Pirai
2006
Simone Chaves de Mattos
Pirai
2006
Simone Chaves de Mattos
Avaliado por:
Piraí
2006
DEDICATÓRIA
Bakhtin
RESUMO
Palavras-chave:
Definição de surdez; Bilingüismo; Sociointeracionismo.
SUMÁRIO
1. Introdução 9
2. Conhecendo a surdez 11
• 2.1 - Conhecendo um pouco mais...sobre a trajetória histórica do
indivíduo surdo
• 2.2 – Diferentes concepções sobre surdez e deficiência auditiva
3. Conhecendo o Bilingüismo 16
4. Sociointeracionismo e surdez 20
5. Considerações Finais 27
Referências bibliográficas 30
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1. INTRODUÇÃO
- 10 -
A partir dessa integração bilateral (surdos x ouvintes), enquanto uma das
professoras responsáveis por uma das turmas, deparei-me com um problema: a falta de
ferramentas conceituais e técnicas para realizar meu oficio de professora em turmas
mistas. O apoio oferecido pelos professores da escola especializada foi importante para
reconhecer a importância de se integrar no processo de ensino as duas Línguas
(Portuguesa e de Sinais), efetivando a integração e a comunicação entre surdos e
ouvintes. Porém, como transformar esse preceito em atividade pratica? Qual seria a
importância do trabalho coletivo de ensino em turmas mistas? Que estratégias
comunicativas e metacomunicativas poderiam ser utilizadas na interação entre o
professor com seus alunos surdos e destes com colegas ouvintes no contexto da sala de
aula?
Essas questões, para as quais não pretendemos trazer respostas no âmbito deste
texto, foram a fonte para o desenvolvimento da pesquisa bibliografia que deu origem a
esta monografia. As considerações trazidas, portanto, neste texto, embora não
apresentem uma pesquisa de campo, refletem a necessidade de encontrar recursos
teóricos para desenvolver minha experiência como educadora em uma turma mista
composta de 11 alunos (7 surdos e 4 ouvintes) de uma escola municipal.
Nosso principal objetivo é discutir e enfatizar a importância do ensino da língua
brasileira de sinais nas séries iniciais do ensino fundamental, em turmas que reúnem
alunos surdos e ouvintes, como meio efetivo a inclusão escolar e social do portador de
deficiência auditiva.
Com essa finalidade, nosso assunto de pesquisa será tratado a partir da definição
de correntes e conceitos considerados essenciais para o desenvolvimento do oficio de
ensinar daqueles que se deparam com um desafio como o que nos deparamos: turmas
mistas de crianças surdas e ouvintes. Assim, nosso texto está dividido em cinco partes
compostas desta introdução, três capítulos teóricos e as considerações finais. Logo a
seguir a esta introdução, trazemos no primeiro capítulo a definição de surdez (Harrison,
2006). No segundo, apresentamos e discutimos o conceito de educação bilíngüe
(Sacks,1989; Sanches,1993; Rocha-Coutinho,1986). No terceiro, consideramos
essenciais abordar as noções que norteiam o interior da corrente sociointeracionista de
aprendizagem (Bakhtin1990; Vygostky,1989).
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1. Conhecendo a surdez
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* implante coclear – é um aparelho que oferece informação sonora a indivíduos com perda auditiva
profunda dos dois lados que poderá ajudar na comunicação. O implante exerce sua função através da
estimulação elétrica direta das fibras do nervo auditivo por eletrodos em pacientes onde o ouvido interno
está danificado
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1.1 Conhecendo um pouco mais... sobre a trajetória histórica do
indivíduo surdo
2. Conhecendo o Bilingüismo
O bilingüismo pressupõe basicamente que o surdo deve ser bilíngüe, isto é, deva
adquirir como língua materna à língua de sinais, que é considerada a língua natural dos
surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país, no nosso caso, a língua
portuguesa.
Alguns autores ligados ao bilingüismo vêem o surdo de forma diferente dos autores
oralistas** e da Comunicação Total***. Para os bilingüistas, o surdo não necessita almejar
uma vida semelhante ao do ouvinte, devendo aceitar e assumir sua surdez.
A principal questão para o bilingüismo é a Surdez e não a surdez, como trata Sacks
(1989), respeitando a nomenclatura da comunidade surda americana, utiliza o termo
Surdez (com s maiúsculo) para designar um grupo lingüístico e cultural e o termo surdez
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** oralistas – filosofia que almeja a integração do indivíduo surdo a comunidade ouvinte, com a
condição de desenvolver a língua oral.
***comunicação total – filosofia que se preocupa com os processos comunicativos entre surdos e
surdos e entre surdos e ouvintes
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(com s minúsculo) para designar a condição física, a falta de audição, ou seja, os estudos
do bilingüismo se preocupam em entender o Surdo, suas particularidades, sua língua (a
língua de sinais), sua cultura e a forma singular de pensar, agir etc. e não somente os
aspectos biológicos ligado à surdez.
Não há uma unanimidade entre os profissionais bilingüistas em relação às
teorias psicológicas e lingüísticas adotadas. Há diversas pesquisas baseadas no
Gerativismo (Chomsky) e também várias pesquisas baseadas no sociointeracionismo
(principalmente Vygotsky).
Nas questões educacionais, os profissionais também não são unânimes, há
diversas maneiras de aplicar o bilingüismo em escolas e clínicas especializadas.
Porém, há duas maneiras diferentes de definir a filosofia bilíngüe. A primeira
acredita que a criança surda deve adquirir a língua de sinais e a modalidade oral da
língua de seu país, sendo que posteriormente a criança deverá ser alfabetizada na língua
oficial de seu país.
Autores como Sanches (1993) acreditam na necessidade do indivíduo surdo
adquirir a língua de sinais e a língua oficial de seu país, porém, apenas na modalidade
escrita e não na oral.
Na aquisição da linguagem, o bilingüismo afirma que a criança surda deve adquirir,
como língua materna, a língua de sinais. A aquisição da língua materna deve ocorrer,
preferencialmente, pelo convívio da criança surda com outros surdos mais velhos, que
conseqüentemente dominem a língua de sinais.
Estudos apontam que mais de 90% dos surdos têm família ouvinte e para que a
criança obtenha sucesso na aquisição da língua de sinais, é necessário que a família
também aprenda a língua de sinais para que a criança possa utilizá-la em sua plenitude
para comunicar-se em casa.
Geralmente, a língua da família da criança surda, (retirar a virgula) é a língua oral,
que seria a segunda língua desta criança, que necessita de um atendimento específico
para que possa adquirir essa língua. Essa aquisição, ao contrário da língua de sinais, é
lenta, pois existem muitas dificuldades em um surdo aprender uma língua oral, já que
envolve recursos orais auditivos, que são bloqueados pela sua perda auditiva.
Alguns autores acreditam que a língua oral, apesar de necessária para vida do
indivíduo surdo, nunca será perfeitamente dominada por ele, sendo sempre uma língua
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estranha, que não atende a todas as suas necessidades, com isso, não poderá ser sua
língua materna.
A este respeito, Rocha-Coutinho (1986) considera que:
Um deficiente auditivo não pode adquirir uma língua falada como língua nativa porque ele
não tem acesso a um sistema de monitoria que forneça um feedback constante para sua
fala. A língua falada sempre será um fenômeno estranho para o deficiente auditivo, nunca
algo natural. Os deficientes auditivos, provavelmente experimentam um grau considerável
de ansiedade ao usar a língua oral porque eles não têm nenhuma forma de controlar a
propriedade técnica e social da sua fala, exceto através de movimentos labiais e da reação
das pessoas a sua fala. O deficiente auditivo apesar de contar com expressões faciais e
movimentos corporais, não possui uma das mais ricas fontes de informação da língua oral:
monitorar sua própria fala e elaborar sutilezas através da entonação, volume de voz
hesitação, assim como extrair da produção de seu interlocutor sutilezas através da
entonação, volume de voz, etc. (pp. 79 – 80)
a) Este (o surdo) perde a oportunidade de usar a linguagem, senão o mais importante, pelo menos
um dos principais instrumentos para a solução de tarefas que se lhe apresentam no
desenvolvimento da ação inteligente;
b) o surdo não há de recorrer ao planejamento para solução de problemas;
c) não supera a ação impulsiva;
d) não adquire independência da situação visual concreta;
e) não controla seu próprio comportamento e o ambiente;
f) não se socializa adequadamente. (p. 41)
“Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como
som, massa física, cor, movimento do corpo ou outra coisa qualquer.(1990, p.33)”
Com isso, podemos entender que não é apenas a fala oral ou a língua auditiva-oral
o único meio de utilização dos signos. Qualquer meio, seja visual, auditivo ou outro, serve
com igual eficácia como meio de utilização de signos. Sendo isto verdade, o surdo não
deveria ter tantos problemas como apresenta, já que não existem impedimentos físicos
para adquirir a linguagem.
A resposta a essa questão deve ser procurada, como nos direciona Bakhtin, no
meio social e não no próprio indivíduo surdo ou na sua possibilidade de ouvir. Não sendo
ele o único responsável por todas as suas dificuldades, ao contrário, ele possui as
capacidades orgânicas necessárias para constituir-se enquanto indivíduo no sentido
social.
A constituição desse indivíduo não ocorre facilmente, pois num passado recente a
sociedade proibiu o surdo de utilizar a língua de sinais, e com isto tentou destruir, além de
uma língua, uma cultura própria. Atualmente mesmo os surdos que não sofrem mais esta
proibição, ainda não possuem em sua maioria, acesso a um grupo social que utiliza a
língua de sinais, tornando-se assim marginalizados por questões sociais e não individuais
ou biológicas.
A Libras e a comunidade que a utiliza trazem marcas especificas. Bakhtin diz que o
conteúdo e a forma do signo ideológico estão indissoluvelmente ligados. As línguas de
sinais possuem características próprias, além do conteúdo e da situação sócio-histórica,
pelo fato de ser uma língua espaço-viso-motora, utilizando aspectos espaciais diferentes
das línguas orais.
O caso dos surdos é bastante diferente. Mesmo tendo uma família ouvinte e se
submetendo ao tratamento fonoaudiológico para aquisição da língua portuguesa, eles
demoram bastante tempo para alcançar um sucesso significativo nesta aquisição, por
volta dos 10 anos, e além desta demora, este aprendizado nunca se dá de forma
extremamente natural, através do diálogo espontâneo, pois há sempre a necessidade de
utilizar técnicas específicas. No entanto, a Libras pode ser rápida e naturalmente
adquirida em contextos naturais.
Comprovo isso, através do trabalho que desenvolvo com meus alunos surdos, por
meio da Libras os ganhos são significativos, tanto pra mim, como para eles que se
sentem compreendidos e valorizados.
No caso dos surdos que não possuem acesso a língua nenhuma, percebemos que
a situação é grave, pois estes indivíduos são privados de compartilhar as informações
mais óbvias de uma comunidade, e sem um instrumento lingüístico acessível, sofrem
enormes dificuldades na constituição da sua própria consciência, ou seja, não se
constituem com base nas características culturais de sua comunidade e com isso
desenvolvem uma maneira de ser pensar muito diferente dos indivíduos falantes.
Vygotsky afirma:
“O pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir. (1989,
p. 108)”
Bakhtin diz:
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Esta (trocar por essa) idéia parece ter sido interiorizada de modo inadequado, pelo
menos de forma inconsciente, pela comunidade ouvinte que sempre considerou o surdo
como um indivíduo incapaz intelectualmente. Em todas as situações cotidianas, o surdo
que não adquire uma língua se encontra em dificuldade, não conseguindo perceber as
relações e o contexto mais amplo da atividade em que vivencia, já que para tal seria
necessário que seu pensamento fosse orientado pela linguagem. Atualmente, sabemos
que estas dificuldades cognitivas são decorrentes do atraso de linguagem, mas a
sociedade ainda não tem esta compreensão e em muitas situações percebe-se o surdo
como sendo incapaz.
A criança surda não tem consciência de sua deficiência, não se sente diferente, a
não ser de modo, mediano, secundário, como resultado de suas experiências sociais.
Para um indivíduo que nunca viu ou ouviu, esta situação é tida como normal, é o padrão
que ela conhece. A possibilidade de ver e ouvir pode ser tão ameaçadora para essa
pessoa quanto para o ouvinte ficar surdo. A sociedade precisa perceber que o que é
considerado normal para maioria dos indivíduos não precisa ser partilhado por todos.
Vygotsky disse que no futuro a idéia de deficiência terminaria e que os surdos e cegos
seriam considerados apenas surdos e cegos e não deficientes.
“Na verdade, os surdos não eram encarados como surdos, muito menos como deficientes.(Sacks;
1989, p.49)”
A realização do meu trabalho com essa turma tem sido prazeroso e gratificante e
comprova a importância de ser ter um grupo efetivamente atuando em um trabalho
coletivo, já que estamos podendo presenciar a integração efetiva entre alunos surdos e
ouvintes, integrando suas línguas (Libras e L. Portuguesa), concretizando o bilingüismo,
respeitando o valor de cada língua, cada cultura, cada comunidade. A realidade sócio-
histórica e a língua (Libras x L. Portuguesa) são determinadas pela consciência individual
de cada aluno, e cada qual respeitada dentro do contexto social e escolar. O diálogo entre
as duas línguas permite que os alunos vivenciem a diversidade cotidianamente e, o mais
bonito, é vivenciar essa troca, onde ouvintes, não somente os que estudam na classe,
mas boa parte da escola, se comunicam, trocam informações, idéias, vivências, com os
alunos surdos de forma natural, aceitando a diferença elevando a auto-estima de cada
criança, seja ela surda ou ouvinte, pois se sentem importantes, e vão se tornando a cada
dia, crianças bilíngües.
A proposta de educação bilíngüe de surdos, que como já foi dito, pressupõe uma
educação em que desde pequena a criança seja exposta à Língua de Sinais
considerando-a como sua primeira língua. Para tanto, faz-se necessária à elaboração de
programas destinados aos pais, incentivando-os a conviver com a diferença de seus filhos
e a aprender a língua viso-espacial que é mais efetivamente acessível aos filhos, o que
lhes permite melhor desempenhar seu papel de pais, na inclusão de seus filhos na cultura
familiar e social; tomando a língua de sinais, como língua de instrução e disciplina
curricular; na qual o ensino da primeira língua (Língua de Sinais), em sua modalidade
escrita, esteja baseado no ensino da segunda língua (Língua Portuguesa) em que a
surdez seja apresentada aos alunos e discutida em todos os momentos possíveis, em
relação a cada aluno e à sociedade.
Muitas das pesquisas que demonstram que crianças surdas, filhas de pais surdos,
que desde o nascimento estiveram expostas à língua de sinais, (cumprindo, plenamente,
as funções de comunicação e simbolização), obtiveram um desenvolvimento lingüístico,
cognitivo, afetivo e social adequados. Além disso, estas crianças demonstraram melhores
resultados acadêmicos, em relação àquelas que não tiveram acesso à língua de sinais.
SACKS, O. Vendo Vozes : Uma Jornada pelo Mundo dos Surdos. Rio de Janeiro: Imago,
1989.
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SANCHES, C. Vida para os surdos. Revista Nova Escola, Setembro. Rio de Janeiro: Abril,
1993.