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CRÍTICA LITERÁRIA 
 
ARTIGOS DO GLOSSÁRIO DE TERMOS LITERÁRIOS 
PRIMEIRA PARTE 
 
 
M. H. Abrams 
Cornell University 
 
A Glossary of Literary Terms, 7th edition 
Heinle & Heinle, 1999 
 
traduzido do inglês por Bruna T. Gibson 
em dezembro de 2009 
 
 
 
NOTA DO TRADUTOR. A partir da obra A Glossary of Literary Terms, de M. H. Abrams, 
membro  do  Departamento  de  Inglês  da  Cornell  University,  selecionei  os  artigos  rela‐
cionados às diversas correntes de crítica literária. Esta primeira parte inclui os textos: 
Criticism;  Current  Theories of  Criticism;  Influence  and  the Anxiety  of  Influence;  Arche‐
typal  Criticism;  Aestheticism,  or  the  Aesthetic  Movement;  Speech‐act  Theory;  Decon‐
struction; e Dialogic Criticism. 
 
 
 
Crítica literária 
 
Crítica, ou mais especificamente crítica literária, é o termo geral para os estudos 
relacionados à definição, classificação, análise, interpretação e avaliação de obras lite‐
rárias. A crítica teórica propõe uma teoria explícita da literatura – no sentido de prin‐
cípios gerais – juntamente com um conjunto de termos, distinções e categorias a se‐
rem aplicados na identificação e análise de obras literárias, e também o critério (pa‐


drões ou normas) pelos quais essas obras e seus autores devem ser avaliados. O mais 
antigo e duradouramente importante tratado de crítica teórica foi a Poetics [Poética] 
de  Aristóteles  (século  IV  a.C.).  Dentre  os  críticos  teóricos  mais  influentes  nos  séculos 
seguintes  estão  Longino,  na  Grécia;  Horácio,  em  Roma;  Boileau  e  Sainte‐Beuve,  na 
França;  Baumgarten  e  Goethe,  na  Alemanha;  Samuel  Johnson,  Coleridge  e  Matthew 
Arnold, na Inglaterra; e Poe e Emerson, nos EUA. Marcos da crítica teórica na primeira 
metade do século XX são Principles of Literary Criticism [Princípios da crítica literária] 
(1924), de I. A. Richards; The Philosophy of Literary Form [A filosofia da forma literária] 
(1941,  rev.  1957),  de  Kenneth  Burke;  Mimesis  [Mimese]  (1946),  de  Eric  Auerbach; 
Critics  and  Criticism  [Críticos  e  crítica]  (1952),  de  R.  S.  Crane  (ed.);  e  Anatomy  of 
Criticism [Anatomia da crítica] (1957), de Northrop Frye. 
Desde  a  década  de  1970  surgiu  um  grande  número  de  escritos  –  continentais, 
americanos e ingleses – que propunham novas, diferentes e radicais formas de teoria 
crítica. Estes estão listados e datados no artigo Teorias críticas atuais; cada teoria na 
lista também possui um artigo individual neste Glossário. Para uma discussão dos usos 
especiais do termo “teoria” nesses movimentos críticos atuais, ver Pós‐estruturalismo. 
A crítica prática, ou crítica aplicada, se ocupa da discussão de obras e autores em 
particular; numa crítica aplicada, os princípios teóricos que controlam o modo de aná‐
lise, interpretação e avaliação são frequentemente deixados implícitos, ou apresenta‐
dos apenas quando a ocasião exige. Dentre as obras mais influentes de crítica literária 
na Inglaterra e nos EUA estão os ensaios literários de Dryden no Restoration [Restau‐
ração]; Lives of the English Poets [Vida dos poetas ingleses] (1779‐81), do Dr. Johnson; 
os  capítulos  de  Coleridge  sobre  a  poesia  de  Wordsworth,  na  Biographia  Literaria 
(1817),  e  também  suas  palestras  sobre  Shakespeare;  as  palestras  de  William  Hazlitt 
sobre Shakespeare e os poetas ingleses, nas segunda e terceira décadas do século XIX; 
Essays in Criticism [Ensaios de crítica] (1865 e seguintes), de Matthew Arnold; Practical 
Criticism [Crítica prática] (1930) de I. A. Richards; Selected Essays [Ensaios escolhidos], 
de  T.  S.  Eliot;  e  os  diversos  ensaios  críticos  de  Virginia  Woolf,  F.  R.  Leavis  e  Lionel 
Trilling. The Well Wrought Urn [A urna bem forjada] (1947), de Cleanth Brooks, exem‐
plifica a “leitura próxima” de textos em particular que era a forma típica de crítica prá‐
tica na Nova Crítica norte‐americana. 
A crítica prática às vezes se divide em crítica impressionista e judicial: 
A  crítica  impressionista  procura  representar  em  palavras  as  qualidades  sentidas 
de uma passagem ou obra em particular, e expressar as respostas (a “impressão”) que 
a obra evoca diretamente no crítico. Como William Hazlitt colocou em seu ensaio “On 
Genius and Common Sense” [Sobre o gênio e o senso comum] (1824): “Você decide a 
partir do sentimento, e não da razão; quer dizer, da impressão que as coisas exercem 
sobre  a  mente...  apesar  de  não  poder  analisar  ou  explicar  os  particulares.”  E  Walter 
Pater disse posteriormente que, na crítica, “o primeiro passo para ver um objeto como ele 
realmente  é,  é  conhecer  a  própria  impressão  como  ela  realmente  é,  discriminá‐la,  com‐


preendê‐la  distintamente”,  e  colocou  como  a  questão  básica  –  “O  que  é  esta  música  ou 
imagem... para mim?” (prefácio do Studies in the History of the Renaissance [Estudos sobre 
a história da Renascença], 1873). Levada ao seu extremo, essa forma de crítica se torna, na 
frase de Anatole France, “as aventuras de uma alma sensível entre obras‐primas.” 
A crítica judicial, por outro lado, procura não meramente comunicar, mas analisar 
e  explicar  os  efeitos  de  uma  obra,  referindo‐se  a  seu  tema,  organização,  técnicas  e 
estilo, e basear os julgamentos individuais do crítico em critérios específicos de exce‐
lência literária. Raramente essas duas formas de crítica se distinguem agudamente na 
prática, mas bons exemplos de comentários primariamente impressionistas podem ser 
encontrados  em  Longino  (ver  a  caracterização  da  Odisséia,  em  seu  tratado  On  the  
Sublime [Sobre o sublime]), Hazlitt, Walter Pater (o locus classicus do impressionismo 
em  sua  descrição  da  Mona  Lisa  de  Da  Vinci,  em  The  Renaissance  [A  Renascença], 
1873), e em alguns dos ensaios críticos do século XX de E. M. Forster e Virginia Woolf. 
Os  tipos  de  teorias  críticas  tradicionais  e  de  crítica  aplicada  podem  ser  proveito‐
samente diferenciados tendo como referência, no momento da explicação e julgamen‐
to de uma obra literária, o fato de relacionarem a obra principalmente ao mundo ex‐
terno, ao leitor, ao autor, ou então tratá‐la como uma entidade em si mesma: 
 
1. A  crítica  mimética  vê  a  obra  literária  como  uma  imitação, reflexo  ou  repre‐
sentação do mundo e da vida humana, e o critério primário aplicado à obra é 
o da “verdade” da sua representação em relação ao assunto que representa, 
ou  deveria  representar.  Essa  forma  de  crítica,  que  primeiramente  apareceu 
em Platão e (de forma qualificada) em Aristóteles, permanece característica 
das teorias modernas de realismo literário. (Ver imitação.) 
2. A crítica pragmática vê a obra como algo que é construído com o objetivo de 
alcançar certos efeitos na audiência (tais como prazer estético, instrução ou 
espécies de emoção), e tende a julgar o valor da obra de acordo com o suces‐
so no alcance desse objetivo. Essa abordagem, que amplamente dominou as 
discussões literárias desde o versificado Art of Poetry [Arte da poesia], do ro‐
mano Horácio (século I a.C.), e por todo o século XVIII, foi revivida na recente 
crítica retórica, que enfatiza as estratégias artísticas pelas quais um autor en‐
gaja e influencia as respostas dos leitores em relação aos temas representa‐
dos  numa  obra  literária.  A  abordagem  pragmática  também  foi  adotada  por 
alguns estruturalistas que analisam o texto literário como jogo sistemático de 
códigos que afetam as respostas interpretativas do leitor. 
3. A crítica expressiva trata a obra literária principalmente em relação a seu au‐
tor.  Define  a  poesia  como  uma  expressão,  transbordamento,  ou  declaração 
de  sentimentos,  ou  como  o  produto  da  imaginação  do  poeta  operando  em 
suas percepções, pensamentos e sentimentos; tende a julgar a obra por sua 
sinceridade, ou adequação à visão individual ou estado de espírito do poeta; 


e frequentemente busca na obra evidências do temperamento e experiências 
em particular do autor, que, consciente ou inconscientemente, revelou‐se na 
obra. Esses  pontos de vista foram desenvolvidos principalmente por críticos 
românticos,  no  início  do  século  XIX,  e  permanecem  atuais  em  nossa  época, 
especialmente nos escritos dos críticos psicológicos e psicanalíticos, e nos crí‐
ticos da consciência tais como George Poulet e a Escola de Genebra. 
4. A crítica objetiva trata a obra literária como algo que permanece livre do que 
é  comumente  chamado  de  relações  “extrínsecas”  do  poeta,  audiência  ou 
ambiente.  Ao  invés  disso,  descreve  o  produto  literário  como  objeto  auto‐
suficiente  e  autônomo,  senão  um  mundo‐em‐si‐mesmo,  que  teve  ser  con‐
templando como seu próprio fim, e analisado e julgado unicamente por crité‐
rios  “intrínsecos”  tais  como  complexidade, coerência, equilíbrio,  integridade 
e as inter‐relações dos elementos que lhe compõem. O ponto de vista geral 
da auto‐suficiência de um objeto estético foi proposto na Critique of Aesthetic 
Judgement [Crítica do juízo estético] (1790), de Kant – ver distância e envol‐
vimento –, adotado pelos proponentes da arte pela arte, na segunda parte do 
século XIX, e elaborado em formas detalhadas de crítica aplicada por diversos 
críticos  importantes  desde  a  década  de  1920,  incluindo  os  Novos  Críticos,  a 
Escola de Chicago, e os proponentes do formalismo europeu. 
 
Um empreendimento que o leitor comum subestima é estabelecer o texto de uma 
obra literária a ser impresso; ver o artigo crítica textual. É também um procedimento 
frequente distinguir os tipos de crítica que trazem à literatura diversas áreas do conhe‐
cimento, numa tentativa de identificar as condições e influências que determinam as 
características e valores particulares de uma obra literária. Nesse sentido, temos a “crí‐
tica  histórica”,  “crítica  biográfica”,  “crítica  sociológica”  (ver  sociologia  da  literatura  e 
crítica marxista), crítica psicológica (uma subespécie é a crítica psicanalítica), e crítica 
arquetípica ou mítica (que empreende explicar a formação dos tipos de literatura por 
referências às perspectivas sobre mito e ritual na antropologia cultural moderna). 
Para uma discussão detalhada da classificação de teorias tradicionais que é repre‐
sentada neste ensaio, ver M. H. Abrams, The Mirror and the Lamp [O espelho e a lâm‐
pada] (1953), capítulo 1, e “Types and Orientations of Critical Theories” [Tipos e orien‐
tações de teorias críticas] em Doing Things with Texts: Essays in Criticism and Critical 
Theory [Fazendo coisas com textos: ensaios de crítica e teoria crítica] (1989). Sobre os 
tipos de abordagens críticas, referir‐se também a René Wellek e Austin Warren, Theory 
of  Literature  [Teoria  da  Literatura]  (rev.  1970).  Histórias  da  crítica:  Classical  Criticism 
[Crítica clássica], ed. George A. Kennedy (1989); Bernard Weinberg, A History of Lite‐
rary Criticism in the Italian Renaissance [Uma história da crítica literária na Renascença 
italiana] (2 vols., 1963); René Wellek, A History of Modern Criticism, 1750‐1950 [Uma 
história da crítica moderna] (7 vols.; 1955 ff.); The Cambridge History of Literary Criti‐


cism  [História  da crítica  literária] (vários  vols.).  Sobre  a crítica  no  início do  século  XIX 
ver Abrams, The Mirror and the Lamp, e sobre a crítica do século XX, S. E. Hyman, The 
Armed Vision [A visão armada] (1948); Murray Krieger, The New Apologists for Poetry 
[Os novos apologistas da poesia] (1956); Jonathan Culler, Structuralist Poetics [Poética 
estruturalista] (1975) e Literary Theory: A Very Short Introduction [Teoria Literária: uma 
pequena  introdução];  Grant  Webster,  The  Republic  of  Letters:  A  History  of  Postwar 
American Literary Opinion [A república das letras: uma história da opinião literária nor‐
te‐americana do pós‐guerra] (1979); Frank Lentricchia, After the New Criticism [Depois 
da Nova Crítica] (1980); Chris Baldick, Criticism and Literary Theory, 1890 to the Present 
[Crítica e teoria literária, de 1890 até hoje] (1996). 
Antologias  convenientes  de  crítica  literária:  A.  H.  Gilbert  e  G.  W.  Allen,  Literary  
Criticism,  Plato  to  Croce  [Crítica  literária,  de  Platão  a  Croce]  (2  vols.,  1940‐41);  W.  J. 
Bate,  Criticism:  The  Major  Texts  [Crítica:  os  textos  mais  importantes]  (1952);  Lionel 
Trilling, Literary Criticism: An Introductory Reader [Crítica literária: uma leitura introdu‐
tória], (1970). Antologias de crítica recente e atual: Hazard Adams e Leroy Searle, eds., 
Twentieth‐Century Literary Theory: An Introductory Anthology [Teoria literária do sécu‐
lo  XX:  uma  antologia  introdutória]  (1987);  David  Lodge,  ed.,  Modern  Criticism  and 
 Theory  [Teoria  e  crítica  modernas]  (1988);  Robert  Con  Davis  e  Ronald  Schleifer,  
Contemporary Literary Criticism [Crítica literária contemporânea] (rev., 1989).  Leituras 
sugeridas sobre tipos atuais de teoria crítica estão incluídas nos artigos correspondentes 
desse Glossário. 
 
 
Teorias Críticas Atuais 
 
O artigo deste Glossário sobre crítica descreve tipos tradicionais de teoria literária 
e de crítica aplicada, de Aristóteles até o começo do século XX. Desde a I Guerra Mun‐
dial, e especialmente a década de 1960, surgiu um grande número de teorias literárias 
e  métodos  de  análise  crítica  inovadores,  incluindo  versões  revisadas  e  ampliadas  de 
formas anteriores de crítica marxista e crítica psicanalítica. Artigos sobre cada um des‐
ses novos  modos de crítica estão neste Glossário, de acordo com a ordem alfabética 
dos títulos. A seguir, uma tabela com a época aproximada em que essas formas se tor‐
naram proeminentes na crítica literária: 
 
décadas de 1920 e 1930  Formalismo Russo. 
décadas de 1930 e 1940  crítica arquetípica. 
décadas de 1940 e 1950  Nova Crítica; crítica fenomenológica. 
década de 1960  crítica estruturalista; formas modernas de crítica femi‐
nista; estilística. 


década de 1970  teoria da ansiedade da influência; desconstrução; aná‐
lise do discurso; várias formas de estética da recepção; 
teoria da recepção; semiótica; teoria dos atos da fala. 
década de 1980  crítica lógica; novo historicismo; estudos culturais. 
década de 1990  estudos pós‐colonialistas; teoria queer. 
 
 
Ansiedade da Influência 
 
Críticos e historiadores da literatura têm por muito tempo tratado do que se cha‐
mou de influência de um autor ou tradição literária sobre outro autor posterior que se 
diz  ter  adotado,  e  ao  mesmo  tempo  alterado,  aspectos  do  tema,  forma  ou  estilo  de 
escritores anteriores. Entre os tópicos tradicionais de discussão, por exemplo, estão a 
influência  de  Homero  sobre  Virgílio,  de  Virgílio  sobre  Milton,  de  Milton  sobre 
Wordsworth,  e  de  Wordsworth  sobre  Wallace  Stevens.  A  ansiedade  da  influência  é 
uma  frase  usada  pelo  influente  crítico  contemporâneo  Harold  Bloom  para  identificar 
sua revisão radical dessa teoria padrão de que a influência consiste em um “emprésti‐
mo”  direto,  ou  assimilação,  dos  materiais  e  características  encontrados  em  autores 
anteriores.  Bloom  acredita  que,  na  composição  de  qualquer  poema,  a  influência  é  i‐
nescapável, mas evoca no autor uma ansiedade que compele a uma distorção drástica 
da obra de um predecessor. Ele aplica esse conceito da ansiedade tanto na leitura co‐
mo na escrita da poesia. 
Na teoria de Bloom, um poeta (especialmente desde a época de Milton) é motiva‐
do  a  compor  quando  sua  imaginação  é  capturada  por  um  poema  ou  poemas  de  um 
“precursor”. As atitudes do poeta “tardio” em relação a seu precursor, como aquelas 
na análise freudiana da relação edípica do filho para com o pai, são ambivalentes; quer 
dizer, são compostas não apenas de admiração, mas também (já que um poeta forte 
sente uma necessidade persuasiva de ser autônomo e original) de ódio, inveja e medo 
da preempção pelo precursor do espaço imaginativo do descendente. O poeta tardio 
salvaguarda seu senso da própria liberdade e prioridade ao ler o poema‐pai “defensi‐
vamente”, de forma tal a distorcê‐lo para além de seu próprio reconhecimento consci‐
ente.  Não  obstante,  ele  não  pode  evitar  a  incorporação  do  poema‐pai  distorcido  na 
sua  própria  tentativa  infrutífera  de  escrever  um  poema  de  originalidade  sem  prece‐
dentes;  o  melhor  que  até  mesmo  o  maior  poeta  tardio  pode  alcançar é  escrever um 
poema tão “forte” que resulte numa ilusão de “prioridade” – isto é, uma ilusão de que 
escapou da precedência temporal do poema‐precursor e que o excede em grandeza. 


Bloom  identifica  seis  processos  distorcedores  que  operam  na  leitura  de  um  pre‐
cursor; ele chama esses processos de “razões revisionistas”1 e os define principalmen‐
te no modelo freudiano dos mecanismos de defesa (ver crítica psicanalítica). Ele tam‐
bém equipara esses mecanismos aos estratagemas a partir dos quais os cabalistas me‐
dievais reinterpretaram a Bíblica Hebraica, e também a diversos tipos de tropos retóri‐
cos (ver linguagem figurada). Já que na teoria de Bloom as razões revisionistas são as 
categorias através das quais todos nós, poetas ou não, necessariamente lemos nossos 
precursores,  ele  conclui  que  nunca  poderemos  conhecer  “o  poema‐em‐si‐mesmo”; 
toda interpretação é “um equívoco necessário”, e toda “leitura é portanto equívoco – 
ou leitura errada”. Uma “leitura errada fraca” é uma tentativa (fadada ao fracasso) de 
chegar ao que o texto realmente quer dizer, enquanto que uma “leitura errada forte” 
é aquela na qual as defesas de um leitor individual estão inconscientemente licencia‐
das a remodelar de forma inovadora o texto que o leitor procura interpretar. 
Como Bloom acredita que “todo poema é uma leitura errada de um poema‐pai”, 
recomenda que os críticos literários pratiquem o que ele chama de crítica antitética – 
isto é, que aprendam “a ler qualquer poema como uma leitura errada intencional do 
poeta, enquanto poeta, de um poema precursor ou da poesia em geral.” O resultado 
de tais leituras fortes será antitético tanto em relação ao que o próprio poeta pensou 
em dizer quanto ao que as fracas más interpretações padrão consideraram que o po‐
ema quis dizer. Nos seus próprios escritos poderosamente individualistas, Bloom aplica 
essa crítica antitética a poetas que vão desde o século XVIII, passando pelos românti‐
cos mais importantes, até Yeats e Stevens. Ele tem consciência de que, nos termos da 
teoria, suas próprias interpretações tanto de poetas como de críticos são necessaria‐
mente  leituras  erradas.  Afirma  que  as  interpretações  antitéticas  são  leituras  erradas 
fortes, portanto “interessantes”, e por isso tomarão seu lugar no acúmulo de leituras 
erradas que constitui a história tanto da poesia quanto da crítica, desde pelo menos o 
século XVII – apesar de essa história ser necessariamente trágica, já que, com o passar 
do tempo, haverá um declínio constante da área de possibilidades imaginativas dispo‐
níveis aos poetas. 
Um precursor da teoria de Bloom foi The Burden of the Past and the English Poet 
[O fardo do passado e o poeta inglês] (1970), de Walter Jackson Bate, que descreve a 
luta dos poetas, desde 1660, para superar o efeito inibidor do medo de que seus pre‐
cursores talvez tenham exaurido as possibilidades de escrever grandes poemas origi‐
nais.  Bloom  apresentou  sua  própria  teoria  de  leitura  e  escrita  de  poesia  em  The 
Anxiety of Influence [A ansiedade da influência] (1973), depois desenvolveu a teoria e 
demonstrou sua aplicação a diversos textos poéticos em três livros rapidamente sub‐
sequentes,  A  Map  of  Misreading  [Um  mapa  da  leitura  errada]  (1975),  Kabbalah  and 

1
 Razão: do inglês ratio, no sentido de proporção, relação entre duas coisas expressa em nú‐
meros ou quantidades. [N. T.] 


Criticism [Cabala e crítica] (1975), e Poetry and Repression [Poesia e repressão] (1976), 
e  também  em  diversos  textos  que  tratavam  de  poetas  em  particular.  Ver  também  a 
coleção  de  escritos  de  Bloom,  Poetics  of  Influence  [Poética  da  influência],  ed.  John 
Hollander  (1988).  Para  análises  e  críticas  de  sua  teoria  da  literatura,  ver  Frank 
Lentricchia, After  the  New  Criticism  [Depois  da  nova  crítica]  (1980),  capítulo  9;  David 
Fite, Harold Bloom: The Rhetoric of Romantic Vision [Harold Bloom: a retórica da visão 
romântica]  (1985);  M.  H.  Abrams,  “How  to  Do  Things  with  Texts”  [Como  fazer  coisas 
com  textos],  em  Doing  Things  with  Texts  [Fazendo  coisas  com  textos]  (1989).  Bloom 
propôs  sua  teoria,  é  importante  dizer,  em  relação  a  homens;  para  uma  aplicação  da 
ansiedade da influência a escritoras, ver Sandra Gilbert e Susan Gubar, The Madwoman 
in the Attic [A louca no sótão] (1980), discutido no artigo crítica feminista. 
 
 
Arquetípica, Crítica  
 
Em  crítica  literária,  o  termo  arquétipo  denota  esquemas  narrativos,  padrões  de 
ação, tipos de personagens, temas e imagens recorrentes que podem ser identificados 
numa ampla variedade de obras literárias, assim como em mitos, sonhos e até mesmo 
rituais sociais. Esses itens recorrentes são considerados o resultado de formas ou pa‐
drões elementares e universais na psique humana, cuja materialização numa obra lite‐
rária evoca uma resposta profunda no leitor atento, porque ele ou ela compartilha os 
arquétipos expressados pelo autor. Um antecedente importante da teoria literária do 
arquétipo  foi  o  tratamento  do  mito  por  um  grupo  de  antropólogos  comparatistas  da 
Universidade de Cambridge, especialmente James G. Frazer, cujo The Golden Bough [O 
ramo dourado] (1890‐1915) identificou padrões elementares de mito e ritual que, se‐
gundo ele, recorrem nas lendas e cerimônias de diversas e distantes culturas e religi‐
ões.  Um antecedente ainda mais importante foi a psicologia aprofundada de Carl G. Jung 
(1875‐1961), que aplicou o termo “arquétipo” ao que ele chamou de “imagens primordi‐
ais”, o “resíduo psíquico” de padrões repetidos de experiências humanas comuns nas vidas 
de  nossos  ancestrais  muito  remotos  que  –  ele  defendeu  –  sobrevivem  no  “inconsciente 
coletivo” da raça humana e são expressos em mitos, religião, sonhos e fantasias particula‐
res, e também em obras literárias. Ver crítica junguiana, em crítica psicanalítica. 
A crítica literária arquetípica ganhou ímpeto com o Archetypal Patterns in Poetry 
[Padrões  arquetípicos  na  poesia]  (1934),  de  Maud  Bodkin,  e  floresceu  especialmente 
durante as décadas de 1950 e 1960. Alguns críticos arquetípicos deixaram de conside‐
rar a teoria junguiana do inconsciente coletivo uma fonte importante desses padrões; 
nas palavras de Northrop Frye, essa teoria é “uma hipótese desnecessária”, e os arqué‐
tipos recorrentes simplesmente existem, “independentemente de como surgiram”. 
Entre os praticantes proeminentes de várias formas de crítica arquetípica, além de 
Maud  Bodkin,  estão  G.  Wilson  Knight,  Robert  Graves,  Philip  Wheelwright,  Richard  


Chase, Leslie Fiedler e Joseph Campbell. Esses críticos tendem a enfatizar a ocorrência 
de  padrões  míticos  na  literatura,  presumindo  que  os  mitos  estão  mais  próximos  do 
arquétipo elementar do que as manipulações artísticas de escritores sofisticados (ver 
críticos do mito). O tema morte‐renascimento é frequentemente mencionado como o 
arquétipo dos arquétipos, e diz‐se ser baseado no ciclo das estações e no ciclo orgâni‐
co da vida humana; esse arquétipo, afirmou‐se, ocorre nos rituais primitivos do rei que 
é  anualmente  sacrificado,  nos  mitos  muito  difundidos  de  deuses  que  morrem  para 
renascer, e numa multidão de textos diversos, incluindo a Bíblia, a Divina Comédia de 
Dante, do início do século XIV, e “Rime of the Ancient Mariner” [A balada do velho ma‐
rinheiro], de Samuel Taylor Coleridge, de 1798. Entre outros temas, imagens e perso‐
nagens  arquetípicos  frequentemente  encontrados  na  literatura  são  a  viagem  ao  sub‐
terrâneo,  a  ascensão  ao  céu,  a  busca  pelo  pai,  a  imagem  Paraíso‐Hades2,  o  rebelde‐
herói prometeico, o bode expiatório, a deusa da terra e a mulher fatal. 
Em seu notável e influente livro Anatomy of Criticism [Anatomia da crítica] (1957), 
Northrop Frye desenvolveu a abordagem arquetípica – a qual ele combinou com a in‐
terpretação tipológica da Bíblia e a concepção da imaginação nos escritos do poeta e 
pintor William Blake (1757‐1827) – numa revisão radical e abrangente dos fundamen‐
tos  tradicionais  tanto  da  teoria  da  literatura  como  da  prática  da  crítica  literária.  Frye 
propõe  que  a  totalidade  de  obras  literárias  constitui  um  “universo  literário  auto‐
contido” que foi criado através dos séculos pela imaginação humana para incorporar o 
mundo natural indiferente e estranho a formas arquetípicas que servem para satisfa‐
zer necessidades e desejos humanos perenes. Neste universo literário, quatro mythoi 
radicais (isto é, formas de enredo, ou princípios estruturais organizadores), correspon‐
dentes  às  quatro  estações  no  ciclo  do  mundo  natural,  são  incorporados  aos  quatro 
principais gêneros da comédia (primavera), romance (verão), tragédia (outono) e sátira 
(inverno). Dentro do arco de mitos arquetípicos de cada um desses gêneros, obras par‐
ticulares de literatura também variam entre um número de arquétipos mais limitados 
– isto é, padrões e tipos convencionais que a literatura compartilha com rituais sociais 
e também com teologia, história, direito e, na verdade, com todas as “estruturas ver‐
bais  discursivas”.  Vista  arquetipicamente,  Frye  afirma,  a  literatura  acaba  tendo  um 
papel essencial na remodelação do material universal impessoal em um universo ver‐
bal alternativo que é inteligível e viável, porque adaptado a necessidades e preocupa‐
ções  humanas  universais  e  essenciais.  Frye  continuou,  em  uma  longa  série  de  textos 
posteriores, a expandir essa teoria arquetípica, a dar lugar em seu âmbito geral e em 
diferentes níveis, à inclusão de muitos conceitos e procedimentos críticos tradicionais, 
e  a  aplicá‐la  tanto  a  práticas  sociais  como  à  elucidação  de  textos  que  vão  desde  a 
Bíblia  até  poetas  e  romancistas  contemporâneos.  Ver  A.  C.  Hamilton,  Northrop  Frye: 
Anatomy of His Criticism [Northrop Frye: anatomia de sua crítica] (1990). 

2
 Hades: na mitologia grega, o mundo dos mortos. [N. T.] 


Em acréscimo às obras mencionadas anteriormente, consultar: C. G. Jung, “On the 
Relation of Analytical Psychology to Poetic Art” [Sobre a relação entre a psicologia ana‐
lítica e a arte poética] (1922), em Contributions to Analytical Psychology [Contribuições 
à  psicologia  analítica]  (1928),  e  “Psychology  and  Literature”  [Psicologia  e  Literatura], 
em  Modern  Man  in  Search  of  a  Soul  [O  homem  moderno  em  busca  de  uma  alma] 
(1933); G. Wilson Knight, The Starlit Dome [A cúpula estrelada] (1941); Robert Graves, 
The White Goddess [A deusa branca] (rev., 1961); Richard Chase, The Quest for Myth [A 
busca pelo mito] (1949); Francis Fergusson, The Idea of a Theater [A ideia de um tea‐
tro]  (1949);  Philip  Wheelwright,  The  Burning  Fountain  [A  fonte  em  chamas]  (rev., 
1968); Northrop Frye, “The Archetypes of Literature” [Os arquétipos da literatura], em 
Fables  of  Identity  [Fábulas  de  identidade]  (1963);  Joseph  Campbell,  The  Hero  with  a 
Thousand Faces [O herói de mil faces] (2ª ed., 1968). Na década de 1980, críticas femi‐
nistas desenvolveram formas de crítica arquetípica que revisaram as bases e precon‐
ceitos  masculinos  de  Jung  e  outros  críticos  arquetípicos.  Ver  Annis  Pratt,  Archetypal 
Patterns in Woman’s Fiction [Padrões arquetípicos na ficção feminina] (1981), e Estella 
Lauter  e  Carol  Schreier  Rupprecht,  Feminist  Archetypal  Theory:  Interdisciplinary 
Re‐Visions of Jungian Thought [Teoria arquetípica feminista: re‐visões interdisciplinares 
do pensamento junguiano] (1985). 
Para discussões e críticas da teoria e prática arquetípica, ver H. M. Block, “Cultural 
Anthropology  and  Contemporary  Literary  Criticism”  [Antropologia  cultural  e  crítica 
literária contemporânea], Journal of Aesthetics and Art Criticism 11 [Jornal de estética 
e  crítica  de  arte]  (1952);  Murray  Krieger,  ed.,  Northrop  Frye  in  Modern  Criticism 
[Northrop Frye na crítica moderna] (1966); Robert Denham, Northrop Frye and Critical 
Method  [Northrop  Frye  e  método  crítico]  (1978);  Frank  Lentricchia,  After  the  New 
Criticism [Depois da Nova Crítica] (1980), capítulo 1. 
 
 
Arte pela Arte, ou Esteticismo 
 
O  Esteticismo  foi  um  fenômeno  europeu  da  segunda  metade  do  século  XIX  que 
teve seu centro na França. Em oposição ao domínio do pensamento científico, e desa‐
fiando a hostilidade ou indiferença generalizadas da classe média da época em relação 
a qualquer arte que não tivesse utilidade ou não ensinasse valores morais, os escrito‐
res  franceses  desenvolveram  a  opinião  de  que  uma  obra  de  arte  é  o  valor  supremo 
entre os produtos humanos precisamente porque é auto‐suficiente e não tem utilida‐
de ou objetivo moral além de si própria. O objetivo de uma obra de arte é simplesmen‐
te existir em sua perfeição formal;  isto é, ser bela e ser contemplada  como um fim em  si 
mesmo. A frase “l’art pour l’art” – arte pela arte – tornou‐se um lema para o Esteticismo. 
O  Esteticismo  tem  suas  raízes  históricas  na  ideia  proposta  pelo  filósofo  alemão 
Immanuel Kant, no seu Critique of Judgment [Crítica do juízo] (1790), de que a experi‐

10 
ência  estética  “pura”  consiste  na  contemplação  “desinteressada”  de  um  objeto  que 
“agrada por si só”, sem referência à realidade ou aos fins  “externos” de utilidade ou 
moralidade.  Como  movimento  auto‐consciente,  entretanto,  diz‐se  que  o  Esteticismo 
francês  data  da  defesa  espirituosa  por  Théophile  Gautier  de  sua  afirmação  de  que  a 
arte é inútil (prefácio de Mademoiselle de Maupin, 1835). O Esteticismo foi desenvol‐
vido por Baudelaire, que recebeu forte influência da afirmação de Edgar Allan Poe (em 
“The Poetic Principle” [O princípio poético], 1850) de que a obra suprema é um “poe‐
ma per se”, um “poema escrito unicamente em razão de si mesmo”; foi posteriormen‐
te aceita por Flaubert, Mallarmé e muitos outros escritores. Em sua forma extrema, a 
doutrina  esteta  de  arte  pela  arte  tomou  a  direção  de  uma  doutrina  moral  e  quase‐
religiosa de vida pela arte, com o artista representado como um sacerdote que renun‐
cia  às  preocupações  práticas  da  vida  comum  e  se  dedica  ao  que  Flaubert  e  outros 
chamaram de “a religião do belo”. 
As opiniões do Esteticismo francês foram introduzidas na Inglaterra vitoriana por 
Walter Pater, com sua ênfase no artifício grandioso e na sutileza estilística, sua reco‐
mendação de encher a vida de sensações requintadas, e sua defesa do valor supremo 
da beleza e do “amor da arte por si mesma.” (Ver sua conclusão de The Renaissance [A 
Renascença], 1873.) As opiniões artísticas e morais do Esteticismo também foram ex‐
pressas por Algernon Charles Swinburne e por escritores ingleses da década de 1890 
como  Oscar  Wilde,  Arthur  Symons  e  Lionel  Johnson,  e  também  pelos  artistas  J.  M. 
Whistler  e  Aubrey  Beardsley.  A  influência  das  ideias  enfatizadas  pelo  Esteticismo  – 
especialmente a de “autonomia” (auto‐suficiência) de uma obra de arte, a ênfase no 
ofício  e  no  talento  artístico,  e  o  conceito  do  poema  ou  romance como  um  fim  em  si 
mesmos e investidos de valores “intrínsecos” – foi importante para os escritos de pro‐
eminentes autores do século XX tais como W. B. Yeats, T. E. Hulme e T. S. Eliot, e tam‐
bém para a teoria literária dos Novos Críticos. 
Para desenvolvimentos semelhantes, ver decadência e torre de marfim. Remeter 
a: William Gaunt, The Aesthetic Adventure [A aventura estética] (1945, reimpresso em 
1975); Frank Kermode, Romantic Image [Imagem romântica] (1957); Enid Starkie, From 
Gautier  to  Eliot  [De  Gautier  a  Eliot]  (1960);  R.  V.  Johnson,  Aestheticism  [Esteticismo] 
(1969). Para as condições intelectuais e sociais, durante o século XVIII, que fomenta‐
ram a teoria de que a obra de arte é um fim em si mesmo, ver M. H. Abrams, “Art‐as‐
Such:  The  Sociology  of  Modern  Aesthetics”  [Arte‐como‐tal:  a  sociologia  da  estética 
moderna], em Doing Things with Texts: Essays in Criticism and Critical Theory [Fazendo 
coisas com textos: ensaios sobre crítica e teoria crítica] (1989). Coleções úteis de tex‐
tos  sobre  o  Movimento  Estético  são  Ian  Small,  ed.,  The  Aesthetes:  A  Sourcebook  [Os 
estetas: uma antologia], e Eric Warner e Graham Hough, eds., Strangeness and Beauty: 
An Anthology of Aesthetic Criticism 1848‐1910 [Estranheza e beleza: uma antologia de 
crítica estética 1848‐1910] (2 vols.; 1983). Um guia descritivo útil de livros sobre o te‐

11 
ma é Aestheticism and Decadance: A Selective Annotated Bilbiography [Esteticismo  e 
decadência: uma bibliografia seleta e anotada] (1977), de Linda C. Downling. 
 
 
Atos da Fala, Teoria dos 
 
A Teoria dos Atos da Fala, desenvolvida pelo filósofo John Austin, foi descrita de 
forma mais completa no livro póstumo How to Do Things with Words [Como fazer coi‐
sas com palavras] (1962), e foi explorada e expandida por outros “filósofos da lingua‐
gem‐comum”, incluindo John Searle e H. P. Grice. A teoria de Austin é direcionada con‐
tra  as  tendências  tradicionais  dos  filósofos  de  (1)  analisar  o  significado  de  sentenças 
isoladas, abstraídas do contexto de um discurso e das circunstâncias conexas nas quais 
uma sentença é criada; e de (2) presumir, algo que Austin descreve como uma obses‐
são lógica, que a sentença padrão – da qual os outros tipos constituem apenas varian‐
tes – é uma declaração que descreve uma situação ou afirma um fato e que pode ser 
julgada como verdadeira ou falsa. A adoção e desenvolvimento por John Searle da teo‐
ria dos atos da fala, de Austin, opõe a essas opiniões a afirmação de que quando pres‐
tamos atenção ao contexto linguístico e situacional geral – incluindo as condições insti‐
tucionais que governam muitos usos da linguagem – percebemos que ao falar ou es‐
crever realizamos simultaneamente três, e às vezes quatro, tipos distintos de atos da 
fala: (1) Proferimos uma sentença; Austin chamou esse ato de “locução”. (2) Nos refe‐
rimos a um objeto, e predicamos algo sobre esse objeto. (3) Realizamos um ato ilocu‐
cionário. (4) Com frequência também realizamos um ato perlocucionário. 
O ato ilocucionário realizado por uma locução pode de fato ser o que recebe des‐
taque na filosofia e lógica tradicionais, para afirmar que algo é verdadeiro, mas pode 
ser, ao contrário, um entre vários outros possíveis atos da fala, tais como questionar, 
ordenar,  prometer,  advertir,  elogiar,  agradecer,  e  assim  por  diante.  Uma  sentença 
constituída pelas mesmas palavras e com a mesma forma gramatical, como “Deixarei 
você amanhã”, pode acabar tendo, num contexto verbal e situacional em particular, a 
“força ilocucionária” de uma asserção, uma promessa ou uma ameaça. Num ato ilocu‐
cionário que não é uma asserção, o critério principal (apesar de a afirmação poder se 
referir a algum estado das coisas) não é o de verdade ou falsidade, mas se o ato foi ou 
não realizado com sucesso, ou nos termos de Austin, “felizmente”. A realização feliz de 
um ato ilocucionário em particular vai depender de ele ir ao encontro das “condições 
de  adequação”  daquele  ato;  essas  condições  são  convenções  ou  regras  linguísticas  e 
sociais (ou institucionais) tácitas, compartilhadas por falantes e intérpretes competen‐
tes de um idioma. Por exemplo, a performance bem sucedida de um ato ilocucionário 
de  promessa,  tal  como  “Virei  vê‐lo  amanhã”,  depende  do  atendimento  ao  conjunto 
especial de condições de adequação: o falante deve ser capaz de cumprir sua promes‐
sa, deve ter a intenção de cumpri‐la, e deve acreditar que o ouvinte deseja que ele a 

12 
cumpra. Se a última condição falhar, por exemplo, a mesma afirmação verbal pode ter 
a força ilocucionária de uma ameaça. 
Em  How  to  Do  Things  with  Words,  John  Austin  estabeleceu  uma  distinção  inicial 
entre  dois  tipos  amplos  de  locuções:  constativas  (sentenças  que  afirmam  algo  sobre 
um fato ou estado de coisas e que se julga verdadeiras ou falsas) e performativas (sen‐
tenças que são ações que realizam algo, tal como questionar, prometer, elogiar, e as‐
sim por diante). Enquanto dava seguimento a sua sutil análise, Austin, no entanto, de‐
monstrou que essa divisão inicial de afirmações em duas classes agudamente exclusi‐
vas não se sustentava, pois muitos performativos também envolvem referência a esta‐
dos  das  coisas,  enquanto  que  constativos  também  realizam  uma  ação  ilocucionária. 
Austin,  no  entanto,  deu  atenção  especial  ao  “performativo  explícito”,  uma  sentença 
cuja  própria  enunciação,  quando  executada  sob  as  condições  institucionais  (e  de  ou‐
tras naturezas) apropriadas, produz o estado de coisas que significa. Exemplos são “Ba‐
tizo esse navio de Rainha Elizabeth”; “Perdoe‐me”; “Declaro esta reunião aberta”. 
Se um ato ilocucionário tem um efeito sobre as ações ou estado de espírito do ou‐
vinte que vai além de meramente entender o que foi dito, é também um ato perlocu‐
cionário.  Desse  modo,  a  afirmação  “Vou  deixá‐lo”,  com  a  força  ilocucionária  de  uma 
advertência, pode não ser compreendida unicamente como tal, mas ter (ou falhar em 
ter) o efeito perlocucionário adicional de assustar o ouvinte. De maneira similar, pelo 
ato ilocucionário de prometer fazer algo, pode‐se criar o efeito de esclarecer, inspirar 
ou  intimidar  o  ouvinte.  Alguns  efeitos  perlocucionários  podem  ser  pretendidos  pelo 
falante; outros ocorrem sem a intenção do falante, e até mesmo contra essa intenção. 
Para uma exploração útil das relações, em casos diversos, entre atos ilocucionários e 
perlocucionários  da  fala,  ver  Ted  Cohen,  “Illocutions  and  Perlocutions”  [Ilocuções  e 
perlocuções], em Foundations of Language 9 [Fundamentos da linguagem] (1973). 
Diversos teóricos da desconstrução propuseram que o uso da língua em literatura 
de ficção (a qual Austin exclui de suas considerações de atos da fala “seriamente” pre‐
tendidos) é na realidade um grande exemplo do performativo, no sentido de que não 
se refere a um estado de coisas pré‐existente, mas faz surgir os personagens, as ações 
e  o  mundo  que  descreve.  Por  outro  lado,  já  que  atos  linguísticos  performativos  não 
podem evitar recorrer à linguagem da declaração e asserção, os teóricos da descons‐
trução convertem a distinção constativo/performativo de Austin num impasse irresolu‐
to, ou oscilação, de oposições irreconciliáveis. Ver desconstrução e remeter a Barbara 
Johnson, “Poetry and Performative Language: Mallarmé and Austin” [Poesia e lingua‐
gem performativa: Mallarmé e Austin], em The Critical Difference [A diferença crítica] 
(1980); Sandra Petrey, Speech Acts and Literary Theory [Atos da fala e teoria literária] 
(1990);  Jonathan  Culler,  Literary  Theory:  A  Very  Short  Introduction  [Teoria  literária: 
uma  breve  introdução]  (1997),  capítulo  7,  “Performative  Language”  [Linguagem  per‐
formativa].  Judith  Butler  propôs  que  os  termos  que  usamos  para  descrever  gênero  e 
sexualidade são modos do uso performativo da linguagem, no sentido de que a aplica‐

13 
ção reiterada desses termos, em concordância com as convenções que governam seu 
uso, na realidade faz surgir (ou “executa”3) as identidades e formas de comportamento 
que pretende descrever. Ver Judith Butler, Gender Trouble: Feminism and the Subver‐
sion of Identity [Problemas de gênero: Feminismo e a subversão da identidade] (1997); 
também remeter a Teoria Queer. 
Desde 1970 a teoria dos atos da fala tem influenciado de formas conspícuas e va‐
riadas a prática da crítica literária. Quando aplicada à análise do discurso direto por um 
personagem no âmbito de uma obra literária, provê um quadro sistemático, porém às 
vezes complicado, para identificar pressuposições, implicações e efeitos de atos da fala 
não ditos que os leitores competentes e críticos sempre levaram em consideração, de 
maneira  sutil  apesar  de  assistemática.  (Ver  análise do discurso.) A  teoria  dos  atos  da 
fala também já foi usada de uma forma mais radical, no entanto, como o parâmetro 
para a remodelação da teoria da literatura em geral, e especialmente a teoria das nar‐
rativas em prosa (ver ficção e verdade). O que o autor de uma obra ficcional – ou me‐
lhor, o que o narrador inventado pelo autor – narra é considerado constituinte de um 
conjunto de asserções “fingidas”, que para o autor tem o intuito, compreendido pelo 
leitor competente, de se libertar do compromisso comum do falante em relação à ver‐
dade do que ele ou ela afirma. No âmbito do mundo ficcional que a narrativa estabele‐
ce, todavia, as declarações dos personagens fictícios – sejam elas asserções, promessas 
ou votos matrimoniais – são consideradas como responsáveis para com os compromis‐
sos ilocucionários comuns. Alternativamente, alguns teóricos dos atos da fala propõem 
uma  nova  versão  da  teoria  mimética  (ver  imitação).  Críticos  miméticos  tradicionais 
afirmaram que a literatura imita a realidade ao representar num meio verbal o ambi‐
ente, ações, declarações e interações dos seres humanos. Alguns teóricos dos atos da 
fala, por outro lado, propõem que toda a literatura é simplesmente “discurso miméti‐
co”. Uma lírica, por exemplo, é uma imitação daquela forma de discurso comum pela 
qual expressamos nossos sentimentos a respeito de algo, e um romance é uma imita‐
ção de uma forma particular de discurso escrito, tal como a biografia (The History of 
Tom Jones [A história de Tom Jones], de Henry Fielding, 1749), ou a autobiografia (Da‐
vid Copperfield, de Charles Dickens, 1849‐50), ou até mesmo a edição acadêmica ano‐
tada  de  um  texto  poético  (Pale  Fire  [Fogo  pálido],  de  Nabokov,  1962).  Ver  Barbara 
Hernstein Smith, On the Margins of Discourse: The Relation of Literature to Language 
[Nas margens do discurso: a relação entre literatura e linguagem] (1978). 
Para  o  tratamento  filosófico  básico  dos  atos  da  fala  ver  How  to  Do  Things  with 
Words  (1962),  de  John  Austin;  Speech  Acts:  An  Essay  in  the  Philosophy  of  Language 
[Atos da fala: ensaios sobre a filosofia da linguagem] (1970), de John R. Searle; e H. P. 
Grice,  “Logic  and  Conversation”  [Lógica  e  conversação],  em  Syntax  and  Semantics  3 
[Sintaxe e semântica] (1975). Entre as tentativas de modelar a teoria geral da literatu‐

3
 Do inglês “perform”, portanto relativo à performance. [N. T.] 

14 
ra,  ou  pelo  menos  da  ficção  em  prosa,  na  teoria  dos  atos  da  fala,  estão  Richard 
Ohmann, “Speech Acts and the Definition of Literature” [Atos da fala e a definição de 
literatura]”, Philosophy and Rhetoric 4 [Filosofia e retórica] (1971); Charles Altieri, “The 
Poem as Act” [O poema como ato], Iowa Review 6 (1975); John R. Searle, “The Logical 
Status  of  Fictional  Discourse”  [O  status  lógico  do  discurso  ficcional]”,  em  seu  Expres‐
sion and Meaning [Expressão e significado] (1979), capítulo 3. Uma aplicação detalha‐
da à teoria literária é Toward a Speech Act Theory of Literary Discourse [Para uma teo‐
ria dos atos da fala do  discurso literário] (1977), de Mary Louise Pratt.  Para opiniões 
sobre  as  limitações  da  teoria  dos  atos  da  fala  quando  aplicada  à  crítica  literária,  ver 
Stanley  Fish,  “How  to  Do  Things  with  Austin  and  Searle:  Speech‐Act  Theory  and  
Literary Criticism” [Como fazer coisas com Austin e Searle: a teoria dos atos da fala e a 
crítica literária]”, em Is There a Text in This Class? [Há um texto nessa classe?] (1980); e 
Joseph  Margolis,  “Literature  and  Speech  Acts”  [Literatura  e  atos  da  fala],  Philosophy 
and Literature 3 [Filosofia e literatura]. Para a análise desconstrucionista das opiniões 
de Austin por Jacques Derrida, e para a resposta de John Searle, ver desconstrução. 
 
 
Desconstrução  
 
Desconstrução, aplicada à crítica literária, designa uma teoria e prática da leitura 
que questiona e afirma “subverter” ou “abalar” a noção de que o sistema linguístico 
provê bases que são adequadas para estabelecer os limites, a coerência ou unidade, e 
os significados específicos de um texto literário. Tipicamente, uma leitura desconstru‐
cionista procura demonstrar que as forças conflitantes no âmbito do texto servem pa‐
ra dissipar a aparente exatidão de sua estrutura e significados numa série de possibili‐
dades incompatíveis e irresolutas. 
O  criador  e  nominador  da  desconstrução  é  o  pensador  francês  Jacques  Derrida, 
cujos precursores incluem Friedrich Nietzsche (1844‐1900) e Martin Heidegger (1889‐
1976)  –  filósofos  alemães  que  realizaram  questionamentos  radicais  sobre  conceitos 
filosóficos  fundamentais  como  “conhecimento”,  “verdade”  e  “identidade”  –,  e  tam‐
bém  Sigmund  Freud  (1856‐1939),  cuja  psicanálise  violou  os  conceitos  tradicionais  de 
uma consciência individual coerente e um eu unitário. Derrida apresentou suas opini‐
ões básicas em três livros, todos publicados em 1967, intitulados Of Grammatology [Da 
gramatologia], Writting and Difference [Escrita e diferença] e Speech and Phenomena 
[Discurso  e  fenômenos];  desde  então  ele  tem  reiterado,  expandido  e  aplicado  essas 
opiniões numa rápida sequência de publicações. 
Os textos de Derrida são complexos e elusivos, e este resumo pode apenas indicar 
algumas das tendências principais. Sua posição estratégica é o que ele chama, em Of 
Grammatology, de “a proposição axial de que não há fora‐do‐texto” (“il n’y a rien hors 
du texte”, ou alternativamente “il n’y a pas hors‐texte”). Como todos os termos e afir‐

15 
mações‐chaves de Derrida, este tem múltiplos significados, mas um sentido primário é 
que o leitor não pode ir além dos signos verbais para chegar em qualquer coisa‐em‐si‐
mesma, a qual, porque independente do sistema linguístico, poderia servir para anco‐
rar  um  significado  determinável.  A  afirmação  reiterada  de  Derrida  é  que  não  apenas 
todas  as  filosofias  e  teorias  linguísticas  ocidentais,  mas  todos  os  usos  ocidentais  da 
linguagem, portanto toda a cultura ocidental, são logocêntricos; isto é, são centrados 
ou baseados em um “logos” (que em grego significa tanto “palavra” como “racionali‐
dade”), ou, como em uma frase de Heidegger que ele adota, dependem da “metafísica 
da  presença”.  São  logocêntricos,  de  acordo  com  Derrida, em  parte  porque  são  fono‐
cêntricos; isto é, dão, implícita ou explicitamente, “prioridade” ou “privilégio” lógico à 
fala em detrimento da escrita, como modelo para analisar todo o discurso. Por logos, 
ou presença, Derrida quer dizer o que ele também chama de “referente último” – uma 
base ou fundação auto‐asseguradora e auto‐suficiente disponível para nós totalmente 
fora do próprio jogo da linguagem, que está diretamente presente para nossa percep‐
ção e serve para “centrar” (isto é, ancorar, organizar e garantir) a estrutura do sistema 
linguístico, e como consequência é suficiente para estabelecer os limites, coerência e 
significados  específicos  de  qualquer  declaração  falada  ou  escrita  no  âmbito  daquele 
sistema.  (Sobre  a  “descentralização”  do  estruturalismo  por  Derrida,  ver  pós‐
estruturalismo.) Exemplos históricos de defesas de bases da linguagem são Deus como 
o garantidor de sua validade, ou uma forma platônica da verdadeira referência de um 
termo geral, ou o “telos” ou objetivo hegeliano ao qual todos os processos se direcio‐
nam, ou a intenção de significar algo determinado que está diretamente presente na 
percepção da pessoa que inicia uma declaração. Derrida procura demonstrar que essas 
e todas as outras tentativas da filosofia ocidental de estabelecer um fundamento abso‐
luto na presença, e toda confiança em tal fundamento no uso da língua, estão fadados 
ao  fracasso.  Especialmente,  ele  direciona  essa  exposição  cética  contra  a  presunção 
fonocêntrica – que ele considera central nas teorias ocidentais da linguagem – de que 
no instante da fala, a “intenção” do falante  de querer dizer algo determinado através 
de uma declaração está imediata e completamente presente na consciência desse falan‐
te, e também é comunicável a um ouvinte. (Ver intenção, em interpretação e hermenêuti‐
ca.) Na visão de Derrida, devemos sempre dizer mais, e além, do que pretendemos dizer. 
Derrida expressa sua concepção alternativa de que o jogo dos significados linguís‐
ticos é “irresolúvel”, nos termos derivados da opinião de Saussure de que, num siste‐
ma  de  signos,  ambos  os  significantes  (os  elementos  materiais  da  linguagem,  sejam 
falados ou escritos) e os significados (seus significados conceituais) devem suas identi‐
dades aparentes não às suas próprias características “positivas” ou inerentes, mas às 
suas  “diferenças”  de  outros  sons‐da‐fala,  sinais  escritos  ou  significações  conceituais. 
(Ver Saussure, em linguística na crítica moderna e em semiótica). Desse ponto de vista 
Derrida  desenvolve  sua  afirmação  radical  de  que  as características  que,  em  qualquer 
declaração  particular  serviriam  para  estabelecer  o  significado  de  uma  palavra,  nunca 

16 
estão “presentes” para nós em suas próprias identidades positivas, já que tanto essas 
características como suas significações não são nada além de uma rede de diferenças. 
Por  outro  lado,  também  não  se  pode  dizer  que  essas  características  identificadoras 
também estão estritamente “ausentes”; ao invés disso, em qualquer declaração falada 
ou  escrita,  o  significado  aparente  é  o  resultado  unicamente  de  um  traço  “auto‐
obliterado” – no sentido de que não se tem consciência dele – que consiste em todas 
as diferenças não‐presentes de outros elementos no sistema linguístico que investem 
na declaração seu “efeito” de ter um significado próprio. A consequência, na opinião 
de Derrida, é que nunca podemos, em nenhuma instância da fala ou da escrita, ter um 
significado presente demonstravelmente fixo e decidido. Ele diz que o jogo (jeu) dife‐
rencial da linguagem pode produzir os “efeitos” de significados decididos numa decla‐
ração ou texto, mas afirma que estes são meramente efeitos e não possuem uma base 
que justificaria certeza na interpretação. 
Numa  jogada  característica,  Derrida  cunha  o  termo  portmanteau4  différance,  no 
qual, ele explica, utiliza a grafia “‐ance” no lugar de “‐ence” para indicar a fusão de dois 
sentidos do verbo francês “différer”: ser diferente, e adiar. Esse duplo sentido aponta 
para o fenômeno de que, por um lado, um texto oferece o “efeito” de ter uma signifi‐
cância que é o produto de sua diferença, mas por outro lado, já que essa significância 
oferecida nunca pode chegar finalmente a uma “presença” real – ou numa realidade 
independente da linguagem que Derrida chama de significante transcendental – sua 
especificação  determinada  é  transferida  de  uma  interpretação  linguística  a  outra  em 
um movimento ou “jogo”, como diz Derrida, en abîme – isto é, em regresso infindável. 
Na  opinião  de  Derrida,  portanto,  é  a  diferença  que  torna  possível  o  significado  cuja 
possibilidade  (enquanto  significado  decidido)  ela  necessariamente  confunde.  Como 
Derrida diz em outra de suas cunhagens, o significado de qualquer declaração falada 
ou escrita, pela ação de forças linguísticas internas opostas, é inelutavelmente disse‐
minado – um termo que inclui, dentre suas significações deliberadamente contraditó‐
rias, a de ter um efeito de significado (um efeito “semântico”), de dispersar significa‐
dos  em  incontáveis  alternativas,  e  de  negar  qualquer  significado  específico.  Portanto 
não há base, no incessante jogo de diferenças que constitui qualquer idioma, para a‐
tribuir um significado decisivo, ou mesmo um conjunto finito de significados determi‐
nadamente  múltiplos  (que  ele  chama  “polissemia”),  a  qualquer  declaração  falada  ou 
escrita. (Derrida chama de “polissemia” o que William Empson chamava de “ambigui‐
dade”;  ver  ambiguidade.)  Como  Derrida  coloca  em  Writing  and  Difference  [Escrita  e 
diferença]: “A ausência de um significado transcendental estende o domínio e o jogo 
da significação ao infinito” (p. 280). 

4
 Termo (ou palavra) portmanteau: em linguística, uma palavra que combina o significado de 
duas outras (ou, raramente, mais de duas), e é formada pela combinação dessas palavras, ge‐
ralmente unindo a primeira parte de uma e a última parte da outra. [N. T.] 

17 
Muitos dos procedimentos céticos de Derrida tiveram influência especial na crítica 
literária  desconstrucionista.  Uma  foi  a  subversão  das  inúmeras  oposições  binárias  – 
tais como fala/escrita, natureza/cultura, verdade/erro, masculino/feminino – que são 
elementos  estruturais  essenciais  na  linguagem  logocêntrica.  Derrida  demonstra  que 
tais  oposições  constituem  uma  hierarquia  tácita,  na  qual  o  primeiro  termo  funciona 
como privilegiado e superior, e o segundo termo como derivativo e inferior. O proce‐
dimento de Derrida é inverter a hierarquia, ao demonstrar que se pode fazer parecer 
que o termo secundário é derivado do termo primário, ou é um caso especial deste; 
mas ao invés de parar nessa reversão, ele continua a desestabilizar as duas hierarqui‐
as, deixando‐as em condição de irresolução. (No âmbito da crítica literária desconstru‐
cionista, uma demonstração do tipo é inverter a oposição hierárquica padrão de litera‐
tura/crítica, para tornar a crítica primária e a literatura secundária, e com isso repre‐
sentar, com um conjunto irresolúvel de oposições, as asserções de que a crítica é uma 
espécie de literatura e que a literatura é uma espécie de crítica.) Uma segunda opera‐
ção influente no campo da crítica literária é a desconstrução por Derrida de qualquer 
tentativa de estabelecer uma margem ou limite seguramente determinado para uma 
obra textual, para poder diferenciar o que está “dentro” do que está “fora” da obra. 
Uma terceira operação é a análise de não‐logicidade inerente, ou “retoricidade” – isto 
é, a dependência inescapável de figuras retóricas e linguagem figurada – em todos os 
usos  da  língua,  incluindo  o  que  os  filósofos  tradicionalmente  afirmaram  serem  argu‐
mentos  estritamente  literais  e  lógicos  da  filosofia.  Derrida,  por  exemplo,  enfatiza  a 
dependência indispensável, em todos os modos de discurso, das metáforas que se su‐
põem  meros  substitutos  convenientes  para  significados  literais  ou  “apropriados”;  ele 
então encarrega‐se de demonstrar, por um lado, que metáforas não podem ser redu‐
zidas a significados literais, e, por outro, que os termos supostamente literais são eles 
mesmos metáforas cuja natureza metafórica foi esquecida. 
O procedimento característico de Derrida não é expor seus conceitos e operações 
desconstrucionistas  em  uma  demonstração  sistemática,  mas  permitir  que  eles  emer‐
jam em uma sequência de exemplos de leituras próximas de passagens de textos que 
vão  de  Platão,  passando  por  Jean‐Jacques  Rousseau,  até  nossa  época  –  textos  que, 
pela  classificação  padrão,  são  principalmente  filosóficos,  apesar  de  ocasionalmente 
literários. Ele descreve seu procedimento como uma “leitura dupla”. Quer dizer, inici‐
almente ele interpreta um texto como, na forma padrão, “lisible”5 (legível ou inteligí‐
vel), já que engendra “efeitos” de ter significados determinados. Mas essa leitura, a‐
firma Derrida, é apenas “provisória”, um estágio em direção a uma segunda, ou des‐
construcionista,  “leitura  crítica”,  que  dissemina  o  significado  provisório  numa  gama 
indefinida  de  significações  que,  ele  afirma,  sempre  envolvem  (num  termo  da  lógica) 

5
 Lisible: termo francês para “legível”. [N. T.] 

18 
uma  aporia  –  um  impasse  insuperável,  ou  “double  bind”6,  de  significados  incompatí‐
veis ou contraditórios que são “irresolúveis”, no sentido de que não temos bases sufi‐
cientes para escolher entre eles. O resultado, na interpretação de Derrida, é que cada 
texto desconstrói a si mesmo, ao sabotar suas próprias supostas bases e se dispersar 
em significados incoerentes de uma forma que, ele afirma, o leitor desconstrucionista 
não  inicia  e  nem  produz;  desconstrução  é  algo  que  simplesmente  “acontece”  numa 
leitura crítica. Derrida afirma, ainda, que não tem opção além de comunicar suas leitu‐
ras  desconstrucionistas  na  linguagem  logocêntrica  dominante,  por  isso  seus  textos 
interpretativos desconstroem a si mesmos no próprio ato de desconstruir os textos a 
que  se  dirigem.  Ele  insiste,  entretanto,  que  “desconstrução  não  tem  nada  a  ver  com 
destruição”,  e  que  todos  os  usos  padrão  da  linguagem  serão  inevitavelmente  manti‐
dos; o que ele empreende fazer, afirma, é meramente “situar” ou “reinscrever” qual‐
quer texto em um sistema de diferenças que demonstra a instabilidade dos efeitos aos 
quais o texto deve sua aparente inteligibilidade. 
Derrida  não  propôs  a  desconstrução  como  modalidade  de  crítica  literária,  mas 
como forma de ler todos os tipos de textos, para revelar e subverter as pressuposições 
metafísicas  tácitas  do  pensamento  ocidental.  Suas  opiniões  e  técnicas,  no  entanto, 
foram adotadas por críticos literários, especialmente nos EUA, que adaptaram a “leitu‐
ra crítica” de Derrida ao tipo de leitura próxima de textos literários em particular que 
anteriormente havia sido o procedimento familiar da Nova Crítica; eles o fazem, toda‐
via, como Paul de Man afirmou, de uma forma que revela que as leituras próximas da 
Nova Crítica “não eram próximas o suficiente”. Os resultados finais dos dois tipos de 
leitura  próxima  são  totalmente  diversos.  As  explicações  de  textos  pela  Nova  Crítica 
procuram  demonstrar  que  uma  grande  obra  literária,  nas  rigorosas  relações  internas 
de seus significados figurados e paradoxais, constitui uma entidade autônoma, limita‐
da e orgânica de significados múltiplos porém determinados. De forma contrária, uma 
leitura  próxima  radicalmente  desconstrucionista  procura  demonstrar  que  um  texto 
literário  não  tem  um  limite  “totalizado”  que  o  torne  uma  entidade,  e  muito  menos 
uma unidade orgânica; e também que o texto, por um jogo de forças internas, se dis‐
semina  em  uma  gama  de  indefinidas  significações  auto‐conflitantes.  Alguns  críticos 
desconstrucionistas  afirmam  que  o  texto  literário  é  superior  aos  não‐literários,  mas 
apenas porque, em razão de sua auto‐referencialidade, se mostra mais consciente das 
características  que  todos  os  textos  inescapavelmente  compartilham:  sua  ficcionalida‐
de, sua falta de bases genuínas, e especialmente sua aparente “retoricidade”, ou uso 
de técnicas metafóricas – características que tornam qualquer “leitura certa” ou “leitu‐
ra correta” de um texto impossível. 

6
 Double bind: um dilema no qual alguém recebe instruções contraditórias e não pode executar 
nenhuma delas. Nos textos em língua portuguesa essa expressão não costuma ser traduzida. [N. T.] 

19 
Paul de Man foi o mais inovador e influente dos críticos que aplicaram a descons‐
trução à leitura de textos literários. Nos textos posteriores de de Man, ele representou 
as forças conflitantes básicas de um texto sob o título de “gramática” (o código ou re‐
gras da linguagem) e “retórica” (o incontrolável jogo de figuras e tropos), e as alinhou a 
outras  forças  opostas,  tais  como  as  funções  linguísticas  “constativas”  e  “performati‐
vas” que foram identificadas por John Austin (ver teoria dos atos da fala). Em seu as‐
pecto  gramático,  a  linguagem  persistentemente  aspira  a  determinar  asserções  refe‐
renciais e logicamente ordenadas, as quais são persistentemente dispersadas pelo seu 
aspecto retórico em um conjunto aberto de possibilidades não‐referenciais e ilógicas. 
Um texto  literário, portanto, por necessidade interna diz um coisa e realiza outra, ou co‐
mo de Man alternativamente coloca a questão, um texto “simultaneamente afirma e nega 
a autoridade da sua própria forma retórica” (Allegories of Reading [Alegorias da leitura], 
1979, p. 17). O resultado inevitável, para a leitura crítica, é uma aporia de “possibilidades 
vertiginosas”. 
Barbara Johnson, ex‐aluna de de Man, aplicou as leituras desconstrucionistas não 
apenas  aos  textos  literários,  mas  aos  escritos  de  outros  críticos,  incluindo  o  próprio 
Derrida. Sua sucinta declaração sobre o objetivo e métodos de uma leitura desconstru‐
cionista é frequentemente citada: 
 
Desconstrução não é sinônimo de destruição... A des‐construção de um texto 
não é levada a cabo por dúvidas aleatórias ou subversão arbitrária, mas pela 
provocação cuidadosa das forças antagônicas de significação no próprio âm‐
bito do texto. Se qualquer coisa é destruída numa leitura desconstrucionista, 
não é o texto, mas a afirmação de dominação inequívoca de um modo de sig‐
nificação sobre outro. (The Critical Difference [A diferença crítica], 1980, p. 5) 
 
J. Hillis Miller, antes o maior representante norte‐americano da Escola de Geneva 
da crítica da consciência, é hoje o mais proeminente dos desconstrucionistas, conheci‐
do especialmente por sua aplicação desse tipo de leitura crítica à ficção em prosa. A 
declaração de Miller sobre sua prática crítica indica quão drástico pode ser o resultado 
da aplicação às obras literárias dos conceitos e técnicas que Derrida desenvolveu para 
desconstruir as bases da metafísica ocidental: 
 
A desconstrução como modo de interpretação se dá pela entrada cuidadosa e 
circunspecta em cada labirinto textual... O crítico desconstrucionista procura 
encontrar, por esse processo de reconstituição, o elemento do sistema estu‐
dado que é alegórico, o fio no texto em questão que irá desemaranhar tudo, 
ou  a  pedra  solta  que  desmoronará  a  construção  inteira.  A  desconstrução, 
mais precisamente, aniquila a fundação na qual o texto se erige ao mostrar 
que o texto já aniquilou essa fundação, consciente ou inconscientemente. A 

20 
desconstrução não é uma desmontagem da estrutura do texto, mas uma de‐
monstração de que ele mesmo já se desmontou. 
 
A  conclusão  de  Miller  é  que  qualquer  texto  literário,  enquanto  jogo  interminável  de 
significados  “irreconciliáveis”  e  “contraditórios”,  é  “indeterminável”  e  “irresolúvel”; 
portanto, que “todas as leituras são necessariamente leituras erradas.” (“Steven’s Rock 
and Criticism as Cure, II” [A pedra e crítica de Steven como cura], em Theory Then and 
Now [Teoria ontem e hoje], 1991, p. 126, e “Walter Pater: A Partial Portrait” [Walter 
Pater: um retrato parcial], Daedalus, Vol. 105, 1976.) 
Para outros aspectos das opiniões de Derrida, ver pós‐estruturalismo e remeter a 
Geoffrey  Bennington,  Jacques  Derrida  (1993).  Alguns  dos  principais  livros  de  Jacques 
Derrida  disponíveis  em  inglês,  com  as  datas  da  tradução  para  o  idioma,  são  Of  
Grammatology [Da gramatologia], traduzido e introduzido por Gayatri C. Spivak, 1976; 
Writing  and  Difference  [Escrita  e  diferença]  (1978);  e  Dissemination  [Disseminação] 
(1981). Uma antologia útil de seleções da obra de Derrida é A Derrida Reader: Between 
de Blinds [Uma leitura de Derrida: entre as cortinas], ed. Peggy Kamuf (1991). Acts of 
literature [Atos de literatura], ed. Derek Attridge (1992), é uma seleção das discussões 
de Derrida sobre textos literários. Uma introdução acessível às opiniões de Derrida é a 
edição de Gerald Graff sobre a notável disputa entre Derrida e John R. Searle acerca da 
teoria dos atos da fala de John Austin, intitulada Limited Inc. (1988); sobre essa disputa 
ver também Jonathan Culler, “Meaning and Iterability” [Significado e reiterabilidade], 
em On Deconstruction [Sobre a desconstrução] (1982). Livros que exemplificam tipos 
de crítica literária desconstrucionista: Paul de Man, Blindness and Insight [Cegueira e 
visão]  (1971),  e  Allegories  of  Reading  [Alegorias  da  leitura]  (1979);  Barbara  Johnson, 
The  Critical  Difference:  Essays  in  the  Contemporary  Rhetoric  of  Reading  [A  diferença 
crítica: ensaios sobre a retórica contemporânea da leitura] (1980), e A World of Diffe‐
rence  [Um  mundo  de  diferença]  (1987);  J.  Hillis  Miller,  Fiction  and  Repetition:  Seven 
English  Novels  [Ficção  e  repetição:  sete  romances  ingleses]  (1982),  The  Linguistic  
Moment:  From  Wordsworth  to  Stevens  [O  momento  linguístico:  de  Wordsworth  a  
Stevens] (1985), e Theory Then and Now [Teoria ontem e hoje] (1991); Cynthia Chase, 
Decomposing  Figures:  Rhetorical  Readings  in  the  Romantic  Tradition  [Figuras  em  de‐
composição: leituras retóricas na tradução romântica] (1986). Exposições da descons‐
trução  de  Derrida  e  das  aplicações  na  crítica  literária:  Geoffrey  Hartman,  Saving  the 
Text [Salvando o texto] (1981); Jonathan Culler, On Deconstruction [Sobre a descons‐
trução]  (1982);  Richard  Rorty,  “Philosophy  as  a  Kind  of  Writing”  [Filosofia  como  um 
tipo  de  escrita],  em  Consequences  of  Pragmatism  [Consequências  do  pragmatismo] 
(1982);  Michael  Ryan,  Marxism  and  Deconstruction  [Marxismo  e  desconstrução] 
(1982);  Mark  C.  Taylor,  ed.,  Deconstruction  in  Context  [Desconstrução  em  contexto] 
(1986); Christopher Norris, Paul de Man (1988). Dentre as muitas críticas sobre Derrida 
e  vários  praticantes  da  crítica  literária  desconstrucionista  estão  Terry  Eagleton,  The 

21 
Function of Criticism [A função da crítica] (1984); M. H. Abrams, “The Deconstructive 
Angel” [O anjo desconstrucionista], “How to Do Things with Texts” [Como fazer coisas 
com textos] e “Construing and Deconstructing” [Interpretando e desconstruindo], em 
Doing  Things  with  Texts  [Fazendo  coisas  com  textos]  (1989);  John  M.  Ellis,  Against  
Deconstruction  [Contra  a  desconstrução]  (1989);  Wendell  V.  Harris,  ed.,  Beyond  
Poststructuralism [Além do pós‐estruturalismo] (1996). 
 
 
Dialógica, Crítica  
 
A Crítica Dialógica é modelada a partir da teoria e técnicas de crítica do crítico so‐
viético Mikhail Bakhtin, que, apesar de ter publicado suas principais obras nas décadas 
de 1920 e 1930, permaneceu virtualmente desconhecido para o ocidente até a década 
de 1980, quando traduções de seus textos lhe deram uma ampla e rapidamente cres‐
cente  influência.  Para  Bakhtin  uma  obra  literária  não  é  (como  supõem  várias  teorias 
pós‐estruturalistas) um texto cujos significados são produzidos pelo jogo de forças lin‐
guísticas, econômicas ou culturais impessoais, e sim um local para a interação dialógica 
de  múltiplas  vozes,  ou  modos  de  discurso,  cada  um  dos  quais  não  é  meramente  um 
fenômeno  verbal,  mas  social,  e  como  tal  são  os  produtos  de  variados  determinantes 
que  são  específicos  a  uma  classe,  grupo  social  e  comunidade  de  fala.  O  discurso  de 
uma pessoa, composto de linguagens de diversos contextos sociais, não expressa uma 
individualidade pronta e autônoma; ao contrário, sua personalidade emerge no curso 
do diálogo e é composta de linguagens de diversos contextos sociais. Além disso, cada 
declaração, seja na via real ou representada na literatura, deve sua inflexão e significa‐
do  preciso  a  diversos  fatores  concomitantes  –  a  situação  social  específica  na  qual  é 
proferida, a relação de seu falante a um ouvinte real ou antecipado, e a relação às de‐
clarações anteriores às quais é (explícita ou implicitamente) uma resposta. 
O interesse principal de Bakhtin estava no romance, e especialmente nas formas 
como as vozes que constituem o texto de qualquer romance perturbam a autoridade a 
voz  única  do  autor.  Em  Problems  of  Dostoevsky’s  Poetics  [Problemas  da  poética  de 
Dostoevsky] (1929, trad. por Caryl Emerson, 1984), ele contrasta os romances mono‐
lógicos de escritores como Leo Tolstoy – que buscam subordinar as vozes de todos os 
personagens ao discurso autoritário e propósitos controladores do autor – com a for‐
ma dialógica (ou “forma polifônica”) dos romances de Fyodor Dostoevsky, nos quais os 
personagens são liberados para ter “uma pluralidade de vozes e consciências indepen‐
dentes e desassociadas, uma polifonia genuína de vozes inteiramente válidas”. Na vi‐
são  de  Bakhtin,  entretanto,  um  romance  nunca  pode  ser  totalmente  monológico,  já 
que  os  relatos  pelo  narrador  das  declarações  de  outro  personagem  são  inescapavel‐
mente  “duplamente  vocais”  (no  sentido  de  que  podemos  neles  distinguir  o  próprio 
acento  e  inflexão  do  autor),  e  nem  totalmente  dialógico  (já  que  o  discurso  do  autor 

22 
continuamente  reforça,  altera  ou  contesta  com  os  tipos  de  discurso  que  relata).  Em 
Rabelais and His World [Rabelais e seu mundo] (trad., 1984), Bakhtin propôs seu am‐
plamente citado conceito do carnavalesco em certas obras literárias. Essa forma literá‐
ria  paraleliza a zombaria da autoridade e a inversão de hierarquias sociais que, em muitas 
culturas,  são  permitidas  em  época  de  carnaval.  Realiza‐o  ao  introduzir  uma  mistura  de 
vozes de diversos níveis sociais que são livres para zombar e subverter a autoridade, afron‐
tar normas sociais de forma irreverente e mostrar várias formas de profanação do que é 
habitualmente considerado sacrossanto. Bakhtin traça a ocorrência do carnavalesco em 
autores antigos, medievais e renascentistas (especialmente em Rabelais); também afirma 
que a forma recorre posteriormente, especialmente no jogo de vozes irreverentes, paródi‐
cas e subversivas, nos romances de Dostoevsky, que são dialógicos e carnavalescos. 
Num  ensaio  sobre  “Discourse  in  the  Novel”  [O  discurso  no  romance]  (1934‐35), 
Bakhtin desenvolve seu conceito de que um romance é constituído pela multiplicidade 
de vozes sociais divergentes e contendoras que atingem sua significância total apenas 
no processo de interação dialógica entre si mesmas e com a voz do narrador. Bakhtin 
posiciona  explicitamente  sua  teoria  contra  a  Poetics  [Poética]  de  Aristóteles,  a  qual 
propôs que o componente primário das formas narrativas é uma trama que evolui coe‐
rentemente de seu início até um fim no qual todas as complicações são resolvidas (ver 
trama). Em vez disso, Bakhtin eleva o discurso (equivalente ao elemento subordinado 
da dicção, em Aristóteles) à posição de componente primário da obra narrativa; e des‐
creve o discurso como uma mistura de vozes, atitudes sociais e valores que não apenas 
estão opostos, mas são irreconciliáveis, e como resultado a obra permanece irresoluta 
e aberta. Apesar de ter escrito durante o regime stalinista na Rússia, o conceito libertá‐
rio  e  aberto  de  Bakhtin  da  narrativa  literária  é  obviamente,  contudo  tacitamente,  o‐
posto à versão soviética da crítica marxista, que enfatiza a forma com que um romance 
ou reflete ou distorce a verdadeira realidade social, ou expressa uma única ideologia 
dominante,  ou  deveria  exemplificar  um  “realismo  social”  que  esteja  de  acordo  com 
uma  linha  autoritária  do  partido.  Ver  crítica  marxista  e,  para  uma  discussão  do  pro‐
blema complexo do relacionamento de Bakhtin com a crítica literária marxista e sovié‐
tica, Simon Dentith, Bakhtinian Thought: An Introduction Reader [Pensamento bakhti‐
niano: uma leitura introdutória] (1995), pp. 8‐21.  
As teorias de Bakhtin têm sido, em parte e de formas diversas, incorporadas por 
representantes de vários tipos de teoria e prática críticas, tanto tradicionais como pós‐
estruturalistas.  Entre  os  estudiosos  contemporâneos  da  literatura,  aqueles  que  são 
identificados especificamente como “críticos dialógicos” seguem o exemplo de Bakhtin 
ao propor que o componente primário na constituição das obras narrativas, ou da lite‐
ratura em geral – e igualmente da cultura geral – é uma pluralidade de vozes sociais 
contendoras  e  mutuamente  qualificativas,  sem  a  possibilidade  de  alcançar  por  uma 
resolução  decisiva  a  verdade  monológica.  Auto‐reflexivamente,  um  crítico  dialógico 
minucioso, de acordo com a própria opinião de Bakhtin, considera seus próprios textos 

23 
críticos simplesmente uma voz entre muitas na contenda de teorias e práticas críticas, que 
coexistem  numa  tensão  constante  de  oposição  e  definição  mútua.  Don  Bialostosky,  um 
dos principais porta‐vozes da crítica dialógica, deu voz ao raciocínio e ideal da corrente:  
 
Como prática auto‐consciente, a crítica dialógica transforma seu envolvimen‐
to inescapável com outras vozes em um programa de articulação de si mesma 
com todas as outras vozes da disciplina, a cultura, ou o mundo de culturas ao 
qual se torna responsável... Nem um relativismo viva‐e‐deixe‐viver, e nem um 
autoritarismo  resolver‐de‐uma‐vez‐por‐todas,  mas  uma  dialogismo  estrênuo 
e aberto as manteria dialogando consigo mesmas e umas com as outras, des‐
cobrindo suas finidades sem se acomodar nelas e esclarecendo suas diferen‐
ças sem resolvê‐las. (“Dialogic Criticism” [Crítica Dialógica], em G. Douglas At‐
kins e Laura Morrow, eds., Contemporary Literary Theory [Teoria literária con‐
temporânea], 1989, pp. 223‐24) 
 
Ver o empreendimento crítico relacionado chamado análise do discurso; e em a‐
créscimo aos textos mencionados anteriormente, remeter a The Dialogic Imagination 
[A imaginação dialógica], ed. Michael Holquist (1981), e Speech Genres and Other Late 
Essays  [Gêneros  do  discurso  e  outros  ensaios  posteriores],  ed.  Caryl  Emerson  e  
Michael Holquist (1986), ambos da autoria de Mikhail Bakhtin. Sobre a vida e posições 
intelectuais  de  Bakhtin,  com  atenção  ao  problema  da  identificação  de  textos  que  
Bakhtin publicou sob os nomes de vários de seus colegas, ver Katerina Clark e Michael 
Holquist, Mikhail Bakhtin (1984), e Gary Saul Morson e Caryl Emerson, Mikhail Bakhtin: 
Creation of a Poetics [Mikhail Bakhtin: criação de uma poética] (1990). Uma exposição 
inicial  influente  que  divulgou  as  ideias  de  Bakhtin  no  ocidente  foi  Tzvetan  Todorov, 
Mikhail Bakhtin: The Dialogical Principle [Mikhail Bakhtin: o princípio dialógico] (1984); 
um  livro  posterior  que  descreve  a  ampla  disseminação  dessas  ideias  é  After  Bakhtin 
[Depois de Bakhtin] (1990), de David Lodge; e uma aplicação recente da crítica dialógi‐
ca  é  Don  H.  Bialostosky,  Wordsworth,  Dialogics,  and  the  Practice  of  Criticism  
[Wordsworth, dialógica e a prática da crítica] (1992). Para uma visão crítica das afirma‐
ções de Bakhtin, ver René Wellek, A History of Modern Criticism 1750‐1950 [Uma his‐
tória da crítica moderna 1750‐1950], vol. 7 (1991), pp. 354‐71. 
 

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