Pardi (1996) cita ainda que a razão fundamental para essa iniciativa
residiu na evidência das acentuadas deficiências observadas nos regimes
estaduais de inspeção, tendo ficado mais do que comprovado que esse tipo de
inspeção, com tais deficiências, nos vinte anos de vigência da Lei nº. 1.283/50,
acarretava graves riscos para a saúde pú blica e a economia.
Segundo Dornelles (2005 ), o governo federal foi o único que exerceu a
missão de cumprir a legislação sanitária vigente. Esse fato de deveu a uma
melhor estrutura do Ministério da Agricultura, com seu tradicional órgão
especializado, que, há anos, vinha realizando o serviço de inspeção. Já os
estados, não cumpriram ou cumpriram mal a legislação vigente. Poucos
chegaram a estruturar os seus serviços de inspeção, e quando o fizeram, foram
desempenhos precários, gerando sérios problemas de ordem econômica e de
distribuição dos produtos, especialmente da carne.
Os estados ainda apresentavam posturas político administrativas
evidentemente inadequadas, sem ter homogeneidade suficiente, no grau que
teve a União Federal, que há anos exercia esse tipo de atividade. Faltou -lhes a
personalidade e a imunidade para contraporem -se aos interesses e ingerências
político-econômicas locais, muito comuns e atuantes neste campo de atividade
(DORNELLES, 2005).
No artigo 1º da regulamentação reza que é da competência do Ministério
da Agricultura proceder, em todo o território nacional, a prévia fiscaliza ção, sob
o ponto de vista industrial e sanitário dos produtos de origem animal, de que
trata as Leis nº. 5.760, de 03 de dezembro de 1971, e 1.283, de 16 de
dezembro de 1950, desde a produção até a comercialização, exceto quando
esta importar em distribuição ao consumidor, sendo os demais artigos sobre as
formas de execução, relacionamento com o Ministério da Saúde, penalidades
para os infratores e a possibilidade de delegações de competência na fase de
transição.
Depois de instalado, esse processo trouxe enormes resultados, como o
fechamento de diversos estabelecimentos sem a mínima condição de
funcionamento e que traziam riscos à saúde dos consumidores. Em vista disso,
em praticamente todas as áreas que sofreram o processo, não foram poucas
as críticas e as reações contra esse processo que não concedia exceções.
Alegavam que o programa era contra as pequenas e médias empresas e em
favor das grandes empresas.
Por ser visto como de rigor excessivo e de natureza técnica rigorosa,
alegou-se que causariam desemprego e problemas sociais. Às reclamações,
juntaram-se políticos, entidades de classe e empresas de fabricantes de
equipamentos que eram favoráveis à proliferação de matadouros municipais.
Alguns políticos chegaram a afirmar que o processo prejudicava e e nfraquecia
os interesses eleitorais e políticos do ARENA, partido político da época, fato
esse que exerceu enorme peso na desarticulação do processo (PARDI, 1996).
Nesse período, merece destaque particular o enorme número de
construções de novos matadouros-frigoríficos, mais notadamente, nas regiões
Sudeste e Centro-Oeste, principalmente na região de São Paulo. Prevaleceu a
construção de matadouros de médio porte em substituição dos matadouros
municipais que, com reduzido abate, não comportavam maiores inv estimentos,
além de não se ajustarem à existência de um serviço satisfatório de inspeção
sanitária e industrial (PARDI, 1996).
Apesar dos excelentes resultados obtidos, tanto na parte higiênico -
sanitário, quanto na melhoria da matéria -prima final, entidades de classe
marginais que não se interessavam pela oficialização, políticos e industriais
que também não se interessavam ou não entendiam o alcance do programa,
protestavam contra o mesmo. Alguns parlamentares de São Paulo e do Rio
Grande do Sul, associados a empresas marginais, interferiram para a
derrubada da Lei nº. 5.760/1971, conseguindo, finalmente, através do traiçoeiro
parágrafo, inserido no corpo da Lei nº. 6.275, de 1º de dezembro de 1975,
anular virtualmente o fundamento da federalização.
Miranda (2002) define brilhantemente o período ao dizer que ³num curto
prazo de tempo (1971 a 1975), desenvolveu -se uma verdadeira revolução,
entendido este termo como a transformação radical dos conceitos tec nológicos
com profunda repercussão social, demonstrando um nítido panorama da soma
de benefícios sociais e econômicos que adviriam do pleno cumprimento
daquela lei e de sua regulamentação´.
Já a década de 80 caracterizou-se pelo prosseguimento dos esforços do
SIF no sentido de desenvolver os trabalhos nas áreas sobre controle do órgão,
contornando os problemas gerados pela desarticulação do processo de
federalização. Com a concorrência dos estabelecimentos com inspeções
estaduais e municipais, eram evidente s a ociosidade dos que continuaram sob
inspeção federal, o risco à saúde pública, à economia e ao erário público. Ao
menos, deixavam de ser responsabilidade do SIF estabelecimentos
desinterditados já condenados e os acobertados pela ausência da inspeção
estadual ou por sua inoperância (PARDI, 1996).
A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil (CF),
em 1988. Essa Constituição trouxe expresso em seu artigo 196 que a saúde é
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas s ociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação.
Em 23 de novembro de 1989 é promulgada a Lei nº. 7.889, que dispõe
sobre a inspeção sanitária e industrial, em que são inicialmente definidos os
produtos de origem animal abrangidos, para caracterizar os estabelecimentos
onde serão exercidos os trabalhos de inspeção e fiscalização (SIF, SIE e SIM).
Esta Lei veio para reeditar a Lei nº. 1.283/1950 em termos de competências.
Revoga, expressamente, em seu artigo 6º, as Leis nº. 5.760/1971 e nº.
6.275/1975, dando por encerrado o grande sonho da federalização, retornando
o SIF a concentrar seus esforços nos estabelecimentos dedicados ao c omércio
interestadual e internacional, como previsto na Lei nº. 1.283/1950 (BRASIL,
1989; PARDI, 1996; MIRANDA, 2002).
Vale ressaltar ainda que, em 1990 foi instituído o Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº. 8.078, de 11 de setembro), estabelecendo norm as da
proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, e
responsabilizando os prestadores de serviços e produtores, pela qualidade do
produto e do serviço (MIGUEL et al., 2000). Miranda (2002) ressalta ainda que
a referida lei traga como direitos básicos do consumidor a proteção da vida,
saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de
produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.
Tabela 1 ± Peculiaridades do Sistema de Inspeção Sanitária no Brasil