SÍNDROMEDE
DECASOS
GUILLAIN-BARRÉ Bolan et al. RELATOS DE CASOS
Com freqüência os sintomas ini- alteração do líquido cefalorraquidiano; ministrada por 2, 3 ou 5 dias. A plas-
ciais constituem formigamento e “sen- a proteína está elevada mais que o do- maférese, corticóides e ou drogas imu-
sações de alfinetadas e agulhadas” nos bro do limite superior do normal, o ní- nossupressoras são alternativas se a
pés, podendo ser associado a lombal- vel de glicose é normal e não há pleo- imunoglobulina for ineficaz (6).
gia aguda. O paciente geralmente tem citose (4). Apesar dessa elevação ser O prognóstico da SGB varia de
fraqueza muscular, a qual costuma ser característica, o aumento habitualmen- acordo com a idade, a gravidade e o
proeminente nas pernas, porém os bra- te só é observado depois da primeira grau com que a degeneração axonal
ços ou a musculatura craniana podem semana, e não durante os primeiros excede a desmielinização (7).
ser inicialmente acometidos (4). Nos dias, quando o diagnóstico ainda pode A evolução geralmente é benigna,
casos com início abrupto, dor à palpa- ser incerto. Os exames eletrodiagnós- e a recuperação espontânea começa em
ção e espontânea nos músculos é co- ticos cuidadosos geralmente podem 2 a 3 semanas. A maioria dos pacien-
mum nos estágios iniciais. A fraqueza identificar pelo menos anormalidades tes recupera toda a força muscular, em-
progride, atingindo o máximo dentro leves nos estágios iniciais. Todas as cir- bora alguns continuem com fraqueza
de 30 dias e, em geral, em 14 dias. A cunstâncias restantes que se asseme- residual. A melhora geralmente segue
progressão pode ser alarmantemente lham à síndrome de Guillain-Barré um gradiente inverso à direção do en-
rápida, de modo que pode ocorrer per- devem também ser excluídas (2). Po- volvimento (5). Trata-se de doença mo-
da de funções fundamentais, como a dem-se usar os critérios clínicos diag- nofásica e que raramente recidiva (8).
respiração, em poucos dias ou até mes- nósticos encontrados no Quadro 1. Atualmente, as causas de óbito não
mo em algumas horas. O envolvimen- Nos primeiros estágios da doença, mais estão relacionadas ao quadro de
to bulbar ocorre em cerca de 50% dos os pacientes devem ser hospitalizados insuficiência respiratória, mas às com-
casos. A taxa elevada de mortalidade para observação, porque a paralisia as- plicações infecciosas e trombóticas (2).
relacionada à doença poderia ser ex- cendente pode envolver rapidamente Importante relatar que após o advento da
plicada pela rápida paresia de múscu- os músculos respiratórios nas 24 ho- vacina contra a poliomielite, a SGB tor-
los respiratórios, seguidos de falência ras subseqüentes (5). A observação, nou-se a causa mais freqüente de parali-
respiratória (2). com cuidados intensivos, devem ser sia flácida aguda em todo o mundo (4).
Não há nenhum teste específico iniciadas precocemente. A paralisia as-
para o diagnóstico, sendo feito pelas cendente rapidamente progressiva é
características clínicas e também pela tratada com a imunoglobulina EV ad- R ELATO DO CASO
dor intensa à mínima movimentação e No 60o dia de internação, a pacien- na adolescência e no adulto jovem, pro-
à palpação dos grupos musculares dos te obteve alta hospitalar e já podia co- vavelmente devido ao maior risco de
membros inferiores e superiores, ede- mer sem nenhuma dificuldade (inclu- infecções, predominando no sexo
ma simétrico em membros, diminuição sive alimentos sólidos), levar as mãos masculino (6). Este caso contraria as
da força muscular avaliada utilizando até a boca, sentar com ajuda, fletir a estatísticas por se tratar de uma meni-
escala de déficit motor – Medical Re- coxa e estender as pernas. Aproxima- na pré-escolar de 4 anos.
search Council (MRC)(10) – e soman- damente 5 meses depois do início da Nenhum teste laboratorial é espe-
do os pontos de 6 músculos de cada doença, iniciou a deambulação, e apre- cífico para a SGB. Apesar de a eleva-
lado (deltóide, bíceps braquial, exten- sentava-se em bom estado geral, sem ção do nível liquórico de proteína ser
sor do punho, íleo-psoas, quadríceps e seqüelas. característica, o aumento habitualmen-
tibial anterior). Nessa escala, a força te só é observado depois da primeira
varia de 0 (plegia) a 60 pontos (força semana, como o ocorrido.
normal); na nossa paciente teve o va- D ISCUSSÃO O diagnóstico diferencial que mais
lor total de 40. O restante do exame deve ser considerado na suspeita clínica
mostrava integridade das funções su- A síndrome de Guillain-Barré é de SGB, após a poliomielite, é a poli-
periores, arreflexia generalizada, au- uma polineuropatia inflamatória agu- neuropatia inflamatória crônica desmie-
sência de reflexo cutâneo plantar fle- da, de curso monofásico, com remis- linizante, entidade de início gradual e
xor bilateral, hipoestesia distal em dis- são potencialmente espontânea (9). O lento e com duração prolongada (até vá-
tribuição de luvas e meias. Eupnéica, diagnóstico se sustenta primeiramente rios anos). Outras doenças neuromuscu-
afebril, ausculta respiratória e cardía- pelas manifestações clínicas, depois lares também devem fazer parte do diag-
ca normais. Realizados hemograma, pelos estudos eletrofisiológicos e aná- nóstico diferencial, as quais, entretanto,
PCR, hemossedimentação, creatinina, lise do líquido cefalorraquidiano. Em têm início em fases mais precoces da
uréia e punção lombar para análise lí- geral, as manifestações clínicas são vida, tais como doença de Werdnig-Ho-
quorica, com resultados dentro dos antecedidas por infecção viral, seja res- ffmann, distrofia miotônica, miastenia
padrões da normalidade. Como exame piratória ou intestinal (2). Achados co- gravis, miopatia congênita, distrofia
de imagem fez tomografia axial compu- muns como rigidez nucal, dor em muscular congênita, tétano, doença de
tadorizada de crânio, para excluir possí- membros inferiores e a perda de con- Ehlers-Danlos, paralisia cerebral e doen-
veis alterações, estando normal. A dosa- trole esfincteriano, além da presença ças metabólicas e genéticas (doença de
gem sérica de enzimas musculares CK de parestesias, alterações de sensório, Prader-Willis, por exemplo).
se apresentou levemente elevada. lombalgia, recusa ou incapacidade para Alguns autores têm observado que
No 3o dia de internação, evoluiu deambular ou subir escadas, assimetria o uso da imunoglobulina endovenosa
com piora progressiva do quadro, difi- da marcha, fraqueza ascendente, des- em crianças com SGB está associado
culdade para deglutição, constipação de os membros inferiores até os mús- com menor tempo de uso de ventila-
e anúria, sendo transferida para a Uni- culos bulbares, e depressão do reflexo ção mecânica, menor permanência em
dade de Terapia Intensiva, onde per- tendinoso profundo podem ser encon- UTI e internação hospitalar menos pro-
maneceu sob cuidados para prevenção trados (2, 10, 11). longada (6, 12). Com a introdução de
de uma possível insuficiência respira- No caso relatado, a paciente cum- tratamento específico, com imunoglo-
tória aguda e seguimento do tratamen- pria os critérios estabelecidos para o bulina humana EV e corticoíde VO, foi
to. Houve diminuição da capacidade diagnóstico da forma clássica da SGB observado melhora do quadro e tam-
vital, porém não necessitou de venti- (6), apresentando fraqueza muscular bém com seguimento de fisioterapia
lação mecânica. periférica ascendente, progressiva e respiratória e motora.
O tratamento foi iniciado logo após simétrica e poucos sintomas sensoriais.
admissão com imunoglobulina huma- Habitualmente, a SGB é doença mo-
na 5g IV uma vez ao dia por 5 dias e nofásica, com início agudo/subagudo, R EFERÊNCIAS
corticóide (prednisona) 30mg VO pela caracterizada por debilidade progres- BIBLIOGRÁFICAS
manhã. siva durante 4 semanas, um período de
Houve melhora da força muscular estabilidade (platô) e uma última fase 1. HARTUNG HP, POLLARD JD, HAR-
no 20o dia da internação, a melhora de recuperação que pode durar meses VEY G, TOYKA KL. Immunopathoge-
nesis and treatment of the Guillain-Bar-
seguiu um gradiente inverso à direção (3,6). No caso relatado, a evolução se ré syndrome. Muscle Nerve 1995;
do envolvimento, com a recuperação manteve em um período de platô e após 18:137-153.
na deglutição primeiro e fraqueza dos 6 meses, de forma progressiva, apre- 2. SANTANA JCB, GARCIA PCR, EIN-
membros inferiores por último. Reali- sentou recuperação completa. LOFT PR, KIPPER DJ, CHIAPIN ML,
zou-se novamente dosagem de creati- Esta síndrome acomete todas as ida- SKRSYPCSAK F. Distúrbios autonômi-
cos na Síndrome de Guillain-Barré: ex-
nofosfoquinase, que se apresentou den- des; no entanto, alguns estudos epide- periência de 13 anos em UTI pediátrica.
tro dos padrões de normalidade. miológicos mostram um pequeno pico Jornal de Pediatria.1996; 72(1)
3. DOURADO ME. Síndrome de Guillain- cent advances. Indian J Pediatr. 2000 12. TOSTA ED, KÜCKELHAUS CS. Gui-
Barré: análise clínica, eletrofisiológica e Sep;67(9):635-46. llain Barre Syndrome in a population less
evolução a curto-médio prazo em 19 pa- 8. BARREIRA AA. Tratamento das Doen- than 15 years old in Brazil. Arq Neurop-
cientes (Abstr). Arq Neuropsiquiatr 1996 ças Neurológicas: Mello-Souza 2000, ca- siquiatr 2002;60(2-B):367-373.
(Suppl), 54:234. pítulo 131 399-402. 13. KHARBANDA PS, PRABHAKAR S,
4. GOLDMAN II. Cecil Tratado de Medi- 9. ORTEGA JFF, ROMÁN JPR, CASTAIN LAL V, DAS CP. Visual loss with papil-
cina Interna. 22.ed. Editora Elsevier. MJN, MARTÍN EM, UTRERA MB. Sín- ledema in Guillain-Barre syndrome. De-
2005. drome de Guillain-Barré en Unidad de partment of Neurology, Postgraduate Ins-
5. BERHMAN, KLIEGMAN, JENSON. Cuidados Intensivos. Rev Neurol 2001; titute of Medical Education and Re-
Nelson Tratado de Pediatria, 17.ed. Rio 33 (4): 318-324. search, Chandigarh. 2002; 50(4): 528-9.
de Janeiro. Guanabara. 2004. 10. ASBURY AK, ARNASON BS, KARP 14. SOMARAJAN A. Guillain Barre syn-
6. DOURADO ME, FREITAS ML, SAN- HR, MCFARLIN DE. Criteria for diag- drome with brisk reflexes-another vari-
TOS FM. Síndrome de Guillain-Barré nosis of Guillain-Barré Syndrome. Arch ant. Neurol India 2006 [cited 2006 Jul
com flutuações relacionadas ao tratamen- Intern Med 1980, 140:1053-1057. 27]; 54:215-216.
to com imunoglobulina humana endove- 11. RENTALA H, UHARI M, NIEMELA 15. SANTOS NQ, AZOUBEL ACB, LOPES
nosa curso trifásico. Relato de caso. Arq. M. Occurrence, clinical manifestations, AA, COSTA G, BACELLAR A. Gui-
Neuropsiquiatr 1998; 56 (3-A): 476-479. and prognosis of Guillain-Barré Syn- llain-Barré Syndrome in the course of
7. VEDANARAYANAN VV, CHAU- drome. Arch Dis Child 1991; 66:706- Dengue – Case Repot. Arq Neuropsiqui-
DHRY V. Guillian Barre syndrome–re- 09. atr 2004; 62(1): 144-146.