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Elites, políticos e instituições políticas:

o Estado Novo no Brasil, de novo


Adriano Codato*

O título deste capítulo merece, antes de qualquer coisa, uma ex-


plicação preliminar. Por que o Estado Novo “de novo”? Porque acredito
que seja necessário e urgente voltar ao estudo desse subperíodo da histó-
ria política nacional para compreender mais e melhor um ponto capital
do processo de transformação capitalista do Brasil: a reestruturação do
universo das elites – políticas, econômicas, ideológicas e sociais – na
primeira metade do século XX. Dados os paralelismos óbvios e as afini-
dades ideológicas entre as elites intelectuais do Brasil e da Argentina
entre os anos 1920 e 1940 (que envolvem os diagnósticos sobre a crise, as
alternativas aventadas, as representações da nação, a imagem projetada
de si etc.)1, este texto deve servir também como um roteiro resumido de
questões que podem ser postas à historia e à historiografia argentina a
título de comparação.
Essa volta ao Estado Novo sugerida aqui tem a ver com a necessi-
dade de recuperar a dimensão histórica dos estudos políticos. Esse pro-
grama de pesquisa não é um projeto puro e simples de combate ao pre-
sentismo da Ciência Política nacional, nem um apelo contra o quantita-
tivismo, ora dominante nas Ciências Sociais brasileiras. Na realidade, o
que se pretende, neste curto ensaio, é enumerar alguns princípios inter-
pretativos geradores de novas hipóteses de pesquisa. Trata-se, em resu-
mo, de recombinar alguns elementos – conhecidos e desconhecidos –

* Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR);


doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
1
Ver, em especial, José Luis Bendicho Beired, Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritários
no Brasil e na Argentina. São Paulo: Edições Loyola, 1999; e Tulio Halperin Donghi, La
Argentina y la tormenta del mundo: ideas e ideologías entre 1930 y 1945. Buenos Aires: Siglo
XXI, 2004.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

para recriar uma nova agenda de pesquisas orientadas empiricamente e


que possa servir de base para relevar semelhanças e diferenças entre a
história política brasileira e a história política argentina.
Este ensaio está organizado em quatro partes. Na primeira, desta-
co o que me parece um ponto cego importante nas análises tradicionais
sobre as transformações do capitalismo no Brasil: o papel e o lugar dos
políticos profissionais. Esse tópico tem a ver não apenas com as óbvias
modificações ocorridas no campo político no pós-1930, com a redefini-
ção de mandantes e mandados, mas constitui (ou melhor: pode consti-
tuir) uma porta de entrada útil para entender as mudanças no próprio
campo do poder. Daí o seu principal interesse.
Na seqüência, isolo o que me parecem ser duas variáveis chave
para toda essa discussão: a organização burocrática do regime ditatorial e,
aí dentro, a questão, já bem discutida, da representação formal de interes-
ses. O caso é que esses dois assuntos e principalmente a relação entre
eles foram tematizados em função apenas de dois agentes sociais “fun-
damentais”: os trabalhadores urbanos e os empresários industriais. Ela-
boro uma explicação sobre por que os políticos profissionais, tão impor-
tantes no regime anterior (1889-1930), sumiram do mapa – da historio-
grafia e da sociologia, não da História.
Na terceira parte deste ensaio lembro que as soluções corporativis-
tas e clientelistas, em oposição ao liberalismo oligárquico como o método
usual de solução de conflitos políticos e agregação e expressão de inte-
resses e sociais durante a República Velha, não resolvem, por si só, a
questão mais delicada que é a de que fazer enfim com as antigas e outro-
ra influentes classes políticas regionais.
A última seção do ensaio enfatiza a existência de uma pluralidade
de aparelhos político-burocráticos, construídos para fazer frente, ou vi-
abilizar, a presença e a participação de diferentes grupos de elite. Eles
estão na origem da mudança, decisiva, dos critérios de recrutamento
para a constituição da nova elite estatal que deve comandar o processo
de construção do Estado nacional no Brasil depois de 1930. Nas conclu-
sões, proponho a retomada de uma agenda de pesquisa e um método
mais adequado a ela e aos temas aqui discutidos.

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Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

I. Campo do poder e fundamentos do poder

Ninguém ignora que entre os anos 1930 e 1945, grosso modo, houve
uma redefinição da hierarquia entre os grupos dominantes (elites agrá-
rias, industriais, comerciais), redefinição essa que repercutiu inclusive e
principalmente sobre a “classe política” brasileira. É suficiente recordar
aqui três acontecimentos, mais ou menos simultâneos, que tiveram uma
influência direta sobre o ordenamento dos políticos de carreira e da sua
carreira política. Em primeiro plano, a substituição das lideranças tradi-
cionais, graças à ascensão dos “revolucionários” de 1930; como conse-
qüência dessa troca, o processo de nacionalização das forças políticas,
que concluiu o ciclo dos partidos políticos regionais e pôs fim à hege-
monia inconteste do Partido Republicano Paulista. Isso se deu em meio
à transformação do Estado federal num Estado “forte” (isto é, com grande
capacidade de intervenção na economia e na sociedade), graças à cons-
tituição de um aparelho de poder centralizado.
Esses eventos, resumidos bruscamente aqui, tiveram um alcance
maior do que se imagina. Houve, em grande medida, não só uma modi-
ficação da posição dos atores no campo político, mas uma metamorfose
do próprio campo do poder2. Da mesma maneira, houve não só uma mu-
dança da ideologia política dominante (do liberalismo oligárquico para
o estatismo autoritário), mas dos fundamentos do poder (recursos políti-
cos, predicados sociais, capacidades econômicas), o que terminou por
alterar mesmo os princípios de legitimidade e os modos de operação do
sistema político.
Há, todavia, um ponto cego na literatura sobre “os anos Vargas” e
em especial sobre essa fase do “período populista” (1930-1964). Poucos
trabalhos acadêmicos se dedicaram a estudar as elites políticas e, espe-
cialmente, analisar de maneira mais detida o papel e o lugar dos políticos

2
O campo do poder é a fração do espaço social global composta pelas formas mais eficazes
(“dominantes”) de capital. É um artifício teórico para diferenciar os tipos dominantes de
capital. Os capitais que formam o campo do poder variam historicamente em função da
história e o estado das relações de força entre as espécies de capital (e por derivação, entre
as classes relativas a tais capitais). Por isso, qualquer definição que postule que “o campo
do poder é formado pelos capitais x, y, z” é falsa. O campo do poder não passa de um
artifício teórico para esclarecer melhor a estrutura do topo da pirâmide social. Já o campo
político corresponde estritamente aos espaços sociais onde opera e é eficaz o capital
propriamente político. Ver, entre outras referências, Pierre Bourdieu, La noblesse d’État:
grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989, p. 371 e segs.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

profissionais no processo de transformação capitalista da sociedade brasileira.


Além de tudo, o assunto mais geral que serve de moldura e viabiliza
esse processo – as transformações político-institucionais do Estado e do
regime depois de 1930 e durante o Estado Novo – está faz um bom tem-
po fora da agenda de pesquisas da Ciência Política e da Sociologia Polí-
tica brasileiras. A idéia corrente é que se trata de um tema já suficiente-
mente debatido pela Historiografia e (aparentemente) esgotado.
Voltemos ainda que por um momento à história política do período.

II. A historiografia, a história e os políticos de profissão

Na cerimônia de instalação da Assembléia Constituinte, em 15 de


novembro de 1933, Getúlio Vargas leu um volumoso relatório adminis-
trativo. Aí se incluíam os gastos dos Ministérios da Guerra e da Viação,
o dispêndio anual com as compras de café, a reestruturação da ferrovia
Central do Brasil, a questão dos limites de fronteira, as obras contra as
secas, e por aí afora. Antes de revisar os prodígios do Governo Provisó-
rio (1930-1934), o redator julgou que seria adequado enfeitar o texto com
um tratado de história política do Brasil, um balanço sobre a conjuntura
pós-revolucionária e uma aula sobre “O Estado moderno”. Ao abordar
o assunto do recém editado Código Eleitoral, uma antiga reivindicação
dos “revolucionários” de 1930, o Presidente lembrou o seguinte:
A composição do Estado, como aparelho político e administrativo, pres-
supõe, nos regimes democráticos, a legitimidade da representação po-
pular. Conhece-se, sobejamente, em que consistia essa representação,
antes do movimento revolucionário [de 1930]: alistamento inidôneo, elei-
ções falsas e reconhecimentos fraudulentos. Ora, o que legitima o poder é o
consentimento dos governados; logo, onde a representação do povo falha,
este poder será tudo, menos órgão legal da soberania da Nação3.

Esses tópicos – a estrutura do Estado, o caráter do regime, o tipo de


legitimidade –, reunidos no capítulo da reorganização política do País,
serão o assunto imprescindível dos anos trinta no Brasil e as variações
quanto ao modo de medir o “consentimento dos governados”, ou me-

3
Getulio Vargas, Mensagem lida perante a Assembléia Nacional Constituinte, no ato de sua
instalação, em 15 de novembro de 1933. In: ______. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1938, vol. III: A realidade nacional em 1933; Retrospecto das realizações do
governo (1934), p. 28-29; grifos meus.

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Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

lhor, de dirigir a participação dos chefiados, desde as elites até as mas-


sas, será a paixão dos protagonistas e dos cientistas da política dessa
época. Tanto é assim que tanto a história política quanto a história das
idéias políticas do primeiro governo Vargas (1930-1945) têm como base
terapias institucionais e reformas constitucionais fundamentadas em uma
série de objetivos comuns entre ideólogos e a nova classe dirigente. Era
mais do que urgente organizar a Nação, orientar o Povo, fortalecer o
Estado e desenvolver o País. Nesse sentido, o Estado Novo, o regime
que enfim viabilizou esses propósitos, não foi certamente a realização
plena de uma idéia, mas seu figurino não ficou muito distante das aspi-
rações práticas dos teóricos do autoritarismo4.
Da engenharia política que resultou desse encontro entre os no-
vos agentes políticos e intérpretes do Brasil nos anos 1930 e 1940, dois
pontos são mais relevantes e constituem o ponto de partida da minha
discussão: a organização institucional do regime ditatorial e, dentro dela,
a questão política e ideológica da representação de interesses em con-
textos “não democráticos”.
As duas variáveis – instituições e interesses – estão conectadas. A
estrutura do regime (mais do que suas práticas “informais”) condicio-
na, em sentido amplo, as formas e os mecanismos de representação. Es-
sas variáveis, por sua vez, impõem, de maneira estrita, os parâmetros
do programa – em grande parte improvisado, diga-se – de recrutamen-
to e remanejamento de indivíduos e grupos no universo das elites polí-
ticas, alterando tanto sua hierarquia, quanto sua ecologia, isto é, suas
relações com o meio ambiente político.
A primeira relação causal (entre a forma do regime e o modo de
representação de interesses) já foi bem estudada pela Sociologia Política
e pela História Política brasileiras. Contudo, a maioria das análises de-
dicou-se a explicar o comportamento político e a estrutura que molda
esse comportamento de dois agentes sociais, apenas: os trabalhadores
urbanos, controlados pela estrutura sindical oficial e/ou pelo populis-
mo presidencial, e os empresários industriais, submetidos a formas “cor-
porativistas” de representação de interesses5. Como o Estado Novo já

4
Para essa constatação, ver, entre outros, Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil:
entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990, p. 46 e segs.
5
Para uma discussão abrangente desse tópico, ver Maria Antonieta P. Leopoldi, Política e
interesses: as associações industriais, a política econômica e o Estado na industrialização
brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

foi, sintomaticamente, assimilado a um regime político sem política (a


opinião é de Thomas Skidmore6) e, por dedução, sem políticos (exceto
aqueles que gravitavam em torno do Presidente e que faziam, por su-
posto, a política da Presidência), a ausência dos mecanismos liberais de
representação de interesses (partidos, eleições, parlamentos etc.) dissi-
mulou o lugar e o papel da “classe política” sem que ela tivesse, toda-
via, sido anulada ou houvesse simplesmente desaparecido7. Como con-
seqüência, os políticos profissionais tornaram-se ora invisíveis, ora se-
cundários, ora importantes apenas porque integravam, através das In-
terventorias Federais nos estados, um esquema político cujo objetivo e
meios os ultrapassavam intencionalmente: a nacionalização das estru-
turas de dominação através da centralização do poder executivo no Exe-
cutivo federal.
O sumiço dos políticos de carreira dos estudos políticos é um as-
sunto em si mesmo. Por que essa percepção? Basicamente por dois mo-
tivos, arrisco. Em primeiro lugar porque a tentação mais comum é a de
assimilar “política” à “política democrática”, esta definida restritivamen-
te como “competição eleitoral”. Em segundo lugar porque se preferiu
acreditar que durante esse período a “administração” de uma burocra-
cia em vias de se profissionalizar substituiu a “política” dos grupos de
interesse.
Focado nas classes fundamentais, esse ponto de vista não deixa de
ser curioso, já que a historiografia política do período 1930-1937 (ou
mesmo do período 1937-1945) foi durante bom tempo, e em grande par-
te, uma crônica tradicional dos acontecimentos políticos tradicionais,
reduzidos a alguns personagens políticos, ou “atores”, e a suas ações/
opções “estratégicas”. Testemunha disso são os vários estudos descriti-
vos e os ensaios políticos sobre esse intervalo de tempo. Refiro-me aqui
aos trabalhos, muitíssimo bem documentados, de Hélio Silva e Edgard
Carone, mas também aos ensaios clássicos de Virginio Santa Rosa (O

6
Ver, para a fundamentação dessa opinião, Thomas E. Skidmore, Brasil: de Getúlio Vargas
a Castelo Branco, 1930-1964. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 61-62.
7
Em seu depoimento ao CPDOC, o ex-deputado do PSD pernambucano e ministro da
Agricultura do governo Café Filho, José da Costa Porto, ressalta “uma coisa curiosa” e que
freqüentemente não tem chamado a atenção dos analistas: “o golpe de 10 de Novembro
acabou com a política mas não podia acabar com as lideranças políticas. As lideranças
continuaram”. Valentina da Rocha Lima (coord.), Getúlio: uma história oral. 2ª. ed. Rio de
Janeiro: Record, 1986, p. 135.

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Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

sentido do tenetismo), Barbosa Lima Sobrinho (A Verdade Sobre a Revolução


de Outubro de 1930), José Maria Bello (História da República), Pedro Cal-
mon e tantos outros8.

III. Clientelismo, corporativismo, parlamentarismo:


limites da solução antiliberal

Tendo essas informações bibliográficas em mente, gostaria de in-


sistir sobre outras razões para entender o problema de por que “os polí-
ticos” têm usualmente ficado de fora dos estudos de Sociologia Política
quando se trata de explicar a configuração do espaço político entre 1937
e 1945, o que inclui suas regras escritas (suas instituições) e não escritas
(sua lógica implícita), e a serventia dos seus operadores para a naciona-
lização da política brasileira e a “modernização” do capitalismo brasi-
leiro.
Antes de tudo em toda essa discussão há um ponto no horizonte e
que valeria a pena ter sempre presente, já que ele joga, nesse contexto
histórico, um papel capital: a formação e a transformação do Estado
nacional brasileiro no pós-1930 Não é possível entender o processo ne-
cessariamente complexo de State building sem ter presente todos os (ou
a maioria dos) agentes sociais, seus lugares e seus papéis, já que nem
tudo decorre “do capitalismo” e das suas metamorfoses.
Quando se retoma um assunto central para esse período – quais
são os novos meios e modos da representação de interesses – é possível mos-
trar que a reconstituição do processo político brasileiro no pós-1930 im-
plica com algumas interpretações da política brasileira do pós-1930. Es-
sas lições, ao tratarem do mesmíssimo problema, não dão a devida aten-
ção para o alcance e as conseqüências das várias soluções institucionais
formuladas pelo Estado Novo ao longo de seu desenvolvimento para

8
Ver a compilação de Ana Lígia Medeiros e Mônica Hirst (orgs.), Bibliografia histórica: 1930-
45. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. Para uma análise dos efeitos do campo
político sobre a historiografia do campo político (Virginio Santa Rosa, Barbosa Lima
Sobrinho, José Maria Bello, Pedro Calmon etc.), consultar Vavy Pacheco Borges, Anos trinta
e política: história e historiografia. In: Freitas, Marcos Cezar de (org.), Historiografia brasileira
em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 159-182. Um comentário da produção sobre a
história regional e sua submissão à ideologia oficial do regime pode ser lido em Sandra
Jatahy Pesavento, Historiografia do Estado Novo: visões regionais. In: Silva, José Luiz
Werneck da (org.), O feixe e o prisma: uma revisão do Estado Novo. Rio de janeiro: Zahar,
1991, p. 132-140.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

fazer frente a vários tipos de interesses – sociais, econômicos, sindicais,


burocráticos etc. –, insistindo quase sempre ou na vigência do clientelis-
mo tradicional, ou na supremacia do corporativismo estatal, por oposição,
ou em substituição, ao parlamentarismo liberal.
Ninguém ignora que o corporativismo, tendo assumido fumos de
doutrina oficial do Estado9, não se limitou, no Estado Novo, a ser uma
homenagem à ideologia da moda – como testemunham aliás o sindica-
lismo de Estado e a Justiça do Trabalho. Entretanto, ele nunca se conver-
teu num princípio de organização da sociedade ou num sistema com-
pleto de governo, como em outros países. Isso se deveu, possivelmente,
não a dificuldades operacionais, mas à ausência de um único projeto
para vincular os grupos e classes sociais, através de suas “entidades”,
ao aparelho do Estado. Alvaro Barreto anota, a propósito, a existência
de pelo menos quatro modelos distintos de “corporativismo”, sustenta-
dos por quatro tipos de forças distintas: os políticos profissionais, o
empresariado paulista, os intelectuais e os tenentes10. Numa situação
assim em geral a resultante é nenhuma.
Por sua vez, o clientelismo foi muitas vezes concebido e apresen-
tado como o custo político a ser pago às oligarquias tradicionais em tro-
ca da racionalização de algumas práticas e de algumas partes do apare-
lho do Estado. Mesmo Eli Diniz, que não desconhece a complexidade
da “estrutura de poder” do Estado Novo (a existência de diversos níveis

9
Cf. o artigo 140 da Constituição de 1937: “A economia da produção será organizada em
corporações, e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional,
colocadas sob assistência e proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funções
delegadas de poder público”. Citado a partir de Walter Costa Porto, A Constituição de
1937. Brasília: Escopo, 1987, p. 72.
10
Ver Alvaro Augusto de Borba Barreto, Representação das associações profissionais no
Brasil: o debate dos anos 1930. Revista de Sociologia e Política, n. 22, p. 119-133, 2004. “Duas
questões estiveram em pauta e em torno delas formaram-se os diferentes grupos em
disputa: a natureza das organizações e a função que ocupariam no aparato estatal. A defesa
da organização e administração autônomas das entidades foi a bandeira de luta do
empresariado, notadamente o industrial, frente ao governo de Vargas e a seus apoiadores,
que queriam disciplinar e definir o processo de formação das associações de classe. [...]
No que tange ao papel a ser exercido pelas entidades, havia duas opções: funções
deliberativas ou consultivas, a chamada “representação parlamentar” ou em “conselhos
técnicos”. No primeiro grupo, militava um amplo leque de personagens, em que se
destacavam: o governo Vargas, o Clube Três de Outubro, o Bloco do Norte, mais a bancada
constituinte dos empregados e a maioria da dos empregadores. A favor da segunda idéia
apareciam vários intelectuais e, principalmente, o CIESP-FIESP, que atuou ao lado da
Chapa Única por São Paulo Unido” (p. 129).

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Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

decisórios com comandos próprios e clientes distintos), bem ao contrá-


rio, chama a atenção para ela, não vê, por exemplo, no esquema Inter-
ventorias/Departamentos Administrativos e no sistema dos conselhos
econômicos “corporativos” instituições específicas submetidas a lógicas
específicas. Ao que parece, elas são tão somente formas diferentes do
mesmo processo de transposição do conflito político (no primeiro caso)
e do conflito social (no segundo) para o aparelho do Estado como um
recurso funcional, ao lado de todos os outros tentados no primeiro go-
verno Vargas (racionalização burocrática, centralização decisória, refor-
ço da autoridade nacional etc.), para fundamentar e ampliar sua “auto-
nomia relativa”11.
Na realidade, as disposições práticas, as fórmulas institucionais e
os arranjos políticos que valem para os conselhos de política econômica
e suas respectivas agendas decisórias não valem, ipso facto, para acomo-
dar as antigas e outrora influentes classes políticas regionais. Elas não
são apenas a parte menor do problema visto que a viabilidade da trans-
formação capitalista do país depende também disso e da nova equação
para recrutar e conformar, a partir da velha elite política, a futura elite
estatal.

IV. Por uma visão sociológica das instituições do Estado

Todavia, o defeito mais grave da maior parte das análises políti-


cas sobre o período não, penso, é desconhecer a multiplicidade de apa-
relhos estatais e a variedade de interesses e, por extensão, de métodos
de agregação de interesses a eles conectados (clientelismo, corporativis-
mo, parlamentarismo). Está antes em reconhecer a existência de dife-
rentes “órgãos políticos” e derivar essa variedade a partir das funções
“constitucionais”, isto é, legais, formais desses órgãos.
O formalismo jurídico dessas visões, onde o exemplo nativo pode
ser encontrado nas várias “teorizações” a respeito da superioridade da
organização política do Estado Novo diante da Constituição de 1934,
está justamente em desconsiderar que a existência de aparelhos políticos

11
Eli Diniz, O Estado Novo: estrutura de poder; relações de classes. In: Fausto, Boris (org.),
História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3º. vol. Sociedade e
Política (1930-1964). 5ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p. 107-120, especialmente.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

diferentes (interventorias, departamentos administrativos, conselhos téc-


nicos, órgãos de assessoria, aparelhos ideológicos) decorre da presença de
forças políticas diferentes, e não o contrário. Logo, quanto mais elites, mais
aparelhos; e não quanto mais aparelhos, mais elites.
Sobre isso, Gaetano Mosca lembra, com o perdão do sociologis-
mo, que o equilíbrio entre os aparelhos de Estado ou a subordinação de
um aparelho a outro é o resultado do equilíbrio ou da subordinação das
diferentes frações da “classe dirigente” entre si12. O estudo de determi-
nadas instituições deveria ao menos ter presente as forças sociais deter-
minadas que animam tais instituições.
A opinião de Mosca sugere que devemos ter sempre em vista três
aspectos ao tratar dos problemas referidos à “classe política” e à repre-
sentação de interesses: i) a profusão de elites políticas (e suas lutas inter-
nas); ii) a multiplicidade de interesses a representar (e suas discrepâncias);
e iii) a quantidade de aparelhos políticos (e, em especial, seus tipos) que
canalizam, e às vezes redefinem, essa elites e esses interesses. A topo-
grafia do sistema estatal e a maior ou menor complexidade das institui-
ções políticas do regime político – bem como as formas de representa-
ção admitidas como mais legítimas, mais eficientes, mais eficazes –
mudam, segundo elem conforme muda o “comportamento” dessas va-
riáveis.
Isso posto, não se julga adequadamente essa temporada da histó-
ria política nacional se não se repensa quais são os direitos de entrada
no universo das elites, isto é, os meios e os modos de ingresso no microcos-
mo político, ele próprio em plena transformação.
Os meios compreendem, resumidamente, as pré-condições (os
“atributos”) que um grupo de elite tem de exibir para ter acesso à arena
política. Eles tanto são sociais, isto é, envolvem origem, formação, profis-
são etc., quanto políticos, ou seja, envolvem cargos, postos e posições na
carreira pública. Os modos abrangem as instituições ou, mais propria-
mente, os mecanismos institucionais que servem de caminho (as “ave-

12
É o que se depreende, por exemplo, da seguinte passagem: “[...] um órgão político, para
ser eficaz e limitar a ação do outro, deve representar uma força política, deve ser a
organização de uma autoridade e uma influência social que represente algo na sociedade,
frente à outra que se encarna no órgão político que se deve controlar”. Gaetano Mosca, La
clase política. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 194-195.

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Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

nidas”, na expressão de Anthony Giddens) para que os profissionais da


política se constituam como tais13.
Visto que o sistema político, em especial durante o regime do Es-
tado Novo, era muito fechado e burocratizado, é impossível referir-se
ao processo de recrutamento das elites políticas sem pensar nas instituições
estatais (e em sua configuração particular) que o tornaram possível. Nesse
caso específico, minha suposição é que o critério de recrutamento (o
“como”) deve ser bem mais importante que a fonte de recrutamento (o
“quem”), sem que se possa, evidentemente, desconsiderá-lo. De toda
forma, o modo de ingresso e suas exigências implícitas e explícitas con-
tribuem decisivamente para modificar o próprio perfil da elite.
A meu ver, a vantagem, ao levantar esse problema, é que se pode
indicar tanto a função social quanto o significado político dos aparelhos
burocráticos que dão acesso privilegiado ao universo político. Por outro
lado, quando se identifica os locais de ingresso no jogo, pode-se isolar,
para fins de análise, o grupo de elite eleito e apontar, o mais fielmente
possível, as “qualidades” (social backgrounds) que o tornaram apto para
o exercício do poder. Esse procedimento metodológico, por assim dizer,
permite não só localizar e identificar esse agente social que aparente-
mente desapareceu durante a ditadura do Estado Novo, mas mostrar
como, quando e onde a elite política pôde metamorfosear-se em elite
estatal.

Conclusões

A Revolução de 1930 e em especial o Estado Novo (1937-1945) são


momentos de redefinição das hierarquias na estrutura social e no uni-
verso das elites políticas. O regime ditatorial viabilizou, graças ao auto-
ritarismo que bloqueou outras alternativas políticas, uma tripla conver-
são: i) do predomínio das elites estaduais para o predomínio das elites
nacionais; ii) do arranjo político garantido por um Estado federal para um
arranjo político garantido pelo Estado centralizado; e iii) a conversão de
uma economia baseada exclusivamente no capitalismo comercial para uma
economia baseada progressivamente no capitalismo industrial.

13
Ver Anthony Giddens, Elites in the British Class Structure. In: Stanworth, Philip e Giddens,
Anthony (eds.), Elites and Power in British Society. Cambridge: Cambridge University Press,
1974, p. 4.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

O segundo e o terceiro processos foram entendidos pela literatura


especializada como os processos de “construção do Estado brasileiro” e
de “modernização do capitalismo nacional”, respectivamente. Já as trans-
formações no mundo político, cuja face mais visível e mais espetacular
foi o declínio dos partidos da oligarquia e das lideranças tradicionais,
foram percebidos ora como conseqüência lógica dessas macro-transfor-
mações, ora como pré-requisito histórico necessário para impor um novo
projeto de desenvolvimento. Sustentamos que tanto a construção da
capacidade estatal de intervenção na vida social nacional, quanto as trans-
formações propriamente econômicas no pós-30 não podem ser explica-
das inteiramente sem entender o destino dos políticos profissionais na
nova estrutura de dominação.
Esse novo enfoque, ou mais exatamente, esse novo/velho objeto
recuperado permite repensar duas questões mais amplas do que aque-
las referidas exclusivamente às trocas de lugar entre grupos de elites e
partidos na cena política e à comutação da ideologia política liberal-
oligárquica pelo autoritarismo burocrático.
Há, nesse momento, tanto uma reforma do campo do poder quanto
dos fundamentos do poder. Nesse sentido, seria especialmente útil conhe-
cer o perfil da nova classe política nacional que pilota os aparelhos do
Estado. Estudos prosopográficos ou biografias coletivas são, no caso, o
instrumento mais adequado para avaliar a profundidade e a direção
dessas mudanças sócio-políticas. Um programa de pesquisa – compara-
tivo – bem poderia começar daqui.

Referências bibliográficas
Barreto, Alvaro Augusto de Borba. Representação das associações profissio-
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