A LEGITIMAÇÃO DA GINÁSTICA NA AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Somente o fato de a ginástica pertencer ao cânone das modalidades
esportivas escolares bastava para legitimar a ginástica como tema para aula. A ginástica pertence às tradições de movimento transmitidas historicamente e a tarefa da educação física como capacitar os alunos a obter e divulgar esta tradicional forma de movimento. No fim da década de 60 a discussão curricular exigia e recolocava, entre outros, como premissa básica para uma revisão dos planos de ensino, a pergunta sobre a legitimação das matérias e conteúdos das aulas. Na discussão sobre o direito da ginástica estar representada no cânone das modalidades esportivas escolares foram usados, entre outros, os seguintes argumentos: Sob a perspectiva da relevância do tempo livre a ginástica parece menos significativa e antes descartável que natação e outras modalidades esportivas “life-time”; Quando os alunos têm as possibilidades de se decidir livremente por uma modalidade esportiva, a ginástica é uma modalidade esportiva pouco desejada; No interesse do ensino de variadas experiências de movimento – principalmente no 1º grau – certas formas de ginástica são ditas importantes e até indispensáveis; Para uma fase de orientação é necessário lecionar ginástica para assegurar que decisões por certas modalidades esportivas podem ser tomadas em função do conhecimento das várias possibilidades. As tentativas de argumentação apresentadas refletem a situação da educação suas incertezas e dificuldades em relação aos objetivos e às finalidades. Isto exige que se recoloque a pergunta sobre legitimidade novamente. No Brasil, a ginástica é introduzida por força de lei nas escolas primárias, com finalidades eugenistas e higienistas e, ao longo do processo histórico das décadas do século XX, que culmina com a destruição do caráter público da educação e com as exigências de mercadorização de direitos, a ginástica desaparece da maioria das escolas públicas de ensino básico – fundamental e médio e da educação infantil. Com a regulamentação da profissão (Lei Federal nº 9.696/98, que dispõe sobre a regulamentação da profissão de Educação Física) restrições para o exercício de orientação de práticas da ginástica são violentamente impostas. Somente quem é credenciado pelo Sistema CREF/ CONFEF – Conselho Regional de Educação Física/ Conselho Federal de Educação Física – pode ministrar aulas. Para enfrentar, por um lado, a questão da escola e da ginástica na escola e, por outro as alternativas possíveis, o professor Reiner discute a GINÁSTICA NA AULA, a partir dos sentidos do movimentar-se e do processo de tomada de decisões sobre a escolha de situações ginásticas de movimento, sobre sua seqüência sensata na aula; tomar decisões sobre as situações de movimento. Classifica, portanto, os movimentos ginásticos segundo sensatas ações de movimento e não segundo aparelhos ou regras técnicas de movimento. Para isso devem-se criar instalações apropriadas de aparelhos. Os problemas de movimento com os quais o aluno deve entrar em conflito são: oscilar, pular, trepar e balançar. Aqui se trata de significados da ginástica que podem ser transmitidos às crianças através de uma apropriada estruturação da aula. Nisto o importante é que a movimentação das crianças é o ponto de referência dos questionamentos pedagógicos e não as disposições de aparelhos estabelecidas na ginástica olímpica com as habilidades de movimento lá desenvolvidas. Novos arranjos da aula não são determinados mais pelos aparelhos, pela competição, pela padronização. O ponto de partida para a ação de movimento individual ou cooperativa é o descobrimento de várias possibilidades de movimento. Esta variedade só é limitada, principalmente, pela qualidade dos aparelhos, as possibilidades de movimento e a fantasia de alunos e professores. Com base em Gaulhofer/Streicher, professor Reiner defende a necessidade de fazer a multiplicidade e “toda extensão de variação” de uma atividade conteúdo da aula; nisso os arranjos de aparelhos devem ser destacados. A criação de novos arranjos tem como premissa que os professores e alunos aprendam a se soltar da utilização normal dos aparelhos de ginástica. No esteio destas idéias devem-se destacar as contribuições de Karl Gaulhofer e Margarete Streicher, pedagogos que tentam resgatar uma Ginástica para a escola. Buscam suas referências, principalmente, em G. Muths e seu ideal de "naturalidade", no sentido rítmico da Ginástica orgânica e no movimento lúdico. Segundo esta concepção de aula a interpretação das situações de movimento pelo aluno e professor deve abranger três importantes aspectos: a) A interpretação do problema do movimento. Isso pode ocorrer uma vez como afirmação do professor, que fixa a ação de movimento em uma capacidade, mas também pode ocorrer através dos alunos. A interpretação subjetiva do problema do movimento, isto é, a manutenção de um espaço livre para a interpretação para o aluno, é importante para que ele possa vivenciar o movimento como seu, conseguindo por ele próprio e para que não se sinta entregue a certas exigências. b) A decisão se a ação de movimento é entendida sozinho ou com outros. A ginástica pode e deve ser entendida também como ação de movimento no grupo. Balançar juntamente com os outros na gangorra, elaborar com os outros um salto com arremesso, pular de mãos dadas num trampolim duplo, são exemplos de uma ginástica conjunta. Aqui também se tornam importantes perguntas, como: quem escolher como parceiro ou integrantes do grupo?; se se quer fazer ginástica em grupos mistos, meninos e meninas, que tarefas cada um do grupo pode fazer?; c) A decisão sobre como e por quem ajuda a realização das situações de movimento é necessária. Nas primeiras tentativas num novo arranjo e numa ação de movimento avaliada como sendo difícil, muitos alunos inicialmente querem ajuda para realizar o movimento. Isso ocorre especialmente quando o movimento é vivenciado como sendo perigoso (isto não precisa ocorrer objetivamente). Então, deseja-se ajuda daquele em que se acha que se pode confiar; muitas vezes é o professor. Mas gradativamente os alunos devem arcar propriamente com a ajuda uns dos outros. Para tal são necessárias conversas sobre a grandeza, a dosagem da ajuda. Contudo, isso supõe que os alunos podem fazê-lo conscientemente em aula e regular entre si. Para o professor Reiner, a avaliação do perigo potencial e a resultante necessidade de ajuda e segurança também são importantes. O professor precisa intervir muitas vezes porque este problema seguidamente é percebido por demais perifericamente. Através de fases reflexivas na aula os alunos devem participar na definição da situação do movimento. A participação deve basear-se em conhecimentos da ação de movimento. Tais conhecimentos atingem a própria realização do movimento, mas também a construção do arranjo de aparelhos e as conseqüências nas possibilidades de movimento e a dificuldade de um movimento. Enfim, isso leva a alterar e ampliar intalações de aparelhos. Estes conhecimentos na estrutura do movimento e a construção do arranjo de aparelhos transmitem aos alunos as necessidades básicas para que atuem gradativamente mais na definição da situação do movimento e para que eles próprios criem situações de movimento e desenvolvam as já existentes. Professor Reiner, em sua vasta experiência acadêmica, profissional e científica tem contribuído para a reflexão pedagógica, culminando suas contribuições com propostas para o currículo das escolas da Alemanha, inclusive agora, com as escolas de tempo integral, que exigem uma nova perspectiva de formação de professores e de organização do trabalho pedagógico. No Brasil, sua contribuição com a concepção de aulas abertas às experiências, exerceu grande influência na prática pedagógica de professores das escolas públicas.