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O pensamento de Jung acerca do Self à luz da sua Experiência Subjacente


Wolfgang Giegerich

Nessa conferência, eu não quero falar sobre o que foram as idéias de Jung acerca do
Self. Eu quero ir para trás dos ensinamentos dele acerca do Self, para as origens da
experiência subjacente, para tentar reconstruir alguns aspectos dos ensinamentos dele sobre
o Self. A palavra “subjacente” aqui tem dois sentidos diferentes. Primeiro, ela se refere à
experiência da idéia do Self em contraposição à teoria elaborada do Self. Há, eu declaro,
uma experiência que subjaz às declarações teóricas explícitas que Jung fez acerca do Self.
Segundo, essa experiência do Self tem novamente uma origem em uma outra experiência, e
a experiência do Self tem que ser vista por meio dessa experiência originária, porque, de
algum modo, a experiência do pensamento acerca do Self é uma reação, uma resposta à
essa experiência prévia. Desse modo, a minha conversa hoje terá duas partes. Primeiro, eu
discutirei a experiência originária prévia e, então, eu chegarei à experiência atual do
pensamento acerca do Self.

Parte I: A Experiência de Jung que precede o pensamento dele acerca do Self

Jung relata a experiência decisiva fundamental para todo o trabalho dele


subseqüente em seu Memórias, Sonhos, Reflexões. No período posterior à separação dele de
Freud e, depois de extensos estudos em mitologia comparada, em 1913, a questão se impôs
sobre ele:
Mas em que mito o homem vive hoje em dia? – “No mito cristão,”
deve ser a resposta. – “Você vive nele?” algo em mim me
perguntou. – “Para ser honesto, a resposta é não! Não é o mito em
que eu vivo.” –“Então nós não temos mais qualquer mito?” –
“Não, evidentemente, nós não temos mais qualquer mito.” – “Mas
então, qual é o seu mito? O mito no qual você vive?” Nesse ponto,
o diálogo comigo mesmo se tornou desconfortável, e eu parei de
pensar. Eu chegara em um ponto cego.

Essa é uma metade, a metade negativa, da experiência que precedera e era


subjacente à experiência de Jung do Self. A sua mensagem é: nós saímos do mito. Mito é
de uma vez por todas algo do passado para nós. Nós nem mesmo vivemos mais no mito
cristão, o que, estritamente falando, não é em si mesmo mais nenhum mito para começar,
mas um mito revogado. Eu vou brevemente explicar o que “revogado” significa, uma vez
que eu usarei esse termo várias vezes. Revogado (em Alemão: aufgehoben) é um termo
hegeliano. Uma realidade é revogada quando ela é negada ou cancelada como a realidade
que ela era, mas quando essa realidade negada é também preservada e transformada em
uma realidade logicamente mais elevada, na qual a realidade original negada é agora
somente um momento ou um ingrediente subordinado. Nós vivemos, como Jung nunca se
cansa de salientar, extra ecclesiam, fora da esfera da Igreja, onde há nulla salus, nenhuma
salvação. Esse é o ponto de partida de todo o trabalho posterior de Jung na psicologia e o
problema com o qual ele se defrontou. Está tudo acabado, tudo perdido.
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A outra metade positiva da experiência é expressa em um outro relato em


Memórias, Sonhos, Reflexões. Na sua expedição à África Oriental, mais de uma década
mais tarde, ele foi confrontado com uma visão fantástica em uma reserva animal:
Até o horizonte mais distante percebemos imensas manadas:
gazelas, antílopes, gnus, zebras, javalis, etc. Pastando e sacudindo
as cabeças, as manadas se moviam lentamente – ouvia-se apenas o
grito melancólico de uma ave de rapina. Havia o silêncio do eterno
começo, do mundo como sempre fora na condição do não-ser; pois
até há bem pouco tempo, não havia ninguém lá fora para saber que
havia “esse mundo”. Afastei-me de meus companheiros até perdê-
los de vista. Tinha a impressão de estar completamente só. Era o
primeiro homem, que sabia ser esse o mundo e que, através de seu
conhecimento, acabara de criá-lo naquele instante.
Tornou-se então extraordinariamente claro para mim o valor
cósmico da consciência:... Eu, homem, num ato invisível de
criação, levo o mundo ao seu cumprimento, conferindo-lhe
existência objetiva... Meu velho amigo pueblo voltou-me à
memória: acreditava que a razão de ser dos pueblos era o dever que
tinham de ajudar seu Pai, o Sol, a atravessar o céu diariamente. Eu
invejara neles essa plenitude de sentido e procurara, sem esperança,
nosso próprio mito. Agora, o apreendia, constatando, por outro
lado, que o homem é indispensável à perfeição da criação e que,
ainda mais, é o segundo criador do mundo; é o homem que dá ao
mundo, pela primeira vez, a capacidade de ser objetivo – sem
poder ser ouvido, devorando silenciosamente, gerando, morrendo,
abanando a cabeça através de centenas de milhões de anos, o
mundo se desenrolaria na noite mais profunda do não-ser, para
atingir um fim indeterminado.

Aqui, na África, em 1925, Jung finalmente recebia a resposta à questão anterior que
o havia atormentado: “Mas qual é o seu mito? O mito em que você vive?” Agora Jung sabia
o próprio mito dele. É, para dizê-lo com o título de um livro de Aniela Jaffé, “O Mito do
Significado”, onde “significado” deve ser traduzido (de acordo com um título de capítulo
no livro) como “Significado como o Mito da Consciência”.
Essas duas experiências “Não, nós não temos mais um mito”, e “agora eu conhecia
o nosso próprio mito”, são os dois extremos ou pólos entre os quais todo o projeto de
psicologia de Jung como a terapia da neurose tem lugar.
Pode-se pensar que com a experiência africana de Jung, a nossa perda de mito
terminara e que nós retornávamos ao quadro de membros de todas aquelas culturas que
vivem imersas no mito. Mas isso não é de modo algum o caso, já que “o mito da
consciência” não é realmente um mito no mesmo sentido. O mito genuíno se move dentro
da imaginação natural. Consciência já e um conceito abstrato, ela pressupõe reflexão.
Como um conceito, ela pertence à esfera do logos na filosofia, na psicologia e na
antropologia. Não tem o seu lugar no imaginal. Nós podemos interpretar certas imagens
mitológicas, imaginais, como dizendo respeito à consciência. Mas essa é a nossa moderna
interpretação psicológica. O mito por si fala, por exemplo, sobre o sol, ou o deus sol, sobre
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a separação dos pais do mundo, etc, mas ele não fala ou sabe sobre um tal conceito abstrato
como a consciência.
De modo similar, a contraparte da consciência no relato de Jung, “a existência
objetiva ou Ser” é apenas um conceito (não é uma imagem) que nunca poderia ocorrer na
esfera do mito. Ambos, “objetivo” e “Ser” pertencem à esfera do logos, pensamento,
reflexão.
Não somente o conteúdo do seu então chamado mito, mas também os movimentos
que Jung faz quando confrontado com a manada de animais são anti-mitológicos. A
experiência mitológica teria sido ver no fenômeno visível (aqui, na manada de animais) a
epifania de um deus ou verdade arquetípica, aqui, com toda a probabilidade, a Grande Mãe
como Senhora dos Animais. Mas o que Jung faz? Ele se afasta do fenômeno. Nos
pensamentos dele, ele precipita a manada de animais na “mais profunda noite do não-ser”.
Incrível. Ele joga todo o curso natural da vida, nascer, morrer, comer, em outras palavras,
aquele mundo que era a base e o locus da experiência mitológica, ele joga tudo isso no nada
e o condena à insensatez. Toda a esfera do fenômeno e do imaginal é negada, revogada. E,
alternativamente, em seus pensamentos, Jung se volta literalmente para ele mesmo, isto é,
ele reflete sobre si mesmo, como sujeito no sentido moderno do termo. O fenômeno, a
visão dos animais, é reduzido a uma mera ocasião, tornada possível para ele se tornar
consciente de si como consciência e, da consciência, como um segundo criador do mundo.
Em outras palavras, a epifania não estava mais para Jung no fenômeno, mas naquilo sobre o
que o fenômeno revogado permitiu que ele refletisse, no sujeito humano como observador.
Nós podemos ainda falar de uma epifania na experiência de Jung, porque como
segundo criador, foi dado à consciência humana um status de um tipo de divindade. O
sujeito moderno não é, é claro, um fenômeno imaginal ( não se pode ver o sujeito com os
olhos de alguém ou com a intuição sensória): é um conceito pensado. E, assim, nós temos
que reconhecer que o pensamento (a idéia da subjetividade humana) se tornou aqui, para
Jung o lugar da epifania, onde antes, o mito, a intuição sensória (a realidade fenomenal) ou
a imaginação tinham o seu lugar. Jung sempre insistiu que ele era um empirista e que
somente fatos importavam para ele. Mas aqui ele mostra ser não um empirista, mas um
pensador, na medida em que a idéia de consciência como o segundo criador do mundo não
é um fato, nem um fato estabelecido pela percepção ou pela função sensação, nem mesmo
um fato da imaginação. Não pode ser visto ou demonstrado. Também não é uma visão. É
um pensamento, e, como tal, nós podemos pensá-lo e somente pensá-lo.
Então a experiência africana de Jung não desfez a experiência dele anterior de perda
de mito de modo algum. Pelo contrário, ela está firmemente baseada nela e a confirma, mas
também avança muito além dela para um território inteiramente novo. O fato de ele ainda
utilizar o termo “mito” até mesmo para a experiência dele fundamentalmente diferente é
algo enormemente enganador. Mito, por um lado, e significado, no sentido junguiano, por
outro, são mutuamente exclusivos. A experiência dentro da esfera do mito é determinada
pelo fato de que todos os fenômenos têm o significado deles neles mesmos. Eles são auto-
suficientes e, nesse sentido, perfeitos, mesmo que eles sejam fenômenos de morte ou
doença. E porque eles são neles mesmos perfeitos, o mundo do mito é o mundo da eterna
repetição ou recorrência, que prossegue “por centenas de milhões de anos” “até o seu fim
desconhecido”. A idéia de significado de Jung, por contraste, é a narrativa de um
movimento total em direção a um fim conhecido. Somente na medida em que os fenômenos
individuais estão contidos na narrativa maior desse movimento orientado para um objetivo
é que eles agora, também, partilham do significado.
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A experiência africana de Jung foi possível por meio de dois atos de abstração. A
primeira abstração é literal, externa: ele se isolou de seus companheiros. Isso pode ser
interpretado como ele se separando de sua consciência comum e familiar ou do seu modo
familiar de ser-no-mundo. Ele precisava se afastar do que era (também nele) a consciência
comum ou natural para se tornar capaz, na resultante solidão absoluta, de dizer: “Nesse
momento eu fui o primeiro homem que sabia ser esse o mundo e que, por meio de seu
conhecimento, acabara de criá-lo naquele instante.” O fato de que era necessária essa
separação mostra que a consciência sobre a qual pode-se dizer que ela é o segundo criador
do mundo, não é a nossa consciência habitual. Ela é, em vez disso, uma consciência maior e
radicalmente nova, que resulta da explícita negação da consciência natural habitual.
O que Jung aqui executa é uma revolução da consciência. A consciência natural,
que nessa história é para Jung representada por seus companheiros, ainda está no mesmo
nível da experiência mítica e, portanto, também no mundo das manadas de animais, que
Jung rebaixa para poder se levantar acima dela. Ela está no mesmo nível natural, muito
embora, como consciência moderna, ela não mais seja capaz de experienciar positivamente
o mundo de uma forma mítica. Como tal, ela é apenas a simples negação da consciência
mítica. Ela não pode mais perceber a imagem divina nos fenômenos naturais, mas ela ainda
permanece no mesmo nível natural dos fenômenos que, no entanto, agora que eles não
podem mais ser experienciados como míticos, se tornaram reduzidos a fatos empíricos.
Jung, com seu ato de ruptura, por comparação, agora negava essa simples negação também,
e, por meio dela também todo o nível da consciência natural. Isso significa uma revolução
da consciência.
Por causa dessa revolução, Jung é “o primeiro homem”, isto é, Adão, novamente.
Ele experiencia o primeiro dia, de fato, o primeiro “momento” de um mundo novamente
criado. Essa é a experiência dele de uma cosmogonia. Mas que diferença para os mitos
cosmogônicos! Aqui, para Jung, a cosmogonia não ocorre, como na mitologia, no cosmos e
como a sua emergência. Ela acontece “de modo invisível” aqui na consciência, na mente
humana, na subjetividade, nomeadamente no e por meio do reconhecimento “que este era o
mundo” e em e como o conhecimento dele de que “aquele era ‘esse mundo’”. Aqui nós
chegamos à segunda abstração na qual a experiência africana de Jung estava baseada. Jung
se afasta da presença desse momento no qual ele realmente estava enquanto via as manadas
de animais e se eleva para cima dele, de fato por sobre toda a infinita multiplicidade do
mundo em ambas as suas dimensões espacial e temporal, e, assim, acima de todo o nível
correspondente de consciência. E ele contrai ou condensa, de fato, despedaça essa
multiplicidade, essa infinidade de momentos e de fenômenos, e um só pensamento abstrato:
“que era ‘esse mundo’”. Toda a riqueza fenomenal do mundo é comprimida em seu
conhecimento, de um lado, e no pronome demonstrativo “esse”, do outro.
Eu disse acima que a experiência de Jung não era uma visão, mas um pensamento.
Aqui isso se torna óbvio. Não há nenhuma aparição ocorrendo a ele, mas ele executa o ato
lógico da revogação. Ele, de algum modo, empurra a manada de animais (e, junto com ela,
toda a multiplicidade do mundo fenomenal) no não-sentido e, por meio do mesmo ato, se
eleva a um novo nível de consciência e a uma nova compreensão de significado. O novo
insight dele é, portanto, o resultado do ato lógico de revogação que ele executou e não a
intrusão irracional ou uma visão ou imagem. Toda a experiência natural do mundo, e isso
significa a base de toda a mitologia, é revogada nesse saber sobre toda a experiência
natural do mundo, e esse conhecimento não é nada mais do que a abreviação lógica do
antigo mundo, o mundo de mito e significado. Nós também poderíamos dizer que o que
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uma vez fora a multiplicidade de todo um mundo estava agora reduzido a um momento de,
a um conteúdo na, nova consciência que se tornara conhecedora (consciência conhecedora)
nesse sentido. Essa consciência é, ipso facto, extra naturam e extra ecclesiam, onde
natureza, no nosso contexto psicológico, significa tanto “mundo mítico” quanto “mundo
imaginal”. Para essa consciência, o mundo imaginalmente experienciado, o mundo
preenchido com significado divino está irreparavelmente perdido e não é mais do que um
momento ou um conteúdo revogado do conhecimento dele, não é uma presença real. O
nível de “onde a ação psicológica se encontra” foi realocado da imaginação do mundo
natural, para a consciência dele.
Do mesmo modo, Jung não se “ateve à imagem” do fenômeno que ele vira diante
dele, a lenta e pastadora manada de inúmeros animais. Esse movimento lento, de animais
que pastam, da manada que balança a cabeça, foi reduzido por ele a não mais do que um
auxiliar visual que, muito como os dedos usados pelas crianças quando fazem contas de
adição e subtração, facilitou o processo de pensamento para ele, mas também obscureceu
para ele o fato de que aquilo era um pensamento.
Nessa posição, a natureza como tal e o mito se tornaram psicologicamente um
passado obsoleto. Mas quase como uma consolação ou como uma compensação para essa
perda, essa postura permitiu pela primeira vez uma compreensão de “futuro”. Futuro no
sentido de se ter uma tarefa até então nunca desenvolvida e completamente nova diante de
nós, e, portanto, devendo-se viver na direção do seu cumprimento no futuro. Essa tarefa,
nós veremos, é a realização do Self. A idade do mito e do ritual, é claro, não tem uma
compreensão real de futuro. O homem, durante aquela idade, também tinha uma tarefa, mas
não era orientada para o futuro, não era a tarefa de trazer uma nova realidade à existência
pela primeira vez. A tarefa era, pelo contrário, a de acompanhar o curso natural dos eventos
com ritual, como os Índios Pueblo, por exemplo, ajudavam o Pai deles, o sol, a se mover
pelo céu, e a tarefa era a de repetir, de desempenhar novamente, os rituais que haviam sido
instituídos por ancestrais míticos no início do tempo. Então, o mundo mitológico e
ritualístico é determinado por uma orientação de “retorno” a modelos, paradigmas e
arquétipos “eternos” ou , pelo menos, “atemporais”. O Self, como a tarefa que Jung vê e
que é, nos olhos dele, a tarefa do futuro, é muito diferente. É, como ele deixa claro, o
movimento para a frente para um continente ainda desconhecido.
A experiência africana-oriental de Jung é o alicerce sobre o qual repousa a sua
posterior psicologia do Self. Ainda não é a própria experiência do conceito do Self. No
entanto, ela contém uma característica que nós ainda não mencionamos, que traça as linhas
a partir das quais o pensamento acerca do Self irá mais tarde proceder. Ela tem a ver com
uma reviravolta ou dialética.
“Nesse momento [que é o mesmo que dizer: “no momento em que eu me retirei dos
outros e quando todo o meu modo anterior de existência veio até mim de forma condensada
ou contraída no meu conhecimento, em um único pensamento da minha consciência”],
nesse momento, Eu era o primeiro homem ...”. Nós já sabemos que, como tal, ele era um
segundo Adão, o primeiro homem criado por Deus. Mas agora vem a incrível reviravolta:
como primeiro homem, como Adão criado por Deus, ele é ele mesmo e, ao mesmo tempo,
“o segundo criador do mundo”: em outras palavras, um deus criador. A oposição abstrata
de deus criador, de um lado, e criatura criada, do outro, foi revogada. Na religião, assim
como no pensamento cotidiano, Deus e criatura estão de forma não ambígua separados e
encontram-se vis a vis, cada um de lados distintos. Essa absoluta separação agora está
encerrada. Jung está falando sobre um evento de se tornar consciente em um sentido muito
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especial por meio do qual o homem dá ao mundo aquela existência objetiva que o primeiro
Criador não teve a capacidade de dar.
Isso de modo algum implica que o homem, que, de um certo modo, foi divinizado,
pode agora de modo inflado, de algum modo, decolar da terra e se erguer por sobre a
humanidade dele. Pelo contrário, a elevação de consciência para a categoria de um segundo
criador divino do mundo é o processo pelo qual o homem se torna completamente homem
(humano) pela primeira vez. A declaração “Nesse momento eu sou o primeiro homem”
contém também a idéia da completa realização da humanidade. O poder criativo que
anteriormente, com a primeira criação, fora posto aí, ao lado do Deus transcendente, agora
passava para as mãos do homem; é claro, não para ele, como pessoa, indivíduo, mas para a
consciência humana como tal. Há um intercruzamento de um para o outro, Deus e homem
em alguma medida trocam as naturezas e posições deles, na medida em que Deus é agora
também dependente do homem, enquanto antes somente o homem havia sido dependente
de Deus, e o homem criado agora assumiu algumas das tarefas de criação que antes haviam
estado exclusivamente nas mãos de Deus.
É evidente que tal visão, que vê no fato de o homem se tornar o segundo criador do
mundo a condição para a plena realização do homem como ser humano, se afasta da
imagem do homem como um organismo naturalmente existente. Para Jung, o homem não é
inteiramente homem meramente pela virtude de ele existir factualmente ou por ter nascido.
A completa compreensão de humanidade é uma tarefa, um opus, e, nós temos que
acrescentar, um opus contra naturam. A existência humana completamente realizada é a
existência revogada do homo sapiens natural. O homem se torna homem naquele
conhecimento especial sobre o qual Jung falara, não pela sua existência literal no sentido de
Vorhandensein. Então, assim como Jung na sua psicologia deixou o mito e a natureza como
o fundamento ou o contexto da psicologia para trás, ele também partiu da definição natural
do que “humano” significa.

Parte II: A Experiência Subjacente À Teoria do Self

As duas metades, negativa e positiva, da primeira experiência são experiências


empíricas. Elas podem ser datadas e localizadas, isto é, elas são eventos no tempo empírico.
A experiência do Self de Jung, por outro lado, não é datável. A experiência do pensamento
do Self não foi um evento no tempo, mas, em si, uma experiência de e no pensamento, no
mesmo sentido talvez de que Heidegger fala, no título de um dos escritos dele, de “a
experiência do pensamento” (Aus der Erfahrung des Denkens). Assim, foi uma experiência
originária informando a mente dele, não uma experiência literal ou secundária. Por essa
razão, não há uma afirmação análoga a ela, como há sobre a “perda do mito” dele e a sua
experiência da África Oriental. Nós temos que reconstruir essa experiência das declarações
acabadas de Jung acerca do Self, para sermos capazes de, por sua vez, reconstruir o sentido
daquelas afirmações a partir da experiência subjacente reconstruída. Há muitas citações
sobre o Self com as quais eu poderia começar. Eu escolhi somente uma. Em uma carta,
Jung escreveu:
Durante 1900 anos fomos admoestados e ensinados a projetar o
Self em Cristo, e dessa maneira bem simples foi isto retirado do
empírico – para alívio dele – e assim foi-lhe poupado fazer a
experiência do Self, ou seja, a unio oppositorum. (carta a Herbert
Bowman de 18 de junho de 1958).
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Há duas declarações essenciais sobre o Self nessa citação. A declaração direta sobre
o Self como união de opostos e a indireta consistindo da rejeição de Jung de uma projeção
do Self sobre Cristo. Eu começarei pela união de opostos. É óbvio que, com o Self, nós
estamos no âmbito do pensamento, e não no âmbito das coisas naturais ou das imagens.
Jung está preocupado com os opostos psíquicos, desse modo. Os “opostos”, tanto como
“unidade” e “diferença” e “identidade”, são os chamados “conceitos de reflexão”
(Reflexionsbegriffe), ou seja, conceitos que não se referem aos objetos e fenômenos
empíricos dados à experiência sensória, mas a conceitos que, por sua vez, se referem a
relações abstratas com as quais a mente reflexiva dentro dela mesma estrutura a sua própria
experiência.
Na realidade empírica, você pode ver dois animais lutando um contra o outro, você
pode imaginar o herói matando o dragão, etc, mas você não pode ver ou imaginar opostos
psíquicos. Jung não está falando de tais animais concretos, seres, figuras, poderes que antes
de tudo existem e, então calham de se encontrarem em oposição um ao outro, mas que
podem também estar em relacionamento harmonioso. Ele está falando de opostos psíquicos
como tais, o que é muito diferente de fato das coisas ou aspectos que incidentalmente estão
em oposição uns aos outros. Embora na realidade prática os opostos psíquicos sempre
apareçam na forma de conflitos concretos, essa é apenas uma exemplificação secundária
dos opostos psíquicos. Não são sobre os opostos em si que Jung está falando e a que o Self
se refere. Você não pode perguntar: O que são os opostos, porque que eles sejam opostos é
tudo o que há para ser dito sobre eles: eles são opostos e nada mais. Na noção de Self, Jung
deixou a esfera da sensualidade, da intuição sensória e da imaginação, a esfera dos
conteúdos, e entrou na esfera da abstração lógica ou das relações conceituais.
Essa observação é confirmada quando nós olhamos para a outra informação acerca
do Self na nossa citação, a rejeição de Jung da projeção do Self sobre Cristo. Esse é um uso
muito particular do conceito de projeção. Normalmente, nós falamos de projeção quando
nós vemos em alguma outra pessoa real um conteúdo que de fato pertence a nós, mas do
qual nós não temos consciência. Mas, por 1900 anos, Cristo não foi uma pessoa empírica
real para nós, não como esse meu vizinho de olhar perigoso, ou o meu chefe, etc., que
normalmente carregam as nossas projeções. Cristo foi uma imagem, uma pessoa imaginal.
Nesse sentido, ele poderia ser chamado de uma imagem arquetípica do Self. Cristo, assim, é
a auto-manifetação de um conteúdo psíquico, a epifania de uma verdade imaginal, ele é um
phainomenon, mas não algo empiricamente real sobre o qual nós poderíamos projetar
alguma coisa. Se nós aplicássemos o uso de projeção de Jung para a religião grega, nós
teríamos que dizer que os gregos projetavam a experiência do amor sensual em Afrodite e,
assim, eles eram eles mesmos poupados dessa experiência. Mas isso seria, é claro, sem
sentido. Os gregos obviamente experimentavam o amor sensual de uma forma bastante
pronunciada. Afrodite não é a carregadora da projeção, mas a personificação divina da
arquetípica profundidade da experiência humana, real, do amor sensual. Nesse ponto, não
há nenhuma diferença entre Afrodite (ou nenhum dos outros Deuses em qualquer lugar), e
Cristo como imagem do Self. A diferença é só de que eles são imagens: Afrodite, a imagem
do amor erótico; Cristo, a imagem do Self.
Agora, se Jung aqui, apesar de tudo e de maneira injusta, vê uma projeção e a
critica, isso deve significar duas coisas. Primeiro, deve haver uma diferença fundamental
para ele entre a realidade psíquica do Self e todos os outros conteúdos representados pelos
deuses politeístas. Jung não teria nunca criticado o fato de que as pessoas tivessem imagens
míticas e representações pessoais divinas no céu para todos os vários aspectos da
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experiência humana real tal como a experiência do amor. De fato, em seu Resposta a Jó,
ele veementemente insiste que até mesmo a mulher de hoje precisa de uma representação
metafísica pessoal no céu. Mas quando ele se refere ao Self, então, de súbito, o fato de
alguém ter tal representação pessoal divina é para ele uma projeção ilegítima. O fato de que
ele use dois padrões distintos deve ser devido à natureza e ao conteúdo especiais do
arquétipo do Self, e a respeito do que se trata o Self. O Self é tal que o que deveria ser
natural e até mesmo desejável no caso de qualquer outra realidade arquetípica, ou seja, ter
uma representação pessoal, é totalmente errado.
Segundo, provavelmente quanto a essa diferença, Jung sinta a necessidade de
interromper, dar um corte, no fluxo normal da vida da alma, que, como Hillman
especialmente mostrou, naturalmente tende a personificar e a imaginar coisas. Chamando a
atividade primária e comum da alma de personificação, nesse caso a personificação do Self
na figura de Cristo, de projeção e, indiretamente, de uma defesa contra a real experiência do
self, ele nos proíbe de nos determos na imagem ou na representação pessoal. No caso do
Self, ele tenta nos afastar da imagem, ele interdita a personificação e a imaginação. Por
quê? Porque, ele diz, isso nos dispensa, isso nos poupa, de ter que realmente experimentar –
e, assim, de ser, eu acrescentaria – nós mesmos o Self.
O que há de tão especial no Self? Eu acho que isso aparece no nome desse
arquétipo: Self. O Self não pode ser personificado, não pode ser imaginado, porque então
ele seria inevitavelmente objetificado, transformado em um objeto e conteúdo da
consciência. Mas isso significaria que ele não mais seria o que ele deveria ser: Self. Porque
“Self” se refere à mais interna subjetividade do sujeito, ele não pode ser representado. Não
pode ser simbolizado. Ele só pode ser experienciado, ou para ser mais exato: ele é em si
mesmo experiência, o processo da união dos opostos, o processo de uma relação dialética,
lógica. Uma vez que ele é experiência (tem a natureza de um processo ou experiência), ele
não pode ser um conteúdo, um fenômeno, ou algo que nós meramente calhamos de
experienciar. No momento em que ele se torna um conteúdo ou imagem, ele deixa de ser
Self. Agora se torna um pouco mais claro por que Jung considera ver Cristo como o Self
como sendo uma projeção. A imagem de Cristo estabelece um Outro externalizado e,
assim, de fato, afasta de nós o que deveria estar estritamente em nós mesmos. Qualquer
imagem objetifica, e objetificação significa estabelecer um outro, ou não-Self, dando ao
respectivo conteúdo a forma de outro.
Com esse insight, nós inadvertidamente retornamos ao prévio tópico do Self como
união de opostos. Se a consciência estabelece algum Outro literal ou estrutural lá fora, não
pode haver uma união de postos, porque então há Dois, duas entidades separadas entre as
quais os opostos estarão distribuídos, cada uma representando um lado da oposição.
Enquanto eu me relaciono com Cristo, não pode haver uma real união de opostos, porque
mesmo se eu amo Cristo e Cristo me ama, a fundamental e metafísica distância entre mim e
ele permanece. Pode haver harmonia entre nós, eu posso até ter experiências místicas de um
tipo de união “sexual” com Cristo, mas não pode nunca haver uma unidade real, una. E,
então, não pode haver Self, porque o Self significa que em mim e como eu, eu sou eu
mesmo, meu outro, eu mesmo o meu próprio oposto e, assim, dividido de mim mesmo. E
somente se eu me tornar consciente de mim mesmo como a irreconciliável oposição de
mim e do meu Outro, e ao mesmo tempo consciente do fato de que esse Outro oposto é
também eu mesmo, a união dos opostos ocorre e eu ipso facto avanço para o status de Self.
A frase “união de opostos” é uma abreviação. Se se desdobrar a relação lógica
complexa implicada por essa abreviação, ter-se-ia que dizer: a unidade da unidade e da
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oposição dos opostos. Eu desmontarei essa declaração em uma seqüência de várias


sentenças. 1. Eu não sou idêntico a mim mesmo, eu sou separado, eu sou o meu próprio
oposto. Eu sou uma contradição viva. 2. No entanto, esse Outro que é o meu próprio oposto
é ninguém menos do que Eu mesmo. Eu sou tanto eu mesmo quanto o meu oposto. Nesse
sentido, eu sou unido ao meu oposto. 3. Eu sou a unidade da primeira afirmação sobre eu
ser uma contradição e da segunda afirmação sobre eu ser unido ao meu próprio Outro. O
Self realizado é aquele status da consciência que conscientemente existe como a
complexidade dessa relação lógica, mas relação não no sentido de uma estrutura estática,
mas como a fluidez de um movimento dialético, como processo e performance.
O fato de que tudo isso seja muito difícil de ser entendido mostra o quão distante
isso é, e o quão estranho é, da nossa experiência e do nosso pensamento comum.Também
mostra que, com a experiência dele do pensamento do Self, Jung executou uma revolução.
Ele irrompeu as fronteiras do presente estágio de consciência na psicologia e abriu um
estágio inteiramente novo da consciência. A sua psicologia do Self implica a partida
irrevogável da imaginação mítica, da personificação, da representação divina pessoal, de
uma orientação, em todas as considerações essenciais, por meio da percepção, da intuição
sensória e da imaginação natural. O Self, porque é realmente “self”, realmente nós (cada
um de nós), como sujeitos, nos remove para a esfera abstrata do logos, de processos que só
podem ser pensados, mas não mais vistos, projetados ou imaginados. A sombra, a anima,
etc, são conteúdos e fenômenos, objetos da consciência, seres psicológicos, eles podem ser
imaginados e personificados. Mas não o Self. Ele não é um conteúdo. É a união dos opostos
(para continuar a usar essa abreviação no sentido da expressão completa) e, como tal,
realmente somente uma relação e um processo lógicos internos irrepresentáveis
(unanschaulich). O Self não pode ser um conteúdo porque então ele seria alienado da sua
própria noção. O Self só pode ser se, e na medida em que, eu de fato me torno e sou ele, ou
seja, na medida em que eu me elevei àquele nível de consciência no qual eu existo como, e
sou verdadeiramente consciente de mim mesmo como, a unidade da unidade e da oposição
dos opostos; o Self somente pode ser na medida em que eu me elevei para aquele nível de
consciência no qual eu experiencio e tenho a compreensão de mim mesmo como o
movimento complexo dessa dialética.
Agora nós podemos entender o que se quer dizer quando Jung disse que o
nascimento do Self pressupõe a morte do ego. É claro que isso não significa que nós
perdemos todas as nossas funções egóicas e a capacidade de lidar com a realidade
ordinária, que nós temos de algum modo deixado esse mundo para sermos imersos no
transcendental. Significa de imediato algo muito mais simples e ao mesmo tempo muito
mais radical, revolucionário. Significa revolução da definição de homem na qual nós como
substância, seres, entidades nos submetemos naquele movimento dialético ou naquele
Conceito. Ego, nesse contexto, significa aquela visão natural das coisas pela qual a
entidade existente é a primeira realidade e pela qual somente por isso pode-se dizer que
essa entidade tem certas qualidades, uma certa essência, para se submeter a certos
processos, para se comportar dessa ou daquela maneira, etc. A morte do ego ou o tornar-se
Self significa aquela revolução psico-lógica na qual, a entidade existente, de um lado, e, a
essência ou o conceito, de outro, trocam a posição e a categoria deles, em outras palavras,
onde eu enquanto entidade quase auto-idêntica me submeto implacavelmente ao meu
conceito ou essência, ao que eu realmente sou.
“O que eu realmente sou” não se refere a todas as minhas características empíricas
concretas. Tudo o que é parte da minha personalidade-ego e iria como tal, como algo
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psíquico, ser um sujeito-matéria da biologia humana. Mas o Self não é uma realidade
psíquica, mas uma realidade psicológica e um sujeito-matéria da psicologia. “O que eu
realmente sou” se refere a mim como sendo em última instância uma união de opostos.
Minha essência, o que eu realmente sou, a Lógica ou Conceito de “mim”, se torna a
primeira realidade, e o fato de eu ainda ser uma entidade existente é agora reduzido a ser
um momento revogado em mim como o movimento lógico que joga entre os opostos, em
mim como o Conceito. Ter se tornado Self significa ter se tornado o Conceito existente. A
lógica de mim como ser humano, sendo mente e alma, agora sustenta o predicado
“existente”, que antes pertencia a mim como substância ou entidade, e a substância ou
entidade se tornou um momento lógico dentro da lógica de ser mente e corpo.
Eu sou um ego enquanto eu sou definido como um ser existente e conseqüentemente
tenho como meu interesse primário a minha auto-preservação – não só a auto-preservação
literal, nem somente a auto-preservação emocional, mas também a auto-preservação lógica,
isto é, a preservação da precisa definição de mim como uma entidade ou ser existente.
Tornar-se Self, por oposição, significa que essa definição de algum modo mergulha e se
afoga na lógica do jogo entre os opostos psíquicos enquanto a realidade agora primeira e
dominante.
É disso que trata a importante imagem alquímica da “Imersão no Banho”, na água.
Não sou eu, como pessoa, como ego-personalidade, que tem que ser imerso na água. Senão
nós ainda estaríamos pensando no nível do comportamento psíquico empírico-factual, não
no nível da alma e da psicologia. Não, minha definição como entidade e substância, como
ser existente, tem que sofrer esse destino e morrer de afogamento, ou seja, ela tem que ser
dissolvida na fluidez do movimento lógico. A imersão da pessoa no banho seria somente
uma das duas coisas: ou uma catástrofe literal (psicose, morte), ou uma experiência
emocional sem uma real transformação psicológica. Experiências emocionais têm o mesmo
status que turismo tem no mundo moderno. Há também um turismo psicológico. Como
turista, você pode assistir a rituais encenados para você por tribos exóticas ou até mesmo
ser convidado a participar deles, mas você volta para casa como a mesma pessoa que você
era antes. Uma transformação real é uma transformação lógica, uma transformação na auto-
definição de alguém. E é por isso que não sou eu como pessoa empírica, mas a definição de
mim, ou o que Kant chamou de Menschheit in der Person, o universal lógico no particular,
que tem que experienciar a imersão no banho.
Esses eram os problemas que estavam contidos na experiência de Jung do Self e
com a qual ele estava se debatendo na psicologia dele do Self. Mas nós também temos que
ver que Jung conceitualmente Jung também não estava realmente capaz de enfrentar a
própria experiência dele. Ele não tornou fácil para o público e os leitores dele verem do que
se tratava o pensamento dele acerca do Self. Ele fez afirmações muito diferentes, com
freqüência contraditórias, sobre o Self e a individuação, falando de um modo a críticos
teológicos e, de modo oposto, a críticos científicos. Agora é verdade que algumas daquelas
contradições são devidas à natureza contraditória do Self. Mas não todas. Algumas são
devidas à impotência conceitual e à profunda ambivalência do próprio Jung. E essas
impotência e ambivalência, por sua vez, são devidas à resistência dele em fazer na forma
lógica da consciência o que o conteúdo da experiência dele, a experiência do pensamento
do Self, demandava. A resistência dele aparece em quatro principais áreas ou formas: (1)
Na postura metodológica dele; (2) teoricamente, no que constituía para ele o alicerce da
psicologia ou a realidade última; (3) em uma parte essencial do conteúdo da psicologia
dele, isto é, da narrativa junguiana; e (4) no modo do pensamento dele.
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1. A postura metodológica dele: Aqui a resistência aparece na recusa dele


veemente em admitir que a idéia de Self é um pensamento, tem a forma de um
pensamento. Ele insistiu que era um fato, uma descoberta empírica. O
empiricismo dele era um modo de se defender. Declarando que você está
interessado apenas em fatos empíricos, você, como um eu, não assume a
responsabilidade pelo que você está dizendo. Você se esconde; você
(logicamente!) se reserva; você mesmo fica de fora das coisas vis-à-vis os fatos
objetivos. Mas, é claro, a psicologia requer que o sujeito realmente entre em
cena, se renda aos conteúdos, mergulhe neles, em vez de ficar distante como o
observador inocente. Não é suficiente pregar semanticamente a imersão
alquímica no banho, mas sintaticamente, na sua postura metodológica, insistir
em ficar de fora e permanecer seco.
2. O alicerce teórico da psicologia dele: Jung estava comprometido com a alma e,
contra o espírito da época dele, o tanto quanto ele queria transformar a
psicologia em uma psicologia com alma. No entanto, no pensamento dele, o
primado da idéia de personalidade permaneceu inabalado, portanto, aquela alma
foi afinal relegada para uma posição subordinada. A despeito da consciência
dele de que nós somos cercados por todos os lados pela psique, quando
realmente era importante, Jung recaia na personalidade como o substrato último
da vida psicológica. A experiência dele do pensamento acerca do Self teria
requerido uma inversão no relacionamento entre personalidade e alma. No
entanto, ancorando a alma no conceito de personalidade, ele cimentou a
prioridade da entidade existente sobre o conceito ou lógica. A psicologia dele
permaneceu personalística e antropologística, e, assim, psicologística. Porque
Jung aderiu ao conceito de personalidade como o substrato psicológico último,
ele também acreditava que a análise pessoal de uma pessoa seria o locus onde o
processo de individuação como o processo da realização do Self teria lugar. Isso
é ingênuo. Provavelmente mal informado pelo fato de a palavra “individuação”
parecer conter uma referência a “individual”, ele projetou a tarefa da
individuação na pessoa individual, como se cada pessoa tivesse a individuação
dela. Mas eu não tenho o meu Self, a minha individuação pessoal: pensar assim
significaria subordinar o Self ao ego e a psicologia do Self à psicologia do ego.
O Self não é meu, a individuação não é o meu desenvolvimento, nem um
processo em mim. O processo de individuação é um processo que se desdobra
na lógica da alma. E ele ocorre não para a pessoa individual, mas para a
“Menschheit in der Person”, ao conceito ou definição de homem. E é por isso
que em uma realidade empírica de toda a vida, se alguém desejar dar uma breve
olhada do processo de individuação em andamento, tem-se que olhar o que está
acontecendo na cultura livremente, não no consultório e em um longo período,
não durante a vida curta de um indivíduo. Esse processo é maior do que nós.
Nós, como indivíduos, podemos no máximo, mas inevitavelmente também
teremos que, participar dele de um modo ou de outro. O laboratório alquímico
no qual o Self é realizado é a história, não sou eu como pessoa, não é a minha
análise como processo, não é o consultório como local. Para o indivíduo
empírico (propriamente entendido), o processo de individuação – precisamente
porque é um processo lógico e cultural – transcorre junto com a sua
desidentificação ou distinção do arquétipo (de papéis arquetípicos, de ter que
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representar o Self ou de ser o lugar da sua realização, e, assim, da importância


inflada que se expressa, por exemplo, na idéia e no sentimento de que “Eu tenho
que realizar o Self”, que a minha análise pessoal é o local do processo de
individuação. A pessoa humana é liberada para a modéstia, a simplicidade e a
fraqueza da sua real e empírica natureza humana). Todas as vestes míticas que o
homem até aqui havia posto podem finalmente ser retiradas. Isso é o que a
individuação significa de um ponto de vista prático: eu sou apenas eu mesmo, a
pessoa empírica que eu sou, nada mais, nada menos, nem melhor, nem pior. “A
maior limitação para o homem é o Self; ele é manifesta na experiência: ‘Eu sou
apenas isso!’” (MDR, p. 325). O Self, como união de opostos é definitivamente
não algo como nos tornarmos uma personalidade mana. Se fosse esse o produto
final do processo de individuação, levaria a uma inflação. Pelo contrário, o Self
realizado significa a retirada dessas idéias que pertencem à imaginação natural, e
significa o movimento para uma muito humilde, simples e terrena forma de
existência.
3. O conteúdo da psicologia dele, ou o conto, a narrativa, o mito junguiano: de
acordo com Jung, a trindade está incompleta e tem que ser superada em favor do
quatérnio. Ele não percebe que a trindade é a união de opostos, é a expressão da
experiência do Self. Desertando da trindade, ele também abandona o Self e
impede a sua realização.
4. O modo ou estilo de pensar: Jung se agarra ao modo da imaginação, da
mitologização e da simbolização e recusa tempestuosamente a avançar para o
pensamento genuíno como um modo psicológico. Assim, ele também
considerou a mandala, a imagem do Velho Homem Sábio, o Santo Graal, o lápis
alquímico, as imagens da árvore e do peixe, para mencionar somente um pouco
dentre muitas outras, como símbolos do Self. Aparte do fato de que é difícil ver
por que a maior parte dessas imagens definitivamente estáticas deveriam ser
símbolos do Self, se o Self é o processo de união dos opostos, nós também
temos que ver que Jung, desse modo, promove o mesmo tipo de “projeção” do
Self em algo que ele mesmo inflexivelmente rejeitava na passagem citada acima,
a projeção em algo que então nos libera de realmente ter que nos tornarmos e
sermos a união dos opostos. Se nós “projetamos” o Self em Cristo, ou na
mandala, no peixe ou no Velho Homem Sábio, não faz nenhuma diferença
essencial. Ele está sempre lá fora, na respectiva imagem, e longe de nós.
Em todos os quatro modos, que, é claro, estão intercontectados, quatro formas de
aparência de uma e da mesma auto-reserva, Jung obscurece o centro da sua própria
experiência e torna-a fácil para os leitores dele lerem de forma errada a mensagem sobre o
Self. Resta a nós libertar o importante insight contido na experiência dele das, algumas
vezes, contra-produtivas formulações que Jung deu a ele.
Basicamente, o erro de Jung é que ele ainda tenta construir a psicologia do Self no
nível das imagens mitológicas ou simbólicas, ou seja, no nível dos conteúdos, embora o
Self não seja nada mais do que o chamado para que nós nos movamos daquele nível para o
nível da lógica, da forma lógica e do movimento lógico. Nós temos que entender que a
união dos opostos, em outras palavras, a unidade da unidade e da diferença de deus e do
homem, está no armazém ritualístico e mitológico, mas isso não levou nos tempos antigos a
uma concepção do Self! A união dos opostos não é nada de novo e nada de especial. Mas o
Self, como ele aparece no trabalho de Jung, é absolutamente novo, pelo menos, no mundo
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Ocidental. E o que é novo e especial acerca do Self é que ele requer o transporte da
experiência antiga da “união dos opostos” da (para dizê-lo com um vocabulário diferente)
esfera da semântica para a esfera da sintaxe, do mito para o logos. É desse movimento
revolucionário que trata o Self. Pois é somente naquele novo nível de consciência, o nível
da “sintaxe” ou da forma lógica, que pode a união de opostos ser verdadeiramente “Self”,
isto é, psicologizada, aqui, na mente, na subjetividade, em vez de imaginada (como na
mitologia), atuada (como no ritual), ou emocionalizada (como na experiência mística ou
emocional), os três principais modos de externalização, em outras palavras, de dar ao Self a
forma do não-self.

GIEGERICH, W. Jung’s thought of the Self in the Light of Its Underlying Experience.
In:_______. The Neurosis of Psychology: Primary Papers Towards a Critical Psychology.
Collected English Papers. Volume One. New Orleans: Spring Journal Books, 2005. p. 171-
189.

Tradução livre de Alexandre Schmitt.

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