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Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Humanas


Pedagogia para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Simone Chaves de Mattos

IMPORTÂNCIA DA LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS NAS


SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Pirai
2006
Simone Chaves de Mattos

IMPORTÂNCIA DA LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS NAS


SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Monografia apresentada ao Curso de


Pedagogia para os Anos Iniciais do Ensino
Fundamental (PAIEF) do Centro de Ciências
Humanas da UNIRIO, como requisito para
obtenção do grau de Pedagogo, orientada pela
professora
Maristela Botelho França

Pirai
2006
Simone Chaves de Mattos

Importância da Língua Brasileira de Sinais nas séries iniciais


do Ensino Fundamental

Avaliado por:

Prof.ª Drª. Maristela Botelho França


Orientadora

Prof.º Ms. Augusto Maia


Responsável pela disciplina de PPPIV

Prof.º Dr.º Adilson Florentino


Coordenador do curso

Data da defesa: 03 / 03 / 2007

Piraí
2006
DEDICATÓRIA

Ao meu filho, pela paciência.

A minha querida mãe, pelo apoio.

Aos meus alunos, por me ajudarem a


encontrar a verdadeira realização
profissional.
AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Maristela Botelho França, pelas sábias orientações.


Aos queridos professores do curso de Pedagogia da UNIRIO
Aos tutores presencias do Pólo de Piraí e à distância (PAIEF), meu muitíssimo obrigado.
Aos profissionais do pólo de Piraí, em especial a querida e adorada Cleuma.
As colegas do curso de Pedagogia – Pólo de Piraí / 2003.
À minha família, pela paciência, quando estava de mau humor.
Ao meu filho Patrick, por não deixar de me amar.
Ao Nédio, por me fazer sentir tão bem!
Aos amigos que fiz durante esses anos, Danielle, Iara, Simone Gomes, Marisol, Mª.
Alzira, Vera e Shirley... valeu e muito!!
Aos meus alunos surdos, meu muito obrigado, pela oportunidade de me realizar
profissionalmente.
EPÍGRAFE

“Todo fenômeno que funciona como signo


ideológico tem uma encarnação material,
seja como som, massa física, cor,
movimento do corpo ou outra coisa
qualquer.”

Bakhtin
RESUMO

Esta é uma monografia que sintetiza uma pesquisa bibliográfica a partir da


qual se buscou mostrar a importância do ensino da língua brasileira de sinais nas
séries iniciais do ensino fundamental, em turmas que reúnem alunos surdos e
ouvintes, como meio para inclusão escolar e social do portador de deficiência
auditiva. Nosso assunto de pesquisa foi tratado a partir da definição de correntes e
conceitos considerados essenciais para a compreensão e transformação do
problema vivido hoje em escolas brasileiras: como lidar com a realidade dessas
turmas onde se faz necessário o domínio de diferentes linguagens. Assim, visamos
a definição de surdez, de educação bilíngüe, revisamos as noções pertinentes no
interior da corrente sociointeracionista de aprendizagem, considerando também
importante discutir o conceito de trabalho em grupo. A apresentação e discussão
desse tema evidenciaram a necessidade de a professora do ensino fundamental
apoiar-se em conceitos que possam ser transformados em instrumentos de ação e
transformação com vistas a desenvolver seu oficio de ensinar. Defendemos o ponto
de vista de uma educação bilíngüe, a partir da qual a surdez é considerada como
diferença e não como deficiência.

Palavras-chave:
Definição de surdez; Bilingüismo; Sociointeracionismo.
SUMÁRIO

1. Introdução 9

2. Conhecendo a surdez 11
• 2.1 - Conhecendo um pouco mais...sobre a trajetória histórica do
indivíduo surdo
• 2.2 – Diferentes concepções sobre surdez e deficiência auditiva

3. Conhecendo o Bilingüismo 16

4. Sociointeracionismo e surdez 20

5. Considerações Finais 27

Referências bibliográficas 30

-9-
1. INTRODUÇÃO

A passagem do surdo pela escola encontra alguns obstáculos impostos por


professores e dirigentes. Obstáculos estes impostos pela falta de informação sobre “o que
é surdez” e conseqüentemente sobre como lidar com os portadores de deficiência
auditiva. A partir dessa constatação e da minha experiência pedagógica com surdos,
surgiu a idéia de discutir a importância do ensino da Língua de Sinais nas séries iniciais
do ensino fundamental, como ferramenta essencial para inclusão social e escolar do
portador de deficiência auditiva.
A escola onde atuo começou a receber alunos surdos a partir do momento em que
a escola especial onde estudavam não mais supria suas necessidades de formação,
indicando-lhes que precisavam “ganhar o mundo”, expandir seus conhecimentos. Apesar
de que em nossa escola não houvesse professores especializados, havia boa vontade da
direção em conviver com o universo surdo e conhecer sua linguagem, sua primeira forma
de se comunicar. Todos os alunos surdos da escola especial da APAE – Barra do Piraí/RJ
- foram naquele momento recebidos por nós, com o compromisso de que contaríamos,
para desenvolver nosso trabalho de ensinar, com o apoio especializado dos professores
que lá lecionavam. Foi assim, então, que tudo começou..., ou seja, a problemática que
nos motivou a constituir o tema de nossa monografia.
Nossa equipe organizou o alunado de 1ª e 2ª séries em duas turmas mistas
(surdos e ouvintes) com base nos pressupostos constituintes de uma prática de educação
bilíngüe (Língua portuguesa e Língua de sinais), sobre os quais ainda não havia ainda
tido uma apropriação total de nossa parte, o que constituiu um dos objetivos deste estudo
(sobre o qual nos deteremos no segundo capitulo deste texto). O atendimento clínico
fonoaudiológico e pedagógico permaneceria a cargo da instituição especializada em
atender portadores de necessidades especiais.

- 10 -
A partir dessa integração bilateral (surdos x ouvintes), enquanto uma das
professoras responsáveis por uma das turmas, deparei-me com um problema: a falta de
ferramentas conceituais e técnicas para realizar meu oficio de professora em turmas
mistas. O apoio oferecido pelos professores da escola especializada foi importante para
reconhecer a importância de se integrar no processo de ensino as duas Línguas
(Portuguesa e de Sinais), efetivando a integração e a comunicação entre surdos e
ouvintes. Porém, como transformar esse preceito em atividade pratica? Qual seria a
importância do trabalho coletivo de ensino em turmas mistas? Que estratégias
comunicativas e metacomunicativas poderiam ser utilizadas na interação entre o
professor com seus alunos surdos e destes com colegas ouvintes no contexto da sala de
aula?
Essas questões, para as quais não pretendemos trazer respostas no âmbito deste
texto, foram a fonte para o desenvolvimento da pesquisa bibliografia que deu origem a
esta monografia. As considerações trazidas, portanto, neste texto, embora não
apresentem uma pesquisa de campo, refletem a necessidade de encontrar recursos
teóricos para desenvolver minha experiência como educadora em uma turma mista
composta de 11 alunos (7 surdos e 4 ouvintes) de uma escola municipal.
Nosso principal objetivo é discutir e enfatizar a importância do ensino da língua
brasileira de sinais nas séries iniciais do ensino fundamental, em turmas que reúnem
alunos surdos e ouvintes, como meio efetivo a inclusão escolar e social do portador de
deficiência auditiva.
Com essa finalidade, nosso assunto de pesquisa será tratado a partir da definição
de correntes e conceitos considerados essenciais para o desenvolvimento do oficio de
ensinar daqueles que se deparam com um desafio como o que nos deparamos: turmas
mistas de crianças surdas e ouvintes. Assim, nosso texto está dividido em cinco partes
compostas desta introdução, três capítulos teóricos e as considerações finais. Logo a
seguir a esta introdução, trazemos no primeiro capítulo a definição de surdez (Harrison,
2006). No segundo, apresentamos e discutimos o conceito de educação bilíngüe
(Sacks,1989; Sanches,1993; Rocha-Coutinho,1986). No terceiro, consideramos
essenciais abordar as noções que norteiam o interior da corrente sociointeracionista de
aprendizagem (Bakhtin1990; Vygostky,1989).

- 11 -
1. Conhecendo a surdez

Ao se deparar com um individuo surdo, certamente já deve ter se questionado


sobre o que significa ser surdo? Ser pouco inteligente? Ser mudo? Ter problemas de
comunicação? Usar as mãos para se comunicar? O que de fato existe, na realidade
relativa à surdez?

Os questionamentos e as discussões sobre a surdez, no que tange à nossa


pesquisa, se deram a partir da constatação da existência de diferentes concepções que
se refletem na própria escolha do uso de palavras como “surdez” ou “deficiência auditiva”,
o que nos levou a procurar e contextualizar historicamente a origem dessa diferença.

Os pontos de vista sobre surdez variam de acordo com as diferentes épocas e os


grupos sociais no qual são concebidos. Essas representações deram origem a diversas
práticas sociais, que limitará ou ampliará o universo de possibilidades de exercício de
cidadania dos indivíduos surdos.

A inserção no universo da surdez se dá através do estudo e de atividades


desenvolvidas por profissionais das áreas de saúde e da educação, sendo necessário,
integrar a esse universo o contexto de leitores de outras áreas, explicitando, de forma
clara e sucinta, as concepções envolvidas em relação às deficiências específicas à
surdez.

De acordo com o artigo 3º do Decreto nº3.298, de 20 de dezembro de 1999, nos


incisos I, II, III, considera-se:

Deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,


fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho da atividade, dentro
do padrão considerado normal para o ser humano;

Deficiência permanente – aquela que ocorreu e se estabilizou durante um período


de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere,
apesar de novos tratamentos;
- 12 -

Incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração


social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais
para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações
necessárias ao seu bem estar e ao desenvolvimento de função ou atividade a ser
exercida.

O indivíduo surdo se enquadra nessas três categorias, pois possui uma


anormalidade de uma estrutura anatômica (na maioria dos casos na orelha interna) e
fisiológica (na recepção dos estímulos sonoros). As perdas auditivas são permanentes, na
grande maioria dos casos, e sua condição de surdo não se alterará, mesmo que use
aparelhos auditivos, fale bem ou faça uma cirurgia de implante coclear* , porque, ao ter o
equipamento desligado, a perda persiste. Pode ter uma redução mais ou menos
acentuada de integração social, caso não sejam consideradas suas necessidades de
“receber e transmitir informações necessárias ao seu bem estar e ao desenvolvimento de
função ou atividade a ser exercida” (inciso III) por meios acessíveis como, o uso da
legenda nos cinemas (mesmo para os filmes nacionais) e nos programas de TV ou o
respeito ao direito a um intérprete de LIBRAS.
No contexto de nosso trabalho, o indivíduo com perda auditiva ou surdo, é
considerado como um indivíduo capaz, inteligente, produtivo, com habilidades lingüísticas
e cognitivas, sendo respeitado dentro de suas limitações e com direito as adequações
necessárias para que possa obter o sucesso esperado por qualquer indivíduo, tanto na
área educacional quanto na social.
A questão da integração social nos leva a refletir sobre questões que nos cercam
como o confronto com o etnocentrismo dos ouvintes e oralistas que posicionaram os
surdos na condição de silenciados, excluídos de voz e direito, excluídos da fruição cultural
de suas produções, materiais, simbólicas, com a desconstrução e desconsideração de
sua autonomia, por desconsiderarem sua natureza comunitária e de minoria lingüística.

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* implante coclear – é um aparelho que oferece informação sonora a indivíduos com perda auditiva
profunda dos dois lados que poderá ajudar na comunicação. O implante exerce sua função através da
estimulação elétrica direta das fibras do nervo auditivo por eletrodos em pacientes onde o ouvido interno
está danificado
- 13 -
1.1 Conhecendo um pouco mais... sobre a trajetória histórica do
indivíduo surdo

Ao refletir sobre a problemática que envolve a integração social dos surdos na


sociedade farei uma breve retomada da história da educação oferecida aos surdos em
tempos passados e atuais, o que nos permiti discutir os rumos da educação que nos
levem a uma proposta que considere a surdez como diferença e a língua de sinais como
fundamental. Iniciarei a abordagem histórica, destacando algumas contribuições do
trabalho de Moura (2000) e de Sánchez (1990).
Ao apresentar a história da educação de surdos, Sánchez localiza as mudanças
que ocorrem na visão da surdez no período que compreende o século XVI e o XVIII,
englobando a fase do “Grande Aprisionamento”. Antes desse período, quando se falava
de educação de surdos, se falava em preceptorado (professor contratado por famílias
nobres ou abastadas, que era responsável pelos estudos de seus filhos e que com eles
permanecia em todos os momentos do dia), que era adotado pelas famílias ricas da
Europa (Moura/2000). Não havia escolas para surdos e esses professores não
distinguiam entre produções orais, escritas ou sinalizadas. O objetivo era tornar os filhos
surdos de famílias ricas capazes de ler, escrever e poder herdar os bens familiares. A
oralidade não era a meta, mas tornar o surdo capaz de gerir os negócios familiares. Com
o fim do feudalismo e início da industrialização, massas de desocupados ameaçavam
invadir as cidades, ao mesmo tempo em que não estavam capacitadas a entrar no
mercado de trabalho oferecido pelas indústrias. O estado tomou para si o encargo desses
inadaptados, realizando procedimentos institucionais com o objetivo de manter a ordem
pública. Respaldado pelos conhecimentos das ciências sociais, transferiu a execução
desse plano ao âmbito dos profissionais especialistas, criando estabelecimentos
especializados, como asilos, hospitais e prisões. A partir dessa concepção, loucos,
deficientes mentais, mendigos, camponeses sem trabalho, ladrões, vagabundos, alguns
desafetos políticos e também os surdos, foram segregados, por não combinarem com o
sistema vigente, por serem considerados improdutivos.
Ao tentar incorporar os indivíduos considerados incapazes ao contexto produtivo da
sociedade, o objetivo não era a transmissão de conhecimentos e de valores da cultura,
mas sim, a correção do problema, uma educação corretiva, ou ortopédica. Assim o
- 14 -
treinamento da fala passa a ser o meio e o fim da educação do surdo, com vistas ao
resgate de sua condição de ser produtivo.

1.2 Diferentes concepções sobre surdez e deficiência auditiva

Ao situar socialmente e academicamente os surdos desde essa época, deparei


com uma cisão, que, nos nossos dias, se encontra representada por duas concepções
antagônicas, conflituosas e bem definidas, traduzindo os diversos conhecimentos sobre
surdez, o indivíduo surdo e sua educação. Essas concepções podem ser definidas como
concepção clínico-patológica (ou também conhecida, como clínico-terapêutica) e
concepção sociocultural de surdez.
A concepção clínico-patológica parte do princípio de que o indivíduo com perda
auditiva, o deficiente auditivo, tem um problema: a perda da audição, uma patologia, que
necessita ser curada, ou compensada. Essa concepção se baseia na tentativa de fazer
com que o deficiente auditivo possa se desenvolver de maneira mais próxima ao padrão
da normalidade, ou seja, das pessoas ouvintes e falantes. Para atingir esse padrão de
normalidade, utilizá-se vários meios, como equipamentos eletrônicos que amplificam o
som através dos aparelhos auditivos ou implantes cocleares (colocados cirugicamente),
treinamento da audição com uso da amplificação e da fala.
O uso da Língua de Sinais e o convívio com outros deficientes auditivos, (retirar a
virgula) não são estimulados, por não serem considerados modelos adequados à
normalidade. A escolaridade preferencial, nessa linha de ação, é aquela da escola
regular, efetivando-se a inclusão escolar, integrando o indivíduo surdo na sociedade como
parte dos ouvintes. Nesse caso, subordina-se o processo ensino-aprendizagem ao
aprendizado da linguagem oral.
A concepção sociocultural parte do princípio da surdez como diferença, e não como
deficiência. A perda auditiva não é vista como um problema, mas como uma experiência
visual que traz aos surdos a possibilidade de construir sua subjetividade por meio de
experiências cognitivo-lingüísticas diversas, mediadas por formas alternativas de
comunicação simbólica, que encontram na Língua de Sinais seu principal meio de
concretização. A surdez é uma realidade heterogênea e multifacetada, em que cada
indivíduo surdo é único, pois sua identidade se constituirá a partir das experiências
- 15 -
socioculturais que compartilhou ao longo de sua vida, o que pressupõe ser um sujeito
surdo capaz de viver uma sociedade ouvinte.
A partir desse pressuposto, a potencialidade das pessoas surdas nos sinaliza que o
sistema educacional deve oferecer condições para que elas se tornem indivíduos
bilíngües, ativos ou receptivos, com a língua portuguesa sendo trabalhada como segunda
língua, na modalidade escrita, e oralmente, de acordo com as possibilidades de cada
indivíduo surdo. O objetivo maior é o convívio com os dois mundos, o da sociedade
ouvinte e o da comunidade surda, como indivíduo surdo. Optar por uma proposta bilíngüe
de educação de surdos, é oportunizar uma educação em que desde de pequena, a
criança surda seja exposta à língua de sinais como sua primeira língua, tomando a língua
de sinais como língua de instrução, na qual a surdez seja apresentada aos alunos e
discutida em todos os momentos possíveis, em relação a cada aluno e à sociedade.
A seguir, será desenvolvido um estudo sobre o Bilingüismo e sua importância na
educação de surdos e na constituição de uma comunidade, com cultura e língua próprias.
- 16 -

2. Conhecendo o Bilingüismo

O bilingüismo pressupõe basicamente que o surdo deve ser bilíngüe, isto é, deva
adquirir como língua materna à língua de sinais, que é considerada a língua natural dos
surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país, no nosso caso, a língua
portuguesa.

Alguns autores ligados ao bilingüismo vêem o surdo de forma diferente dos autores
oralistas** e da Comunicação Total***. Para os bilingüistas, o surdo não necessita almejar
uma vida semelhante ao do ouvinte, devendo aceitar e assumir sua surdez.

O conceito que a filosofia bilíngüe traz de mais importante é a de que os surdos


formam uma comunidade, com cultura e língua próprias. Essa filosofia rejeita o
pensamento de que o surdo deve, a todo custo, se apropriar da modalidade oral da língua
para poder se aproximar ao máximo possível do padrão da normalidade. Com isso, não é
apropriado afirmar que a filosofia bilíngüe rejeite a importância da aprendizagem da
língua oral para o surdo, ao contrário, este aprendizado é bastante desejado, porém não é
percebido como o único objetivo educacional do surdo, muito menos como uma
possibilidade de minimizar as diferenças causadas pela surdez.

A principal questão para o bilingüismo é a Surdez e não a surdez, como trata Sacks
(1989), respeitando a nomenclatura da comunidade surda americana, utiliza o termo
Surdez (com s maiúsculo) para designar um grupo lingüístico e cultural e o termo surdez

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** oralistas – filosofia que almeja a integração do indivíduo surdo a comunidade ouvinte, com a
condição de desenvolver a língua oral.
***comunicação total – filosofia que se preocupa com os processos comunicativos entre surdos e
surdos e entre surdos e ouvintes
- 17 -
(com s minúsculo) para designar a condição física, a falta de audição, ou seja, os estudos
do bilingüismo se preocupam em entender o Surdo, suas particularidades, sua língua (a
língua de sinais), sua cultura e a forma singular de pensar, agir etc. e não somente os
aspectos biológicos ligado à surdez.
Não há uma unanimidade entre os profissionais bilingüistas em relação às
teorias psicológicas e lingüísticas adotadas. Há diversas pesquisas baseadas no
Gerativismo (Chomsky) e também várias pesquisas baseadas no sociointeracionismo
(principalmente Vygotsky).
Nas questões educacionais, os profissionais também não são unânimes, há
diversas maneiras de aplicar o bilingüismo em escolas e clínicas especializadas.
Porém, há duas maneiras diferentes de definir a filosofia bilíngüe. A primeira
acredita que a criança surda deve adquirir a língua de sinais e a modalidade oral da
língua de seu país, sendo que posteriormente a criança deverá ser alfabetizada na língua
oficial de seu país.
Autores como Sanches (1993) acreditam na necessidade do indivíduo surdo
adquirir a língua de sinais e a língua oficial de seu país, porém, apenas na modalidade
escrita e não na oral.
Na aquisição da linguagem, o bilingüismo afirma que a criança surda deve adquirir,
como língua materna, a língua de sinais. A aquisição da língua materna deve ocorrer,
preferencialmente, pelo convívio da criança surda com outros surdos mais velhos, que
conseqüentemente dominem a língua de sinais.
Estudos apontam que mais de 90% dos surdos têm família ouvinte e para que a
criança obtenha sucesso na aquisição da língua de sinais, é necessário que a família
também aprenda a língua de sinais para que a criança possa utilizá-la em sua plenitude
para comunicar-se em casa.
Geralmente, a língua da família da criança surda, (retirar a virgula) é a língua oral,
que seria a segunda língua desta criança, que necessita de um atendimento específico
para que possa adquirir essa língua. Essa aquisição, ao contrário da língua de sinais, é
lenta, pois existem muitas dificuldades em um surdo aprender uma língua oral, já que
envolve recursos orais auditivos, que são bloqueados pela sua perda auditiva.
Alguns autores acreditam que a língua oral, apesar de necessária para vida do
indivíduo surdo, nunca será perfeitamente dominada por ele, sendo sempre uma língua
- 18 -
estranha, que não atende a todas as suas necessidades, com isso, não poderá ser sua
língua materna.
A este respeito, Rocha-Coutinho (1986) considera que:

Um deficiente auditivo não pode adquirir uma língua falada como língua nativa porque ele
não tem acesso a um sistema de monitoria que forneça um feedback constante para sua
fala. A língua falada sempre será um fenômeno estranho para o deficiente auditivo, nunca
algo natural. Os deficientes auditivos, provavelmente experimentam um grau considerável
de ansiedade ao usar a língua oral porque eles não têm nenhuma forma de controlar a
propriedade técnica e social da sua fala, exceto através de movimentos labiais e da reação
das pessoas a sua fala. O deficiente auditivo apesar de contar com expressões faciais e
movimentos corporais, não possui uma das mais ricas fontes de informação da língua oral:
monitorar sua própria fala e elaborar sutilezas através da entonação, volume de voz
hesitação, assim como extrair da produção de seu interlocutor sutilezas através da
entonação, volume de voz, etc. (pp. 79 – 80)

A língua de sinais é a única língua que o indivíduo surdo poderá dominar


plenamente, servindo para todas as suas necessidades de comunicação e
cognitivas.
A criança surda que não for exposta à língua de sinais desde seus primeiros
anos de vida sofrerá várias conseqüências, como afirma Brito (1993). São elas:

a) Este (o surdo) perde a oportunidade de usar a linguagem, senão o mais importante, pelo menos
um dos principais instrumentos para a solução de tarefas que se lhe apresentam no
desenvolvimento da ação inteligente;
b) o surdo não há de recorrer ao planejamento para solução de problemas;
c) não supera a ação impulsiva;
d) não adquire independência da situação visual concreta;
e) não controla seu próprio comportamento e o ambiente;
f) não se socializa adequadamente. (p. 41)

Existe uma lacuna entre a quantidade de pesquisas sobre o bilingüismo e a língua


de sinais que vem sendo realizadas no Brasil e a utilização do bilingüismo, pois na
prática, ainda não houve implantação dessa orientação. Não há intérpretes em locais
necessários como hospitais, repartições públicas, além de existirem poucos
programas de TV em língua de sinais.
Ao analisar à educação pública, percebi que é muito raro encontrarmos escolas
que utilizem a língua de sinais em sala de aula. Atualmente em meu município,
existem alunos surdos, matriculados no Ens. Fundamental (2º ciclo/5ª a 8ª série) que
evadiram, pois o que acontecia era que os alunos conversavam entre si pela língua
- 19 -
de sinais, mas as aulas eram ministradas em português por professores ouvintes que
não dominam a LIBRAS, o impossibilita a compreensão por parte dos alunos. Porém,
o pior é que grande parte dos surdos brasileiros e seus familiares nem sequer
conhecem a língua de sinais. Existem muitas crianças, adolescentes e até adultos
surdos que não participam da comunidade surda, não utilizam a língua de sinais e
também não dominam a língua oral.
Para finalizar, é importante que fique claro, que o bilingüismo tem grande mérito em
divulgar e estimular a utilização de uma língua que pode ser adquirida
espontaneamente pelos surdos, a língua de sinais, bem como sua cultura. Somente
pela exposição a essa língua, a criança surda pode desenvolver-se lingüística e
cognitivamente sem dificuldades.
No sentido de elaborar um embasamento teórico adequado, será desenvolvido a
seguir um estudo sobre a teoria sociointeracionista e suas correlações com a surdez e
as conseqüências do atraso de linguagem.
- 20 -
3. Sociointeracionismo e surdez

Alguns autores, pesquisadores e estudiosos da área de surdez afirmam que a


criança surda sofre um atraso de linguagem, pois a aquisição de uma língua é quase
sempre tardia, tendo em conseqüência deste atraso problemas emocionais, sociais e
cognitivos.
Considerando que o atraso de linguagem causa danos sociais, emocionais e
cognitivos, estes estudos dão indícios implícitos, que utilizam um conceito de linguagem
mais amplo, abrangendo além da função comunicativa também a função de organização
do pensamento, assumindo um papel essencial ao desenvolvimento cognitivo.
A abordagem que estuda a linguagem sob uma ótica social refletindo sua influência
no desenvolvimento cognitivo do indivíduo é a psicologia sociointeracionista, representada
principalmente por autores russos, como Vygotsky e o semiólogo Bakhtin. Vygotsky
baseou-se em estudos sobre a relação entre pensamento e linguagem, percebendo que
deveria estudar estas funções em suas origens. Além das relações entre pensamento e
linguagem, Vygotsky e seus discípulos levaram em conta estudos de questões sobre o
significado e o sentido das palavras, aquisição de linguagem, a formação de conceitos, a
relação entre desenvolvimento e aprendizagem, o processo das brincadeiras nas
crianças, e também o desenvolvimento de crianças deficientes, inclusive nas crianças
surdas, levando em consideração a influência da situação socioeconômica sobre o
indivíduo.
Bakhtin apesar de não estudar diretamente as crianças, como fez Vygotsky, seus
estudos são de grande valor para o estudo do atraso de linguagem, nos trazendo uma
clara noção da relação dialética entre a ideologia e o psiquismo, ele nos mostra o quanto
o indivíduo é formado valendo-se do contexto social (ideológico) no qual está inserido. Ele
também nos deixa claro o papel do meio social e da língua e a importância das interações
verbais e do diálogo na constituição da consciência humana, além de abordar também as
diferenças culturais que são refletidas nas línguas e o poder que estas podem exercem
na exploração sobre indivíduos de classe socioeconômicas mais baixas. Finalizando seus
estudos sobre esta questão, ele aborda as noções de tema e significação e explica a
necessidade de estudar os aspectos lingüísticos baseado em diálogos em seu contexto
social, pois só no contexto social as palavras ganham sentido.
- 21 -
Estas noções oferecidas por Bakhtin nos levam a questões extremamente
complexas no estudo da aquisição da linguagem de crianças surdas, modificando uma
visão mais estática de língua, isolada de seu contexto social, que ainda é muito utilizada
no estudo da surdez.
A filosofia oralista em suas idéias deixa transparecer em alguns momentos uma
visão de língua como uma criação individual e análoga à criação artística, desvalorizando
o que é produzido socialmente, pois desconsidera a importância das relações
interpessoais e do contexto social no trabalho de aquisição da linguagem de crianças
surdas.
O objeto de estudo sobre aquisição de linguagem deve, então, ser deslocado do
interior da criança surda para suas relações interpessoais e para o meio social da qual ela
participa.
Bakhtin, ao contrário do que esta no pressuposto da filosofia oralista, partiu da
razão dialógica, enfatizando a relação entre o psiquismo que é individual e a ideologia que
é social, concluindo que elas são inseparáveis. No desenvolvimento do indivíduo, a
ideologia é internalizada construindo sua consciência individual. O indivíduo atua na
sociedade com suas marcas individuais, porém estas marcas têm sua origem no meio
social.
A partir destas afirmações, Bakhtin rompe o clássico par individual/social. Estes
dois conceitos estão entrelaçados em sua origem e tão interdependentes que a visão de
oposição torna-se impossível. O indivíduo se forma com base em suas relações sociais,
utilizando para tal a linguagem e os signos tanto para comunicar-se em diálogos como
para pensar (diálogo interior). Com isso, os indivíduos em conjunto modificam o meio
social do qual participam, pois são sujeitos ativos. È uma relação de mútua dependência.
Sem o meio social não há consciência individual e sem os indivíduos não há sociedade. E
isto não se altera em relação ao indivíduo surdo.
A ideologia (valores sociais) e o psiquismo (características individuais) são
inseparáveis, e os signos agem como mediadores dessa relação, pois não é a realidade
material que é internalizada pelo indivíduo e sim suas simbolizações.
Bakhtin afirma que sem signo não há consciência. É com base nos signos que
ocorrem as relações sociais e que se constitui a consciência.
Este tipo de afirmação nos leva novamente à questão da surdez e do atraso de
linguagem. Podemos nos questionar como ocorre o desenvolvimento da consciência nos
- 22 -
surdos que não têm acesso à língua de sua comunidade, já que, segundo Bakhtin, os
signos são essenciais para constituição da consciência.
Completando esse questionamento podemos refletir sobre uma citação de Bakhtin:

“Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como
som, massa física, cor, movimento do corpo ou outra coisa qualquer.(1990, p.33)”

Com isso, podemos entender que não é apenas a fala oral ou a língua auditiva-oral
o único meio de utilização dos signos. Qualquer meio, seja visual, auditivo ou outro, serve
com igual eficácia como meio de utilização de signos. Sendo isto verdade, o surdo não
deveria ter tantos problemas como apresenta, já que não existem impedimentos físicos
para adquirir a linguagem.

A resposta a essa questão deve ser procurada, como nos direciona Bakhtin, no
meio social e não no próprio indivíduo surdo ou na sua possibilidade de ouvir. Não sendo
ele o único responsável por todas as suas dificuldades, ao contrário, ele possui as
capacidades orgânicas necessárias para constituir-se enquanto indivíduo no sentido
social.

A constituição desse indivíduo não ocorre facilmente, pois num passado recente a
sociedade proibiu o surdo de utilizar a língua de sinais, e com isto tentou destruir, além de
uma língua, uma cultura própria. Atualmente mesmo os surdos que não sofrem mais esta
proibição, ainda não possuem em sua maioria, acesso a um grupo social que utiliza a
língua de sinais, tornando-se assim marginalizados por questões sociais e não individuais
ou biológicas.

A partir da nossa realidade atual, podemos estudar e agir em favor da comunidade


de surdos, no sentido de entender e estimular a língua de sinais. Muitos estudiosos e
também os surdos estão empenhados em ensinar e divulgar esta língua. Já foram
realizadas descrições das línguas de sinais em diversos países. No Brasil existem várias
pesquisas sobre a Língua de Sinais (Libras).
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É necessário contextualizar esta língua, compreendendo todos seus valores, entendendo


as limitações que os surdos foram obrigados a vivenciar e que a história desta
comunidade é uma história muito particular, baseada em preconceitos, marginalizações e
proibições.

A Libras e a comunidade que a utiliza trazem marcas especificas. Bakhtin diz que o
conteúdo e a forma do signo ideológico estão indissoluvelmente ligados. As línguas de
sinais possuem características próprias, além do conteúdo e da situação sócio-histórica,
pelo fato de ser uma língua espaço-viso-motora, utilizando aspectos espaciais diferentes
das línguas orais.

Um falante de Libras possui características bem diferentes de um falante de língua


portuguesa. Atualmente uma nova questão começa a ser discutida é a questão da cultura
dos surdos, isto é, se o surdo, que vive no Brasil e fala Libras, possui uma cultura
diferente da cultura brasileira. Esta é uma questão muito complexa, não podendo ser
igualada totalmente. Em nível comparativo, os imigrantes que moram no Brasil, dominam
duas línguas tornando-se geralmente indivíduos biculturais.

O caso dos surdos é bastante diferente. Mesmo tendo uma família ouvinte e se
submetendo ao tratamento fonoaudiológico para aquisição da língua portuguesa, eles
demoram bastante tempo para alcançar um sucesso significativo nesta aquisição, por
volta dos 10 anos, e além desta demora, este aprendizado nunca se dá de forma
extremamente natural, através do diálogo espontâneo, pois há sempre a necessidade de
utilizar técnicas específicas. No entanto, a Libras pode ser rápida e naturalmente
adquirida em contextos naturais.

Comprovo isso, através do trabalho que desenvolvo com meus alunos surdos, por
meio da Libras os ganhos são significativos, tanto pra mim, como para eles que se
sentem compreendidos e valorizados.

Segundo as idéias de Bakhtin, as crianças surdas que forem expostas às duas


línguas sofrerão maior influência da Libras na constituição de sua consciência social,
sendo que o português e o convívio com a sociedade brasileira à qual pertencem também
exercerão influência na constituição de sua subjetividade.
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No caso dos surdos que não possuem acesso a língua nenhuma, percebemos que
a situação é grave, pois estes indivíduos são privados de compartilhar as informações
mais óbvias de uma comunidade, e sem um instrumento lingüístico acessível, sofrem
enormes dificuldades na constituição da sua própria consciência, ou seja, não se
constituem com base nas características culturais de sua comunidade e com isso
desenvolvem uma maneira de ser pensar muito diferente dos indivíduos falantes.

A noção de Bakhtin a respeito da determinação do meio social, ideológico, pela


utilização de signos para a formação da consciência, nos dá a clara noção da real
dificuldade que os surdos, sem acesso a uma língua sofrem.

Para isso, Vygotsky encontrou no significado da palavra a unidade pertencente


tanto ao pensamento quanto à linguagem. É no significado da palavra que o pensamento
e a linguagem se unem e formam o pensamento lingüístico. O significado da palavra é um
fenômeno do pensamento que se concretiza por meio da fala, e só é um fenômeno da fala
na medida em que esta é ligada ao pensamento. A palavra é um fenômeno do
pensamento verbal, ou da fala significativa, uma união da palavra e do pensamento.

Vygotsky afirma:

“O pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir. (1989,
p. 108)”

A dificuldade ao acesso de uma língua que seja oferecida naturalmente e


constantemente leva a criança surda a um tipo de pensamento mais concreto, já que é
pelo diálogo e aquisição do sistema conceitual que ela pode-se desvincular cada vez mais
do concreto, internalizando conceitos abstratos. A aprendizagem tardia de uma língua,
como é o caso de muitos que aprendem a Libras na adolescência ou na fase adulta, não
possibilita a reversão deste quadro.

A gravidade dessa situação é melhor percebida, quando em atividades que não


exigem a presença da linguagem, o pensamento é totalmente orientado por esta.

Bakhtin diz:
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“A palavra acompanha e comenta todo ato ideológico. Os processos de compreensão de todos os


fenômenos ideológicos (um quadro, uma peça musical, um ritual ou um comportamento humano)
não podem operar sem a participação do discurso interior. Todas as manifestações da criação
ideológica – todos os signos não verbais – banham-se no discurso e não podem ser totalmente
isoladas nem totalmente separadas dele. (1999, p.38)”

Esta (trocar por essa) idéia parece ter sido interiorizada de modo inadequado, pelo
menos de forma inconsciente, pela comunidade ouvinte que sempre considerou o surdo
como um indivíduo incapaz intelectualmente. Em todas as situações cotidianas, o surdo
que não adquire uma língua se encontra em dificuldade, não conseguindo perceber as
relações e o contexto mais amplo da atividade em que vivencia, já que para tal seria
necessário que seu pensamento fosse orientado pela linguagem. Atualmente, sabemos
que estas dificuldades cognitivas são decorrentes do atraso de linguagem, mas a
sociedade ainda não tem esta compreensão e em muitas situações percebe-se o surdo
como sendo incapaz.

A criança surda não tem consciência de sua deficiência, não se sente diferente, a
não ser de modo, mediano, secundário, como resultado de suas experiências sociais.
Para um indivíduo que nunca viu ou ouviu, esta situação é tida como normal, é o padrão
que ela conhece. A possibilidade de ver e ouvir pode ser tão ameaçadora para essa
pessoa quanto para o ouvinte ficar surdo. A sociedade precisa perceber que o que é
considerado normal para maioria dos indivíduos não precisa ser partilhado por todos.
Vygotsky disse que no futuro a idéia de deficiência terminaria e que os surdos e cegos
seriam considerados apenas surdos e cegos e não deficientes.

Essa suposição de Vygotsky é confirmada, em pequena escala, pelo caso de


Marthas Vineyard em meados do século XIX, descrito pelo neurologista Oliver Sacks
(1989). O autor se refere a uma ilha em Massachusetts, que tinha uma população com
25% de surdos em virtude de uma mutação genética. Sacks diz que praticamente todas
as famílias dessa ilha tinham um membro surdo. Em reação a esta situação, toda
comunidade aprendeu a língua de sinais. Assim, os ouvintes tornaram-se bilíngües
( língua de sinais e inglês), e os surdos, monolíngües ( língua de sinais). A relação entre
os surdos e ouvintes era intensa, sem dificuldade.
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“Na verdade, os surdos não eram encarados como surdos, muito menos como deficientes.(Sacks;
1989, p.49)”

Esse enunciado, (retirar a virgula) reflete o objetivo que buscamos no trabalho


coletivo desenvolvido por nós, em nossa escola, sobre o qual teceremos um breve
comentário nas considerações finais apresentadas à seguir.
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Considerações finais

Antes de passar as considerações finais propriamente desta monografia,


gostaríamos de apresentar rapidamente o contexto da turma com a qual trabalhamos cuja
experiência será assunto de uma possivel dissertação de mestrado na area da Educação.
Trata-se de uma turma de 1ª série mista, composta de 11 alunos (7 surdos e 4 ouvintes),
de perfil sócio-econômico considerado baixo, matriculados na Escola Municipal Manoel
Fonseca, no município de Barra do Piraí / RJ. O corpo profissional da escola é formado
por um diretor geral e um adjunto, 3 coordenadores (funciona em 3 turnos), 15
professores (6 com curso de Libras) e 6 auxiliares de serviços gerais. A escola está
situada no centro do município.

A realização do meu trabalho com essa turma tem sido prazeroso e gratificante e
comprova a importância de ser ter um grupo efetivamente atuando em um trabalho
coletivo, já que estamos podendo presenciar a integração efetiva entre alunos surdos e
ouvintes, integrando suas línguas (Libras e L. Portuguesa), concretizando o bilingüismo,
respeitando o valor de cada língua, cada cultura, cada comunidade. A realidade sócio-
histórica e a língua (Libras x L. Portuguesa) são determinadas pela consciência individual
de cada aluno, e cada qual respeitada dentro do contexto social e escolar. O diálogo entre
as duas línguas permite que os alunos vivenciem a diversidade cotidianamente e, o mais
bonito, é vivenciar essa troca, onde ouvintes, não somente os que estudam na classe,
mas boa parte da escola, se comunicam, trocam informações, idéias, vivências, com os
alunos surdos de forma natural, aceitando a diferença elevando a auto-estima de cada
criança, seja ela surda ou ouvinte, pois se sentem importantes, e vão se tornando a cada
dia, crianças bilíngües.

A partir da discussão que propusemos nesta monografia, pode-se compreender a


importância da aquisição da Língua de Sinais pelas crianças surdas na mesma idade de
aquisição da língua oral pelas crianças ouvintes como um fator essencial para o
desenvolvimento social, emocional e acadêmico posterior. Os surdos têm direito a uma
educação bilíngüe, que priorize a Língua de Sinais como sua língua natural e primeira
língua, bem como ao aprendizado da língua portuguesa, como segunda língua. O
desenvolvimento de uma educação bilíngüe de qualidade é fundamental para o exercício
de sua cidadania, na qual o acesso aos conteúdos curriculares, leitura e escrita não
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dependam da oralidade. A língua portuguesa precisa ser viabilizada, enquanto linguagem


dialógica/funcional/instrumental e enquanto área do conhecimento. Neste sentido, é
fundamental para a criança surda o convívio com adultos surdos proficientes em Língua
de Sinais e com outras crianças surdas, pois mais de 90% das crianças surdas são filhas
de pais ouvintes, que nada ou pouco conhecem sobre a surdez e a Língua de Sinais. A
presença de educadores surdos é imprescindível no processo educacional, pois atuam
como modelos de identificação lingüístico-cultural, exercendo funções e papéis
significativos. A escola especial para surdos apoiada na Língua de Sinais seria a opção
mais adequada para a criança e o adolescente surdos, tendo como meta o convívio com
os dois mundos, o da sociedade ouvinte e o da comunidade surda, como indivíduo surdo.

A proposta de educação bilíngüe de surdos, que como já foi dito, pressupõe uma
educação em que desde pequena a criança seja exposta à Língua de Sinais
considerando-a como sua primeira língua. Para tanto, faz-se necessária à elaboração de
programas destinados aos pais, incentivando-os a conviver com a diferença de seus filhos
e a aprender a língua viso-espacial que é mais efetivamente acessível aos filhos, o que
lhes permite melhor desempenhar seu papel de pais, na inclusão de seus filhos na cultura
familiar e social; tomando a língua de sinais, como língua de instrução e disciplina
curricular; na qual o ensino da primeira língua (Língua de Sinais), em sua modalidade
escrita, esteja baseado no ensino da segunda língua (Língua Portuguesa) em que a
surdez seja apresentada aos alunos e discutida em todos os momentos possíveis, em
relação a cada aluno e à sociedade.

Muitas das pesquisas que demonstram que crianças surdas, filhas de pais surdos,
que desde o nascimento estiveram expostas à língua de sinais, (cumprindo, plenamente,
as funções de comunicação e simbolização), obtiveram um desenvolvimento lingüístico,
cognitivo, afetivo e social adequados. Além disso, estas crianças demonstraram melhores
resultados acadêmicos, em relação àquelas que não tiveram acesso à língua de sinais.

Diante disso, é impossível pensar em um projeto educacional de qualidade que não


mantenha como premissa básica à importância da língua de sinais e a atuação de surdos
adultos, competentes lingüisticamente, como interlocutores no processo de aquisição
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dessa língua, contribuindo, significativamente, na formação da personalidade e no
processo educacional das crianças surdas.
Nosso trabalho é desenvolvido coletivamente, tendo todos os envolvidos no
processo de ensino-aprendizagem um papel importante a desempenhar, com o intuito de
construir conhecimento coletivamente de forma agradável, prazerosa, solidária e
significativa, onde as “diferenças” são vistas como fonte de desafio e enriquecimento.
Enquanto o surdo não puder se apropriar adequadamente da cultura ouvinte, isso
significando não só exercer plenamente seus direitos de cidadão, mas poder circular
livremente por todas as instâncias sociais, o que inclui necessariamente a língua escrita,
ele será sempre tutelado por alguém. É nessa perspectiva, (retirar a virgula) que
queremos continuar a dialogar, (retirar a virgula e introduzir a preposição “sobre”) a
importância da educação bilíngüe em turmas mistas (surdos e ouvintes), o português
como segunda língua para os surdos e a língua de sinais como segunda língua para os
ouvintes, reconhecendo e valorizando a diferença como fonte essencial da diversidade
cultural, em cujas formas se manifesta a capacidade criadora do ser humano, que
transforma a realidade e propõe soluções inovadoras para os problemas que desafiam a
sociedade.
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6. Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1990.

GOLDFELD, MÁRCIA. A criança surda : linguagem e cognição numa perspectiva


sociointeracionista / Márcia Goldfeld. – 2ª ed. – São Paulo : Plexus Editora, 2002.

GROSJEAN, F. A pessoa bilíngüe e bicultural no mundo ouvinte e surdo – artigo


apresentado na Quarta Conferência Internacional sobre Questões Teóricas em Pesquisa
sobre Língua de Sinais.

HARRISON, K. Educação bilingue. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação


em Lingüística Aplicada – LAEL – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.

MEC/SEESP. Subsídios para organização e funcionamento de serviços de educação


especial:área de deficiência auditiva. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto,
Secretária de Educação Especial,1995.

ROCHA-COUTINHO, M. L. Algumas considerações a respeito do uso da língua de sinais


pelos deficientes auditivos. Trabalhos em Lingüística Aplicada, nº8. Campinas, 1986.

SOARES, Anamaene. Alves.Orientação para o professor que recebe um deficiente


auditivo, SUDESP.

SACKS, O. Vendo Vozes : Uma Jornada pelo Mundo dos Surdos. Rio de Janeiro: Imago,
1989.
- 31 -

SANCHES, C. Vida para os surdos. Revista Nova Escola, Setembro. Rio de Janeiro: Abril,
1993.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

UNIÃO ESPÍRITA BAGEENSE. Alunos deficientes auditivos integrados em escolas


regulares da rede estadual.Bagé, 1995.

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