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1. INTRODUZINDO A HISTÓRIA – OU “SHH! COMEÇOU!”
"Não há ninguém tão pobre que não deixe algo atrás de si."
Pascal
Walter Benjamin, em "O narrador" previa a extinção de um sujeito que vem, desde
que o ser humano se constituiu como ser de linguagem, tecendo o papel de guardião da
memória dos povos: o contador de histórias.
Chegamos ao século XXI e já podemos constatar uma grande lição: ainda bem,
Benjamin falhou em sua previsão.
Porém, não se trata de apenas escutar as palavras, mas de ouvi-las, ou seja, deixá-las
nos afetar.
Já foi e continua sendo dito o quanto o excesso do visual, sem a educação deste
sentido, produz um embotamento do senso crítico com relação a esse tipo de imagem.
O visual é bidimensional. Enquanto vejo algo, o que está atrás de um objeto não pode
ser visto por inteiro, a não ser que eu me aproxime dele. Ainda que ele seja tridimensional,
a visão não o é. Para ver cada lado, é necessário que eu me posicione de acordo com o
ponto de vista que eu queira ter do objeto.
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O ouvir é distinto: ele é multidimensional. Ao ouvir palavras, estas se transformam
em imagens que, no cérebro, transformar-se-ão em terrenos, pelos quais eu posso voar,
atravessar paredes, fazendo com que a percepção recaia sobre o todo que constitui a cena
narrada.
Memória. Esta vem do grego anamnesis, e seu significado estava além da acepção
atual, o recordar – e sim trazer ao presente.
Portanto, o espectador já não é mais assim: ele é participante, pois que há uma
história sendo contada por ele mesmo. A sua construção íntima, também, carrega não só
as suas experiências, mas agrega valores arquetípicos, vindos de tempos e espaços
imemoriais. Como se toda a história da humanidade contivesse-se em um único sujeito.
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Entremear Contação de histórias e Educação é obter mais uma ferramenta
pedagógica e artística, a fim de proporcionar experiências estéticas que integrem os
sentidos do indivíduo. É oferecer-lhe mais um instrumento de apreciação e crítica do
mundo.
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2. CONTAR HISTÓRIAS...
Há muito tempo atrás... contar histórias já era um hábito que fazia parte da
história da humanidade, seja como fato evolutivo ou social. Desde tempos imemoriais,
tribos, cujas culturas se separam, de alguma maneira, juntam-se para compartilhar suas
vivências, em torno de uma fogueira.
O ato de “estar com a palavra” faz com que o narrador tenha não somente a vez
de se pronunciar e de se fazer presente, mas também de inspirar a todos os que o ouvem
a usar a imaginação – colocar em ação as imagens que vão se sucedendo, umas às outras,
à medida que as palavras vão se transformando em paisagens, personagens e ações. Cada
ouvinte torce por e transforma-se nos personagens, faz julgamentos, e condena ou
absolve-os por fim.
O papel do contador de histórias, logo, é o de poder, pois através das palavras que
usa, da maneira que conduz o ato da contação, pode fazer com que quem o ouve tome a
paixão que ele quiser que se tenha. No entanto, não é apenas a palavra que assim o faz;
também o seu posicionamento espacial vai influir na tomada de decisão por parte do
público. A sua expressividade corporal, a entonação de sua voz. O contador de histórias
posiciona-se no centro, não o geométrico, mas o afetivo.
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3. SER CONTADOR E ESCOLHER UMA HISTÓRIA
Não saberemos. Até mesmo porque a história não possui uma dimensão única.
Ela vai reverberar simbolicamente de acordo com o ambiente interno, subjetivo, de cada
um. Ao contar “As mil e uma noites”, apesar de um grupo ter ouvido as mesmas palavras,
um indivíduo pode ter se focado na personagem Sherazade, outro no amor entre ela e o
sultão, outro na decisão do sultão em matar as mulheres, além de outros muitos focos
possíveis. Tudo vai depender da vivência de cada um.
E isso vai se modificar mesmo em relação a uma mesma pessoa. Ao ouvir uma
história hoje e a mesma daqui a 2 anos, o grau de experiência humana pode fazer com
que a percepção sobre a história seja distinta.
Assim, mais do que procurar uma história que faça sentido para outros, é
importante que o contador escolha uma história que complete significações para ele
mesmo.
Ele deve ser (e é) o primeiro a ouvir a história. É para ele que ela se revela, que
vai afetar seus sentimentos e emoções.
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Somente assim, o contador poderá contá-la de modo que suas sensações se
transformem em uma arquitetura, ou seja, que ele perceba a história se construindo.
Nas sociedades orais, a memória de um povo não está no passado, mas viva no
presente. Logo, co contador contemporâneo aprende com elas a recriar a história a cada
vez que a conta.
Por mais que, ao longo do tempo, ele se acostume com um modo de contar a
história, a sua performance precisa ser presente a cada contação.
Toda história, independente de onde foi criada (em que cultura, época etc.) fala
de experiências humanas.
Logo, independente de etnia, cor de pele, tipos de cabelo, cor de olhos, qualquer
ser humano possui sentimentos e emoções. E as histórias trabalham com isso: como
solucionamos questões. Essas soluções não se referem apenas ao aspecto lógico, mas
principalmente ao estado de espírito com o qual se encara aquela situação.
Assim, o contador que trabalha alerta, vai trazer essas sensações à superfície do
seu corpo e da sua oralidade, para que elas atinjam os espectadores/ouvintes.
Contar histórias é uma questão de intimidade. Essa pode ser uma visão, no
mínimo inquietante par nós ocidentais, que relacionamos a palavra intimidade à
separação do nosso campo pessoal, distante de outras pessoas.
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Portanto, respeitemos aqueles que se abriram às histórias que temos a dividir.
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4. O ESPAÇO DA CONTAÇÃO – ALGUMAS DICAS SOBRE A CONSTRUÇÃO DE ESPAÇO NA
CONTAÇÃO
Cenário
Assim, perceba o ambiente em que você vai contar: que iluminação existe,
disposição de assentos ele tem. Qual o seu campo de ação cênica. É comum que a
contação de histórias se dê num plano que contenha tanto o contador quanto o público,
ao contrário do espetáculo teatral no palco italiano, em que o público é apartado dos
atores. Neste ambiente à italiana, o cenógrafo pode trabalhar livremente de maneira a
responder ao que é inerente ao espetáculo em si, aos simbolismos pretendidos, sem se
preocupar, a priori, com o espectador. Na contação, o espaço deve ser pensado
necessariamente com a certeza de que o público vai se tornar um dentro do ato.
Assim, se é desejado o uso de cenário, ele deve ser feito de tal maneira que o
espectador ainda sinta o espírito de intimidade essencial à contação de histórias. No
entanto, essa não é uma tarefa tão simples e, quase sempre, pode acontecer a gradação
do contador à categoria de ator, caso o público seja ignorado através da construção da
quarta parede, o que fatalmente leva este público a se sentir dentro de uma peça teatral
sem palco.
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É necessário rever o que foi dito aqui: não há a intenção de se afirmar que o
contador de histórias não tenha o direito de possuir um espaço próprio para sua evolução
ou permanência; ele não só tem esse direito, mas também o de produzir mecanismos
para que ele conduza satisfatoriamente o processo da contação, sob o risco de que ela
perca o tempo ideal para sua realização plena. Sem dúvida, quando há interferências
demasiadas por parte do público, a fruição é prejudicada. Saem perdendo o contador e o
próprio público.
Sendo assim, para falar do cenário, é importante não esquecer o tempo dele, ou
seja, a funcionalidade e a utilização dele.
Iluminação
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Outra maneira de se marcar o espaço simbólico visualmente é através da
iluminação. Mais uma vez, enfoca-se a necessidade de o contador não perder a essência
da contação de histórias: a história em si e a manutenção do fator intimidade. Assim, de
modo a não perdê-los, a iluminação também será utilizada de modo a representar as
emoções e/ou sensações através da cor. A segunda possibilidade é a de ela funcionar
como uma lente direcionadora, do mesmo modo que no cinema, de maneira a chamar
atenção a um certo elemento, o qual servirá de motivo simbólico em função da história
contada.
O olhar
Por último, mas essencial: quando se fala de espaço de ver, não se pode deixar
de lado o olhar, este não só o ato de olhar do expectador para o entorno, mas o jogo de
olhar entre o contador e o público.
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Eros e Tanatos, a pulsão de vida e a pulsão de morte, respectivamente. Uma vez que a arte é criação, e o
contato com ela faz com que nos transformemos, toda vez que um indivíduo é imerso em processo artístico ele
morre, em termos de que seu padrões antigos terão de abrir espaço para o novo – assim tem-se uma estrutura
completamente diferente da anterior - para então ressurgir. É o princípio da Fênix embutido no fenômeno da
percepção.
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Olhar para uma pessoa e falar para ela significa torná-la existente no mundo;
quando o contador se conscientiza deste fato, deixá-lo claro para o espectador só conta
pontos para a atração entre público e história.
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4.2. ESPAÇO DE OUVIR
Ritmo
Assim que o contador escolhe uma história para contá-la, já se tem aí o primeiro
ouvinte da mesma: o próprio narrador. Ao ouvir as palavras do autor, todo o processo
esperado de um expectador acontece com ele mesmo. Logo, antes de ser um contador,
aquele que se propõe a narrar uma história deve decodificá-la de modo a extrair dela o
espaço simbólico a ser repassado aos próximos ouvintes. Portanto, cheguemos à seguinte
conclusão: que seja escolhida uma mesma história por dois contadores diferentes; essa
nunca será contada da mesma maneira pelos dois narradores, e nem mesmo de maneira
exata a que foi contada pelo primeiro autor.
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do mesmo modo que no senso comum. Assim, quando o contador “ouve” a voz do autor,
ao reproduzi-la haverá mais um processo de mimesis, ou seja, de re-representação
daquele mundo contido na história, que a reprodução automática das palavras escritas.
Ou seja, por mais que se tenha um roteiro a ser seguido, a não ser que este seja decorado,
as palavras enunciadas pelo contador serão suas e somente suas .
Sonoridade
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O som na contação de histórias pode ser considerado de duas maneiras: quanto
à voz do contador e quanto à utilização de sonoplastia. Esta, assim como os objetos
cênicos, deve se ajustar aos simbolismos pretendidos pelo narrador, sob pena de se
tornar apreciação musical ou experimentação sonora, desvinculando-se da história em si.
No tocante à voz, uma vez que a intimidade é permitida, ela deve ser explorada
quanto a seu volume, seu timbre, podendo produzir não só a fala, como também a
utilizando musicalmente. Como a fala possui ritmo, simbolizá-lo só faz ajudar na
seqüenciação da história. O ator e diretor Sotigui Kouyatê refere-se à voz como o mais
importante instrumento do contador de histórias, e não apenas pelos motivos óbvios,
mas pela riqueza de “vozes” que um aparelho fonador bem trabalhado pode apresentar.
Portanto, modular a voz, de maneira a evitar a monotonia – um só tom de voz – é
importante, pois que, ao fazê-lo, o contador assegura-se de que o ouvinte não perca
pedaços da história por conta de uma dessintonização com a freqüência vocálica do
narrador.
Quanto à altura da voz, ela também influi, de maneira que o contador deve estar
sensível a quebrar, com a sua própria altura de voz, os momentos de dispersão; se o
público começa a falar alto, tentar competir com ele não será uma atitude inteligente.
Observa-se que quanto mais o contador se centraliza em um determinado espectador e
fala somente pra ele, tanto mais a atenção é retomada.
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o desejado, a não ser que seja essa a reação almejada. Por isso, ao se aproximar, a voz
deve estar em volume de conversa quando falando em direção à pessoa, podendo ter seu
volume aumentado quando em direção aos restantes. Essa não é uma regra, mas uma
forma de assegurar que a intimidade não será confundida com agressividade, uma vez
que já estamos invadindo o espaço do espectador.
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4.3. ESPAÇO DE AROMA E SABOR
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4.4. ESPAÇO DE TOCAR
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preservar a egrégora intimista e não utilizar o público como escada para improvisações de
mau-gosto.
Pode-se enfocar a questão do toque por um outro viés: de certa maneira, este
tópico tem a ver com o espaço visual, uma vez que, em se tratando de crianças, uma
cenografia que as encante, possibilita e impele as mesmas a tocarem-na, um impulso
natural a suas faixas etárias. Esse é um espaço deveras delicado de se “tocar”, pois que,
quando se trata de um público infantil, a permissão para tocar muitas vezes desloca o
foco da história contada para o objeto a ser tocado. Assim, o contador deve estar sensível
ao tempo específico para esse contato, a fim de que a intimidade criada entre narrador e
espectadores não seja quebrada.
Ainda assim, aproveitando essa pulsão natural, o contador pode explorar essa
característica proporcionando objetos que possam circular por entre os participantes.
Trata-se de uma estratégia, inclusive, eficiente sobremaneira quando se trata de um
público com necessidades especiais de qualquer natureza. Observa-se que estes já têm
uma tendência a construir afetividade para com aqueles que se dedicam a eles, mesmo
que seja por pouco tempo, como é o caso da duração da contação de histórias. Esses
participantes atentos são, portanto, incluídos na dinâmica da contação sem prejuízo do
fator intimidade, e favorecendo suas próprias capacidades de apreciação e percepção da
história.
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4.5. ESPAÇO DE CARACTERIZAÇÃO
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máscara, esta só deve ser retirada no final do ato da contação, a fim de que não se haja
confusões sobre quem é o emissor da mensagem por parte dos ouvintes. Em suma, uma
vez que o personagem conta a história, ele deve levá-la até o final – a não ser que seja
pretendida tal confusão pelo próprio contexto da história.
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No Teatro grego, as máscaras eram chamadas persona; de tamanho sempre exagerado, para facilitar a visão
distanciada que o público tinha do que acontecia no proskénion, elas representavam personagens estilizados.
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maior parte do tempo: se a história é o foco da contação, e ela é transmitida através do
meio contador – e sabe-se que, culturalmente, não há permissão para apresentações em
que o nu seja encarado de maneira natural, o que significa a inexorabilidade do fator
vestir-se – o público estará sempre percebendo o figurino, nem que seja de maneira
subliminar. O professor Patrice Pavis (PAVIS: 1996, p. 164), em A análise dos espetáculos,
afirma, inclusive parafraseando Roland Barthes:
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4.6. ESPAÇO DE SE RELACIONAR
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O maior distanciamento entre a o lugar platéia e o palco tem seu início com Wagner, a partir de contestações
acerca da espacialidade cênica, a qual englobava tanto os atores quanto a orquestra. Desloca-se esta para um
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Portanto, a interação contador-público é fatal na contação de histórias, este fatal
com o sentido de fato, inexorável à percepção humana de distância. Logo, o narrador
pode, inclusive, dar o primeiro passo: sair de seu lugar e invadir o espaço do público.
Circular no espaço do público requer atenção, pois que esse circular não pode se
transformar em um mero andar-para-lá-e-para-cá, ao léu, sem saber para onde ir, onde
ficar, com o objetivo único de não ficar parado. Se isto acontece nessas condições, é
preferível que o contador permaneça em seu lugar, durante toda a história.
Circular pelo espaço é fazer com que cada passo dado se torne uma retomada do
público para dentro da dinâmica da história a ser contada; é um circular que tem como
alvo a força centrípeta4, e não a centrífuga, isto é, trazer o ouvinte para o olho do furacão,
a fim de que ele consiga acessar toda a trama que ocorre a sua volta. Ou como em um
jardim japonês: cada movimento é realizado de tal modo a levar todo acontecimento a se
realizar no meio, no centro; enquanto, para a cultura japonesa, este centro é geométrico,
para a contação ele é o centro afetivo. Quando este centro é construído, o participante
torna-se um com o todo, torna-se íntimo da história, da contação. Ressurge o senso
primeiro da contação: a coletividade, a intimidade.
fosso a frente do palco, fazendo com que desapareça visualmente, privilegiando a sua atuação musical,
permitindo-se maior liberdade espacial tanto para a evolução dos atores quanto para a criação cenográfica.
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Na Física, há dois tipos de força, quando se trata de movimentos feitos em trajetórias circulares: a força
centrípeta e a força centrífuga. Esta lança o objeto para fora da trajetória circular, este fora, formando uma
trajetória tangente ao ponto em que o objeto fora lançado para fora do círculo (caso esta força seja maior que a
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5. MORAL DA HISTÓRIA – OU “AHH! JÁ ACABOU!”
outra). Já a primeira puxa-o para o centro do círculo, o que faz com que o objeto se mantenha na trajetória, pois
que equilibram-se as duas forças.
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Mesmo que não haja elementos cênicos, que a voz e o corpo sejam os pilares da
performance, existe a criação de um espaço cênico subjetivo, aberto às realizações
cognitivas de cada indivíduo que forma o ser “platéia”.
Porém, subsiste uma questão: tornar o público líder de um processo artístico não é
desautorizar a criação individual do atuador? Entramos no ponto mais belo dessa relação.
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como capaz de se tornar sujeito no espaço cênico, oferecendo-lhe subsídios, mesmo que
apenas de natureza cognitiva, para interferir no apresentado a ele.
Para cada rito, uma história. Cada história uma explicação do universo. Como
necessitamos conhecer o mundo a nossa volta ainda nos nossos dias...
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Como precisamos nos perceber em uma dimensão planetária.
Sugere-se, no entanto, que esta trindade receptiva seja imagina não de forma linear
ou triangular, mas como um círculo, uma espiral, posto que, após katharsis,
inexoravelmente poiesis retoma seu lugar reorganizatório, resultado da experiência fruída
pelo espectador e, como a própria significação etimológica sugere, constituindo-se como o
processo de criação, o indivíduo tomado pelo gênio (re)criativo da obra apresentada a ele,
o fruidor que se torna co-autor da história.
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Contar histórias vai além de informar, de passar a frente um fato, um ato. Ao
contar uma história, o contador nunca está sozinho; há toda uma egrégora humana que o
carrega e à história; que a influencia, que a modifica, que a recria.
O público se torna contador ele mesmo. A história já não é mais do autor, nem
do contador; este representa apenas um único papel: o de fazer com que o ouvinte não
perca “o fio da meada”, o fio da história, aquele que constrói a trama, que constrói o
tecido, a teia, sobre a qual aquele que percebe e experiência a história vai se deixar
prender. Somente neste momento ela se torna verdadeiramente domínio público.
É assim que os africanos vêem a beleza das aranhas que tecem fios, dia e noite.
Fios que se tornam tramas. Estas tão fortes que poderiam prender uma pessoa, se nas
devidas proporções.
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6. DICAS DE EXERCÍCIOS PARA A VOZ:
2. Respiração total
inspirar e expirar de tal modo a evitar que os ombros subam; imagine que o ar
pode descer até o seu ventre. Ao inspirar, expanda-o; ao expirar, retraia-o.
3. Exercitando o diafragma
Inspire e:
- Solte o fonema “s” quatro vezes estacadas em seguida, “s” contínuo como se fosse
uma bexiga esvaziando.
4. Vibrações
5. Articulação oral
- limpar os dentes.
- fazer caretas
6. Vocalizações
- “a”, “e”, “i”, “o”, “u” – sempre atento à respiração total, para que a voz não se
concentre na garganta.
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Lembre-se: esses exercícios tem a ver com a projeção da voz. Projetar não é o mesmo
que gritar!
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7. CONSTRUINDO A TEIA, OU TRANSFORMANDO A HISTÓRIA EM CONTAÇÃO
2. Escolha ou crie um modo de iniciar e finalizar a contação. Pode ser uma quadrinha,
uma música, um jogo corporal. Isso é importante para demarcar o mundo
ordinário do mundo extraordinário em que estamos prestes a adentrar.
3. Ao escolher uma história para contá-la, investigue suas várias versões. Isso é
importante para completar percepções distintas. Lembre-se que a história possui
camadas e cada versão que você encontrar, dependendo de quem a conta e quem
a escreve pode trazer coisas novas.
5. História escrita não é o mesmo que história oralizada; portanto, após escrever a
sua versão, oralize a história, conte-a em voz alta. Muitas vezes, o que cabe no
escrito não vai se dar do mesmo jeito no oral – de palavras a ordens de frases.
Lembre-se de que o corpo fala. Ao oralizar a história, você faz com que as suas
sensações internas comecem a se exernalizar – o ponto da contação!
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7. Para que público você vai contar? Isso vai determinar os adjetivos, expressões,
advérbios e outros mecanismos lingüísticos que serão utilizados por ti.
8. Para que público você vai contar? Isso vai determinar o tempo de duração da
história.
9. Perceba aquele mundo sendo construído ao seu redor. Lembre-se das sociedades
orais: a memória pertence ao presente. Logo: as coisas na história vão
acontecendo, à medida em que vão acontecendo. Não antecipe palavra, gestos, ou
corra com a história. Quanto mais você perceber essa descrição e imaginar as
coisas no seu tamanho, peso, densidade, sensações, o seu corpo responderá a isso
e essas imagens corporais vão atingir os espectadores.
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8. ALGUMAS TEIAS OU TRÊS HISTÓRIAS
Houve um tempo em que na terra não havia histórias para se contar, pois todas
pertenciam a nyame, o deus do céu. Kwaku ananse, o homem aranha, queria comprar as
histórias de nyame, o deus do céu, para contar ao povo de sua aldeia, então por isso um
dia, ele teceu uma imensa teia de prata que ia do céu até o chão e por ela subiu.
Quando nyame ouviu ananse dizer que queria comprar as suas histórias, ele riu
muito e falou: - o preço de minhas histórias, ananse, é que você me traga osebo, o
leopardo de dentes terríveis; mmboro os marimbondos que picam como fogo e moatia a
fada que nenhum homem viu.
Ele pensava que com isso faria ananse desistir da idéia, mas ele apenas respondeu:
- Ora ananse, como pode um velho fraco como você, tão pequeno, tão pequeno,
pagar o meu preço?
Mas ananse nada respondeu, apenas desceu por sua teia de prata que ia do céu
até o chão para pegar as coisas que deus exigia.
Ele correu por toda a selva até que encontrou osebo, leopardo de dentes terríveis.
- aha, ananse! Você chegou na hora certa para ser o meu almoço.
- o que tiver de ser será - disse ananse - mas primeiro vamos brincar do jogo de
amarrar?
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- com cipós, eu amarro você pelo pé com o cipó, depois desamarro, aí, é a sua vez de me
amarrar. Ganha quem amarrar e desamarrar mais depressa. - disse ananse.
- muito bem, rosnou o leopardo que planejava devorar o homem aranha assim que
o amarrasse.
Ananse, então, amarrou osebo pelo pé, pelo pé e pelo pé, e quando ele estava
bem preso, pendurou-o amarrado a uma árvore dizendo:
- agora osebo, você está pronto para encontrar nyame o deus do céu.
Aí, ananse cortou uma folha de bananeira, encheu uma cabaça com água e
atravessou o mato alto até a casa de mmboro. Lá chegando, colocou a folha de bananeira
sobre sua cabeça, derramou um pouco de água sobre si, e o resto sobre a casa de
mmboro dizendo:
- agora mmboro, você está pronto para encontrar nyame, o deus do céu.
Depois, ele esculpiu uma boneca de madeira, cobriu-a de cola da cabeça aos pés, e
colocou-a aos pés de um flamboyant onde as fadas costumam dançar. À sua frente,
colocou uma tigela de inhame assado, amarrou a ponta de um cipó em sua cabeça, e foi
se esconder atrás de um arbusto próximo, segurando a outra ponta do cipó e esperou.
Minutos depois chegou moatia, a fada que nenhum homem viu. Ela veio dançando,
dançando, dançando, como só as fadas africanas sabem dançar, até aos pés do
flamboyant. Lá, ela avistou a boneca e a tigela de inhame.
- bebê de borracha. Estou com tanta fome, poderia dar-me um pouco de seu
inhame?
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Ananse puxou a sua ponta do cipó para que parecesse que a boneca dizia sim com
a cabeça, a fada, então, comeu tudo, depois agradeceu:
E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando com sua mão presa
na sua bochecha cheia de cola. Mais irritada ainda, a fada ameaçou de novo:
- bebê de borracha, se você não me responde, eu vou lhe dar outro tapa.
E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando agora, com as duas
mãos presas. Mais irritada ainda, a fada tentou livrar-se com os pés, mas eles também
ficaram presos. Ananse então, saiu de trás do arbusto, carregou a fada até a árvore onde
estavam osebo e mmboro dizendo:
- agora mmoatia, você está pronta para encontrar nyame o deus do céu.
Depois, ele teceu uma imensa teia de prata em volta do leopardo, dos
marimbondos e da fada, e uma outra que ia do chão até o céu e por ela subiu carregando
seus tesouros até os pés do trono de nyame.
- ave nyame! - disse ele - aqui está o preço que você pede por suas histórias:
osebo, o leopardo de dentes terríveis, mmboro, os marimbondos que picam como fogo e
moatia a fada que nenhum homem viu.
Ananse, maravilhado, desceu por sua teia de prata levando consigo o baú das
histórias até o povo de sua aldeia, e quando ele abriu o baú, as histórias se espalharam
pelos quatro cantos do mundo, vindo chegar até aqui!
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8.2. A menina e a figueira
Aconteceu em um lugar... havia duas casas. Em uma delas, morava um pai e uma
filha que se amavam muito.
Na casa ao lado, vivia uma vizinha, que vivia sozinha. Isso porque era bem
fofoqueira. Fofoqueira, mas apaixonada pelo pai. Mas o pai...
Decidida que iria se casar com pai, ela teve uma grande idéia: conquistar a filha, pra
depois, conquistar o pai.
E todo dia, quando a menina estava brincando na calçada, a vizinha ia até ela e lhe
dava um presente. A menina ficava muito feliz. E aos pouquinhos, foi gostando mais e mais
da vizinha, até o ponto de querer que ela fosse a sua mãe!!!
Pois um dia, a vizinha disse à menina:
- Minha queridinha! Se você quiser eu posso ser sua mãe. Mas para isso, você
precisa me ajudar a casar com o seu pai!
E a menina naquele dia mesmo pediu, pediu e pediu pra que ele se casasse com
aquela mulher que era tão legal, tão legal, que podia ser a mãe dela!
O pai riu das coisas que a menina falava. Mas, vou dizer a vocês: a partir daquele
dia, ele começou a olhar para a vizinha diferente, bem diferente!
Tanto que começou a gostar.
Tanto que começou a namorar com ela.
Tanto que se casou com ela.
No dia do casamento, a mais feliz dos três era a menina que já sonhava com a vida
maravilhosa que ela teria daquele dia em diante.
Pois no dia seguinte, ela deitou a cabeça no colo da madrasta (sim, porque agora a
vizinha era a madrasta dela) e disse: "ô, mãezinha, é hoje que você vai me dar um
presentinho?"
- Presente? Que presente, menina! Você só pensa nessas coisas. Aliás, quer saber:
poder começar a limpar esse chão. e depois pode lavar a louça, e depois tire o pó dos
móveis e depois lave a roupa e blá blá blá blá!!!!!!!!!!
Mas não foi isso:
- E mais: a partir de hoje, você não brinca mais nem aqui, nem na rua, nem em lugar
nenhum, pois isso é coisa de crianças preguiçosa!!!!!!!!!!!
Foi assim mesmo: desde aquele dia, a vida da menina foi a mais triste das mais
tristes vidas...
Mas o pior ainda viria: o pai tinha de viajar e passaria três dias fora de casa.
A mulher já começou a pensar no que faria com a menina.
Quando o pai virou a esquina, a madrasta estava na janela. Olhou pro jardim e viu:
uma figueira, a árvore preferia do pai da menina. Ela estava cheia de figos.
A madrasta pegou a menina pelo braço, levou até o quintal e disse:
- Menina! E vou sair agora e você vai passar o dia inteiro aqui espantando os
passarinhos dessa árvore. Quando eu voltar, se houver um figo bicado... Aah! Menina!
Você não sabe do que sou capaz!
A madrasta saiu e a menina ficou ali espantando os passarinhos.
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Até que ela ouviu o som das crianças brincando na rua... e foi brincar também!
Correu, pulou, subiu, caiu, levantou, gritou, riu... o dia inteiro. Mas o dia passou.
Quando a noite chegou, a madrasta também veio.
E viu os figos da árvore todos bicados!
Cheia de raiva, começou a cavar, cavar, cavar.
Puxou a menina e levou-a até o buraco... e jogou-a lá dentro.
E tapou, tapou e tapou.
Ai, a sorte da menina é que o pai desistiu da viagem. Quando olhou pro jardim,
chamou logo o jardineiro.
Ele começou a capinar, a capinar... até que ouviu uma vozinha fraquinha cantando
aos pés da figueira.
O jardineiro reconheceu a voz da menina e chamou o pai. Quando ele ouviu o canto
da menina, começou a cavar, a cavar... e tirou a menina lá de dentro, ainda viva!
E olhe só: quando ia levando a menina pra dentro de casa, eles viram quem tentava
fugir: a madrasta!
Ah! O jardineiro correu atrás dela e a segurou. O pai, quando olhou pra ela, disse:
- Você nunca mais vai fazer mal pra ninguém!
E foi assim mesmo: a madrasta foi presa e nunca mais fez mal a ninguém. Nem pra
adulto, nem pra criança.
E dizem que o pai e a filha viveram muito felizes. Dizem até que ele se casou de
novo. Mas dessa vez, a mulher foi bem diferente: era uma rainha pra ele e uma fada pra
menina."
Esse é um conto popular bem antigo. Pode ser encontrado em várias versões
diferentes e com vários títulos diferentes também.
Como diz aquele ditado dos pontos que vão aumentado ou diminuindo, à medida
que a gente conta as histórias, essa é a maneira que eu gosto de contar esta história:
trazendo-a pra bem perto da gente, da nossa época, sem que ela perca nada da sua
essência: a crueldade da madrasta, o sofrimento da menina, o engano do pai, continuam
marcados, formando essa trama, que poderia realmente ter acontecido em qualquer lugar.
Quem sabe, bem na nossa rua.
E mesmo que não, a história continua reverberando a sua verdade dentro da gente.
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8.3. Aracne – mitologia grega
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- Não! – dizia Aracne – Eu sou a melhor tecelã. Até mesmo que a própria deusa
Atena. E digo mais: se houvesse uma competição entre nós duas, não há dúvida sobre
quem venceria – Eu!
As pessoas ficaram pasmas ao ouvirem aquelas palavras. Como Aracne tinha
coragem de mencionar um desafio como aquele?
E como as pessoas gostam de fofocar, foram passando umas às outras:
- Aracne disse que é melhor que Atena! Aracne disse que é melhor que Atena!
E aquelas palavras chegaram aos ouvidos de Atena. A deusa ficou triste, chateada,
passada, irritada! Como aquela humana poderia desafiá-la daquele jeito?
E decidiu dar uma lição em Aracne.
Seus cabelos se tornaram brancos, suas costas arquearam e sua pele enrugou. E foi
assim, como uma velha, que Atena foi até a casa de Aracne. Quando esta abriu a porta, foi
logo colocando a senhora para dentro e perguntando se desejo algo em especial.
A velha disse: “Sim! Eu desejo lhe alertar: desista de desafiar Atena. Você não pode
se comparar a uma deusa!”
Aracne pegou as mãos da velha e disse: “Muito obrigada! Mas eu sou melhor que
Atena!”
Ao ouvir aquelas palavras diretamente de Aracne, Atena revelou a sua forma
original e disse:
- Então, vamos ao desafio!
As duas seguiram para a praça central, munidas de seus fios e teares. Uma multidão
as seguia, pois todos queriam ver o duelo entre Atena e Aracne.
Montaram seus teares e, uma de frente a outra, começaram a tecer.
O desafio durou horas e horas e horas; e dias e dias e dias.
As pessoas se revezavam, tentando acompanhar o duelo entre a deusa e a mortal.
E se passaram treze dias.
Atena mostrou seu tecido. Aracne, o seu.
Que beleza! Atena havia tecido um outro duelo em que havia tomado parte. Mas,
daquela vez, com o deus Podeidon, o deus dos mares. Foi quando os dois disputavam
quem seria o padrinho da cidade de Atenas. Pelo nome, já se sabe quem venceu!
Sim, foi Atena, pois desafio seria cada um criar algo importante para a idade.
Poseidon criou um rio salgado. Muito bom. Mas já havia o mar, para quê um rio salgado?
Atena criou uma oliveira – dava comida, óleo e madeira, além de ser o símbolo da
paz.
Foi uma bela cena para ser tecida com aqueles belos fios.
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Quanto a Aracne... ela teceu o amor. Mas de uma maneira bem irônica: ela teceu
todos os amores de Zeus, o pai de Atena. É sabido que Zeus adora conquistar mulheres,
sejam elas deusas ou mortais. E faz de tudo para conseguir isso. Até mesmo se disfarçar em
animais (lembram da brincadeira com Métis, no início da história?).
Então, teceu: Zeus em forma de cisne, Zeus em forma de águia, Zeus em forma de
serpente, Zeus em forma de touro e, até mesmo, Zeus em forma de chuva de ouro!
Atena passou a analisar o tecido de Aracne. Era perfeito.
Até melhor que... o dela própria!
E todos ali na praça podiam ver: uma deusa sendo vencida por uma humana. Aquilo
era humilhação demais para Atena. E ainda por cima, as pessoas riam do tecido feito por
Aracne, com aquele desenho que zombava das conquistas amorosas de seu pai.
Triste, chateada, passada e irritada com tudo aquilo, Atena não mediu: Empurrou
Aracne e começou a rasgar o tecido feito pela rival. Até não sobrar fio inteiro sequer.
Aracne, vendo a sua grande obra de arte destruída por inveja, chorava e chorava.
Ela havia dado tudo de si. Feito mais e melhro do que ela havia feito antes.
Sentindo-se vazia e dilacerada como o seu tecido, Aracne se enrolou nos fios e se
enforcou.
Atena então percebeu o que fizera. Apenas por raiva. Era justo que Aracne fosse
melhor. Mesmo melhor que ela, uma deusa.
Arrependida, Atena trouxe Aracne à vida novamente, mas não na sua forma
original, e sim em forma de um outro animal: uma aranha.
Assim, Aracne poderia ensinar a toda natureza e também aos deuses e aos
humanos, a arte de tecer os tecidos mais finos e com os desenhos mais distintos de todo o
universo.
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9. ALGUNS NOVELOS OU SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
As mil e uma noites: contos árabes. Tradução de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: Revan,
2000. 2.ed.
CASCUDO, Luis da Camara. Contos tradicionais do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1986.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com lobos: mitos e histórias do arquétipo da
mulher selvagem. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
MARTINS, Maria Luísa Soriano. Contos árabes para jovens de todos os lugares. Ilustrações
de Marcelo Bicalho. Belo Horizonte: Alis / Algazarrra editorial, 2002.
MATOS, Gislayne Avelar. A palavra do contador de histórias. São Paulo: Martins Fontes,
2005.
PEDROSO, Consiglieri. Contos populares portugueses. Lisboa: Nova Veja, 2007. 8.ed.
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PHILIP, Neil. Volta ao mundo em 52 histórias. Ilustrações de Nilesh Mistry. Tradução de
Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998.
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http://www.gazetanews.com/arte_cultura.php?cd_noticia=6953
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http://articles.sun-sentinel.com/2007-04-21/news/0704200497_1_african-culture-cultural-
center-two-authors
http://blogstoriasessenciais.blogspot.com/2008/03/arte-de-contar-histrias.html
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Atriz, contadora de histórias e educadora.
No CCBB Educativo, esteve por dez anos desenvolvendo ações educativas relacionadas a
Patrimônio, Literatura e Artes.
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Alguns eventos participados:
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