Lisiane Santos da1;MUELLER, Eduardo Negri 1 ; XAVIER, Fernanda da Silva1; GUIM, Thomas Normanton 2; ANTUNES, Tatiana de Ávila 2; NOBRE, Márcia de Oliveira1
1- Departamento de Clinicas Veterinária - FV/ UFPEL
2- Programa de Pós-Graduação em Veterinária – FV/UFPel UFPel, Campus Universitário, Depto de Clínicas Veterinária,marianatillmann@yahoo.com.br
1- Introdução
Os rins tem como função a excreção de metabólitos tóxicos ao organismo
através da depuração sangüínea, reabsorção de fluidos e alguns processos endócrinos como a produção de hormônios como a eritropoetina, que estimula a medula óssea na produção dos glóbulos vermelhos [6]. A insuficiência renal (IR) é caracterizada pela incapacidade dos rins em manter as funções de conservação, excreção e produção de hormônios deles exigida. Os resultados são retenção de solutos nitrogenados, distúrbios do equilíbrio hidroeletrolitico e ácido-básico, entre outras manifestações extra-renais. O resultado da insuficiência renal é uma intoxicação denominada uremia [5]. Esta pode afetar cães de qualquer raça, sexo e idade, porém a maior incidência ocorre em cães de raças definidas e idosos [2]. As doenças renais estão entre as causas mais significativas de morte e incapacidade em cães. Algumas raças são predispostas devido à nefropatias congênitas, porém a maior parte dos pacientes apresentam doença renal adquirida. Também podem ocorrer após danos glomerulares e túbulo intersticiais, através de enfermidades que cursam com distúrbios infecciosos, inflamatórios, neoplasmas renais e pela utilização de substâncias nefrotóxicas [4]. A IR ocorre quando 75% ou mais dos néfrons, de ambos os rins, estão afuncionais, prejudicando assim a capacidade do rim de realizar suas funções [4]. Os principais sinais clínicos dessa afecção são hiperazotemia, hiperfosfatemia, isostenúria, anemia não regenerativa, prostração, desidratação, poliúria, polidipsia,, anorexia e emese [2]. Essas alterações ocorrem como tentativa do organismo de compensar a perda das funções renais, eliminando resíduos que se acumularam na corrente sanguínea [6]. O objetivo deste trabalho é relatar as alterações em um canino com IR e discutir as possíveis etiologias.
2- Material e Métodos
Foi atendido no Hospital de Clínicas Veterinária da Universidade Federal de
Pelotas (HCV- UFPEL) em junho de 2006, um canino, macho da raça Basset Hound com sete anos de idade, que apresentava Insuficiência Cardíaca Congestiva grau II já diagnosticada em consulta anterior. Na anamnese o proprietário relatou que o animal apresentava intensa dor abdominal, apatia, anorexia, anúria, impossibilidade de se levantar e caminhar, gemidos e agressividade em função da dor. Ao exame físico verificou-se taquicardia e temperatura retal de 39,9ºC. À palpação observou-se espessamento da bexiga e rins, e próstata com aumento de volume. Dor muita intensa suspeitando-se de o animal estar com um alto grau de uremia devido à anúria. O paciente foi internado e para a realização do diagnóstico foi requisitado hemograma, bioquímica sérica, radiografia e ultra-sonografia abdominal.
3- Resultados e Discussão
Na avaliação do hemograma foi constatado através da série branca que o animal
estava com uma infecção severa, pois apresentava uma leucocitose (30.900 leucócitos/mm3 ) com desvio à esquerda regenerativo muito acima dos padrões fisiológicos. Também foi verificado um pequeno grau de anemia normocítica normocrômica. Na bioquímica sérica o animal estava apresentando uma hipoglicemia devido ao jejum alimentar, e na urinálise havia presença de bacteriúria moderada, a urina estava com aspecto turvo e com elevado número de leucócitos. A infecção do trato urinário (ITU) pode ser confirmada pela presença de células epiteliais e hemácias que indicam que estava ocorrendo uma possível lesão renal. A densidade da urina estava um pouco abaixo dos padrões fisiológicos devido à proteinúria que também indica alteração renal. A anemia normocítica normocrônica pode ser ocasionada por uma disfunção renal, pois há uma diminuição da síntese de eritropoetina[1]. Após análise dos exames laboratoriais foi utilizado como terapia medicamentosa antibioticoterapia e analgésicos. Como o animal não se alimentava foi estipulado como terapia de suporte fluidoterapia com solução de ringer lactato, intercalado com solução fisiológica (0,9% NaCl). Este procedimento foi realizado com o intuito de manter o paciente hidratado e estimular a função renal. Devido à presença de uma ITU e do quadro de anúria o paciente foi mantido com sonda uretral com o propósito de controlar a produção de urina e evitar a retenção de urina. No exame radiológico, simples e contrastado, foi constatado hipofuncionalidade dos rins, bexiga com espessamento da parede e aumento da próstata . No diagnóstico ultra-sonográfico verificou-se que o rim direito media aproximadamente 8,9cm e o esquerdo 6,8-7,0cm em seu eixo maior, com dilatação de pelve e perda da arquitetura característica do órgão. Na vesícula urinária observou-se importante espessamento generalizado das paredes e mucosa irregular, medindo aproximadamente de 0,4cm até 0,6cm e presença de conteúdo anecogênico com grande quantidade de pontos ecogênicos em suspensão (celularidade/cristais). No aparelho reprodutor a próstata mediu aproximadamente 3,0cm de diâmetro, com parênquima homogêneo, aspecto bilobado mantido e o testículo apresentava arquitetura preservada e aspecto normal. A interpretação dos exames realizados indicou que o animal apresentava cistite crônica e disfunção renal. O tratamento estipulado após a realização do diagnóstico presuntivo foi antibioticoterapia a base de ampicilina por via sub-cutânea, na dose de 20mg/kg de 8 em 8 horas associado a 5mg/kg de enrofloxacina 10% de 12 em 12 horas. Como analgésico foi utilizado cloritrado de tramadol, por via intra muscular na dose de 2,5mg/kg, duas vezes ao dia. O animal foi mantido sondado e com fluidoterapia durante 14 dias, sem alimentação por via oral. A antibioticoterapia foi administrada em altas dosagens e com a utilização de associação de princípios ativos com o objetivo de manter altas concentrações no organismo para combater o microorganismo agressor. Para o acompanhamento do quadro clinico foi realizado hemograma completo, urinálise e bioquímica sérica. Na bioquímica foi constatado que a uréia estava a 119mg/dl e a creatinina estava a 1,07U/L, sendo que durante os 22 dias de tratamento estes valores foram reduzidos a 37mg/dl e a 0,61 U/L, respectivamente. Após 14 dias de tratamento houve uma significante melhora do quadro clínico, pois o animal iniciou a ser alimentando por via oral, ingerir água, urinar sem o auxilio da sonda e caminhar. Devido a isto, foi adotada uma dieta alimentar com ração especifica para pacientes com disfunções renais Royal Canin Renal® e a sua terapia medicamentosa se restringiu a antibioticoterapia. O paciente recebeu alta sendo prescrito antibioticoterapia por via oral (enrofloxacina 50mg, 2 comprimidos de 8 em 8 horas) e maleato de enalapril (0,5mg/kg de 12 em 12 horas por via oral) devido a cardiopatia existente. Como terapia dietética foi mantido a ração especifica para pacientes com disfunções renais, pois estas tem uma menor concentração de fósforo e outras substâncias que auxiliam na depuração sangüínea e dessa maneira diminuem a sobrecarga dos rins. É necessário tratamento prolongado (4 a 6 semanas) com antibiótico para pacientes com infecções complicadas do trato urinário e exames de acompanhamento cuidadosos devem ser feitos nesses animais [1]. Por isso foi realizado hemograma completo, bioquímica sérica e urinálise, após o paciente ter recebido alta. Após 28 dias foi realizado novos exames complementares, sendo revelado no hemograma leucocitose (15.600 leucócitos/mm3) devido a uma linfocitose e eosinofilia sendo observado uma redução da contagem de leucócitos totais. Na série vermelha foi constatado uma melhora da anemia. Na urinálise observou-se um aumento do número de leucócitos e hemácias demonstrando uma alteração renal e na bioquímica sérica houve um aumento do nível de uréia. A análise dos exames realizados demonstraram recidiva do quadro clínico devido a azotemia e as alterações do exame de urina. Após um mês de seu quadro clinico ter melhorado o canino retornou ao HCV com queixa de tosse e angústia respiratória progredindo para morte súbita, sendo encaminhado para o Laboratório Regional de Diagnóstico da UFPel para a realização de necropsia. Macroscopicamente foi observado espessamento das válvulas atrioventriculares do coração esquerdo e presença de trombos calcificados aderidos às mesmas. Provavelmente houve um quadro de endocardiose seguido por uma endocardite. Os rins apresentavam coloração levemente pálida, com áreas de depressão e aderência da cápsula de Bowman, superfície de corte revelando lesões em forma de cunha e coloração esbranquiçada, identificadas microscopicamente como infartos. Além disso, pode-se constatar histologicamente uma glomerulonefrite membranosa e glomeruloesclerose, indicando estágio renal terminal. O fígado apresentava-se congesto, com aumento do padrão lobular e com múltiplos pontos esbranquiçados distribuídos pela cápsula, podendo estas lesões estarem associadas com o quadro de insuficiência cardíaca congestiva que acometia o animal. As lesões renais, neste caso, podem ou não estarem associadas com as lesões cardíacas. Provavelmente houve um desprendimento de microtrombos ou êmbolos das válvulas cardíacas com posterior alojamento na vascularização capilar renal, interrompendo o fluxo sanguíneo local e produzindo isquemia, seguido por áreas de necrose tecidual. Entretanto, além das áreas de infarto, foi observado lesões glomerulares do tipo membranosa, que estão associadas com a deposição de imunocomplexos. A glomerulonefrite por imunocomplexos ocorre associada a infecções persistentes ou outras doenças que apresentam antigenemia prolongada [7]. Neste caso, não foi possível identificar precisamente a causa da formação de imunocomplexos, mas esta pode estar associada com a endocardite valvular que acometia o paciente.
5-Conclusão
Quadros de insuficiência renal são comumente encontrados em cães. Neste
caso houve um agravamento das manifestações clínicas renais em função da disfunção cardíaca que acometia o animal, gerando quadro sintomatológico atípico, confundindo o clínico no estabelecimento de um diagnóstico preciso. Ressalta-se a importância da utilização dos meios auxiliares de diagnóstico e da avaliação anatomo-patológica post- mortem para uma melhor compreensão da patogenia destas duas síndromes frequentemente encontradas na rotina clínica de animais de companhia. 6 – Referências Bibliográficas
[1] Nelson,R.W.;Couto,C.G.Medicina Interna de pequenos Animais. Editora
Guanabara Koogan, 2001,segunda Edição, p.1162 [2] Coelho;B., Ikesaki;J., Simões;D., Kanayama;L.,Kosika; M. Insuficiência renal cônica em cães jovens: estudo clínico de 25 casos. Revista Clínica Veterinária, n 33, p.52-6, 2001 [3] Maciel;R, Thomé;S. Insuficiência Renal Crônica em Caninos. Produção Cientifica dos Docentes da ULBRA 2004 [4] Sella;A., Weber; D., Bronzato; M., Seopel; P., Mostardeiro;P., Gianotti; M., Teixeira; F., Baptista; N. Relatório de Caso Clinico: Insuficiência Renal Crônica. Universidade Federal do Rio grande do Sul 2001 [5] Cunnigham; J. Tratado de Fisiologia Veterinária. Editora Guanabara Koogan, 2004, 3 ed, p. 443-450 [6] Confer, A.W.; Panciera, R.J. Sistema Urinário In: Carlton, W.W.; McGavin, M.D. Patología Veterinária Especial de Thompson, Art Méd, 1998, 2ed., p.228-
Quadros de insuficiência renal são comumente encontrados em cães. Neste
caso houve um agravamento das manifestações clínicas renais em função da disfunção cardíaca que acometia o animal, gerando quadro sintomatológico atípico, confundindo o clínico no estabelecimento de um diagnóstico preciso. Ressalta-se a importância da utilização dos meios auxiliares de diagnóstico e da avaliação anatomo-patológica post-mortem para uma melhor compreensão da patogenia destas duas síndromes frequentemente encontradas na rotina clínica de animais de companhia260