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Mestranda em Psicologia pela UFPA.
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Dra. Em Psicologia Clinica. Vice-Cordenadora do Mestrado em psicologia da UFPA. Orientadora da dissertação de
mestrado de Wandereléa Bandeira
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no plano social. Minayo (2005) amplia a discussão e pontua seu entendimento em que a violência
consiste na relação dessas dimensões que abarcam o ser humano. Assim, não existe uma causa
única e sim uma inter-relação de fatores que contribuem para a expressão da violência.
Minayo (2006), considera a tipologia da violência baseada no Relatório Mundial da OMS
(2002) o qual pontua os seguintes tipos de acordo com as manifestações ocorridas: há violências
auto-infligidas, que se referem a comportamentos suicidas e os auto-abuso. Existem também as
violências interpessoais, que são classificadas em dois âmbitos: o intrafamiliar e o comunitário, o
primeiro ocorre entre os parceiros íntimos e entre os membros da família e o segundo acontece no
ambiente social, entre conhecidos e desconhecidos. Por fim, há as violências coletivas, que são atos
violentos que acontecem nos âmbitos macros sociais, políticos e econômicos. Em conjunto com os
tipos, varia também a natureza da violência expressa, podendo ser classificada como: física, a qual
“significa o uso da força para produzir injúrias, feridas, dor ou incapacidade em outrem” (p.82);
psicológica, onde acontece “agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar,
humilhar a vítima, restringir a liberdade ou ainda, isolá-la do convívio social”(p.82); sexual, que diz
respeito ao ato ou ao jogo sexual dentro de relações hetero ou homossexual e visa estimular a
vítima ou utilizá-la para obter excitação sexual por meio de aliciamento, violência física ou
ameaças; e negligência ou abandono, que “inclui a ausência, a recusa ou a deserção de cuidados
necessários a alguém que deveria receber atenção e cuidados”(p.82).
Ampliando as manifestações da natureza da violência psicológica, a Secretaria de Vigilância
em Saúde (2005) pontua exemplos rotineiros na violência contra a mulher, a saber:
(...) Impedir de trabalhar fora, de ter sua liberdade financeira e de sair, deixar o cuidado e a
responsabilidade do cuidado e da educação dos filhos só para a mulher, ameaçar de
espancamento e de morte, privar de afeto, de assistência e de cuidados quando a mulher está
doente ou grávida, ignorar e criticar por meio de ironias e piadas, ofender e menosprezar o seu
corpo, insinuar que tem amante para demonstrar desprezo, ofender a moral de sua família (p.120
e 121).
A violência psicológica se faz presente em todos os outros tipos de violência, pois fere e
interfere na saúde mental da mulher, na sua integridade física, moral e social e segundo Minayo
(2006), acontece principalmente no espaço intrafamiliar. Esse fato dificulta muito mais a sua
divulgação diante as várias demandas de queixas fornecidas pelas mulheres nas Delegacias de
Mulheres. É uma violência silenciosa, pois a reverberação acontece entre as paredes das casas, no
choro contido, na ilusão de que não irá acontecer outra vez, que o agressor irá mudar. Ledo
engano!As difamações, o desrespeito torna-se mais freqüente, tendendo a outras formas de
violência como, por exemplo, a violência física.
Na década de 90, através dos movimentos feministas e do governo Federal, que essa realidade
veio à tona de maneira pública e, só então, foi possível enquadrar a questão da violência contra as
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mulheres como uma violação dos direitos humanos, criar Delegacias da Mulher como a Delegacia
de Defesa da Mulher (DDM), Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher(DEAM), Casas
Abrigo e Centro de Referências para atender a essa crescente demanda de violência. Formaram-se
também grupos de estudos, encontros e conferências para discutir e fortalecer as estratégias de ação,
atenção e prevenção a violência contra a mulher, sendo uma delas a articulação com o Ministério
Público, Defensoria Pública, Judiciário e Executivo para executar ações por meio de políticas
públicas.
Em meio a anos de luta e investimento para se criar uma lei que protegesse e amparasse
legalmente à mulher nessa situação de violência, já que não existia no Código Penal Brasileiro
nenhum artigo específico para esse tipo de violência, foi sancionada a Lei 11.340/2006, mais
conhecida como Lei Maria da Penha, com o objetivo de criar mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, onde entre tantos artigos, cito o artigo 5, que reza: Para os
efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial. A violência pode ocorrer no âmbito da unidade doméstica (Artigo 5
Inciso I), no âmbito da família (Artigo 5 Inciso II) ou em qualquer relação íntima de afeto (Artigo 5
Inciso III)-(Portal Violência Contra a Mulher).
A Lei Maria da Penha vem proporcionando maior visibilidade às ações de combate à
violência contra a mulher, com intervenções concretas em relação ao agressor como, por exemplo, a
sua prisão, segurança e proteção à mulher agredida em espaços como Casas Abrigo e a viabilidade
de acessar meios governamentais e jurídicos para questões legais serem resolvidas sem tanta
morosidade e com mais resolutividade.
A realidade dessa violência que assola e assombra mulheres de diversas faixas etárias, classes
sociais e níveis de cultura tornam-se cada vez mais gritante, percebe-se nesse contexto a reificação
da dominação e exploração do homem em relação a mulher e urge a necessidade de romper com os
grilhões do domínio privado e lançar-se no domínio público para agir com intervenções diretas e
concretas tendentes à diminuição desse tipo de atitudes contra a mulher.
Como esse fenômeno está diretamente relacionado a questão de gênero e portanto abrangendo
o homem e a mulher, é necessário criar estratégias de enfrentamento para ambos com o objetivo de
re-significar suas atitudes e maneiras de relacionar-se e aprender a conviver com respeito a
singularidade de cada um, oferecendo serviços na área da psicologia, social, jurídico e infra-
estrutural. Parece que a Lei Maria da Penha vem suprir essa carência há tanto tempo sentida por
essas mulheres, situando-a como uma questão de saúde pública.
Segundo Arendt(1981), a condição humana através da expressão vita activa é compreendida
por três atividades: o labor; que corresponde ao processo biológico do corpo humano; o trabalho;
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relacionado ao artificialismo da existência humana e ação; que se refere a atividade que se exerce
entre os homens , em sua pluralidade. Ressalta ainda que é na ação mediada pela comunicação que
as relações são construídas e aonde existe o espaço para a vivência da alteridade, de aprender a
conviver com o igual e o diferente de si mesmo, no processo de construção de sua identidade em
sua singularidade e pluralidade.
Compreende-se o desvelamento dessa realidade de violência psicológica com a participação
direta e concreta da organização entre as mulheres, através de suas ações, seus discursos que
embora revelasse a comunalidade do gênero, o vivido era diferenciado em suas tramas particulares,
suas subjetividades em que através de suas relações foram ganhando força política para expressar o
que até então estava encoberto.
Recorro a Abordagem Gestáltica, para compreender o fenômeno e embasar-me teoricamente
nas condutas interventivas nas entrevistas individuais e de casal, com o objetivo de possibilitar o
resgate da saúde mental e física. Esta perspectiva psicológica surgiu na década de 50 com o
lançamento do livro Gestalt-therapy de Perls, Hefferline e Goodman, está alicerçada
filosoficamente no humanismo existencial fenomenológico e na filosofia do Diálogo de Buber,
tendo como teorias de base a Psicologia da Gestalt, a Teoria de Campo de Kurt Lewin e a Teoria
Organísmica de Goldstein. Esse embasamento filosófico e teórico possibilita compreender o homem
como um ser livre, responsável por suas escolhas, com capacidade para projetar-se, com potencial
criativo, particular, singular, dotado de consciência intencional na relação consigo, com o outro e
com o mundo; é um ser que interage com o meio na busca da satisfação de suas necessidades,
procurando se auto-realizar e auto-regular nas relações que estabelece nos diversos
campos(geográfico, emocional, ambiental , transcendental e religioso) que compõem seu universo,
seu espaço vital, num processo contínuo de aprendizagem e de reestruturação em seu campo
perceptual.(YONTEF,1998)
A Gestalt-terapia enfoca a relação indivíduo – meio, compreende as diversas formas de
contato através das quais o indivíduo satisfaz suas necessidades no meio, o modo como assimila o
que é nutritivo e como rejeita o que é nocivo nessa constante busca de satisfação de suas
necessidades, o indivíduo cria ajustes criativos para resolver tal situação, sendo esta a forma de o
indivíduo se auto-regular, encontrar seu equilíbrio e sua forma saudável de contactar consigo e com
o outro. Entende-se,pois, a saúde como a constante satisfação de suas necessidades e como doença,
a repetição de interrupções na satisfação de suas necessidades. Ressalta-se que o organismo tende a
se auto-regular, mesmo que seja de forma disfuncional, não saudável. (KYIAN,2001)
Entende-se que a Gestalt-terapia tem o objetivo de melhorar a qualidade de contato que a
pessoa estabelece consigo, com o meio e ampliar a awareness de si mesmo, sendo essa
compreendida como o “processo de estar em contato vigilante com os eventos mais importantes do
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campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensorimotor, emocional, cognitivo e energético”.
(YONTEF,1998,p.31) Pode-se pensar então que quanto mais aware a pessoa estiver de si mesma,
estará mais saudável e quanto menos aware, menos saudável.
A terapia Gestáltica pode ser individual, grupal ou de casal, ter um processo de longa ou curta
duração.O que está sendo proposto nessa pesquisa é a terapia de curta duração, no qual segundo
Ribeiro(1999) a pessoa inicia o processo com a queixa de um problema que pede urgência em sua
resolução, objetiva num curto espaço de tempo ( entre 15 e 25 sessões) resgatar a crença em sua
capacidade de resolver o conflito vivenciado, aumentar a auto-estima e a auto-imagem, ampliar o
contato consigo e com os outros , aprender a ajustar-se criativamente frente as situações adversas,
etc.
Para iniciar a terapia, o psicoterapeuta fará uma avaliação para perceber se a pessoa tem
condições em sua estrutura/dinâmica para vivenciar esse processo, pois pessoas com
psicopatologias, pouca afetividade, sem disponibilidade e motivação para mudança não estão
indicadas, e posteriormente ao resultado da avaliação como positiva, acontecerá o fechamento do
contrato terapêutico.
O psicoterapeuta necessitará exercitar sua sensibilidade, criatividade e sua habilidade
empática na construção do vinculo com a pessoa e “entrar” em seu mundo existencial para percebê-
la e compreendê-la em sua totalidade, não apenas em seu sintoma. Ribeiro preconiza que “a grande
arte da psicoterapia de curta duração é funcionar, agindo imediatamente na totalidade a partir das
informações mandadas pelo sintoma, não o perdendo de vista” (p.143)
Esta pesquisa-intervenção de base qualitativa se vale do estudo de caso. Através da
psicoterapia de um casal, problematizamos a violência domestica de cunho sexual. O marido
provocou o sofrimento psicológico à esposa. Assim, utilizamos a psicoterapia breve, realizando
entrevistas individuais e com o casal, durante um período de seis meses para através das
intervenções, ampliar a compreensão do vivido pelos participantes, e ao mesmo tempo, verificar a
eficácia da psicoterapia breve.
Até o momento, já foram realizadas 5 entrevistas: 4 individuais e uma com o casal. Alguns
resultados observados: a) para a esposa: há convicção da responsabilidade do marido, entretanto, ela
condena-o pela “traição à minha confiança” ; b) para o esposo: admite seu crime, porém discorda da
tipificação a que foi enquadrado pelo código penal; vivencia um acentuado quadro depressivo; c)
para o casal) é forte a união do casal; há projetos de atualização da vida conjugal.
REFERÊNCIAS