SOCIOLOGIA
GRUPO DE TRABALHO GT 20
SOCIEDADE E ESTADO NA AMÉRICA LATINA
MAIO
2005
Adriano Nervo Codato & Julio Cesar Gouvea 2
Resumo
O trabalho apresenta parte dos resultados da pesquisa “Quem governa? Mapeando as elites políticas e
econômicas no Paraná contemporâneo” desenvolvida no Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira
da Universidade Federal do Paraná - Brasil. Após determinar os postos que constituem as posições políticas
formalmente mais importantes do executivo estadual, identificamos os ocupantes dos cargos listados durante
o período 1995-2002 e traçamos um perfil da elite político-burocrática do estado do Paraná. Do total de 75
indivíduos foram entrevistados 54 (governador, vice-governador, secretários de estado, presidentes de
companhias estatais e assessores especiais). Analisamos a origem social, o perfil profissional, a carreira política
e os valores ideológicos desse grupo de elite. Através dos resultados do survey, processados pelo pacote
estatístico SPSS, procurou-se estabelecer as conexões internas ao grupo (laços familiares, geração, instituição
escolar, turma acadêmica etc.), o grau de coesão ideológica dos membros da elite, bem como os pré-requisitos
(o capital político) para o recrutamento dos secretários estaduais ao governo.
Introdução
1. O método posicional
O trabalho tem como fonte de inspiração a Teoria das Elites, que estuda o grupo no
poder e suas características sociais para, a partir daí, extrair explicações para sua conduta
política. Para os “elitistas” existe sempre um pequeno grupo que comanda o restante dos
1Esse intervalo de tempo corresponde aos dois períodos de governo de Jaime Lerner: 1995-1998 e 1999-
2002.
Por dentro do executivo 3
indivíduos. Mais simplesmente: existiria uma minoria politicamente ativa comandando uma
grande maioria desorganizada politicamente.
A definição dos postos relevantes foi realizada através do método posicional (Wright
Mills, 1985). O método posicional sustenta que determinado grupo é elite porque, além de
ser um grupo coeso e homogêneo, ocupa posições institucionais estratégicas. São de elite
os que estão no topo das principais hierarquias e organizações da sociedade moderna.
Essas posições estratégicas podem ser de tipo econômico (controle dos meios de
produção), político (controle da máquina social do estado) e militar (estão no topo da
hierarquia militar).
Partimos do pressuposto que é através dos cargos que se podem tomar decisões.
De acordo com o método posicional, são os postos institucionais estratégicos que
conferem aos indivíduos a oportunidade de influenciar no processo decisório.
Optamos pelo método posicional primeiramente por ser esse procedimento de fácil
aplicação, dado que é relativamente simples identificar os cargos formais que constituem
posições politicamente estratégicas em uma determinada comunidade; segundo, por se
tratar de um primeiro passo no estudo de uma determinada elite. As posições teóricas rivais
não são, no entanto, excludentes. Trata-se, na verdade de, é o que se sustenta, momentos
distintos da análise.
2. Os postos político-burocráticos
Adriano Nervo Codato & Julio Cesar Gouvea 4
3. O universo da pesquisa
4. O questionário
5. Os resultados
Tabela I
NR - - 0,5
NR 2 3,7 -
3 No mesmo intervalo de tempo (1995-2002) foram estudados dois outros segmentos de elite, a parlamentar e
a partidária. A prevalência (homens, brancos, católicos) foi idêntica, mas com percentuais ligeiramente
diferentes. Para a elite parlamentar temos: 97,7% de homens; 86,4% de brancos; e 79,5% de católicos. Para a
elite partidária as cifras são: 100%; 85,7%; e 71,5% respectivamente.
Adriano Nervo Codato & Julio Cesar Gouvea 6
aqui o dado mais relevante (mas não o mais surpreendente). Embora mais numerosas que
os homens na população do Paraná, há apenas 16,7% de mulheres na elite4.
Em relação à religião, a situação é um pouco similar nos dois universos, dado que a
maioria é católica nos dois casos (havendo mais católicos entre a população do que na elite
político-burocrática); porém, o dado diferente é que, segundo o IBGE, existe apenas 0,2%
de praticantes do judaísmo entre os paranaenses, enquanto que entre os entrevistados da
nossa elite há 7,4%. Talvez o fato do governador do estado também praticar essa religião
explique o porquê desse percentual.
Outro dado relevante é o local de nascimento dos entrevistados. Como se pode ler
na tabela II, a grande maioria dos indivíduos são nascidos no Paraná, em especial, em
Curitiba. Seu grau de localismo é bastante alto.
Tabela II
Local de Nascimento
Estado Freqüência % Cidade Freqüência %
Paraná 41 75,9 Curitiba 23 42,6
Outros 13 24,1 Interior PR 18 33,3
Outras 13 24,1
Total 54 100 54 100
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira - UFPR
4Em que pese a democratização social (ampliação do acesso à educação e outros indicadores), nossos dados são
bem próximos aos apresentados por Love (1982) em seu estudo sobre a elite paulista no período 1889-1937.
A elite era composta quase que exclusivamente por homens e era predominantemente católica.
5 Cf tabelas VI e VII mais à frente.
Por dentro do executivo 7
de origem. Mais relevante ainda é que dos dois terços dos indivíduos nascidos no estado,
quase a metade nasceu na capital.
Tabela III
Os indivíduos são bem mais estudados que os seus pais e mães. Houve uma grande
mobilidade escolar.
6As categorias utilizadas para níveis de escolaridade foram: “alta” (curso superior incompleto; curso superior
ou acima); e “média” (curso médio; curso fundamental ou médio incompleto).
7 A correlação encontrada entre a escolaridade do indivíduo com a escolaridade do pai é de -,092. A
correlação encontrada entre a escolaridade do indivíduo com a escolaridade da mãe é de -,038.
Adriano Nervo Codato & Julio Cesar Gouvea 8
Tabela IV
1,9% 1,9%
Trabalhadores - - - (1) - - (1)
8 De acordo com a seguinte definição por categorias: “Proprietários”: grande proprietário rural, grande
proprietário urbano, médio proprietário rural, médio proprietário urbano, pequeno proprietário rural,
pequeno proprietário urbano; “Profissionais liberais”: advogado atuante, executivo de empresa privada,
profissional liberal; “Funcionários públicos”: altos cargos do setor público, funcionários públicos de médio
ou baixo escalão; “Professores”: professor universitário, professor de outros níveis; “Trabalhadores”:
trabalhador assalariado de empresa privada. Na tabela acima a correlação é de -,091.
Por dentro do executivo 9
Tabela V
Estrato social do Indivíduo e do Pai
Aqui há alguma mobilidade, porém pequena, uma vez que a maioria dos indivíduos
está no mesmo estrato social que os seus pais já estavam (estrato médio). Inclusive, os
dados entre as duas gerações são muito parecidos. Assim, podemos afirmar que tanto os
membros da elite político-burocrática entrevistados como seus pais pertencem à camada
média da população.
9 As mães não aparecem nessa tabela, em virtude de 63% delas pertencerem à categoria prendas domésticas
(donas de casa), e não ter como classificá-las num estrato. A correlação nesse caso é de -,127.
Adriano Nervo Codato & Julio Cesar Gouvea 10
se em conta a “origem de classe”), o que não é suficiente para dar coesão às elites; mas
também, e principalmente, a homogeneidade se dá pela socialização, treinamento e carreira.
Na Tabela VI, uma freqüência simples, temos os cursos que essa elite freqüentou.
Tabela VI
Cursos Freqüência %
Arquitetura 1 1,9
Direito 17 31,5
Economia 3 5,6
Geografia 1 1,9
Jornalismo 3 5,6
Medicina 2 3,7
Pedagogia 2 3,7
Total 54 100
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira - UFPR
Boa parte da elite político-burocrática ainda se gradua num curso que é conhecido
como típico daqueles que aspiram a um cargo político, o curso de Direito (31,5%). Até aí,
nenhuma novidade. Porém, vemos que um pouco atrás, aparece um curso que, pelo menos
até então, não era tão comum assim para ingressar na política. O curso de engenharia civil,
ainda mais se somado às demais engenharias (29,6%), denota que algo de diferente
acontece quando se olha para os atributos dessa elite.
Na Tabela VII temos uma agregação por tipos de curso feitos pelos entrevistados,
bem como o local onde fez seu curso.
Por dentro do executivo 11
Tabela VII
Formação escolar
Tipo de curso em que se Local onde
Freqüência % Freqüência %
formou estudou
1 1,9 UFPR 23 42,6
Arquitetura
1 1,9 Outras no Paraná 17 31,5
Ciências Contábeis
3 5,5 Outras 8 14,8
Economia
16 29,6
Engenharias10
17 31,5
Direito
2 3,7
Medicina
8 14,8
Outros11
Sem formação
6 11,1 6 11,1
Sem formação superior superior
54 100 54 100
Total
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira - UFPR
O interessante é que, como bem sabemos, cursos como direito e medicina são
aqueles que geralmente servem como mecanismo de recrutamento para a elite política,
como demonstrado por vários estudos. No nosso caso, a maioria dos entrevistados
formou-se nos cursos de arquitetura, ciências contábeis, economia e engenharias, que
podem ser considerados cursos mais voltados à “técnica”, sem serem “tradicionais”.
Os dados mostrados acima, nas duas tabelas anteriores, mostram que nossa elite
tende a ser homogênea também porque se socializa e passa por um processo parecido de
educação, como afirma Carvalho (1996).
A exemplo da elite paulista estudada por Love, na nossa elite não temos indivíduos
da classe trabalhadora; utilizando novamente os dados sobre os cursos e o local de
formação da elite político-burocrática do Paraná, vemos que, nesse nosso caso, o
10A categoria Engenharias agrega os seguintes cursos: engenharia agronômica, engenharia cartográfica,
engenharia civil, engenharia elétrica, engenharia eletrônica.
11 A categoria Outros agrega: educação física, geografia, jornalismo, medicina veterinária, pedagogia.
Adriano Nervo Codato & Julio Cesar Gouvea 12
percentual de formados em direito e medicina (35,2%) é bem mais baixo que os da elite
paulista (mais de 70%); mas, por outro lado, na mesma direção de Love, houve uma
concentração da formação universitária numa mesma instituição (Universidade Federal do
Paraná).
Levando-se em conta todos os dados apresentados quais são os atributos que esses
indivíduos possuem para que sejam recrutados à elite política?
Tabela VIII
A Tabela VIII mostra que os indivíduos são altamente graduados (37% do universo
total fizeram pós-graduação e 88,9% têm curso superior), advindos da camada média da
população (57,4%) e não pertencem a famílias tradicionais na política (70,4%). Apenas
3,7% (duas pessoas, portanto) dos entrevistados responderam que suas mães já haviam
exercido atividade política regular.
Para afirmarmos se existe um critério político para a escolha dessa elite, seria
necessário fazer um estudo da história política de cada indivíduo. O survey aplicado aos
entrevistados não dá conta disso, e necessário seria aprofundarmos a pesquisa para
responder a essa questão.
Giddens (1974) sustenta que quanto mais moderna é a sociedade, mais as elites
tendem a ser heterogêneas. Se de um lado podemos concordar com essa afirmação
levando-se em conta que aqui a filiação política tradicional não conta (basta olhar para o
percentual altíssimo de indivíduos que não pertencem a famílias tradicionais na política),
12A correlação entre estrato social e escolaridade é de ,179 e entre estrato social e atividade política regular do
pai é de -,093.
Por dentro do executivo 13
por outro, vamos verificar que a origem social é a mesma (a maioria pertence aos estratos
sociais médios).
Conclusões
Vimos que tanto em relação à origem social (a elite advém, em sua maioria, do
estrato social médio da população) como ao processo de socialização e treinamento (grande
parte são funcionários públicos e profissionais liberais, e possuem alta escolaridade) a elite
estudada é homogênea.
E não podemos nos esquecer do fato desses indivíduos afirmarem não possuir pais
com atividade política regular, ou seja, não ser advindos de famílias acostumadas à política,
ou, em outros termos, não pertencerem à elite política tradicional.
Seguindo essa idéia, seria o fato desses indivíduos terem uma alta escolaridade que
os habilitaria a ingressar na elite política? Ou é o tipo de curso, mais moderno e menos
tradicional, em que eles se formaram que constitui a variável principal do recrutamento?
Essas questões surgem após uma visão descritiva dessa elite. Será a partir delas que
prosseguiremos esta pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, José Murilo de. 2003. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro das
Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
DAHL, Robert A. 1970. Uma crítica do modelo de elite dirigente. In: Amorim, Maria Stella
de (org.) Sociologia Política II. Rio de Janeiro: Zahar.
GIDDENS, Anthony. 1974. Elites in the British Class Structure. In: Stanworth, P. &
Giddens, A. (eds.). Elites and Power in British Society. Cambridge: Cambridge University
Press.
HUNTER, Floyd. 1963. Community Power Structure: A Study of Decision Makers. Garden
City: Anchor Books.
KELLER, Suzanne. 1967. O destino das elites. Rio de Janeiro: Editora Forense.
Adriano Nervo Codato & Julio Cesar Gouvea 14
LOVE, Joseph L. 1982. A locomotiva. São Paulo na federação brasileira. Rio de Janeiro: Paz
e Terra.
WRIGHT MILLS, C. 1985. A elite do poder: militar, econômica e política. In: Fernandes,
H. (org.). Wright Mills, São Paulo, Ática (Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 48).