Doenças Infecciosas
Marília B. Marques1
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O Institute of Medicine (IOM, 1992) lançou, análises formais do risco em saúde têm um corte
nos Estados Unidos, em 1992, um relatório enti- predominantemente utilitarista, lógico-positivista,
tulado “Emerging Infections: Microbial Threats no qual a predição de eventos visa à diminuição
to Health in the United States”, reafirmando que da sua ocorrência pela redução da margem de
as novas doenças desconhecem fronteiras naci- incerteza (Hayes, 1992).
onais e reconhecendo que o sistema de saúde De fato, é a previsibilidade do risco de ocor-
dos Estados Unidos não está capacitado para rência de eventos que possibilita orientar a in-
detectar surtos de novas doenças infecciosas. tervenção, permitindo que a racionalidade de
O CDC (1994) propôs a criação de um siste- curto prazo predomine no tempo social em saú-
ma para fortalecimento da vigilância global das de. As críticas não deveriam esquecer as moti-
infecções emergentes enfatizando, entre outros vações práticas presentes no horizonte das aná-
aspectos, o fortalecimento das notificações, o lises de risco em saúde: além do controle e erra-
estabelecimento de redes sentinelas de vigilân- dicação de doenças, incluem a avaliação de pro-
cia e de centros de pesquisa epidemiológica. dutos e procedimentos médicos, a avaliação de
A situação atual nos sugere, portanto, que desastres tecnológicos e naturais e os planos
múltiplos e complexos fatores parecem contri- de seguro saúde.
buir com a presente explosão das novas doen- Diferentemente, entretanto, na lógica de
ças infecciosas, as quais, por sua vez, estão muito longo prazo dominante na dinâmica evo-
dando novo impulso à pesquisa em saúde. lutiva dos sistemas naturais, a imprevisibili-
Tendo em conta as inúmeras incertezas que dade introduz complexidade. Como orientar a
cercam estas doenças, para levar adiante nos- intervenção quando se está diante de fatos
sas discussões, partiremos da seguinte inda- imprevisíveis?
gação geral: Serão as doenças infecciosas emer- A evolução é um processo baseado na trans-
gentes e re-emergentes resultados negativos missão de informação. Os intervalos de tempo
da ação do homem sobre sistemas naturais que nos processos evolucionários são longos, po-
tem levado à degradação dos sistemas ecológi- dendo ser centenários, seculares. A prosperi-
cos planetários? dade humana teria no desenvolvimento do cére-
bro, no plano biológico, a sua mais significativa
O TEMPO E SUAS RACIONALIDADES característica evolucionária pregressa. O desen-
volvimento da espécie humana é, em sua maior
Afirmar que ciência, tecnologia, sociedade e parte, tributado à evolução cultural, não se tra-
dinâmica evolutiva formam um conjunto de no- tando de mera evolução genética. Na espécie
ções complexas é fazer uma assertiva óbvia. humana, a evolução cultural possibilita que a
Não constitui, porém, uma obviedade, afirmar experiência adquirida possa ser transmitida oral-
que o tempo exerce um papel importante na de- mente ou através da palavra escrita de uma gera-
finição dessa complexidade. Tempo e risco tam- ção para a seguinte.
bém constituem dois importantes elementos na Com o advento do paradigma da informação,
análise do processo de desenvolvimento cien- das técnicas de computação (Marques, 1991;
tífico e tecnológico. Gallopín, 1992), a capacidade de acumular e
Concordando com Bifani (1993), pensamos transmitir informações ampliou-se de tal modo
que o tempo deve ser considerado segundo di- que provocou uma aceleração no tempo evolu-
ferentes racionalidades. A racionalidade do cionário do homem. O processo evolucionário
tempo social é fundamentalmente de curto pra- (de comunicação/troca de informação) humano
zo; a do tempo do desenvolvimento científico e consome muito menos tempo em comparação
tecnológico é, basicamente, de longo prazo; a com o das outras espécies biológicas.
racionalidade do tempo da dinâmica evolutiva Conseqüências negativas desse sucesso evo-
dos sistemas naturais é, essencialmente, de lutivo do homem seriam as muitas mudanças,
muito longo prazo. qualitativas e quantitativas, verificadas nos com-
Alguns autores consideram, com criticismo, ponentes incerteza e risco no cotidiano da vida.
que os métodos e técnicas contemplados pelas Os problemas ecológicos e ambientais da atua-
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pectivos podem tornar se uma valiosa alter- campo da prospectiva tecnológica. Entre outros,
nativa teórico-metodológica. a elaboração de cenários (árvores de relevân-
A efetuação de uma análise prospectiva será, cia), os métodos de consenso (Delphi, painéis
necessariamente, um exercício formal, processa- de especialistas, sessões de brain storm), as
do em um marco temporal e contingencial bem análises estrutural e morfológica, as análises de
determinado e que recorrerá a diversas técnicas impactos cruzados, a análise de insumo/produ-
de antecipação. Tratar-se-á de esboçar e anali- to, as técnicas de prognóstico, de simulação, de
sar um certo número de diferentes futuros e de mapeamento contextual, as árvores de decisão
construir conjecturas a respeito, com uma finali- (Godet, 1987; Rattner, 1979).
dade prática: auxiliar a tomada de decisões, a Consideramos também os Sistemas de Infor-
escolha, a fixação de prioridades, analisando di- mação Geográfica – SIGs, um suporte físico de
ferentes trajetórias epidemiológicas, mantendo, enorme potencial na análise prospectiva. De in-
de início, uma certa distância de todas elas. Este trodução recente no estudo das doenças infec-
distanciamento é necessário para contornar o ciosas, os SIGs incorporam técnicas de geopro-
viés do determinismo, para o qual Keilman (1986: cessamento, imagens fornecidas por satélites e
52) chama a atenção: “certas projeções de po- tecnologia de sensoriamento remoto.
pulações nacionais, por se basearem em mode- A introdução de SIGs poderá revigorar a geo-
los determinísticos incapazes de lidar com a grafia médica, ao definir, com alta precisão, as
incerteza, acabam sendo instrumentos das po- condições topográficas e meteorológicas asso-
líticas autoritárias”. ciadas com a abundância de parasitas (Dobson
Em síntese, a prospectiva é, essencialmen- & Carper, 1993; Epstein et al., 1993). A visualiza-
te, uma atitude que olha-para-a-frente e que ção cartográfica de dados e informações deta-
toma em conta, entre outros aspectos, o fato lhadas e diversas, ajuda, portanto, a construir
de que a oferta de certas formas de cuidados à conjecturas epidemiológicas, sobretudo tendo
saúde pode requerer prazos longos de imple- em conta a emergência de doenças infecciosas.
mentação. Tomemos, a título de exemplo, a
Através de modelos explanatórios preditivos
construção de cenários relacionando problemas
da difusão da doença, a geografia médica tem
de saúde de indivíduos idosos, como câncer e
pretendido oferecer concepções ecológicas in-
doenças cardiovasculares, a diferentes estilos
tegradoras da rede causal: dado um conjunto
de vida. Esta tarefa requer a formulação prévia
de condições antecedentes, identifica-se um pa-
de perguntas, como no exemplo seguinte:
drão, reconhecem-se relações causais e efe-
tua-se a predição do fenômeno resultante. Di-
“No futuro, quais são os principais
desenvolvimentos que influenciarão o ante do imprevisível, porém, seus propositores
status de saúde dos idosos na Holanda, também não escapam à tentação de resvalar para
entre 1984 e 2000?” e “Quais são os os vaticínios.
padrões alternativos de serviços de saúde Pretendendo superar a geografia médica tra-
mais importantes, entre 1984 e 2000, dicional, a ecologia política da doença surgiu
tendo-se em consideração o futuro status para analisar certas relações “escondidas” entre
de saúde dos idosos e o número relativo economia, política e o fenômeno observável.
dos mesmos na população da Holanda?” Conferindo relevância aos fatores políticos e
(Becker et al., 1986: 16) econômicos na explicação da distribuição da
doença, examina o ambiente em seu contexto
No caso das novas doenças infecciosas, social e político: o Estado e as relações sociais
buscar-se-á o fortalecimento e a modernização, exercem influências sobre o ambiente e a doen-
no curto prazo, dos serviços de notificação e ça. O propósito da ecologia política da doença, a
vigilância epidemiológica. causa estando tanto na estrutura social quanto
Embora os estudos do futuro no campo da no microorganismo (Mayer, 1992), é estabelecer
saúde sejam ainda embrionários e em pequeno os determinantes econômicos, sociais e políti-
número (IHFN, 1994), diversas técnicas e proce- cos da doença. Contempla, portanto, um alarga-
dimentos formais são amplamente utilizados no mento da interpretação da causação; seu con-
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cia das doenças parasitárias consideradas exó- pondo o estabelecimento de uma Rede de Vi-
ticas. Como exemplo, a ocorrência de dois ca- gilância Sentinela, interligada eletronicamen-
sos de doença de Chagas aguda, em conseqü- te, implementando as tradicionais fontes de
ência de transfusão de sangue de doador assin- dados utilizadas (CDC, 1994).
tomático, imigrante da América Latina, moti- Em análise presente e futurista deste excitan-
vou um editorial no Annals of Internal Medi- te tema, e considerando que a comunicação en-
cine intutilado is Trypanosoma cruzi a new tre os povos está em escala irreversivelmente
threat to our blood supply? (Kirchhof, 1989). crescente, o destaque fica para o conceito de
Dentre vários pontos levantados no artigo, “saúde internacional” contrapondo-se à noção
algumas palavras a propósito das potencialida- de “saúde nacional”.
des dos Sistemas de Informação Geográfica
(SIG) na análise prospectiva, conforme suge- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
rido por Marília Marques. Um dos grandes
avanços da informática no campo da vigilân- CDC (Centers for Disease Control and Prevention),
cia espacial no controle de endemias tem sido 1994. Addressing Emerging Infectious Disease
o uso dos SIG. Para doenças emergentes cujo Threats: A Prevention Strategy for the United Sta-
controle depende da ordenação do processo tes. Atlanta: U.S. Departmente of Health and
Human Services, Public Health Service.
de desenvolvimento social e econômico e de
ocupação do espaço, a utilização de ferramen- KIRCHHOFF, L. V., 1989. Is Trypanosoma cruzi a
new threat for our blood supply?. Annals of In-
tas como o SIG viabiliza o monitoramento e o
terna! Medicine, 111: 773-775.
planejamento de ações de controle. O mapea-
PANG, L.; ALENCAR, F.; CERUTTI, C.; MILHOU,,
mento geográfico segundo características ge-
W. K.; ANDRADE, A. L. S. S.; OLIVEIRA, R.
ológicas e hidrográficas e o mapeamento da M.; KANESA-THASAN, N. & HOKE, C., 1995.
agricultura e da ocupação do meio ambiente Hepatitis E in the Brazilian Amazon. American
têm permitido o mapeamento da expansão de Journal of Tropical and Hygiene, 52: 347-348.
infecções emergentes, por exemplo, na Ama-
zônia brasileira. Recursos corriputacionais têm
sido utilizados para sobrepor imagens de sa- Alexandre da Costa Linhares
télite a dados epidemiológicos representados Instituto Evandro Chagas
graficamente, para a composição de imagens Fundação Nacional de Saúde
tridimensionais interpondo o ambiente, o ho-
mem e a fonte de vetores. Esta estratégia tem Entendemos que o trabalho apresentado tra-
possibilitado a identificação de criadouros de duz, essencialmente, uma profunda e abrangente
mosquitos, descrição de ecótopos, tipos de reflexão acerca de um tema da atualidade de al-
vetores e predição de dispersão de doenças cance universal, qual seja o das doenças infec-
em áreas ainda virgens de colonização. Esta ciosas emergentes. Destaca-se a complexidade
metodologia vem, há algum tempo, sendo uti- da questão, à luz de um enfoque prospectivo,
lizada com sucesso em doenças parasitárias, ressaltando-se o fator imprevisibilidade do pa-
como malária e oncocercose. norama nosológico como limitante quanto à
Na era “internética”, como todo bom usuá- eficácia de medidas que contenham a escalada
rio, não poderia deixar de mencionar a poten- de patógenos novos para a ciência, bem como
cialidade da rede internet para viabilizar o esta- daqueles cuja importância, até recentemente,
belecimento de informações “superhighways”, era subestimada.
adicionando eficiência na troca/disseminação Em recente publicação, Henderson (1994)
de informações com a finalidade de vigilância assinala que a efetiva prioridade antes atribuída
de doenças emergentes. Um banco de dados pelos órgãos oficiais de saúde, médicos em ge-
internacional de doenças infecciosas, integra- ral e pesquisadores às doenças infecciosas foi
do a sistemas já existentes, com protocolos deslocada para os processos crônico-degene-
comuns e armazenados em formatos compa- rativos. Como reflexo dessa condição, ressalta
tíveis, facilitaria o acesso de usuários de todo o autor, a própria importância e abrangência de
o mundo. Nesse aspecto, os CDC vêm pro- unidades e divisões da Organização Mundial da
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GARCIA, O.; MARTIN, M.; DOPAZO, J. & ARBIZA, produção de Kerteszia em suas folhagens. Esta
J. et al., 1994. Evolutionary pattern of human correlação foi contestada por muito tempo por
respiratory syncytial virus (subgroup A): cocirculating pesquisadores americanos, que não concebiam
lineages and correlation of genetic and antigenic a malária autóctone em região montanhosa e
changes in the G glycoprotein. Journal of Virology,
muito menos aceitavam o reconhecimento de
68: 5446-5459.
novo vetor (Gadelha, 1994). Só muito depois
CDC (Centers for Disease Control and Prevention), 1994.
os achados de Adolfo Lutz foram validados.
Addressing Emerging Infectious Disease Threats:
a Prevention Strategy, for the United States. Para contornar o problema das bromélias
Atlanta: U.S. Dept. of Health and Human Service. como criadouros de anofelinos, lançou-se mão
não só de sua retirada manual e de controle quí-
mico, mas, o que parece inconcebível hoje em
Judith Kardos Moetzel dia, da destruição pura e simples das florestas
Instituto de Medicina Tropical de São Paulo próximas a centros urbanos, como medida pro-
Universidade de São Paulo filática da malária (Gadelha, 1994).
No Estado de São Paulo, instituídas várias
O artigo é muito oportuno. A grande ques- medidas de erradicação da malária seguidas de
tão é como implementar na prática estratégias rigorosa vigilância epidemiológica, aparente-
que contemplem o imprevisível. A discussão mente bem-sucedida, temos, no momento, da-
multidisciplinar e a análise prospectiva em dos sorológicos que indicam a existência de
muito contribuem para uma reflexão e intera- quantidade insuspeita de malária autóctone,
ção sobre parâmetros não conhecidos. sem que haja número substancial de casos re-
Porém um dos maiores obstáculos a uma latados. Há suspeita de malária simiana circu-
ação efetiva, além da inércia e do conservado- lando na região, sem afetar o homem clinica-
rismo, é o limite de recursos. Assim, as políti- mente (Curado et al., 1994). O que isto repre-
cas públicas necessariamente priorizam os senta de risco para o futuro? Qual a prioridade
problemas prementes presentes e os previsí- de pesquisa sobre este assunto? Como justifi-
veis, relegando, via de regra, a segundo plano car a destinação de técnicos de campo e de
aqueles com os quais não nos deparamos de veículos, quando estes são limitados e exis-
imediato. Além disso, há uma natural resistên- tem problemas prementes como a ameaça das
cia em aceitar evidências ainda frágeis de al- mais variadas viroses, a expansão do Aedes
terações epidemiológicas, quando temos toda aegypti, o combate a focos de dengue. Que
uma tradição de pesquisadores renomados que, parte dos recursos alocar para pesquisar hipo-
eventualmente, indicam o contrário. téticas endemias? Qual é o impacto futuro que
Dentro do campo da malária, os exemplos elas poderão ter? Como fazer com que se acei-
são inúmeros. Entre a Segunda Guerra Mundial tem novos conceitos?
e a década de 60, acreditava-se que o problema Outro exemplo: na Amazônia, o Anopheles
da malária estava praticamente resolvido, com darlingi é considerado o principal vetor de ma-
a eficácia dos novos quimioterápicos e dos in- lária, sendo que algumas outras espécies tam-
seticidas. Não se previa o aparecimento da re- bém têm sido incriminadas. Recentemente pu-
sistência aos mesmos. A própria Organização demos demonstrar que, em certa região do
Mundial da Saúde, a muito custo, mantinha fi- Acre, a espécie predominante de anofelino era
nanciamento de pesquisa de vacinas, o que só Anopheles oswaldoi (Branquinho et al., 1993).
foi reforçado depois de nova ascensão da en- Este anofelino não era considerado até então
demia na década de 70. No Brasil, a situação da como vetor, e apenas um ou outro exemplar
malária foi ainda agravada com a abertura de infectado havia sido encontrado, ocasional-
novas fronteiras e com o desmatamento. mente, por outros pesquisadores. Há localida-
No começo do século, as observações cuida- des no Acre com alta prevalência de malária,
dosas e o conhecimento multidisciplinar de onde os únicos anofelinos que encontramos
Adolfo Lutz ligaram a malária emergente na infectados eram A. oswaldoi. Não só havia
região da construção da estrada de ferro São circunstâncias quase incontornáveis para dar
Paulo-Santos à existência de bromélias e à re- continuidade à pesquisa local sobre o assunto,
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como também os colaboradores que participa- co para prever dados que não “respeitam” os
ram da captura e do trabalho prático não aplica- modelos que procuramos construir.
vam, até há pouco, medidas de prevenção de Tentar colocar a evolução humana em “fór-
maneira sistemática em locais onde não encon- mulas” que possam prever o próximo passo é, no
travam A. darlingi, já que os recursos são es- meu modo de entender, a tentativa de robotizar o
cassos e os conceitos anteriores ainda predo- mundo animal, transformando-o em previsível.
minam. Devemos ter em mente que a ciência somente
Concluindo, além de discussões multidis- nos últimos tempos faz parte do conhecimento
ciplinares, de reconhecimento do imprevisível, humano acumulado, e que o modelo científico,
na prática seria necessário que, como política de de grande utilidade na biomedicina, onde per-
Saúde Pública, fosse destinado sistematicamente mitiu o desenvolvimento de modelos que facili-
percentual dos recursos, mesmo que pequeno, taram a compreensão da patogenia das doen-
ao controle e à pesquisa de assuntos de impor- ças, e, principalmente, levou a aperfeiçoamento
tância, aparentemente, secundária no momento. do diagnóstico, falha quando procura prever
comportamentos que não são equacionáveis. O
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS modelo científico, por exemplo, é de pouca uti-
lidade para prever a evolução de uma infecção
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Transactions of Royal Society of Tropical Medicine que de há muito os médicos “percebiam”: que
& Hygiene, 87: 391-394. fatores emocionais estão diretamente rela-
cionados ao surgimento de doenças por ação
no sistema hipotálamo-pituitário-adrenal.
Marcos Boulos Outro fator que merece destaque é o fato de
Faculdade de Medicina que muitas doenças começam a ser diagnos-
Universidade de São Paulo ticadas pelo surgimento de técnicas laborato-
riais, antes inexistentes. Isto não significa que
O artigo, baseado em extensa revisão, pro- estas doenças são novas, mas apenas que ago-
põe, para enfrentar a imprevisibilidade, a “reali- ra estão sendo diagnosticadas.
zação de estudos críticos do futuro em saúde, Se novas doenças surgem, outro tanto desa-
contemplando a modelização sistêmica, os en- parece, mantendo, provavelmente, o nível de
contros transdiciplinares e a utilização de siste- doenças igual no transcorrer do tempo.
mas de informação geográfica, no monito- O ressurgimento de determinadas doenças
ramento global das novas doenças infecciosas”. está, muitas vezes, associado a com oscilações
A tentativa de prever o caminhar da humani- no investimento em saúde pública. Exemplo é
dade, em todas as suas facetas, depara-se com o reaparecimento da difteria na Rússia, que, du-
a absoluta incompetência do modelo científi- rante anos, não vacinou suas crianças contra esta
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infecção. Como prever as mudanças sociais que sabilizado por transmissão natural de alguma
freqüentemente ocorrem na humanidade? doença, é fator de risco muito importante para
Baseado no exposto, considero que a tentati- diferentes doenças, algumas delas inusitadas no
va de modelização de fatos imprevisíveis está continente americano.
fadada a ser de pequeno valor prático e social a Do ponto de vista da intervenção para preve-
despeito da grande importância teórica que pos- nir agravos, sem dúvida, os desafios da imprevi-
sa vir a ter. sibilidade levam a limitações importantes. Resta
Esta é a contribuição que um médico clínico, ao setor saúde, muitas vezes, apenas a possibi-
habituado a trabalhar na imprevisibilidade da lidade de sua detecção precoce para limitação
relação microorganismo-hospedeiro, pode dar. dos danos, resultado de vigilância epidemioló-
gica eficaz, o que infelizmente não é uma prática
rotineira. Um exemplo recente foi a epidemia de
Pedro Luiz Tauil dengue no Sul da Bahia que, por várias sema-
Departamento de Saúde Coletiva nas, foi diagnosticada como de rubéola, atrasan-
Universidade de Brasília do a aplicação de medidas de controle. A aten-
ção para agravos inusitados, dentro de um sis-
Indiscutivelmente, o texto é um estímulo inte- tema de vigilância epidemiológica, é uma prática
lectual. A partir da discussão sobre o surgimento complexa porém de muita utilidade, se não para
de novas doenças infecciosas, não previsto no prevenir o aparecimento de novas doenças, para
modelo clássico da transição epidemiológica que eventualmente limitar sua abrangência. Na com-
vem orientando as políticas de saúde de países petição por escassos recursos, as medidas pre-
desenvolvidos e também de alguns subdesen- ventivas de possíveis agravos levam desvanta-
volvidos, nos últimos anos, a autora nos leva a gem política em relação aos agravos já existen-
considerar as limitações do nosso poder de pre- tes e conhecidos, por serem estes mais premen-
visão e expõe a alternativa de projetar o futuro tes. A previsão de transmissão de dengue no
com base na imprevisibilidade que leva em con- Brasil, após mais de 50 anos sem sua ocorrência,
ta a complexidade da abordagem dos diferentes foi feita por técnicos do Ministério da Saúde com
elementos que estão envolvidos na produção e muitos anos de antecedência, porém os recur-
desenvolvimento de agravos à saúde. sos necessários para a redução da infestação
No que se refere às doenças infecciosas emer- vetorial, particularmente para o Estado do Rio
gentes e suas conexões com o tráfico global de de Janeiro, para onde se previu a epidemia, nun-
viroses (Morse, 1993) e o intercâmbio de doen- ca foram autorizados.
ças entre o velho e o novo mundo (Berlinguer, O aparente paradoxo ente o sucesso evoluti-
1993), parece-me importante acrescentar o trans- vo do homem e o aumento da incerteza sobre
porte de insetos vetores de doenças entre paí- seu futuro pode ser visto como a demonstração
ses. Já no final da década de 30, o Nordeste bra- da importância da teoria da complexidade, base
sileiro foi infestado pelo Anopheles gambiae do entendimento da imprevisibilidade, modelo
procedente da África, responsável por uma das teórico que permite a identificação de diferentes
mais graves epidemias de malária ocorridas no situações futuras e não apenas de uma única
mundo, com letalidade superior a 10%. Recente- predeterminada e inexorável. O malthusianismo
mente, em 1985, os Estados Unidos foram infes- não levou em consideração a capacidade cientí-
tados pelo Aedes albopictus, transmissor do fica e tecnológica do homem para aumentar sig-
dengue e de vários tipos de encefalites na Ásia, nificativamente a produção de alimentos, emi-
transportados em pneus usados procedentes do tindo previsão, que felizmente não se configurou,
Japão. No ano seguinte, o Brasil registrou, tam- de colapso do abastecimento. O problema hoje é
bém, a presença deste mosquito, que já infesta de desigualdade na oferta de alimentos, não de
todos os estados da Região Sudeste e que já é capacidade de produção, pois esta é suficiente
identificado também em outras regiões do país. para toda a população mundial e tende a cres-
Apesar de, até o momento, não ter sido respon- cer com o desenvolvimento da genética.
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Doenças Infecciosas
A síntese dos avanços dos conhecimentos países não têm a menor responsabilidade, uma
em diferentes especialidades – ecologia, vez que não são chamadas a colaborar nas de-
sociologia, biologia, informática – para bene- cisões, mas pelo contrário, são mantidas
fício da humanidade como um todo, é o desa- mal-informadas ou desinformadas com o in-
fio fundamental. Como obtê-la em um desen- tuito de que não os percebam e não reajam.
volvimento analítico e isolacionista dos dife- É um escândalo político, econômico e so-
rentes ramos da ciência, criando até mesmo cial o reaparecimento de doenças como a có-
linguagens incompreensíveis fora dos respec- lera e a tuberculose que, sabemos, ocorrem
tivos âmbitos? Será que a formação de grupos como conseqüência da deterioração das con-
transdiciplinares, que periodicamente se reú- dições de vida das populações.
nem, como o de Harvard, citado pela autora, A dengue é um bom exemplo da falência do
pode dar conta desta síntese? Ou é preciso que modelo de controle de vetores, centrado no uso
a transdiciplinaridade seja praticada no mo- de inseticidas em larga escala que faz dos “paí-
mento mesmo do trabalho científico? ses periféricos” clientes cativos da indústria de
pesticidas cuja lógica desconsidera a agressão
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ao meio ambiente e os distúrbios para o ecossis-
tema e para a saúde das pessoas que essa práti-
BERLINGUER, G., 1993. The interchange of disease ca resulta. O investimento em educação resolve-
and health between the old and new worlds. ria este problema em caráter definitivo. E por
Intemational Journal of Health Services, 23: que não é feito? Certamente que uma popula-
703-715. ção que tem conhecimento para resolver o pro-
MORSE, S. S., 1993. Emerging Viruses and their blema da dengue seria também capaz de com-
Causes. New York: The Rockfeller University. preender outras coisas e de exigir amplamente
(Commisioned review article, mimeo.) seus direitos.
Da mesma forma, doenças como a AIDS não
podem ser enfrentadas sem se atacar a questão
José Carlos Serufo social, a questão moral, especialmente a cultu-
Núcleo de Pesquisa e Apoio Diagnóstico ral. Ou seja, sendo uma doença que não afeta
Universidade Federal de Minas Gerais apenas as populações carentes, a AIDS põe a
nu a falsa moral das classes dominantes que
Aos cientistas ligados à área da saúde tal- incentivaram ao longo dos séculos a ignorância,
vez sejam aqueles de quem mais se deva cobrar o desconhecimento do próprio corpo, em todas
um posicionamento claro a respeito das ques- as camadas sociais, sendo essa, sem dúvida,
tões políticas, ou seja, do estudo profundo acer- uma das principais causas da proliferação das
ca dos sistemas políticos e suas implicações na doenças sexualmente transmissíveis.
qualidade de vida de todo o planeta, especial- Desta maneira, se queremos dar um enfo-
mente do ser humano. que epistemológico, não há como discutir-
Isto para não cairmos em erros de simplifi- mos a emergência e a re-emergência de do-
cação, muitas vezes expressos em textos enças infecciosas sem levarmos em conta
científicos de formulação erudita, mas que esta abordagem, sem nos pronunciarmos so-
todavia tergivesam, apresentando uma análise bre as questões políticas mais emergentes,
esterilizada das implicações dos avanços tec- nacional e internacionalmente.
nológicos, dos desflorestamentos, das guer- É impossível deixar de enfocar o papel que
ras, da ação predatória do homem em relação têm cumprido organismos internacionais
à natureza, do empobrecimento da qualidade como a ONU, que mostra nem sempre se di-
de vida da população, como se fossem fatos recionar pelas boas intenções de enfrentar os
ocorridos ou provocados pela humanidade, “novos desafios, e de redirecionarmos as agen-
fruto de uma “desorganização” ou desconhe- das de pesquisa e escolha de tecnologias
cimento, e não pela decisão de governos, de estratégicas”(vide texto).
interesses políticos e econômicos, sobre os A discussão sobre a previsibilidade do risco
quais a maioria das populações de todos os de ocorrência de eventos, longe de orientar a
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Marques, M. B.
intervenção no rumo do controle e da erradi- onde os micróbios ressurgem como grandes vi-
cação das doenças, tem servido muito mais à lões e estão ameaçando toda humanidade. O
propaganda dos planos de saúde e ao comér- caminho é este, atacar a questão, buscar todos
cio, com sucateamento da saúde pública, exa- os seus ângulos, apontar as causas que se jul-
cerbada em tempos de política neoliberal. gam verdadeiras, sem medo de errar ou de ser
Torna-se necessário realizar uma análise pro- criticado. Parabéns, também aos Cadernos de
funda e responsável da situação da saúde. onde Saúde Pública.
esta questão deveria ser vista como uma ques-
tão social e não como um mercado valioso de
venda de medicamentos, aparelhos e insumos Hermann G. Schatzmayr
Instituto Oswaldo Cruz
para diagnóstico de doenças evitáveis.
Fundação Oswaldo Cruz
Creio ser necessário um posicionamento
aberto e corajoso da comunidade científica para
O trabalho apresenta a complexidade dos fa-
denúncia dos abusos. dos escândalos, dos infan- tores envolvidos no aparecimento de novas en-
ticídios cometidos com a fome, a miséria e as tidades mórbidas ou no ressurgimento de anti-
guerras. que ceifam a vida de milhares de seres gas, sob formas mais graves.
humanos todos os anos, mas que não têm sido a Inicialmente cumpre assinalar que o fenôme-
preocupação dos governos e de muitos que crê- no não é novo, as epidemias de varíola, cólera,
em, enganosamente, não serem estes motivos de peste e influenza, em passado histórico não tão
risco universal e, portanto, não os relacionam distante, com efeitos por vezes devastadores,
com as doenças emergentes e reemergentes. indicam que, em presença de populações sus-
Sabemos, e não podemos fugir à responsabi- ceptíveis, estes agentes tiveram a possibilidade
lidade de divulgar, que é possível alterar com a de atingir grandes núcleos populacionais.
ação humana as condições pré-históricas ainda Os avanços no conhecimento das etimologi-
vividas pela maioria esmagadora da humanida- as das doenças infecciosas, de seu diagnóstico,
de. Ao discutirmos a ecologia, é fundamental e da vacinação contra várias delas, criaram a fal-
que nos lembremos que não são os homens e sa impressão de que estavam sob controle e que
mulheres de todos os países os que desmatam, seriam rapidamente superados eventuais focos
os que queimam, os que matam os rios e des- que surgissem.
troem os ecossistemas, e sim aqueles movidos Esqueceram-se, porém, dois fatos biológicos
pela ganância, cuja satisfação imediata e selva- irreversíveis: um, a evolução dos seres vivos,
gem de seus desejos é seu único compromisso. incluindo as mutações dos microorganismos,
Assim, para discutirmos “desequilíbrio am- gerando melhores condições de sobrevivência
para alguns indivíduos e, outro, o crescimento
biental e alterações climáticas, explosão de po-
demográfico exponencial das populações huma-
pulações humanas, crescente mobilidade de
nas neste século.
bens, serviços e pessoas, avanços técnicos, mu-
Este último dado, sem qualquer cunho alar-
danças comportamentais e guerras” é funda-
mista, nos indica que, em muitas regiões do mun-
mental que nos posicionemos politicamente no do, já não há mais possibilidade sequer de se
sentido de interferir na política global do nos- prover saneamento básico para as populações
so país e internacionalmente, pois a existentes, pelas tecnologias atuais, por falta de
“imprevisibilidade” não é assim, como pode ser recursos hídricos sustentáveis a longo prazo.
observado nos exemplos acima e no texto, tão Parece-nos que este crescimento demográfico é
imprevisível quanto alguns querem fazer crer. citado apenas ao longo do texto e não como uma
Parabéns à autora do texto “Doenças Infec- das bases do processo em discussão.
ciosas Emergentes no Reino da Complexidade: A pressão das populações crescentes sobre
Implicações para as Políticas Científicas e Tec- os recursos naturais existentes, inclusive sobre
nológicas”, que enriquece essa discussão indo áreas e sistemas ecológicos ainda não desenvol-
além da relação agente-hospedeiro, saindo da vidos, na busca de bens ou mesmo da simples
ótica da mídia atual, que veicula uma imagem sobrevivência, é muito forte. A par disso, ocor-
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Doenças Infecciosas
rem as ocupações de larga escala, desenvolvi- quadros emergentes, hoje tratados na mídia co-
das por estruturas poderosas como, por exem- mercial de forma quase sempre sensacionalis-
plo, na busca de minério ou na implantação da ta no momento em que surgem e em seguida
agricultura ou da pecuária. esquecidos, quando mais se necessitaria de
Estas atividades freqüentemente expõem po- uma avaliação crítica da situação, a médio e a
pulações humanas a ciclos naturais de agentes longo prazos.
infecciosos até então em equilíbrio e afastados Destaca-se, ainda, a necessidade de maior
do homem. flexibilidade e rapidez na alocação de fundos e
Por outro lado, já se afirmou que nada tem a definição de prioridades, para se fazer face a
sentido em biologia se não for avaliado pela óti- esses desafios; não se pode esperar anos para
ca da evolução; as mutações aleatórias propi- que mais recursos fluam para doenças que, em
ciam condições de vantagem para alguns indiví- poucos meses, possam ter efeitos graves so-
duos, os quais, ao sobreviverem melhor às con- bre populações.
dições existentes, predominam sobre os demais. Em resumo, em nossa opinião, o artigo é es-
Ocasionalmente a resistência a drogas ou a mai- timulante e abrangente, porém não enfatiza os
or capacidade de se multiplicarem em seus hos- dois principais agentes do surgimento de doen-
pedeiros, o que podemos chamar de maior viru- ças novas c o ressurgimento de antigas, de for-
lência, surgem ao longo do processo e são a ma mais grave, quais sejam, a evolução biológi-
base do estabelecimento de novas entidades ou ca e o crescimento demográfico humano.
do ressurgimento de outras já conhecidas. Procurando o macro dos fatores envolvidos,
O artigo descreve as possibilidades de pre- acaba deixando sem maior definição os instru-
visão dos cenários futuristas, reconhecendo mentos a aplicar.
o grau de imprecisão dos mesmos, com o que O artigo permite que se reavalie que espécie
concordamos. de profissional necessitamos formar para a Saú-
O artigo preconiza, ainda, uma conjugação de de Pública de nossos dias; a volta de enfoque
esforços de várias áreas do conhecimento, vi- mais instrumentalista, que norteou, por exem-
plo, a nossa Ensp por muitos anos, deve ser
sando uma ação comum, com o que também se
repensada.
concorda, inteiramente.
Através da pura dialética, muitas vezes ela
Parece-nos, no entanto, muito mais impor-
própria conflitante e perplexa pelas rápidas mu-
tante, em vez de tentar prever o imponderável,
danças que surgiram nos últimos anos no mun-
nos voltarmos ao instrumentalismo, destacando-
do, não seremos capazes de responder a gra-
se o estabelecimento de métodos e tecnologias
ves problemas que, eventualmente, atinjam mi-
de monitoramento global do surgimento de pro-
lhões de pessoas, em curto prazo de tempo.
blemas. Estes sistemas deveriam permitir detec-
tar, em qualquer parte do mundo, o acúmulo de
quadros de doenças emergentes ou disto suspei-
Paulo Gadelha
tas, bem como acompanhar a evolução do proble- Casa de Oswaldo Cruz
ma ao longo do tempo. Fundação Oswaldo Cruz
A par do monitoramento de eventos, será
necessário, a nível global, o aprimoramento de
ações de controle que possam ser aplicadas, de O artigo de Marília Marques vem em boa
maneira consistente, em todas as populações hora. A atualidade do tema, seu tratamento sob
sob risco imediato ou de médio e longo prazo. a ótica da complexidade e da construção de
Dentro destas ações de controle, destaca-se alternativas metodológicas voltadas para a in-
a capacidade de mobilização de grupos de abor- tervenção no campo da saúde despertam gran-
dagem especializados, apoiada na tríade epide- de interesse, sendo a qualidade do texto incen-
miologia, laboratório e clínica, para desen- tivo adicional para estimular novas reflexões.
volver ferramentas de diagnóstico e prevenção. Alertamos inicialmente que nossos co-
Outra ação instrumental importante é a cor- mentários não terão o sentido de cobrar o aten-
reta divulgação de informações sobre estes dimento de questões que o artigo não se pro-
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Marques, M. B.
pôs a desenvolver, mas apenas apontar para tido, o artigo de Marília Marques ganharia mais
aspectos que poderiam precisar melhor a pau- nitidez caso utilizasse a categorização propos-
ta proposta. Face às limitações de espaço, nos ta por Mirko Grmek onde são identificadas cin-
restringiremos a algumas questões conceituais co situações em que uma doença pode ser con-
e a chamar a atenção sobre a contribuição que siderada emergente: existência prévia, mas
os trabalhos históricos têm dado a esse debate. ocultada pela impossibilidade de sua con-
O surgimento e desaparecimento de doenças ceitualização no passado; mudança qualitativa
infecciosas, tema marcante na historiografia so- ou quantitativa que a tornam mais perceptível;
bre doenças, recebeu tratamento mais abran- introdução a partir de outras regiões; presença
gente em 1930, com a obra de Charles Nicolle, anterior restrita aos animais e, finalmente, ra-
“Naissance, Vie et Mort des Maladies Infectieu-
dicalidade da emergência no sentido em que os
ses”. Nicolle se interroga sobre o destino das
agentes ou as condições para sua existência não
doenças infecciosas, fornecendo explicações
existiam antes de suas primeiras manifestações
para exemplos históricos, e especula sobre o futu-
clínicas (Grmek, s/d). Além da referência ge-
ro tomando como referencial as interações
parasitas-hospedeiros e o fenômeno de mutação. nérica à incidência de doenças, previamente
Suas questões são de grande atualidade, como reconhecidas ou não, e do caso específico de
podemos depreender, para citar um exemplo, do disseminação para outras áreas, citados no tex-
seguinte comentário (op. cit, p. 129): to, ficariam melhor evidenciadas relações com
novas formas de percepção e conceitualização,
“Il Y aura donc des rnaladies nouvelles. C’est mudanças qualitativas e a diferença entre “no-
ura fait fatal. Un autre fait, tout aussi fatal, vidade” e “emergência”.
est que nous nes auroras jamais les dépister Quanto às explicações adiantadas para a emer-
dès leur origine que, lorsque nous era gência de doenças, acreditamos que o artigo
auroras notion, elles seront déjà toutes poderia ser também enriquecido. Embora enfati-
forniées, adultes pourait-ora dire (...). il faut ze em vários trechos a complexidade desse fenô-
donc aussi bien se résignier à l’ignorance des meno, referindo-se especialmente ao Grupo de
premiers cas évidents. Ils séront méconus, Harvard, fica a impressão de que a autora valori-
confondus avec des maladies déjà existants et za um referencial ecológico mais restrito, relati-
ce n’est qu’après une longue période de vo à ocorrência de variantes gênicas e/ou con-
tâtonnements qu’on dégagera le nouveau tatos com novos nichos em função da degrada-
type pathologique du tableau des affections ção de ecossistemas, em detrimento de questões
déjà classées.” referentes à modificações tecnológicas e concei-
tuais na construção de nosologias, aspectos cul-
Desde então, e especialmente a partir da dé- turais e comportamentais e mecanismos de siner-
cada de 70, contribuições fundamentais para o
gia e antagonismo entre doenças. Mesmo quan-
tema surgiram da interface entre estudos bio-
do alguns desses fatores são mencionados (p.
ecológicos e históricos, a exemplo dos concei-
16), é imediatamente reforçada a idéia de novos
tos de unificação microbiana do mundo (Le Roy
contatos com reservatórios e vetores.
Ladurie, 1973); imperialismo ecológico, gradien-
te epidemiológico e processo civilizatório (Cros- Sentimos falta também do desenvolvimento
by, 1986 e McNeil, 1976), e patocenose (Grmek, de conceitos que procurem organizar sintetica-
1983), que se relacionam às referências recentes mente os vários fatores citados como causas do
de Marília Marques a Morse – “tráfico global de fenômeno da emergência. Lembramos nova-
viroses” – e Berlinguer – “intercâmbio de doen- mente neste caso Mirko Grmek e seu conceito
ças entre o velho e o novo mundo” (p. 3). Uma de patocenose, onde a freqüência e a distribui-
maior familiaridade com essas vertentes teria ção de cada doença em situações de equilíbrio
enriquecido o texto em pauta. dependem, além de componentes endógenos e
O conceito de doenças emergentes, por ecológicos, da freqüência e distribuição de to-
exemplo, veio substituir na historiografia a no- das as outras doenças. É assim que verifica-se
ção mais restrita de doença “nova”. Nesse sen- sempre a existência de um pequeno número de
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Doenças Infecciosas
doenças muito freqüentes convivendo com Morin (1990) que a complexidade não “produz”
grande número de doenças raras. Certamente o nem “determina” a inteligibilidade, mas fixa uma
conceito de patocenose é passível de críticas estratégia dialógica que, entre outros efeitos,
que não podem ser aqui consideradas. De qual- estabelece uma tensão entre a totalidade como
quer maneira, sua utilização demonstrou-se verdade e não-verdade (Morin, 1990). A com-
pregnante na interpretação da emergência de plexidade, portanto, não deve inibir o esforço de
doenças em momentos de ruptura de “equilí- interpretações totalizantes. Sob essa perspecti-
brio patocenóticos” ao longo da história e foi va ficam mais claras as relações entre predição,
utilizado por seu autor no debate sobre a emer- conjecturas e abertura para o imprevisto.
gência (e não “novidade”) da AIDS, seguido do
apoio de autores como Luc Montaigner (1994) e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
contrapondo-se, com vantagens, a interpretações
reducionistas centradas na hipótese de mutação CHASTEL, C., 1992. Histoire des Vírus. De la Variole
e novos contatos (Grmek, 1989). au SIDA. Paris: Édit. Boubée.
Finalmente, quanto à variabilidade de micro- GRMEK, 1989. Histoire du Sida: Début et Origine
organismos, teria sido oportuno mencionar, na d’une Pandémie Actuelle. Paris: Payot.
medida em que os aspectos de detecção e vigi- , 1993. Le concept de maladie émergente.
lância são enfatizados, os desafios colocados Historv and Philosohhy of the Life Sciences,
pelo reconhecimento de novas formas virais ou 15: 281-296
sub-virais (prions e virions) e sua relação com , s/d. Décline et émergence des maladies.
doenças emergentes (Chastel, 1992). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. II, n. 2.
Há outro aspecto geral do texto que nos aven- (no prelo)
turamos a comentar e que se refere à questão
MONTAIGNER, L., 1994. Des Vírus et des Hommes.
da complexidade. Aqui o artigo é de grande ri-
Paris.
queza quando relaciona delineamentos gerais
dessa temática com as diferenças entre predi- MORIN, E., 1990. Science avec Conscience. Paris:
ção/prognóstico e projeção/conjecturas e suas Fayard.
conseqüências no estudo das transições epide- PRIGOGINE, I., 1994. Les Lois du Chaos. Paris:
miológicas, intervenção na saúde pública e di- Flammarion.
álogo democrático. Causou-nos a impressão,
entretanto, de que o aspecto geral da imprevisi-
bilidade, que dá o mote para considerações Henrique Rattner
sobre temporalidade/risco e a defesa de abor- Associação Brasileira para o
dagens prospectivas mereceria maior Desenvolvimento de Lideranças
contextualização. A referência a outras chaves,
algumas delas anunciadas nas pp. 11 e 12 (sis- O tema “incertezas e riscos em saúde decor-
temas estáveis e instáveis; ordem, desordem e rentes de mudanças tecnológicas” proporciona
autoorganização; local, global e história e o ensejo para analisarmos criticamente não so-
irreversibilidade) tornaria mais claras as dife- mente algumas diretrizes da política científi-
renças entre o entendimento da probabilidade co-tecnológica em saúde, mas também as pro-
no sentido clássico e seu papel nos sistemas postas recorrentes de introduzir modelos sistê-
instáveis ou a relação entre capacidade prediti- micos e abordagens transdisciplinares no estu-
va, “leis do caos” e “leis da natureza” que se do dos múltiplos e complexos fatores associados
expressam, por exemplo, na assertiva de que à irrupção de novas doenças. Essa abordagem
“probabilidade não é ignorância e de que a facilitaria a construção de um referencial teó-
ciência não se confunde com a certeza” (Pri- rico mais abrangente para se estudar a dinâmi-
gogine, 1994). ca de patologias, e, assim, contribuiria à previ-
Por sua vez, consideramos um ponto forte o sibilidade e à eficácia das políticas de saúde.
alerta, citando Tarride, de que o paradigma da Há, contudo, um aspecto fundamental a ser
complexidade não pretende fundar uma “nova considerado: os estudos sobre doenças e saúde
ciência” (p. 12). Vale a pena reforçar com Edgar concentram-se quase exclusivamente em sua
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Marques, M. B.
patogenese biológica, enquanto todas as evidên- diretos expressos na pauperização física e ma-
cias apontam para processos complexos de terial dessa multidão incontável, devem ser
inter-relações entre fatores biológicos, mate- acrescentados os efeitos psíquicos e morais,
riais, sociais e psíquicos. São esses últimos expressos no comportamento individual, e seus
que, a nosso ver, desencadeiam os fenômenos reflexos na psique coletiva. Os excluídos, ao
de anomia social e que tornam o convívio na perder a estima própria e a dos outros, e sem
sociedade insustentável. meios de reagir ou inverter esse processo,
A tese que associa a emergência de novas tornam-se agressivos e transgressores da lei e,
patologias à inovação e generalização do uso de desmotivados e desesperançosos, procuram
tecnologias permite várias análises e inferências. refúgio na doença mental ou, no caso extremo,
Tanto na alopatia quanto na agricultura, são no suicídio.
conhecidos e multiplicam-se os fenômenos de Por outro lado, o avanço impetuoso das tec-
patologias ou infecções cujos agentes são nologias de ponta nos sistemas de produção
resistentes a antibióticos ou pesticidas aplica- industriais – a automação e robotização – têm
dos amplamente. resultado em crescente dicotomização dos pro-
O próprio envelhecimento das populações, cessos de trabalho, entre concepção/planeja-
ou melhor, o aumento gradual da expectativa de mento e execução, destituída essa última de qual-
vida conseguido, ao longo de décadas, com quer compreensão do conjunto e, portanto, de
melhor alimentação, higiene e tratamentos de sentido das tarefas realizadas.
saúde, tem trazido à tona e elevado a incidência Acompanhando o noticiário sobre os inúme-
de uma série de doenças degenerativas, objeto ros casos de perturbação psíquica e emocio-
de novas pesquisas e estudos. nal, bem como as estatísticas assustadoras so-
A tese presta-se, contudo, a uma incursão em bre as violências cometidas nos grandes cen-
área pouco explorada, porém de relevância ímpar tros da civilização urbano-industrial, fica a dú-
para compreensão dos problemas humanos de vida sobre a relação “custos/benefícios” do
nossa civilização e para seu equacionamento e progresso técnico.
superação mediante políticas públicas adequadas.
Inovações tecnológicas – enquanto alavan-
Nestor Oscar Stanchi
ca poderosa da expansão, do crescimento e da
Facultad de Ciencias Veterinarias
diversificação das atividades econômicas –, têm
Universidad Nacional de la Plata
resultado na eliminação incessante de postos
de trabalho, supostamente de menor qualifica-
He leído con atención el trabajo
ção. Por outro lado, a criação de novos empre-
“Doenças Infecciosas Emergentes no Reino
gos, ainda que melhor remunerados, não tem da Complexidade: Implicações para as
permitido a absorção dos “redundantes”, ou Políticas Científicas e Tecnológicas”
desempregados, pela estrutura produtiva. encontrando muy interesantes los
Entre as conseqüências desse processo, conceptos vertidos por la autora.
apontam-se as perdas dos assalariados em sua Me gustaría agregar que, dentro de los
participação na renda nacional e a deterioração ejemplos mencionados en el citado artículo,
geral da qualidade de vida de camadas crescen- llama la atención la ausencia de enfermedades
tes da população, mesmo nos países desenvolvi- producidas por Rickensias, en especial las del
dos. Os impactos mais graves e duradouros, di- grupo de las Fiebres Manchadas e incluso las
ficilmente identificáveis por um raciocínio cau- del Genero Ehrlichia, especialmente en
sal linear, mas perfeitamente perceptíveis me- pacientes HIV positivos.
diante uma abordagem analítica sistêmica e in- Por otro lado, las consideraciones
terdisciplinar, se verificam na paulatina des- expresadas apuntan al conocimiento del futuro
truturação do tecido social, através da margina- como modelo de previsión que, en la práctica,
lização e segregação de inúmeros indivíduos ha mostrado aciertos y desaciertos com
com plena capacidade produtiva, declarados inú- responsabilidades no siempre bien delimitadas,
teis e rejeitados pela sociedade. Aos impactos tanto para uno como para otro caso. La autora
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Doenças Infecciosas
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mas não apenas ela, ainda ignora a importância da Destaquei essa questão por considerar
informação que produz, no contexto muito importante a contribuição que os ci-
técnico-econômico deste final de século. Ape- entistas podem vir a da imprensa, no Brasil,
sar das limitações das bases de dados existen- no desenvolvimento de um jornalismo cien-
tes, a capacitação nacional em certos campos, tífico de qualidade e ético.
surpreende. É o caso das arboviroses. Maria Hortal referiu-se à resistência que
Certas doenças são ignoradas até mesmo microorganismôs desenvolvem por intercâm-
pela mídia que, corno chamam a atenção Seru- bio genético intra e interespécies, como nos
fo e Schatzmayr, especializou-se em veicular casos do S. pneumoniae e dos enterecocos.
imagens sensacionalistas. Se a mídia peca por Schatzmayr menciona fatos biológicos irrever-
excessos, não há, entretanto, como deixar de síveis e mutações aleatórias na evolução bioló-
registrar as contribuições importantes que al- gica. Gadelha mencionou os desafios coloca-
guns jornalistas vêm dando ao campo das do- dos pelos prions e virions – novas formas vi-
enças emergentes/re-emergentes. Há cerca de rais – para a detecção e vigilância de doenças
três anos, passei ao Schatztmayr cópia de um emergentes. São observações que suscitam di-
artigo fascinante que encontrei na The New ferentes questões de ordem teórica e que dis-
Yorker, publicado antes do livro “Hot Zone” e cuto a seguir.
do Ebola estourar novamente na África, em Antes, porém, é necessário destacar o pro-
1995. Recentemente, colaboramos – eu, e mui- blema dos conceitos de “novas” doenças e de
tos outros pesquisadores brasileiros – para doenças emergentes, para o qual chamaram a
uma matéria no tema, preparada pela jornalista atenção Gadelha e Serufo.
Terezinha Costa para a revista Globo Ciência Freqüentemente, presume-se que o apareci-
e avalio que o resultado foi excelente. mento de um “novo” microorganismo causa-
Recomendo a leitura do livro “The Coming dor de doença é o resultado de uma mudança
Plague. Newly Emerging Diseases in a World genética. Outras vezes, a emergência é clara-
Out of Balance”, da jornalista Laurie Garret (edi- mente imputada às mudanças no ambiente e na
tado por Farrar, Straus e Girow/New York, ecologia humana. Com razão, Serufo, em seus
1994). Trata-se de um trabalho monumental. side comments – que não destinou à publica-
Tive oportunidade, em duas ocasiões diferen- ção – pergunta: as doenças re-emergentes de-
vem ser entendidas como “novas” doenças in-
tes, de manter contato profissional com a Lau-
fecciosas? É possível separar conceitualmen-
rie. A primeira vez, no outono americano de
te emergência e re-emergência?
1993, em um seminário promovido pelo Grupo
Bem, Gadelha ofereceu uma contribuição
New Diseases da Universidade de Harvard, e
concreta, apresentando a categorização pro-
realizado nos Marine Biology Laboratories, na
posta por Mirk Grmek, a partir de cinco situa-
cidade de Woodshole, na Costa Leste dos Es-
ções em que uma doença pode ser considera-
tados Unidos.
da emergente; também sugere o desenvolvi-
Não notei restrições da parte dos cientistas
mento, no terreno conceitual, das diferenças
americanos pelo fato de tratar-se de uma jorna-
entre “novidade” e “emergência”, referindo-se
lista. Ao contrário, tratavam-na com a mesma
aos conceitos de “patocenose” e momentos
reverência acadêmica que conferiam aos de- de ruptura de equilíbrios patocenóticos na ex-
mais cientistas presentes, e as opiniões eram plicação da emergência (e não da novidade).
unânimes quanto à seriedade do sério traba- Não conheço os trabalhos de Grmek, mas en-
lho de pesquisa que estava sendo feito pela contrei uma certa proximidade, na leitura da
jornalista, em Harvard. Em junho de 1995, apresentação que deles faz Gadelha, com as
volteia encontrar a Laurie em Nova York, em discussões atuais sobre emergência de “no-
outro seminário no tema. Seu livro tornara-se vas” doenças, focalizando a importância rela-
um best seller em poucos meses. Com cer- tiva da evolução de agentes de novo em com-
teza, a versão para o português será lançada paração à da transferência de agentes já exis-
em breve por aqui e repetirá o sucesso que tentes para novas populações de hospedei-
vem tendo em outros países. ros (o denominado microbial traffic).
386 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 11 (3): 361-388, jul/set, 1995
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Doenças Infecciosas
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Marques, M. B.
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