Anda di halaman 1dari 8

Entrevista a José Azevedo

José Guilherme Castro Azevedo, licenciado em arquitectura na Universidade Técnica de


Lisboa, é hoje arquitecto da Câmara Municipal de Lisboa. Viveu em criança no Bairro da
Serafina, de onde depois saiu, voltando em definitivo no ano de 1978. Acreditamos tratar-se de
uma pessoa bastante importante para uma melhor compreensão da história dos bairros e da
sua evolução ao longo do tempo, bem como dos seus problemas associados, especialmente a
problemática da construção.

Os Bairros da Serafina e Liberdade foram erigidos inicialmente para tentar responder


à migração de inúmeras pessoas para a capital, no início do séc. XX. Foi criado com alguma
planificação?

O bairro da Serafina foi. O bairro da Liberdade não. O bairro da Liberdade começa logo
a partir dos anos 20. Tem a ver com as pessoas que vêm fundamentalmente das Beiras e do
Minho para Lisboa à procura de trabalho.

Mas vivia-se algum tempo de crise para as pessoas migrarem desta forma?

Não tem a ver como uma crise, tem a ver com outra coisa. O êxodo da população rural
para a cidade tem a ver com a revolução industrial. Antes desta revolução as pessoas
trabalhavam no campo, viviam da agricultura. Havia pessoas que tinham grandes propriedades
e a maior parte do povo trabalhava para elas, desde a idade média que era assim. Com a
máquina começam a produzir-se bens industriais e é preciso pessoas para trabalhar com elas.
Na altura as fábricas encontravam-se na zona oriental de Lisboa e em Alcântara, não existindo
portanto muitas em Campolide. A ocupação das pessoas que vêm para Lisboa trabalhar nas
indústrias acontece primeiro nos bairros centrais, como o Bairro Alto, o bairro da Graça ou até
o de Alfama, sendo que só depois é que começam a ser ocupadas as zonas mais da periferia,
como a zona de Campolide.
Esta migração deve-se ao facto de as pessoas do campo viverem mal, viverem mesmo
muito mal. Elas viviam da agricultura, mas passavam todo o tempo a trabalhar, nasciam e
morriam pobres, enquanto que quem tinha a terra continuava a nascer e a morrer rico, a
história é esta. Quem trabalhava na terra começou a descobrir que vinha para a cidade para
ter melhor vida, aliás, o que é ridículo é que isto ainda se passa hoje. Ainda há muitos jovens
da vossa idade que vêm para Lisboa para estudar ou até trabalhar, esperando um futuro
garantido.
Com a revolução industrial passou-se para um processo de urbanização acelerada. No
princípio do séc. XX a taxa global de urbanização no nosso país era de cerca de 10%, e hoje é já
de 80%. A necessidade de trabalhar aumentou, e sucedeu o que se verificou no bairro da
Liberdade, construído sem grande planeamento, pela regra do “desenrasca”, feito sem
técnicos, arquitectos ou engenheiros, mas com pedreiros da altura. Houve de facto alguém
mais esperto que agarrou no terreno que não era seu e começou a vendê-lo, e depois
começou-se a construir. O bairro da Liberdade foi sendo ocupado assim, embora não fosse
aquela ocupação muito densa como por exemplo já havia em Inglaterra 100 anos antes, não
era uma coisa tão industrial nem tão optimizada. Os “slums” (bairros operários ingleses) eram
promovidos pelos industriais, e em grande escala. A ocupação inicial deixava sempre alguns
espaços livres. Porém, nos anos 70, assistiu-se a um novo fluxo de pessoas a dirigir-se para a
cidade e a emigrar, e aí enquanto foi possível construir mais uma casa ia-se construindo; a
população foi-se densificando até atingir o seu máximo, cerca de 120000 pessoas quando eu
vim para aqui (finais de 70). Quem vinha para trabalhar mas não estava sujeito a viver um
bairro sem condições, sem WC nem janelas, comprava uma casinha para o Cacém, para a
Amadora ou Queluz, e foi assim que a cidade de Lisboa começou a crescer. Agora aqui,
enquanto coube, construiu-se. E quem vinha para aqui? A família da família da família,
geralmente.
Tudo isto foi em relação ao bairro da Liberdade. O bairro da Serafina teve origem num
programa chamado de “programa das casas económicas”, criado no Estado Novo pelo
Governo de Salazar em 1933. E o seu objectivo era basicamente criar casas para quem era
trabalhador e se “portava bem”. Estas habitações sociais foram então criadas para os
sindicatos, portanto, só gente organizada é que tinha acesso às casas. Os critérios que eles
utilizavam eu não sei, o meu avô era tipógrafo e beneficiou deste programa, mas nunca
cheguei a perguntar-lhe porquê, pois morreu 20 anos antes de eu nascer. Mas deve ter sido
um bocado à maneira que se faz hoje, ou seja, ele pertencia a um sindicato, era bem
relacionado lá dentro, chegou-se à frente e foi dos primeiros a escolher uma casa na Serafina,
escolheu uma casa mesmo no sítio central. Portanto, eles escolhiam entre eles, basicamente
era assim. Este bairro foi fundamentalmente distribuído por tipógrafos, padeiros, polícias e
mais umas quantas profissões. Este bairro é um dos 12 bairros do programa das casas
económicas. O bairro da Calçada dos Mestres correu melhor que este, pois fica mais perto do
centro da cidade, e por isso as casas valem bastante mais do que valem aqui. Além disso o
desenho fez-se todo, ao contrário do desenho deste bairro, que acabou por não ser finalizado;
parte dos terrenos do bairro da Liberdade já estavam ocupados clandestinamente, e o Estado
já não lhes pegou porque significava que tinham de demolir as casas, mandar as pessoas
embora e isto implicava uma data de chatices. Eles podiam, mas não era prático, e assim só se
construiu a metade superior, o actual Bairro da Serafina, planeado por um arquitecto chamado
Paulino Montez. Importante também salientar que as casas não eram dadas, as pessoas
tinham de pagar por elas. A habitação social hoje é feita por arrendamento, mas no caso deste
programa as pessoas pagavam todos os meses uma prestação, que amortizava a compra da
casa. Ao fim de 20 anos a casa estava paga, e passava a pertencer a quem pagou. O Estado
investia dinheiro e queria recebê-lo. E são estas as diferenças.

Tratando-se de um bairro ilícito, porque é que o governo nunca tomou medidas


sérias para que este fosse extinto?

Eu acho que isso é uma boa pergunta, já que nessa altura o governo era muito
autoritário, mas a minha impressão é que foi por uma questão de pragmatismo. As pessoas já
cá estavam, na prática, e faziam falta, o governo também queria que a indústria tivesse mão-
de-obra. Eu acho que foi tolerado por aí, o governo reconhecia que não tinha capacidade para
estar a dar casa a toda a gente e eu penso que por isso foi sempre tolerando que fossem
ficando, penso que seja esta a resposta, não encontro outra.

Até agora temo-nos referido apenas ao Bairro da Liberdade. A partir de que altura e
por que razões surgiu o Bairro da Serafina?

O Bairro da Serafina foi planeado em 1934 e inaugurado em 1938, portanto, vieram


para cá viver as primeiras pessoas em 1938, já tudo pronto, enfim, estavam os balneários e as
casas feitas, nada mais. Já havia no entanto gente a viver no Bairro da Liberdade. Reparem
numa coisa, como é que a gente do bairro da Liberdade chama aqui às moradias? A malta lá
de baixo chama a este o “Bairro Novo”, dá-nos vontade de rir porque quando eu vim para cá já
ele era velho (risos).
Voltando um pouco atrás, as pessoas não vinham para aqui construir porquê?
Aqui para cima, no Bairro da Serafina? Sim. Eu acho que é assim, esta zona do Bairro
da Serafina é perfeitamente limitada, o que quer dizer que era um terreno que pertencia a
alguém. A minha impressão nestes processos urbanos é que as pessoas, donas das quintas que
agora são ocupadas pelo Bairro da Liberdade, deixaram de ter interesse nos terrenos como
quinta de fim-de-semana, talvez devido ao facto da linha de comboio ter sido construída nessa
altura e constituir um factor desagradável para os proprietários da quinta. A quinta do Asilo ou
do Mineiro e a quinta do Cardim (que correspondem aos terrenos do Bairro da Liberdade
actualmente) eram quintas de recreio. As quintas cá de cima (que correspondem aos terrenos
do Bairro da Serafina actualmente) eram quintas de exploração, tinham trigo, eram plantadas.
E quem tem um campo plantado com um muro à volta, com cães e cavalos, não deixa que
alguém vá para lá fazer uma casa clandestina, não permite. Portanto, se umas foram ocupadas
e outras não é porque alguém permitiu num caso e no outro não.

Os dois bairros foram evoluindo e crescendo até finalmente convergirem entre si.
Nessa altura era passível de se afirmar que muitas diferenças separavam estes habitantes da
Liberdade e Serafina?

Sociologicamente havia uma diferença. Vamos supor que o meu avô tinha um vizinho
(o seu avô foi um dos primeiros a conseguir uma casa no Bairro da Serafina, com o Programa
das Casas Económicas. Antes disso morava no Bairro Alto) que morava na casa ao lado, no piso
de baixo ou piso de cima, não interessa. O meu avô muda-se do Bairro Alto e vem para aqui
(Serafina) para uma casa com o dobro ou triplo do tamanho da casinha em que ele vivia,
enquanto que o seu vizinho também deixa a casa e vem viver para um “cochicho” aqui para
um pátio na Liberdade. Se o outro tipo deixou a casa que tinha no Bairro Alto e veio viver para
este sítio, que é pior, é porque não lhe estava a correr bem a vida, porque a renda num pátio
aqui era para aí metade da renda no “cochicho” no Bairro Alto. O que é que isto quer dizer?
Sociologicamente, as pessoas não tinham o mesmo estatuto nem o mesmo rendimento. Quem
conseguiu uma casa destas no Bairro da Serafina dava ao Estado e ao banco uma garantia que
podia pagar, os de lá de baixo não (Liberdade). Não é bem a mesma gente, há sempre um
certo antagonismo porque as pessoas que conseguem vir viver para uma casa melhor têm que
a pagar e conseguir pagá-la.
A diferença entre a população destes dois bairros hoje já não é tão notória, já houve
muita gente que saiu do Bairro da Liberdade e veio morar cá para cima porque lhes correu
bem a vida, alguns sabe-se porquê, outros não se percebe muito bem, mas não interessa, é a
lei da vida.

Qual o impacto da estação de comboios na população do bairro?

A estação de comboio (implementada em Campolide) é o primeiro acontecimento que


determina a urbanização deste território. Este território era 100% rural antes do caminho-de-
ferro. Até 1850, ou até ao ano em que eles fizeram obras, isto só tinha uma ribeira de água
limpa, e mais algumas quintas. Não havia portanto ninguém a viver em Benfica nem ninguém a
viver na Amadora, para além das quintas de fim-de-semana. Quando se abre o caminho-de-
ferro no final do século XIX determina-se que a cidade vai chegar. E chegou muito depressa, de
facto, chegou muito depressa. A estação de comboios tornou este sítio interessante para viver
porque as pessoas passaram a ter um meio de transporte válido para se dirigirem para o
trabalho, que se encontrava principalmente nas zonas de Alcântara e do Rossio. Quem
trabalhava na indústria trabalhava em Alcântara, quem trabalhava nos serviços
(estabelecimentos comerciais, etc) ia de comboio para o Rossio. Como qualquer um destes
dois sítios interessava à população, estes foram-se instalando cá pois este era o sítio mais
perto e acessível financeiramente onde se podia estar. Portanto, o caminho-de-ferro foi
fundamental, foi este que provocou a urbanização do território, a alteração do estatuto de
rural para urbano. A partir daí é sempre a crescer.

Os bairros da Serafina e Liberdade são, infelizmente, bastante reconhecidos pelo


obscuro negócio de estupefacientes. Este foi um problema que sempre acompanhou os
bairros ou teve início com algum acontecimento em específico? Quando falo num
acontecimento específico estou a referir-me ao encerramento do Casal Ventoso.

Piorou, mas já havia. É assim, este bairro sempre foi interessante para a marginalidade,
embora nos anos 30, 40 e 50 fosse muito mais sossegado, ou seja, se havia marginais nessa
altura era o “trafulha”, aquele que vivia de expedientes, que não trabalhava. A população
inserida nestes bairros era maioritariamente trabalhadora. Aliás, eles vinham aqui viver para
estarem perto do trabalho e de ter meios para se deslocarem até ele. Toda a gente de manhã
apanhava o comboio, ia trabalhar e só voltava a noite, e quando mais tarde começaram a
surgir as carreiras de autocarros também.
Mais tarde, a partir dos anos 60 e 70, registou-se novamente um enorme fluxo de
migração das pessoas do Norte e das Beiras e de repente as pessoas passaram a existir em
maior número do que o trabalho que havia para dar, e a malta precisou de arriscar, de maneira
que a má fama, os ladrões apareceram mais nos anos 70. Algumas figuras que surgiram nesta
época, “gangsters”, tinham a convicção de viver daquilo e pronto, fomentavam um gangue
entre eles e foi aí que se iniciou uma marginalidade a sério e numa altura inoportuna, aquando
da revolução do 25 de Abril. Após a revolução desaparece a repressão, enfraquece a
autoridade da polícia e dos tribunais, e de facto passaram-se uns anos muito complicados.
Estas pessoas começavam já a andar armadas e, um tempo mais tarde, já nos finais dos anos
80, as drogas pesadas apareceram. O fenómeno da cidade é assim, pouco conseguimos fazer.
Quando o João Soares se tornou presidente da câmara e decidiu acabar com o Casal
Ventoso, ele supostamente acabaria com dois problemas, com o problema do tráfico e com o
problema das pessoas que viviam com dificuldades. O problema é que o tráfico não
desaparece, o tráfico muda-se e o sítio propício mais próximo éramos “nós”. Aliás, nem foi
assim tão mau porque o tráfico não se redireccionou todo para cá, parte foi para a Ajuda, para
o bairro Dois de Maio. O nosso sítio era um sítio comercialmente atraente devido à linha de
comboio e o pessoal que já vendia aqui mantinha relações comerciais com o Casal Ventoso, já
havendo, portanto, um intercâmbio entre eles.

A 25 de Novembro de 2003 um pesado de passageiros foi literalmente engolido por


uma cratera de asfalto que se abriu no chão da estação de Campolide, perto do bairro da
Liberdade. Terá sido este o acontecimento que impulsionou a Câmara a demolir alguns
prédios pertencentes à Rua Inácio Pardelhas Sanchez, no bairro da Liberdade, alguns anos
mais tarde?

Não directamente. Achei muita graça ao acontecimento inexplicável pois tinha


acabado de chegar à presidência da Câmara o Pedro Santana Lopes, com o qual nunca
simpatizei muito. Mas uma coisa não tem a ver com outra. Antes do Santana Lopes, em 2000,
nós tínhamos tido uma reunião para retirar uma escola de betão que se encontrava do outro
lado das escadinhas e que já não estava em funcionamento, que começou a ceder devido à
obra do eixo norte-sul. Mas a obra do eixo norte-sul não interferiu com a estabilidade do
caneiro (debaixo da estação de Campolide existe um caneiro de grandes dimensões que
transporta a água da antiga ribeira e que drena grande parte dos esgotos da cidade), ao
contrário do que alguns possam pensar. O autocarro enfiou-se no chão porque a cúpula de
betão que fecha o caneiro de Alcântara já estava a desabar, e não por causa da construção do
eixo norte-sul.
A obra do caneiro é uma obra de engenharia tão importante como a do Viaduto
Duarte Pacheco. O problema da obra do caneiro é que não está à vista das pessoas e por isso a
sua manutenção não era feita. O problema do autocarro tem a ver com a própria estrutura de
betão do caneiro, não tem qualquer relação com o que se passa na encosta. O que se passa na
encosta é uma coisa que se chama “movimento de vertente”. Este verifica-se quando entre
duas camadas geológicas deixa de haver aderência, começando uma a escorregar sobre a
outra. Este fenómeno é que foi provocado pelas obras do eixo, mas já se tinha dado conta
dele, não foi o incidente do autocarro que nos alertou para este problema, uma coisa não tem
nada a ver com a outra.

Que medidas foram aplicadas para terminar com o risco de abatimento do Bairro da
Liberdade?

O “risco de abatimento” ou derrocada não é generalizada a todo o bairro, confina-se à


Rua Inácio Pardelhas Sanchez.
Para suster o “movimento de vertente” foram criados dois níveis de contenção, com
recurso a ancoragens profundas. Esta obra é provisória. Em termos mais definitivos, pretende-
se criar um muro de suporte, em betão, e sobre este construir novos edifícios para o regresso
da população. O peso destes edifícios ajudará, segundo a nossa experiência, a estabilizar e
travar o muro.

O bairro da Liberdade continua a ser ilegal?

Sim, a maioria das construções é ainda ilegal. A sua legalização passaria por exigências
funcionais e de salubridade contemporâneas, e verifica-se que isto é quase impossível na
maioria dos casos. Existe nova legislação que permitiria o processo de reconversão em novos
moldes, mas os proprietários não estão interessados, em especial neste contexto económico
tão negativo.

Existe algum plano de intervenção a ser aplicado nestes bairros no futuro?


Existe um plano, não há é dinheiro. Globalmente, sai muito caro recuperar um bairro.
O método mais fácil é demolir e voltar a construir.
Este plano foi lançado em 2006, com planos também para o bairro da Boavista e Padre
Cruz, sendo estes prioritários em relação à Liberdade. Devido à crise económica sentida
actualmente, tanto o bairro Padre Cruz como o Bairro da Boavista estão difíceis de reabilitar.
Eu pessoalmente não creio na câmara municipal como solução para o problema que se
enfrenta actualmente e a única hipótese, segundo o meu ponto de vista, passa por
investidores privados.

Anda mungkin juga menyukai