade
subsidiária – cabe indagar se, ao conceituar tal atividade
classificadora em redes como conhecimento-insumo (um
valor econômico ou sócio-econômico) a Teoria de Comuni-
cação Social não estaria incorrendo numa projeção pelo
utilitarismo para o domínio dos símbolos sociais daquela
potenciação do conhecimento técnico?
Deveríamos, então, admitir uma “noção tecnológica do
conhecimento” para diferenciar a atividade técnica que

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impulsiona o desenvolvimento das próprias tics ao invés


de preservar a compreensão sociológica daquela potencia-
ção do conhecimento técnico?
Se for este o caso, a “cultura do compartilhamento” se-
ria o modo pelo qual o desenvolvimento das tecnologias
da informação se beneficia da mudança dos papéis na in-
dústria cultural e vice-versa.
Não que a projeção pelo utilitarismo careça de proce-
dência ou deva ser repelida como estranha ao campo da
Teoria de Comunicação Social. Pelo contrário: antes de
pré-judiciar a mirada sobre a mídia e as tecnologias da in-
formação, o utilitarismo moderno a favorece na medida
em que constitui uma filosofia pública preconizando que
“as ações publicas só possam ser julgadas pelas conse-
qüências benéficas que elas possam ter” para a vida em
comum.
Como se sabe, a defesa de um ‘utilitarismo liberal’, co-
mo filosofia pública é notada por alguns estudiosos como
uma idéia que já pode ser encontrada em John Stuart Mill.
Admite-se (a) que o fato do utilitarismo não incentivar “o
cumprimento indiscriminado de promessas e a expressão
da verdade”, embora seja fatal ao nível social, seria pelo
menos aceitável ao nível político-público; (b) que a noção
vaga de “felicidade” ali adotada seria um modo de criar
“um espaço de negociação entre interesses diferentes e
conflitantes, respeitando as tendências pluralistas das so-
ciedades contemporâneas”, tanto mais que “a variedade
das escolhas aumenta a possibilidade da felicidade, princi-

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palmente como disse em uma sociedade pluralista”; (c) –


que o utilitarismo das ações ao nível moral é ineficaz e
tem resultados contra-intuitivos [o imperativo de que cada
ação deva ser ponderada de forma que maximize a felici-
dade do maior número não garante contra os abusos]. (d)
- que o utilitarismo liberal é um utilitarismo político que
pode (deve) ser eficaz e cujos resultados contra-intuitivos
são bloqueados pela sua vertente liberal. Por fim, admite-
se que as idéias de democracia, progresso e de direito à
escolha são três idéias enraizadas na cultura pública que
podem ser explicadas em termos utilitaristas [a democra-
cia pode ser vista como uma espécie de Utilitarismo apli-
cado, na medida em que, sendo o governo da maioria de-
fenderá os interesses do maior número].
Assim sendo, o utilitarismo liberal está longe de ser
uma proposta inconsistente e a idéia de que uma das fun-
ções da política é promover o bem-estar humano encontra
nele uma justificação teórica adequada.
Além disso, com apoio em Robert E. Goodin (Utilitarian-
ism as a Public Philosophy, Cambridge University Press,
1995), alguns autores sustentam conclusões favoráveis a
esta linha de reflexão, nos dizendo que: “nas discussões
acerca do utilitarismo muitas vezes ataca-se exclusiva-
mente a sua versão clássica ignorando o utilitarismo libe-
ral de John Stuart Mill. O utilitarismo liberal das ações es-
capa aos paradoxos propostos pelos críticos do utilitarismo
[não conseguiria evitar a ‘veneração das regras’ e deixaria
de ser utilitarismo]. O utilitarismo das regras reduz-se de

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fato ao utilitarismo das ações, mas o utilitarismo liberal é


um utilitarismo das ações capaz de bloquear os efeitos
26
contra-intuitivos graças a sua vertente liberal” .

A atividade que se desenrola em prolongamento da fer-


ramenta tecnológica incorpora um incremento estranho
aos juízos cognitivos

Do ponto de vista da sociologia, o termo conhecimento


não é utilizado para "representar" atividade de outra or-
dem (como a inteligência artificial, no sentido amplo deste
termo), nem encobre projeção de valores morais ou filosó-
ficos. Do que foi dito acima, a atividade de selecionar e
classificar as informações recebidas das redes com o fim
de fabricar, confeccionar ou elaborar produtos que retor-
nem as informações para as redes, é, com certeza, conhe-
cimento técnico, mas se, assimilando um incremento de
ordem tecnológica, essa atividade pode ter o efeito de be-
neficiar o desenvolvimento sustentado das próprias tecno-
logias da informação e vice-versa revela-se um valor só-
cio-econômico que já extrapola e é exterior ao nível do
conhecimento propriamente dito, ainda que ao mesmo
apareça acoplado. Neste sentido, a atividade que se de-
senrola em prolongamento da ferramenta tecnológica in-
corpora um incremento (“accroissement”) estranho aos
juízos cognitivos.

26
Cf. Bizarro, Sara: "Utilitarismo Moral e Utilitarismo Político", Revista In-
telecto (Sociedade Portuguesa de Filosofia) Nº 5/ arquivo – Fevereiro 2001
http://www.reocities.com/revistaintelecto/utilitar.html (conferido em 01/11).
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Ainda que, em sua simbolização como compartilha-


mento se possa falar de uma “apreensão” indireta relati-
vamente ao ciberespaço, está claro que, sendo este último
uma extensão dos conteúdos única e exclusivamente lógi-
co-numéricos, não se trata das amplitudes concretas a-
preendidas na experiência humana, base dos objetos do
conhecimento correlacionado na realidade social existente,
haja vista a parte que cabe às máquinas inteligentes em
tal “apreensão”, ou melhor, "interação cibernética".
A sociologia do conhecimento, como disciplina das Ci-
ências Humanas, já mostrou que a capacidade cognitiva
de descobrir e formular correlações e tirar inferências ge-
ra-se no espaço da sociabilidade que, neste caso, vem a
ser verificada e confirmada como coeficiente existencial do
27
conhecimento
Em relação ao ciberespaço a capacidade cognitiva de
encontrar correlações e tirar inferências já está posta com
anterioridade ao uso das máquinas eletrônicas e das redes
de redes, cabendo falar antes de aprendizado e simboliza-
ção do que apreensão ou cognição. Antes da Internet há
outras conexões de comunicação à distância, sendo carac-
terística das sociedades industriais a formação dos públi-
cos políticos que se comunicam a grandes distâncias (des-
te fato encolhidas).

27
O coeficiente existencial do conhecimento inclui os coeficientes humanos
(aspectos pragmáticos, políticos e ideológicos) e os coeficientes sociais (variações
nas relações entre quadros sociais e conhecimento). Vejam Gurvitch, Georges
(1894-1965): “Los Marcos Sociales Del Conocimiento”, Trad. Mário Giacchino,
Monte Avila, Caracas, 1969, 289 págs. - 1ª edição em Francês: Paris, Puf, 1966.

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A cultura do compartilhamento intensifica a comunica-


ção social com a reflexão coletiva mediante debates nas
mídias, leituras, publicações, reuniões, dentre outros es-
paços de formação de um sentimento coletivo, revelando
uma compreensão da função que o ciberespaço está cha-
mado a desempenhar como futuro virtual (no duplo senti-
do dessa expressão).

Conhecimento e Sociologia

Para dimensionar o alcance da sociabilidade humana


no conhecimento, cabe lembrar as constatações de Dur-
kheim (1858-1917) em favor da sociologia, seguintes: “as
categorias lógicas são sociais em segundo grau... não só a
sociedade as institui, mas constituem aspectos diferentes
do ser social que lhes servem de conteúdo... O ritmo da
vida social é que se encontra na base da categoria do
tempo; é o espaço ocupado pela sociedade que forneceu a
matéria da categoria do espaço; fora a força coletiva que
criou o protótipo do conceito de força eficaz, o elemento
essencial da categoria de causalidade... O conceito de to-
talidade é, afinal, a forma abstrata do conceito de socie-
28
dade” .
De fato, em acordo com esta orientação, na explicação
dos fatos e estruturas sociais o sociólogo descreve e aplica
os diversos procedimentos dialéticos de intermediação que

28
Cf. Gurvitch, Georges (1894-1965): “Problemas de Sociologia do Conhe-
cimento”, In Gurvitch (Editor) et al. "Tratado de Sociologia - Vol.2”, Tradução:
Ma. José Marinho, Revisão: Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto 1968,
Págs. 145 a 189 – 1ª edição em Francês: PUF, Paris, 1960 – ver pág.149. Op.Cit.
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encontra na própria realidade social descoberta, para fazer


ressaltar o acordo ou desacordo do conhecimento em cor-
relações funcionais com os quadros sociais.
Essa atitude de descrever correlações exclui qualquer
“invencionismo” e não induz a “deformação” alguma, mas
pode certamente favorecer a diminuição da importância do
coeficiente existencial do conhecimento pela tomada de
consciência.
A liberdade humana de escolha, decisão ou de criação,
antes de se limitar ao indivíduo, em particular ao sociólo-
go, se afirma também nas manifestações coletivas as
quais estruturam elas mesmas a realidade social que, por
essa razão não pode ser mais do que “descoberta” pelo
sociólogo (e não inventada).
►Antes de prosseguir descrevendo essa via de com-
preensão do conhecimento em correlações funcionais, po-
demos fazer um retrospecto sobre as correntes intelectu-
ais do século XX a fim de corroborar a assertiva de que a
atividade que se desenrola em prolongamento da ferra-
menta tecnológica cibernética incorpora um incremento
("accroissement") estranho aos juízos cognitivos.
Basta lembrarmo-nos da análise crítico filosófica pio-
neira em seu alcance sociológico desenvolvida nos anos
29
sessenta por Henri Lefebvre que, pressentindo a trilha
de uma sociologia do conhecimento filosófico, esse autor

29
Cf. Lefebvre, H.:« Metafilosofia: Prolegômenos », tradução e introdução
Rolando Corbusier, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1967, 399 pp.
(1ª edição em Francês: Paris, Ed. De Minuit, 1965) ver capítulo 5: “Mimesis e
Práxis”, págs. 246 a 264

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ali examina a aproximação da filosofia existencial e feno-


menológica de Heidegger com a teoria social.
Quer dizer, no curso de uma reflexão com base socioló-
gica em torno ao problema da relação entre a lógica e a
dialética, por um lado, tomada essa relação como se re-
solvendo na práxis e levando à superação da filosofia, en-
tendida esta, por sua vez, no marco da “teoria do conhe-
cimento” legada do século XVIII como projetando a con-
cepção de um EU genérico, idêntico em todos, e, por outro
lado, desenvolvendo o que chamou “teoria geral das esta-
bilidades” (ib. págs. 254 sq), Henri Lefebvre aprecia a
proposição heideggeriana sobre a ciência, incluindo a Ci-
bernética, entendida como “teoria do real” e “teoria da
práxis operativa” (praxeologia), assim considerada como
uma proposição de constatação do desenvolvimento con-
temporâneo que uniu ciência e técnica. Em outras pala-
vras, essa análise toma a ciência moderna e seus gigan-
tescos dispositivos técnicos planetários como “realização
teórica”.
Podem-se ver as duas orientações seguintes: (a) – re-
lacionando, por um lado, a praxeologia tomada como
constatação do desenvolvimento e, por outro lado, a situ-
ação de que, nas sociedades dividas em classes, as repre-
sentações ou manifestações da vida mental – conceitua-
ções, simbolizações, projeções – sofrem os efeitos de uma
causalidade singular designada “lei tendencial da polariza-
ção”, que as aproxima ou as afasta do conteúdo (real)
(ib.p.259); (b) - buscando com essa aplicação sociológica

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explicar a ocorrência da constatada “realização teórica”,


na qual, (b1) - pelo imperativo de coerência do processo
de realização, se inscreve a supressão da cisão entre a re-
presentação e o real, supressão esta que, no plano da filo-
sofia, atinge a própria (antiga) “Teoria do Conhecimento”
(notadamente as correntes intelectuais do neokantismo),
já que, (b2) - aquela cisão agora suprimida, mas afirmada
nesse suprimir-se como aspecto da separação entre ser e
conhecer, era posta no pensamento filosófico pelo “enten-
dimento analítico” (neokantismo), não sendo do âmbito da
razão dialética (que não projeta nenhum juízo a-priori).
Desse modo, no momento lógico-filosófico subseqüente e
como efeito da observada “lei tendencial da polarização"
de tal modo aplicada, verifica-se então uma configuração
particular em que as representações e a práxis reduzem o
conteúdo, reduzem a vida humana (real) a uma vida abs-
trata (cf.ib.pp.259/260).
Para Lefebvre, citando o “jovem” Marx e Hegel, a tal
configuração particular redutiva deve ser referida a espe-
cialização (das funções na sociedade industrial), compre-
endendo nela e por meio dela a abstração e a cisão da ati-
vidade, que o homem toma por realidade e por coisa em
que absorver sua consciência, em “uma aparente realiza-
ção de si mesmo”.
Neste ponto, com base na dicotomia sociológica do ní-
vel organizado de realidade social e do fluxo espontâneo
da vida coletiva, desdobra-se o argumento do autômato,
seguinte: (a)- ao se limitar na cisão da atividade, o ho-

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mem se situa ele próprio no “reino animal do espírito”, ao


qual igualmente se restringe – noção esta tirada de “A Fe-
nomenologia do Espírito”, de Hegel,30; (b)- surge, então, a
figura do “animal abstrato”, designando o homem como
animal sem vida espontânea, privado dos impulsos vitais
característicos; (c)- figura esta cujo surgimento na leitura
da obra de Marx corresponde a um paralelo com a teoria
do “objeto abstrato”, compreendendo este a mercadoria e
o dinheiro, “que alienam e reificam a atividade cindida”,
(d) -sendo que é possível entrever nessa teoria, por sua
vez, a fórmula privilegiada da própria teoria da realização
teórica, tida esta inicialmente como originalidade da pro-
posição heideggeriana, mas que, por via do paralelo assi-
nalado, vem a ter sua verdadeira fonte revelada em Marx.
Entretanto, ao contrário do que poderia parecer, com o
autômato assim surgido e figurado na realização teórica, o
conhecimento não fica sem fundamento. É que o objeto
técnico lhe assegura a objetividade. Quer dizer: o conhe-
cimento realiza-se no âmbito da prática como a práxis
técnica.
Então, o problema de restabelecer o laço entre o su-
jeito e o objeto desaparece, “porque se resolve na prática
científica, onde, por sua vez, cresce de importância a no-
ção metodológica de simulação”.

30
HegeL, G.W.F.: “La Phénoménologie de l´Espirit” – Tome I e Tome II, Paris,
Aubier, 1939 (Tome I), 358 pp.; 1947 (Tome II), 359 pp.; Trad. Por Jean Hyppo-
lite (Ed. Lasson – J. Hoffmeister, W. II, 4º ed., 1937), título em Alemão: “Die
Fhaenomenologie dês Geistes”. Veja vol. I p.324; apud Lefébvre, H: op.cit. p.260.
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Daí o autômato assume o conhecer (a ciência) como


realização teórica. Suprime ao seu modo a cisão entre ob-
jeto e sujeito, entre o conhecer e o ser, entre o real e a
representação.
Tornado ato prático e realidade, o conhecimento não
exige mais uma teoria distinta (filosófica ou neokantiana).
O autômato (o mundo do “robot” como complexo de signi-
ficações) tende a captar e a incorporar a si mesmo a tota-
lidade do conhecer e das representações, liberando assim
o ser humano de sua parte objetiva, permitindo-lhe, no
entanto, apoiar-se nessa consolidação.
Paródia fascinante do homem realizado, o grande au-
tômato, a ciência moderna e seus gigantescos dispositivos
técnicos planetários, o animal abstrato em sua compreen-
são total e sua plena extensão revela-se o simulacro qua-
se perfeito da totalidade apreendida, vivida, reconstruída:
é realidade e aparência unificadas (ib.p.263). E Lefebvre
formula então a indagação crítica final em face da Ciber-
nética como o grande autômato: “não é ao mesmo tempo,
em plena simultaneidade sincronizada, a realização e a a-
lienação?” Admitindo em seguida que essa indagação é o
que permite a alguns dizer que o autômato as concilia, lo-
go as suprime uma e outra como oposição e problema; e
aos outros afirmar que o autômato leva o conflito ao paro-
xismo e anuncia a grande superação.
Figurada nesse tema do impacto da ciência e da tecno-
logia na sociedade, a “nova” sociologia do conhecimento
no século XX introduzida por C. Wright Mills e desenvolvi-

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da notadamente ao longo da monumental e elucidativa


obra de Georges Gurvitch nos oferece a compreensão dos
sistemas cognitivos existentes e empreende a análise das
classes e formas do conhecimento, que é indispensável
para estudar as variações do saber intensificadas hoje em
dia com o crescimento da sociedade de redes de informa-
ção.
Sem embargo, paralelamente às análises do automa-
tismo relacionando cibernética, alienação e realização do
pensamento teórico, como acabamos de ver, a contribui-
ção da sociologia do conhecimento para a reflexão da so-
ciedade de informação deve ser buscada notadamente na
descrição dos sistemas cognitivos.

***

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Jacob (J.) Lumier

Será "radical" a sociologia do conhecimento?

A colocação do conhecimento em perspectiva sociológi-


ca suscitou a oposição de críticos competentes. O principal
argumento contrário pretendeu identificar a sociologia do
conhecimento à chamada “sociologia radical”.
Para tais críticos, a sociologia do conhecimento influ-
ente nos anos de 1960 deve ser lida ou entendida em li-
gação com a atitude que procura contrastar o estrutural-
funcionalismo de Talcott Parsons (1902 - 1979), isto é, em
ligação com a chamada “teoria do conflito” e com o argu-
mento de que importa alcançar o significado das oposições
de interesses geradas pelos cortes, quebras de continui-
dade ou divisões seccionais dentro da sociedade como um
31
todo .
A sociologia do conhecimento se colocaria como “um
corpo teórico empiricamente verificável” e, ao mesmo
tempo, como “um guia moral para a ação política”, se
constituindo basicamente como protesto contra a proposi-
ção de neutralidade da explicação em sociologia.

31
Giddens, Anthony (1938): “A Estrutura de Classes das Sociedades Avan-
çadas”, trad. Márcia Bandeira, revisão Edson de Oliveira, Rio de Janeiro, Zahar,
1975, 368 pp. (1ª edição em Inglês, Londres 1973) Cf. págs: 14,15.

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Desta forma, os críticos da nossa disciplina parecem se


colocar contra o estudo dos coeficientes existenciais do
conhecimento, constatados no fato originário de que todo
o conhecimento humano é uma atividade prática e, em ra-
zão disto, comporta aspectos pragmáticos e políticos, além
de irredutíveis variações nas relações entre os quadros so-
ciais e os próprios conhecimentos.
O argumento de que esse estudo diferencial constitui
uma “sociologia radical” em verdade é restrito ao debate
nos Estados Unidos, em torno dos escritos de Alfred S-
chutz (1899-1959), o notável pesquisador e antigo segui-
dor do mestre da filosofia fenomenológica no século XX
Edmund Husserl (1859 - 1938).
►De fato, no estudo intitulado “O Interior da Ciência:
32
Ideologia e a Sociologia do Conhecimento” , em que in-
troduz a noção de "paradigma" como objeto de crítica,
Stuart Hall nos diz que “na obra de Alfred Schutz vemos a
sociologia do conhecimento - ali colocada entre aspas –
sendo levada ao seu ponto extremo”.
Faz referência ao livro de Peter Berger e Thomas Luck-
mann intitulado “A Construção Social da Realidade” – cujo
subtítulo na edição brasileira é “Tratado de Sociologia do
33
Conhecimento" – nos dizendo com certo exagero e pou-

32
Hall, Stuart: “O Interior da Ciência: Ideologia e a Sociologia do Conhe-
cimento”, tradução Rita Lima, in Centre For Contemporary Cultural Studies da
Universidade de Birmingham: “Da Ideologia”, Rio de Janeiro, Zahar, 1980 (da
p.15 até p.44). Cf págs. 27 a 31.
33
Berger, Peter e Luckmann, Thomas: “A Construção Social da Realidade:
Tratado de Sociologia do Conhecimento”, Trad. Floriano Fernandes, Rio de
Janeiro, Editora Vozes, 1978, 4ª edição, 247 pp. (1ª edição em Inglês, New York,
1966).
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ca percepção do problema sociológico dos símbolos soci-


ais, que a “linha de pensamento” desses dois autores leva
“até seus limites máximos” a proposição atribuída a S-
chutz de que “as relações sociais são concebidas essenci-
almente como estruturas de conhecimento”.
A suposta orientação radical apressadamente atribuída
à sociologia do conhecimento carece aqui de procedência.
Denunciar “as explicações funcionalistas” como “prestidigi-
tação teórica” não é radicalismo verbal, mas significa sus-
tentar a postura crítica em face das tentativas de empre-
ender a análise estrutural como dissociada do estudo dos
agrupamentos sociais concretos. Berger e Luckmann ad-
34
vertem sobre o risco de reificar os fenômenos sociais , e
insitem que a sociedade estudada em sociologia é parte
de um mundo humano, feito pelos homens, habitado por
35
homens, por sua vez, fazendo os homens . Não se vê,
pois, radicalismo algum.
Quanto a Schutz, é-nos dito que este pensador “estava
interessado na maneira pela qual os pensamentos ganha-
ram uma faticidade objetiva no mundo”, e, em favor do
realismo sociológico, tomava em consideração que “o
mundo não é totalmente reduzido aos pensamentos exis-
tentes na cabeça do homem”.
É-nos dito também que esse interesse de pesquisa é
desdobrado: 1) na constatação de que a reciprocidade de
perspectivas entre as consciências era o fundamento para

34
Cf. Berger, Ibidem op.cit, p. 44.
35
Cf. Ib. p.247.

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os processus de estabelecimento do significado e interpre-


tação do significado; 2) no paradigma crítico da psicologia
coletiva, segundo o qual “a atividade (práxis) de cons-
trução do significado”, que produziu “os significados
objetivados capazes de retroagir sobre os sujeitos”
como que “de fora”, “perdeu-se para a consciência
(alienou-se)”.
E prossegue Stuart Hall citando a seguinte passagem
de Jean Paul Sartre (1905 — 1980): “Desse modo, as sig-
nificações provêm do homem e de seu projeto, mas estão
inscritas em toda a parte, nas coisas e na ordem das coi-
sas. Tudo a todo instante está sempre significando, e as
significações revelam-nos os homens e as relações entre
36
os homens através das estruturas de nossa sociedade” .
Desdobrando tal paradigma, Hall nos diz que, em S-
chutz, “as muitas e várias objetivações no mundo corres-
pondem a diferentes níveis ou camadas da consciência”. A
realidade está estruturada em diferentes regiões, cada
uma com sua camada apropriada de consciência: as múl-
tiplas realidades do jogo, sonho, teatro, teoria, cerimônia
e assim por diante.
“Na medida em que se passava de um domínio para ou-
tro da realidade social” (...) se trazia “um modo de consci-
ência para o primeiro plano, relegando o restante para um
segundo plano”. Só no domínio da vida cotidiana ou do
senso comum é que não teríamos consciência em absoluto

36
Sartre, Jean Paul: ‘Critique de la Raison Dialectique – Tome I : théorie
des ensambles pratiques (précedé de Questions de Méthode)’, Paris, Gallimard,
1960, 756 pp. Veja pág. 98.
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de estarmos operando num domínio de significados cons-


truídos.
Possivelmente, o caráter “radical” questionado pelos
críticos da nossa disciplina esteja nessa crítica da tendên-
cia vista como alienante da vida cotidiana, e da utilização
da sociologia do conhecimento como atitude oposta ao
conservadorismo do estrutural-funcionalismo, acusado es-
te último de justificar a reificação dos papéis sociais.
Nada obstante, pelo que vimos do “paradigma” de S-
chutz desdobrando-se a partir da reciprocidade de pers-
pectivas entre as consciências, podemos notar que a obje-
ção dos críticos rotulando "radical" a sociologia do conhe-
cimento refere-se a um tópico do estudo sociológico
das relações com outrem, como forma de sociabili-
dade, de que se ocupa a microssociologia, tópico esse
que em maneira alguma pudera servir para objetar e mui-
to menos impugnar a orientação da sociologia do conhe-
cimento para estudar os coeficientes humanos e sociais.

Realismo de Saint-Simon

►Em outra passagem, não deixa de ser curioso que crí-


ticos aparentemente contrários à sociologia do conheci-
mento sejam os mesmos a declarar e a recomendar que
se considere a Saint-Simon37 como “o pai da sociologia” 38

quando o posicionamento desse mestre fundador é favo-


rável à sociologia do conhecimento.

37
Claude-Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon, (1760 — 1825).
38
Giddens, Anthony: “A Estrutura de Classes das Sociedades Avançadas”,
op. cit. pág. 25.

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Com efeito, no realismo de Saint-Simon, a sociologia


deve manter o paralelismo e a interpenetração dos modos
de produção material e dos sistemas de conhecimento,
que afinal são somente aspectos parciais dos “regimes”
39
ou, como diríamos hoje, dos tipos de estruturas sociais .
Se a sociologia de Saint-Simon se defronta a limitações
provenientes de seu panteísmo latente (conducente a uma
harmonia otimista que minimiza os conflitos e as antino-
mias entre as classes, entre Estado e Sociedade, etc.), e
encara dificuldades oriundas da confusão entre a sociolo-
gia e a filosofia da história (anunciando a vinda do período
orgânico, sem conflito), no seu realismo, por contra, cabe
à sociologia estudar o esforço coletivo, como consis-
tindo tanto “na produção dos bens materiais por
meio do trabalho sob diferentes formas”, quanto na
“produção das formas de conhecer” (esforço esse
extensível à “produção das formas de estimar”, nas
doutrinas morais).
Estudando a “constante correspondência entre as insti-
tuições e as idéias”, Saint-Simon propõe um esquema para
a sociologia do conhecimento segundo o qual aos regimes
“militares” (conquista, escravatura, servidão, agricultura,
etc.) corresponde em particular o conhecimento teológico,
e aos regimes industriais o conhecimento técnico, de que
o conhecimento científico é apenas um sucedâneo.

39
Gurvitch, Georges (1894-1965): “Problemas de Sociologia do Conheci-
mento”, In Gurvitch (Ed.) et Al.”Tratado de Sociologia - Vol.2”, Trad: Ma. José
Marinho, Revisão: Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto, 1968, [da pág.145
a 189] (1ª edição em Francês: PUF, Paris, 1960). Cf. pág. 147. Op.Cit.
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Mas não é tudo. Gurvitch nota a concepção científica ou


determinística da sociologia e nos lembra que Durkheim
vai buscar conscientemente o termo “fisiologia social” em
Saint-Simon, concebido como “os modos de operar” da
40
sociedade implicando a liberdade humana .
Neste enfoque de Saint-Simon se entende bem que a
sociedade seja “uma enorme oficina” chamada a dominar,
não os indivíduos, mas a natureza, e que “a reunião dos
homens constitui um verdadeiro ser”, mas este ser é
um esforço simultaneamente coletivo e individual, e
é igual, recíproca ou paralela sua capacidade em "espiritu-
alismo" (psicologia coletiva, conhecimento, vida moral, vi-
da do direito, dentre outros setores das obras de civiliza-
ção) e em "materialismo" (morfologia social, incluindo os
recursos, equipamentos, ferramentas, enfim, a infra-
estrutura).
Daí a noção de quadros sociais (incluindo os Nós,
os agrupamentos sociais particulares, as classes, as
sociedades globais), como níveis na configuração da vi-
da das sociedades quanto a sua capacidade igual ou recí-
proca em "espiritualismo" (psicologia coletiva, conheci-
mento, vida moral, vida do direito, dentre outros setores
das obras de civilização) e em materialismo (morfologia
social, infra-estrutura), como disse.

40
Gurvitch, G.: “Breve Esboço da História da Sociologia”, in Gurvitch et al.:
“Tratado de Sociologia - vol.1", trad. Rui Cabeçadas, revisão: Alberto Ferreira,
Porto, Iniciativas Editoriais, 1964, [da pag.51 até págs.98]. 2ª edição corrigida
(1ª edição em Francês: Paris, PUF, 1957). CF. págs. 57 segs. Op. Cit.

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Sem dúvida, críticos como Anthony Giddens assinala


que o tipo de sociedade industrial é sempre calcado na
observação da divisão do trabalho (a grande oficina e suas
engrenagens), porém parece não levar em conta que o es-
tudo dos determinismos sociais e sociológicos está liberto
da projeção de um determinismo único em sociologia,
quase sempre identificado ao modo de produção capitalis-
ta (sobrevivência da filosofia da história do século XIX),
ainda que esse determinismo único seja tratado – à ma-
neira dos escritos sobre o realismo, de George Lukacs
(1885 - 1971) – como engrenagem montada na e sobre a
divisão do trabalho em regime capitalista, e tida como vá-
lida e eficaz acima dos tipos de sociedades particulares e
suas estruturas.
Nada obstante, dizer que a tradição de Saint-Simon deu
41
poucas contribuições importantes à teoria de classes le-
va a desconsiderar que a teoria sociológica de estruturas
ou de sociedades históricas só é eficaz do ponto de vista
da explicação, só ultrapassa os dogmatismos e os precon-
ceitos, se for precedida do estudo (dialético) dos determi-
nismos sociais, a fim de colocar em relevo não só a análi-
se dos níveis de realidade cuja hierarquia integra as estru-
turas sociais, mas, a fim de ressaltar que não há unifica-
ção sociológica dos fatos, das manifestações ou mundos
particulares de realidade (incluindo as classes sociais co-
mo unidades coletivas reais mas parciais) sem o concurso

41
Giddens, Anthony: “A Estrutura de Classes das Sociedades Avançadas”,
op. cit. pág. 28.
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da liberdade humana interveniente nesses determinismos,


de maneira realista e não simplesmente lógica ou mate-
mática.
A “tradição” histórica da sociologia que se nutre em Sa-
int-Simon (e no “jovem” Marx) é notadamente sociologia
diferencial (voltada para o estudo das variações nos qua-
dros sociais) e não apenas sociologia sistemática (limitada
ao estudo das regularidades tendenciais), estando melhor
“aparelhada” que esta última para isolar os preconceitos
filosóficos inconscientes e desmontar os dogmatismos.
Ademais, note-se que, a respeito da decadência do Es-
42
tado e do Contrato no final do século XIX , exatamente
com esses termos seguintes, Émile Durkheim (1858 -
1917) desenvolverá seu conceito de “amorfismo social”
43
·.
Para esse importante autor e mestre fundador da socio-
logia como disciplina científica, a significação sociológica
de tal decadência está em que a mesma se faz em pro-
veito do direito social autônomo, que impulsionará o
desenvolvimento da estrutura de classes no começo do
século XX, com as relações coletivas produzindo sem a
imposição estatal (isto é, em soberania social) os acordos,

42
No marco da Segunda Revolução Industrial iniciada na segunda metade do
século XIX (desenvolvimentos dentro da indústria química, elétrica, de petróleo e
de aço), à decadência do Estado e do Contrato corresponde notadamente o perío-
do datado de 1885 a 1914 (Paz Armada), com o "neo-imperialismo" levando à
contraposição da Tríplice Aliança (Alemanha, Império Austro-Húngaro e Itália),
por um lado, e a Tríplice Entente (Rússia, França e Inglaterra), por outro lado.
43
Émile Durkheim, Le suicide. Étude de sociologie (1897). Paris: Les Presses
universitaires de France, 2 éme édition, 1973, 463 pp. Col: Bibliothèque de philo-
sophie contemporaine. Cf: p. 421 segs.

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as convenções e os contratos coletivos no mundo do tra-


balho e da produção industrial.
A realidade social exclui o chamado "princípio de obedi-
ência à ordem" que rege as consciências fechadas sobre si
mesmas, introspectivas. Aliás, por via de tal negação, o
fato de que o mundo de realidade social ultrapassa qual-
quer imposição de condutas preestabelecidas, constitui
importante diferencial da sociologia, a quem repugna o
paradigma da filosofia social de Thomas Hobbes (1588 -
1679), acolhido em especial pelos cientistas políticos, no-
tadamente o falso postulado da natureza heterogênea, le-
vando ao atomismo que fragmenta a realidade social em
uma poeira de indivíduos isolados ("o homem é o lobo do
homem"), suportes de reflexos condicionados.
Para o sociólogo, suscitando as imanentes forças psi-
cossociológicas de pressão e de atração, a integração no
conjunto da realidade social ultrapassa qualquer força de
imposição, qualquer força que se imponha logicamente do
exterior, ainda que chamada a distribuir prestígio e influ-
ência. A redução de qualquer sociabilidade sem diferenciá-
la à simples interdependência e interação recíproca é um
equívoco, de que não escapou Gabriel Tarde (1843 —
1904) em seu debate com Durkheim44.
►Note-se para concluir que o problema das classes so-
ciais foi vivamente discutido e suscitou forte interesse na

44
Outro equívoco é cometido por Sartre que, sem ter em conta o problema so-
ciológico da formação de um grupo estruturado, identifica o coletivo à sociabilida-
de das séries ou coleções de indivíduos e suas interações (como as pessoas em
um ponto de ônibus, por exemplo). Cf. Jean Paul Sartre: "Critique de...", op. cit.
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45
chamada “École durkheimienne” . Contribuições subs-
tanciais foram aportadas por Marcel Mauss (1872 - 1950),
Celestin Bouglé (1870 – 1940), François Simiand (1873 –
1935) e por Maurice Halbwachs (1877 - 1945) à sociologia
das classes sociais, sendo a obra deste último que seu su-
cessor no ensino, o notável Georges Gurvitch, examinará
detidamente antes de propor o conceito sociológico dife-
46
rencial de classes sociais . Além disso, será da “tradição”
de Saint-Simon que vem o compromisso com a explicação
em sociologia sem o qual é fácil enveredar através de por-
47
tas já abertas .
Finalmente, Saint-Simon trata do que é a realidade so-
cial; trata da relação entre produção material e produção
espiritual; das fases “militar”, “industrial” e das épocas
“críticas”; da dissolução futura do Estado na sociedade e-
conômica e, finalmente, trata das classes sociais. Saint-
Simon apenas vê na economia, na vida moral e na vida
intelectual aspectos de uma atividade coletiva total; é a
correspondência entre estrutura social, produção econô-
mica, propriedade, regime político, idéias intelectuais e
morais, assim como os seus conflitos possíveis, que o in-
teressam.

***

45
Círculo de sociólogos em torno da revista L'Année sociologique fundada em
1898 por Émile Durkheim (1858 - 1917).
46
Gurvitch: “Études sur les Classes Sociales”, Paris, Gonthier 1966, 249 pp.,
Col. Médiations (1ª edição em Francês: Paris, Centre de Documen-tation
Universitaire-CDU, 1954). Cf: pp.14 sq, pp.164 a 200.
47
Circunstância esta que parece acontecer com o próprio Giddens, quem decla-
ra tentar “estabelecer” proposições que “são convencionais e já amplamente acei-
tes” (ib.p.20).

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Ausência da Mirada diferencial em Sartre

48
Se “La Critique de la Raison Dialectique” é obra tipi-
camente representativa do pensamento dialético de todos
os autores modernos que se recusam a romper comple-
tamente com a tradição hegeliana (à exceção de Ernst
49
Bloch ), não se deve olvidar que Sartre se empenha em
desdogmatizar a dialética de Marx.
Assim a leitura de “La Critique...” pode ser cotejada, lo-
go de início, com o preceito desdogmatizador de Georges
Lukacs em “Histoire et Conscience de Classe" ao entender
que a pesquisa dos “pontos de imputação” possíveis de
visões de mundo não é uma explicação causal, mas uma
procura de correlações funcionais com os quadros sociais
50
.
Os aspectos da dialética em Sartre que corroboram es-
te preceito são os seguintes:

48
Sartre, Jean Paul : ‘Critique de la Raison Dialectique – Tome I : théorie
des ensambles pratiques’ (précedé de Questions de Méthode), Paris,
Gallimard, 1960, 756pp. Op.cit.
49
Veja meu estudo intitulado "O Tradicional na Modernização", na Web da
OEI http://www.oei.es/cienciayuniversidad/spip.php?article277
50
Gurvitch, Georges: “Problemas de Sociologia do Conhecimento”, in Gur-
vitch et al.: “Tratado de Sociologia-vol.2”, trad.: Ma. José Marinho, revisão:
Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1968, pp.145 a 189 (1ªedição em
Francês: Paris, PUF,1960). Ver págs. 157 sq.

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(a) - o movimento dialético é de totalização e de “des-


totalização”, excluindo a totalidade metafísica como subs-
tância ou ideal, de tal sorte que as totalidades humanas e
suas partes se engendram reciprocamente na ação, na
produção delas mesmas e das obras materiais e culturais
que as envolvem. É o caráter inacabado, cheio de inespe-
rados de toda a totalidade humana;
(b) - o movimento dialético como práxis humana admi-
te uma identificação com a liberdade humana, só que em
Sartre essa liberdade é puramente negativa (representa a
irredutibilidade do homem à natureza) e, diante dos obs-
táculos, dá lugar à inércia, introduzida tanto na práxis
humana (o “prático-inerte”, muito falado nessa obra)
quanto na dialética ela mesma, onde essa inércia se torna
o momento antidialético da dialética.
Neste ponto nota-se um ceticismo e um pessimismo
exagerado levando Sartre a tratar os conjuntos práticos, a
dimensão social da existência (que a sociologia diferencial
descobre em estado de realidade social) como ameaçada
de cair na inércia e na dispersão das séries.
Quer dizer, para Sartre a sociedade não é macrocosmos
de agrupamentos, mas dispersão das séries de séries (sé-
51
ries de manifestações particulares, séries de fatos ), cuja
combinação é para ele contida sob a designação de “cole-
tivo”, de tal sorte que os grupos e as classes sociais - tidos

51
As Séries para Sartre, compondo a sua noção de coletivo, compreendem em
sua dispersão (a) – as relações de afastamento; (b) – a solidariedade mecânica
no sentido durkheimiano; (a) – a coleção dispersa de indivíduos seguindo o mes-
mo modelo, (c) – as Massas.

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como os primeiros focos da “práxis comum” - são eles


mesmos ameaçados de dissolução nas séries.
O alargamento do “prático-inerte” põe em relevo que,
para Sartre, por sua confiança na práxis, na liberdade e na
dialética da existência individual, a própria dialética é ne-
gativa dos conjuntos práticos e se reduz a um método
demonstrando que esses conjuntos não são realidades,
mas são “quase sombras” projetadas, por um lado, pelas
existências individuais, por outro lado, pela história uni-
52.
versal idêntica à razão
Será exatamente por rejeitar a subjetividade coletiva
(aspiração coletiva aos valores) como aspecto da realidade
social que Sartre acaba numa estranha combinação do e-
xistencialismo, da filosofia social de Hobbes, da filosofia da
história de Hegel e da sociologia de Marx, representando
um mundo humano algo imaginário, mas em todo o caso
“perfeitamente abstrato”.
Apesar desse alheamento sartreano do coletivo real,
pode-se realçar a sociologia de Sartre (a) - como definida
em termos de “momento provisório da totalização históri-
ca”, (b) – como, no seu dizer, estudando “as formas ele-
mentares que a história totaliza”. Tendo em conta que este
autor não distingue entre realidade histórica como setor
privilegiado da realidade social e historiografia ou saber

52
No esquema de "La Critique..." é concedido relevo (1) à “crença no todo-
poderio da razão dialética” que é identificada à práxis individual e ao movimento
dialético da história realizando a razão universal, com a razão dialética, porém,
triunfando no fim sobre essas suas duas identificações; (2) à crença na inteligibi-
lidade perfeita da história, cuja dialética conduziria, por sua vez, à vitória da ra-
zão universal sobre todos os obstáculos (reconciliação de Descartes e Hegel).

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histórico, substituindo no “termo história” as sociedades


globais, das quais não reconhece a existência, isto é, as
reduz à sua historicidade.
A sociologia de Sartre começa, então, (a) – pelo estudo
dos “conjuntos prático-inertes”, (b) – prossegue pelo es-
tudo dos grupos de diferentes gêneros e (c) – acaba nas
classes sociais que supostamente constituem a passagem
para a história, desconhecendo que as manifestações da
sociabilidade são as primeiras antíteses salutares que se
opõem ao prático-inerte.
Esse autor desconhece igualmente que os Nós são pre-
cisamente compreendidos em um movimento dialético real
pela simples razão de que: “se interpenetrar ou fusionar
parcialmente não quer dizer em absoluto se identificar,
mas quer dizer se afirmar, de uma só vez, irredutíveis e
participantes, unidos e múltiplos”.
Na linguagem de Sartre, os conjuntos prático-inertes
53
corresponderiam à base morfológica da vida social , a
qual em sua obra é definida como maneiras de existir fora
de si, mediação entre a matéria aberta e o humano, medi-
ação que é ao mesmo tempo objetivação alienada.
Acontece que Sartre aí inclui também os termos “seria-
lidade” e coletividade, tomados como “certas formas ele-
mentares da vida social”. Quer dizer, este autor não per-
cebe que o seu termo de “conjuntos prático-inertes”, por

53
Do ponto de vista sociológico, no domínio da morfologia social se inclui a ins-
trumentalização da realidade material com toda a aparelhagem técnica que cir-
cunda o homem e, mais amplamente, todas as expressões exteriormente percep-
tíveis dos produtos humanos.
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impróprio, se refere ao segundo caso, à inclusão das for-


mas elementares; e, no primeiro caso, que inclui a ins-
trumentalização da realidade material e etc., o seu termo
54
adequado é de “campos prático-inertes” .
Quanto ao termo pouco claro de “série”, há que notar a
inutilidade da reunião sob esse termo de três ou quatro
manifestações diferentes da vida social (relações de afas-
tamento; Massas; solidariedade mecânica no sentido dur-
kheimiano; enfim, coleção dispersa de indivíduos seguindo
o mesmo modelo). Há que manifestar precaução quando
Sartre afirma que as “séries servem de fundamento a toda
a sociabilidade”, de tal sorte que este autor chega facil-
mente à conclusão nefasta para a vida social de que “a to-
talidade é aqui (no âmbito da sociabilidade) totalização
prático-inerte da série das negações concretas de toda a
totalidade”.
Quer dizer, para Sartre a dialética real não operaria na
sociabilidade, a qual desse modo não passaria de uma
55
sombra .
De fato, escampam-lhe os procedimentos dialéticos
efetivos que operam na sociabilidade, inclusive os seguin-
tes: (a) - o fato de que existem as relações com outrem
mistas, onde alguém se aproxima distanciando-se e se
distancia aproximando-se (relações bem notadas em cer-
tas situações contratuais); (b) – o fato de que essas rela-
ções podem ser ativo-passivas ou ativas; (c) - que elas

54
Gurvitch, G (1894-1965): "Dialectique et Sociologie", op. Cit.
55
Ibidem, idem

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pressupõem, todas elas, a existência de Nós lhes servindo


de fundamento; e (d) - que as massas podem tornar-se
ativas.
Seja como for, é crítico o desconhecimento dos proble-
mas da microssociologia, em especial o desprezo pelos
Nós como focos de interpenetrações das consciências e
das condutas, suas fusões parciais constituindo os fenô-
menos de participação direta dos indivíduos nas totalida-
des espontâneas.
Os Nós são precisamente compreendidos em um mo-
vimento dialético real como disse pela simples razão de
que: “se interpenetrar ou fusionar parcialmente não quer
dizer em absoluto se identificar, mas quer dizer se afirmar,
de uma só vez, irredutíveis e participantes, unidos e múl-
tiplos”. Cabe, portanto, o lamento de que é justamente
neste ponto onde a aplicação do paradigma da relativida-
de na vida social tem pela primeira vez essencialmente ca-
rência de aprofundamentos na dialética complexa que o
Sartre intelectual pensador de fôlego a abandona à sua
56
própria sorte .
Cabe, então, inferir que Sartre construiu artificialmente
o seu termo de “séries” para exatamente evitar os pro-
blemas da microssociologia e deixar de lado que as mani-
festações da sociabilidade são as primeiras antíteses salu-
tares que se opõem ao prático-inerte.

56
Gurvitch, Georges (1894-1965): “Dialectique et Sociologie”, Flammarion,
Paris 1962, 312 pp., Col. Science. Op.Cit. pág. 215.

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Pior ainda: na concepção esquiva de Sartre, os grupos


e as classes seriam as primeiras antíteses salutares - em
vez das manifestações de sociabilidade - que se oporiam
aos conjuntos práticos inertes pelos quais, todavia, os
próprios grupos e classes permaneceriam ameaçados.
Há ainda em Sartre um esforço desesperado para che-
gar aos Nós sob o aspecto da comunidade. Isso é notado
na sua sociologia dos grupos, já que o grupo, nessa visão,
não pode ser tornado inteligível sem a dialética sartreana
entre “projeto, juramento, invenção, medo”, que alí é tida
como a fonte da “dimensão da comunidade” e, mais exa-
tamente, a fonte do que Sartre chama “práxis comum”,
que é ao mesmo tempo uma ligação de “reciprocidade
ambivalente”.
Esforço teorético este tornado impossível pela própria
maneira com que o pensador põe o problema, terminando
por reduzir “a comunidade prática” a uma destotalização
perpétua, mediante a formulação de uma práxis comum
que não existe em lugar nenhum senão por toda a parte,
ubiqüidade essa que é uma determinação prática de cada
um por cada um e de cada um por todos.
Tal esquiva é feita ao mesmo tempo em que se consi-
deram as “comunidades práticas" como o que mantém a
coesão relativa de um grupo na sua oposição à série. Daí
o caráter miraculoso da dialética de Sartre como fonte da
“práxis comum”: a dialética das existências individuais, a

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qual engendra a realidade dos grupos, malgrado sua im-


57
possibilidade .
Seja como for, ao preservar o conceito de instituição
como práxis e coisa, mas desconhecer a reciprocidade dos
atos e das obras, “das maneiras de ser e dos jeitos de se
ver” (“controles sociais”), em que o conceito de estrutura
se revela o mais dialético com os atos não sendo reduzi-
dos à objetivação nas obras de civilização, tal "dialética
das existências individuais" não ajuda Sartre a entrever os
conflitos reais entre os aparelhos organizados, as estrutu-
ras propriamente ditas e, enfim, a vida espontânea dos
grupos.
58
Sem ultrapassar o antigo paradigma de localização ,
J.P.Sartre não aproveita em absoluto da dialética para es-
tudar a realidade social e só se ocupa de um mundo social
imaginário, totalmente engendrado pela “razão dialética”
toda poderosa, camuflando uma filosofia preconcebida.
Ainda que Sartre fale da experiência dialética onde “se
trata de aprender e não de reencontrar”, “onde coisa al-
guma é segura e é preciso prosseguir”, tudo indica que,
nos seus conteúdos ou em seus quadros de referência, o
autor de "La Critique de la Raison Dialectique" se encontra
muito distante dessa afirmação de uma perpétua renova-
ção graças à dialética e à experiência humana.
Finalmente, fracassou o esforço de Sartre para sinteti-
zar o existencialismo, Hegel e Marx na sua teoria da razão

57
Ibid, ibibem.
58
O individualismo radical de Sartre nutre-se no atomismo social de Hobbes.

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dialética, ficando frustrado o seu desejo de lançar os pro-


legômenos a toda à antropologia futura, incluindo a histó-
59
ria humana, a sociologia e a etnologia .

***

59
Gurvitch, Georges: "Dialectique et Sociologie”, op. Cit, p.226.

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a partir de sua Web "Leituras do Século XX", e os difunde em coo-
peração junto à Web da Organización de Estados Iberoamericanos para la
educación, la ciencia y la cultura – OEI.
Também os difundiu na Web do Ministério da Educação (Websi-
te Domínio Público) e no OpenFSM.

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Este E-book foi concluído em Janeiro de 2011.
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