O LIBERALISMO
1. A IDEOLOGIA LIBERAL
• Tomemos primeiro o caminho mais intelectual, o que privilegia as idéias,
examina os princípios, estuda os programas. Esta é a interpretação do
liberalismo geralmente proposta pelos próprios liberais; é também a mais
lisonjeira.
• O liberalismo é, primeiramente, uma filosofia global, apesar de muitas vezes
ser ele reduzido a seu aspecto econômico, Trata-se de um sistema completo
que engloba todos os aspectos da vida na sociedade, e que julga ter resposta
para todos os problemas colocados pela existência coletiva.
• O liberalismo é também uma filosofia política inteiramente orientada para a
idéia de liberdade, de acordo com a qual a sociedade política deve basear-se na
liberdade e encontrar sua justificativa na consagração da mesma.
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• Trata-se também de uma filosofia social individualista, na medida em que
coloca o indivíduo à frente da razão de Estado, dos interesses de grupo, das
exigências da coletividade, não reconhecendo sequer os grupos sociais,
apresenta grande dificuldade em aceitar a liberdade de associação, temendo
que o indivíduo fosse absorvido, escravizado pelos grupos.
• Trata-se ainda de uma filosofia da história, de acordo com a qual a história é
feita, não pelas forças coletivas, mas pelos indivíduos.
• O liberalismo merece o nome de filosofia, pois advoga a busca pelo
conhecimento e pela verdade. Em reação contra o método da autoridade, o
liberalismo acredita na descoberta progressiva da verdade pela razão
individual.
OBS: Fundamentalmente racionalista, ele se opõe ao jugo da autoridade, ao
respeito cego pelo passado, ao império do preconceito, assim como aos impulsos
do instinto. O espírito deverá procurar por si mesmo a verdade, sem
constrangimento, e é do confronto dos pontos de vista que deve surgir, pouco a
pouco, uma verdade comum. A esse respeito, o parlamentarismo não passa de
uma tradução, no plano político, dessa confiança na força do diálogo. As
assembléias representativas fornecem um quadro a essa busca comum de uma
verdade média, aceitável por todos.
• Podem-se entrever as conseqüências que essa filosofia do conhecimento
implica: a rejeição dos dogmas impostos pelas Igrejas, a afirmação do
relativismo da verdade, a tolerância.
2. A SOCIOLOGIA DO LIBERALISMO
• Completamente diversa é a visão que se obtém com uma abordagem
sociológica, que, em lugar de examinar os princípios, considera os atores e as
forças sociais.
• A visão sociológica é relativamente recente, nitidamente posterior aos
acontecimentos, e opõe-se ao idealismo da interpretação anterior. Dando ênfase
aos condicionamentos sócio-econômicos, às decisões ditadas pelos interesses,
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essa abordagem corrige nossa interpretação histórica e sugere que o liberalismo
é, pelo menos enquanto filosofia, a expressão de um grupo social, a doutrina
que melhor serve aos interesses de uma classe.
• Se, com o apoio dessa afirmação, fizermos intervir a geografia e a sociologia do
liberalismo, constataremos que os países em que o liberalismo aparece, em que
as teorias liberais encontraram maior simpatia, onde se desenvolveram os
movimentos liberais, são aqueles onde já existe uma burguesia importante
(profissionais liberais, intelectuais, comerciantes, etc).
OBS: É muito íntima a concordância entre as aplicações da doutrina liberal e os
interesses vitais da burguesia. A burguesia fez a Revolução e a Revolução
entregou-lhe o poder; ela pretende conservá-lo, CONTRA A VOLTA DE UMA
ARISTOCRACIA E CONTRA A ASCENSÃO DAS CAMADAS
POPULARES.
• A burguesia reserva para si o poder político pelo censo eleitoral. Ela
controla o acesso a todos os cargos públicos e administrativos. Desse modo, a
aplicação do liberalismo tende a MANTER A DESIGUALDADE SOCIAL.
IMPORTANTE: A visão idealista insistia no aspecto subversivo, revolucionário, na
importância explosiva dos princípios liberais, mas, na prática, esses princípios
sempre foram aplicados dentro de limites restritos. A interdição, por exemplo,
dos agrupamentos tem efeitos desiguais, quando aplicada aos patrões ou a seus
empregados. A interdição de estabelecer as corporações não chega a prejudicar os
patrões, nem os impede de se concertarem oficiosamente. É-lhes mais fácil
contornar as disposições da lei do que o é para os empregados. De resto, mesmo
se os patrões respeitassem a interdição, isso não chegaria a afetar seus interesses,
enquanto que os assalariados, por não poderem se agrupar, são obrigados a
aceitar sem discussões o que lhes é imposto pelos empregadores. Assim, sob
uma enganosa aparência de igualdade, a proibição das associações faz o jogo dos
patrões.
OBS: Além do mais, a desigualdade nem sempre é camuflada e, na lei e nos
códigos, encontramos discriminações caracterizadas, como o artigo do Código
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Penal que prevê que, em caso de litígio entre empregador e empregado, o
primeiro seria acreditado pelo que afirmasse, enquanto que o segundo deveria
apresentar provas do que dissesse.
• O liberalismo é, portanto, o disfarce do domínio de uma classe, do
açambarcamento do poder pela burguesia capitalista: é a doutrina de uma
sociedade burguesa, que impõe seus interesses, seus valores, suas crenças.
• A abordagem sociológica tem o grande mérito de lembrar, ao lado de uma
visão idealizada, a existência de aspectos importantes da realidade, que mostra o
avesso do liberalismo e revela que ele é também uma doutrina de conservação
política e social.
OBS: O LIBERALISMO TOMARÁ TODO O CUIDADO PARA NÃO
ENTREGAR AO POVO O PODER DE QUE O POVO PRIVOU O
MONARCA. Ele reserva esse poder para uma elite, porque a soberania nacional,
de que os liberais fazem alarde, não é a soberania popular, e o LIBERALISMO
NÃO É A DEMOCRACIA.
• Enquanto o liberalismo se encontra na oposição, enquanto ele tem de
lutar contra as forças do Antigo Regime, contra a monarquia, os ultras, os
contra-revolucionários, as Igrejas, enfatiza-se seu aspecto subversivo e
combativo. Mas basta que os LIBERAIS SUBAM AO PODER PARA QUE
SEU ASPECTO CONSERVADOR TOME A DIANTEIRA (Segundo, o
ministro brasileiro do Segundo Reinado, Antônio Francisco de Paula de
Holanda Cavalcanti de Albuquerque, o visconde de Albuquerque, “não há nada
mais conservador que um liberal no poder, e nada mais liberal que um
conservador na oposição”).
• O liberalismo, portanto, é uma DOUTRINA AMBÍGUA, que combate
alternativamente dois adversários, o passado e o futuro, o Antigo Regime e
a futura democracia. Agindo assim, eles nada mais farão do que revelar
sucessivamente dois aspectos complementares dessa mesma doutrina,
ambígua por si mesma, que se situa a meio-caminho entre esses dois extremos e
cuja melhor definição é, sem dúvida, o apelido dado à Monarquia de Julho: "O
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JUSTO MEIO". É porque o liberalismo é um justo meio que, visto da
direita, parece revolucionário e, visto da esquerda, parece conservador.