E STA D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 3 D E J U L H O D E 2 0 0 8

GERAIS 25

SOB O PESO DO OURO

AGRICULTURA BASEADA NA IRRIGAÇÃO, UMA DAS MAIS DINÂMICAS DO ESTADO, SOFRE
CONCORRÊNCIA DO CONSUMO DA GIGANTESCA ESTRUTURA DE EXPLORAÇÃO DO METAL
FOTOS: BETO MAGALHÃES/EM/ D. A PRESS

O agricultor Saulo Lespequeur, em lavoura de feijão na Bacia do Córrego São Pedro, defende prioridade da produção de alimentos no uso dos recursos hídricos disponíveis no município

Além de represar cursos d’água natu-

rais na área da mina, a Rio Paracatu Mi-
neração (RPM) capta a distância um
grande volume de água em córregos da
Bacia do Rio São Francisco para uso no
processo de concentração de ouro. Agri-
cultores do município estão preocupa-
dos com o risco de a expansão da em-
presa acarretar ainda mais restrições de
uso da água na Sub-bacia do Rio Paraca-
tu, até porque a nova barragem represa-
rá outro importante manancial, o Cór-
rego Machadinho. Desde o início deste
mês, por causa do fraco volume de chu-
vas em 2008, os irrigantes do Córrego
São Pedro reduziram à metade a área ir-
rigada e dizem esperar que a minerado-
ra também economize água. No mesmo
DISPUTA PELA ÁGUA
córrego, a RPM tem bombas instaladas
e licença para captar até 0,4 metro cúbi-
co por segundo, equivalente ao dobro
da capacidade de distribuição de água
da Copasa para a cidade (0,21 metro cú-
bico) por segundo.
Integrante de uma família tradicio-
nal de agricultores de Paracatu, Saulo
Adjuto Lepesqueur lembra que no fim
de 2002 a Bacia do Rio Entre Ribeiros, que
inclui o afluente São Pedro, entrou em
colapso. “O rio parou de correr por causa
do ciclo ruim de chuvas a partir de 1998
e do intenso uso da água para a irrigação.
Não queremos que isso volte a ocorrer e
entendemos que a RPM deve dar a sua
contribuição”, afirma. O fazendeiro pro-
duz sementes de milho híbrido para a
unidade da Monsanto em Paracatu, cul-
tiva feijão, soja e cria gado nelore. Diz
que a agricultura é tão ou mais impor-
tante economicamente do que a mine-
ração em Paracatu e deveria ser valoriza-
da num momento em que o mundo es-
tá em crise de oferta de alimentos.
PENDÊNCIAS A Rio Paracatu Mineração
acumula pendências também com fa-
zendeiros que eram donos das terras
onde a mina está instalada. Em 21 de
maio, a família Albernaz Santos ganhou
na Justiça, em primeira instância, uma
indenização de aproximadamente R$
30 milhões referentes a royalties pela
exploração mineral. O processo se arras-
tava havia 11 anos. Pela legislação brasi-
leira, os donos da terra, chamados de su-
perficiários, têm direito a 0,5% do fatu-
ramento líquido da mineradora. Um re-
curso da RPM contra a decisão da Justiça
de Paracatu tramita no Tribunal de Jus-
tiça de Minas Gerais.
Paulo Roberto Santos, herdeiro e ad-
vogado da família no processo, diz que a
empresa, quando comprou as terras, fez
uma oferta irrisória de dinheiro para qui-
tar os royalties futuros. “Por isso decidi-
mos ir à Justiça, mesmo sabendo que de-
moraria muito”, conta. Santos entende
que a RPM pode estar se beneficiando da
inércia do poder público para pagar me-
nos do que deveria a título de compen-
sação aos superficiários e ao fisco.
“O município tem direito a 65% da
Compensação Financeira pela Exploração
de Recursos Minerais (Cfem). Por isso é o
maiorinteressado,masnãofiscaliza”,dizo
advogado. Ele cita um episódio ocorrido
em16deagostode2006paraquestionaro
valor da produção declarado pela minera-
dora. Ele lembra que um avião bimotor
carregado de ouro da RPM fez um pouso
forçado num campo de soja em Araguari,
no Triângulo Mineiro. Os policiais milita-
res que foram verificar o acidente infor-
maram que a nota fiscal indicava 153 qui-
los de ouro pelo valor global de R$
3.766.455,83, ou seja, R$ 24,61 o grama. “Pa-
ra mim, até hoje essa conta não ficou cla-
ra, já que, naquela data, a cotação do ouro
na Bolsa de Mercadorias e Futuros fechou
a R$ 43 o grama”, argumenta.

Ônibus de transporte de operários em frente à casa de Jair Marques, no Bairro Amoreiras

MINERADORA
leira de Normas Técnicas (ABNT) e sim co-
mo “não perigoso e não inerte”. A despeito
disso, segundo José Roberto Freire, a bacia

GARANTE
da nova barragem será revestida com argila
compactada, além de estar escavada sobre
rochas de baixíssima permeabilidade.
Os transtornos no trânsito provocados

SEGURANÇA pela expansão da mina são provisórios, se-

O vice-presidente da Kinross para o Bra-
sil, José Roberto Mendes Freire, diz que a
RPM contesta integralmente as suspeitas
de contaminação da água e de excesso de
poeira na cidade de Paracatu. Ele apresen-
tou três exames feitos pelo Centro Tecno-
lógico de Minas Gerais (Cetec) que não de-
tectaram nenhum parâmetro químico
além do permitido no poço do sitiante Cé-
lio Carvalho, da comunidade de Santa Rita.
A empresa diz que os atuais níveis de lan-
çamento de poeira na cidade são muito in-
feriores aos existentes em meados da déca-
da de 1980. “Quando a RPM se instalou em
Paracatu, havia muitas ruas sem asfalto e
por isso a quantidade de poeira era muito
mais elevada”, afirma.
A empresa diz que a barragem atual e a
projetada são muito seguras. Freire lembrou
que o rejeito da mineradora não está classi-
ficado como perigoso pela Associação Brasi-
gundo a RPM. Freire garantiu que até o fim
de 2009, uma nova via de acesso à mina, to-
talmente fora do núcleo urbano, estará em
operação. “Não tínhamos como fazer isso
antes, porque as opções passariam por áreas
que num futuro próximo serão escavadas
para a retirada de minério”, afirmou.
O vice-presidente da Kinross admitiu
que a produção da empresa não está sujei-
ta à tributação de ICMS e de IPI porque é to-
talmente exportada. “O próprio governo
federal nos estimula a fazer isso, pois a ex-
portação gera divisas em moeda forte para
o Brasil”, sustentou. José Roberto, contudo,
diz que a contribuição da RPM para a eco-
nomia de Paracatu é expressiva, graças à
Cfem, aos empregos gerados e à contribui-
ção de 15% no Valor Adicionado Fiscal
(VAF) do município, que serve para calcu-
lar o repasse da cota-parte de ICMS pelo es-
tado. Ele acrescentou que a expansão da
empresa vai dobrar o percentual de contri-
buição ao VAF de Paracatu.
PEDRA NO SAPATO
Descendente de fazendeiros locais, o pesquisador Sérgio Ulhôa Dani, de 42 anos, se transformou numa pedra no
sapato da Rio Paracatu Mineração. Além da enorme disposição para o debate público, ele tem outros atributos que
o tornam uma pessoa pouco vulnerável à desqualificação. A começar pelo invejável currículo acadêmico. Logo
depois da graduação em medicina pela UFMG, ele ganhou bolsa para doutorado na Medizinische Hochschue
Hannover, na Alemanha, na área de anatomia e patologia clínica. Em seguida, como bolsista do governo japo-
nês, fez pós-doutorado na Osaka University na área de genética molecular e de microorganismos. Fez um se-
gundo pós-doutoramento no Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer em genética humana. Por fim, obte-
ve título de livre docência na Universidade de São Paulo (USP), onde fez pesquisas sobre o mal de Alzheimer e en-
velhecimento cerebral. Em contraponto à degradação ambiental da mineração, Sérgio preside uma fundação
que administra uma reserva particular do patrimônio natural (RPPN) em 3 mil hectares de terras da sua família,
onde desenvolve pesquisas com marcadores de DNA para seleção bovina. Pretende atrair outras empresas de
base biotecnológica para uma área demarcada de 80 hectares junto à RPPN. Ele desfere críticas pesadas contra
a RPM em um blog, em artigos publicados em jornais e até co-produziu um documentário em vídeo que narra
seu ponto de vista sobre a história da mineração de ouro em Paracatu.