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€ Gerinelson Oliveira Dantas, 2006

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – Nos termos


da lei que resguarda os direitos autorais, ‚ proibida
a reproduƒ„o total ou parcial deste documento, sem
permiss„o, por escrito, do autor.

Di Dante, Geri
D555g Garotos de pens„o / Geri Di Dante. – Aracaju: Ed. do
do Autor, 2006.
123p.

1. Literatura brasileira – Teatro – Drama. 2.


Literatura adulto. I. Dantas,
Gerinelson Oliveira. II. T…tulo.

CDU 821.134.3(81)-2

† Documento registrado na forma da lei.

Comunicaƒ„o com o autor:

E-mail: gerididante@hotmail.com
gerididante@rocketmail.com

1
Quando se escreve com amor, at€ mesmo a mais vil
das acusa•‚es perde o sabor de fel!
O Autor

2
ARGUMENTO DE “GAROTOS DE PENSˆO”

Dona C‚lia, proprietŠria de pens„o, aluga


quarto para tr‹s jovens: Lucas, estudante de
direito; Pedro, empregado de indŒstria, e Tavico,
jovem que trabalha em casa noturna.
Com a chegada de Juca, jovem t…mido,
vindo do interior para estudar na cidade. A vida
desses garotos, especialmente a de Tavico n„o mais
ser„o as mesmas.
Emocionante e instigador, Garotos de
Pensƒo, ‚ uma hist•ria sobre sonhos, amizades
verdadeiras e um grande e proibido amor.

3
Personagens

Tavico
Lucas
Pedro
Juca
Faxineira
M€dico
Av„ de Juca
Voz do Apresentador
Taxista
Voz do Pit Boy 1
Voz do Pit Boy 2
Vozes dos Pit Boys
Voz do Policial 1
Voz do Policial 2
Voz do M€dico
Voz da Enfermeira
Voz da Central de Emerg…ncia
***

4
(O quarto de pensƒo tem dois beliches. Uma
emparelhada † outra. Uma delas se apresenta bem
arrumada. As demais apresentam os len•‡is
desarrumados, cuecas e camisas enfiadas nas
cabeceiras. Uma pequena c„moda, e espelho, um
guarda-roupa, uma escrivaninha, com alguns livros
em cima, uma pequena agenda aberta, na parte
central, al€m de um estojo de lˆpis, no lado direito.
Em uma das paredes, hˆ um pequeno quadro, cujo
motivo € um barco na beira da praia, completando o
cenˆrio. Entra em cena, um rapaz aparentando
vinte anos de idade, corpo escultural, protegido com
uma toalha em volta da cintura. A luz € central.)

TAVICO

(Cantarolando) Tchu... Tchu... Tchu... (Arriscando


um passo de dan•a. Neste momento entra a
m‰sica. Dirige-se assoviando ao guarda-roupa,
pega uma cueca e veste, pega uma cal•a jeans
surrada e uma camiseta, bem cavada. Pega um
velho par de t…nis, tamb€m surrado. Senta-se na
cadeira da escrivaninha. Fica pensativo por alguns
instatintes. Veste a cal•a. Š interrompido pelas
batidas na porta.) Entre! (Vestindo a camiseta)

(Entra a faxineira, de ar saliente, trajando vestido


curto e avental.)

FAXINEIRA

OlŠ Tavico! (Observando o quarto)

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TAVICO

(Olhando para ela) O que veio fazer aqui, gostosa?


(Levanta-se, ajeitando a camiseta dentro da cal•a,
torna a sentar) Nossa, que cheiro bom. Que
perfume ‚ esse? (Cal•a o t…nis)

FAXINEIRA

Foi meu namorado quem me deu. (Supervisionando


o quarto) Como voc‹s conseguem viver nesta
bagunƒa?! (Pausa)
TAVICO

(Com um riso ir„nico, aproxima-se dela e toca-lhe o


queixo) Vivendo, gostosa. Vivendo... Fazer o qu‹?!
(Olhando firmemente, para ela) A cada dia que
passa essa sua bunda... (Toca) fica mais
excitante...

FAXINEIRA

(Decidida) Deixe de ironia, seu cara de pau!


(Aproxima-se de uma das camas vazias, por€m
quase arrumada. Inclina-se e passa a mƒo de forma
suave, na tentativa de ajeitar algumas dobras.)

TAVICO

(Ajeitando a genitˆlia) E a…, gostosa, em vez de


acariciar uma cama vazia, n„o prefere acariciar o
gostos„o, aqui?!

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FAXINEIRA

(Desdenha) Deixe de ser metido a gostoso.


(Aproximando-se dele)

TAVICO

Olha que estou dispon…vel, aproveite!


FAXINEIRA

Euzinha, aqui, jamais...

TAVICO

At‚ agora nunca recebi nenhuma reclamaƒ„o. (Pega


a toalha e estende na cabeceira da cama)

FAXINEIRA

(Desdenha) HŠ gosto pra tudo.


TAVICO

(Curvando-se, em rever…ncia) O que deseja,


ent„o?!

FAXINEIRA

(Ironizando) A fofa aqui, veio apenas dar um recado


da Dona C‚lia.

TAVICO

Ent„o fale! (Ajeita os cabelos diante do espelho da


c„moda)
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FAXINEIRA

JŠ vai pra farra?

TAVICO

(Aproxima-se dela) N„o. (Tenta dar um beijo na


boca dela)

FAXINEIRA

(Reage com firmeza) Nem pensar! Essa boquinha


estŠ reservada exclusivamente para uma pessoa
muito especial... (Ironizando) E voc‹ n„o ‚ essa
pessoa! Bem, Dona C‚lia mandou avisar que vai
chegar um sobrinho dela, que morava com o avŽ no
interior, mas ele morreu. A… ele ficou sozinho... E
dona C‚lia ‚ a Œnica parente dele. Bem, o recado jŠ
foi dado... (Saindo, dˆ uma ‰ltima olhada para traz.
Fecha a porta.)

TAVICO

(desapontado, sussurra) Se eu pego esta gostosa...


(Ajeitando a genitˆlia. Vai procurar algo no guarda-
roupa.)

(Entra Lucas, rapaz aparentando dezenove anos,


sorridente, usa traje esporte. Na cabe•a, uma boina
preta. Em uma das mƒos, carrega alguns livros.)

LUCAS

Oi! (Deposita os livros na escrivaninha)


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TAVICO

(Volta-se para o amigo) E a… Lucas, como foi a


aula?!
LUCAS

(Com ar de felicidade) Tavico, fiz uma prova de


lascar, mas respondi a todas as quest•es. Acho que
tenho boas chances de conseguir a bolsa de estŠgio
na Su…ƒa. (Dˆ um salto, acompanhado de um
gritinho) Uh!

TAVICO

• isso a… guri! (Abra•a) E a…, tu n„o tŠ a fim de curtir


essa noite?!

LUCAS

N„o, eu n„o posso! Amanh„ cedinho tenho que


procurar emprego, o dinheiro que meus pais me
enviam jŠ estŠ acabando e n„o estŠ dando para as
minhas despesas... A mensalidade da faculdade vai
aumentar e eles n„o poder„o arcŠ-lo.

TAVICO

EstŠ bem, ent„o! (Dˆ uma ‰ltima olhada no espelho


da porta do guarda-roupa, pega a mochila que estˆ
na cabeceira da cama) Tchau! (Saindo)

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LUCAS

Tchau! (Tira a boina, os sapatos e os coloca


embaixo da cama, retira toda a roupa e coloca tudo
no cabide, em seguida p‚e no guarda-roupa. Fica
somente de cueca. Assoviando, cal•a o chinelo,
pega o roupƒo que estˆ sobre a cama e veste, em
seguida pega a toalha que se encontra estendida na
cabeceira da cama e a p‚e no ombro. Pega a cueca
que estˆ num cantinho da cama, dˆ uma leve
cheirada, aprova-a e sai.)

(Em seguida, entra Pedro, rapaz, aparentando vinte


anos, usa um pequeno bigode e ‡culos de grau.
Vestindo-se de maneira mais formal. Porta uma
pequena valise)

PEDRO

Boa noite, graciosa!

FAXINEIRA

Boa noite, gato!

(Pedro entra e fecha a porta. Deposita a valise e os


‡culos em cima da c„moda e em seguida senta-se
na cama. Levanta-se, pega uma caneta e o jornal,
na valise, volta a sentar-se na cama, e abre o jornal
na coluna de empregos. Circula alguns an‰ncios.)

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LUCAS

(Retornando) E a… Pedr„o, tudo bem?! (Estende a


cueca e a toalha na cabeceira da cama)

PEDRO

Estou um pouco cansado, andei o dia inteiro. (Fecha


o jornal e guarda-o de volta e retorna para a cama)
E o seu dia, como foi? (Tira os sapatos e deixa ali
mesmo, tira as meias, dˆ uma leve cheirada e as
coloca dentro dos sapatos, empurrando-os para
baixo da cama. Massageia os p€s.)

LUCAS

Um tanto cansativo (Abre o guarda roupa e ajeita os


cabelos diante do espelho)

PEDRO

E a prova?

LUCAS

(Para Pedro, sorridente) Carinha, eu fiz uma •tima


prova! Pe1o visto, sou um forte candidato ‘ bolsa.

PEDRO

(Levanta-se, tira as cal•as, ficando somente de


cueca e camisa) Que bom! Parab‚ns! (para si

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mesmo) Como gostaria de fazer uma viagem
dessas... seria uma grande guinada na minha vida.

LUCAS

E o trabalho?! (Tira o roupƒo e estende na cabeceira


da cama, ficando de cueca, em seguida pula na
cama)

PEDRO

TŽ no maior cansaƒo de tanto andar. Hoje s• peguei


clientes chatos. (Tira a camisa e joga na cama)
Preciso arranjar outro emprego... que pague
melhor. Trabalho feito um condenado e, no fim do
m‹s, uma mis‚ria! N„o dŠ nem pra mandar um
pouco pra minha m„e... (Pega a toalha na cabeceira
da cama e p‚e em volta da cintura) TŽ podre... Vou
tomar um banho e depois comer alguma coisa. (Vai
saindo, mas retorna. Pega uma cueca na gaveta da
c„moda.) At‚ jŠ! (Sai)

(Lucas deita e pega no sono. Pedro retorna com um


copo de leite e um sandu‹che em uma das mƒos, e
na outra traz a cueca, coloca o copo e o sandu‹che
em cima da escrivaninha; p‚e a toalha e a cueca na
cabeceira da cama e vai lanchar. Em seguida, deita.
A luz se fecha por completo e reacende lentamente
acompanhando o despertar de Lucas que se prepara
para o banho. Em seguida, Pedro acorda.)

LUCAS

Bom dia Pedro!


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PEDRO

(Surpreso) Que novidade ‚ essa, Lucas?!

LUCAS

(Procura algo no guarda-roupa) Vou procurar


emprego.

PEDRO

(Senta-se) Mas assim, t„o cedo?! (Espregui•a-se)


Procurar emprego?! E o dinheiro que seus pais
mandam?!

LUCAS

JŠ n„o dŠ mais... (Ajeitando o cabelo diante do


espelho da c„moda))
PEDRO

Ent„o peƒa mais... (Levanta-se)

LUCAS

N„o dŠ, carinha, eles jŠ me mant‹m com muito


sacrif…cio. (Procurando algo no guarda-roupa)

PEDRO

E que tipo de emprego voc‹ estŠ procurando?


(Aproxima-se de Lucas)

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LUCAS

(Decidido) Qualquer coisa! No momento eu aceito o


que pintar... (Acha uma cueca)

PEDRO

Por que n„o tenta um estŠgio?! (Abre uma das


gavetas da c„moda) SerŠ que voc‹ n„o consegue
uma colocaƒ„o em um desses escrit•rios de
advocacia?! (Pega uma camisa, uma cal•a social,
um cinto e um par de meias e os p‚e em cima da
cama) Eu sempre vejo anŒncios, procurando por
estagiŠrios...

LUCAS

Mas ‚ um tanto dif…cil, eu s• curso o terceiro


semestre, geralmente eles pegam a partir do
quarto, mas eu vou tentar. (Pega a cal•a e a camisa
e estende em cima da cama) Bem, vou tomar
banho. At‚ jŠ, Pedro. (Pega a toalha, no lugar de
sempre, veste o roupƒo e pega a cueca. Faz um
gesto e sai bocejando.)

TAVICO

(Entra, parecendo um zumbi, deposita a mochila na


cabeceira da cama) OlŠ Pedr„o! (Boceja)

PEDRO

(Em tom de zombaria) Pelo visto a noitada foi boa!


(Senta-se na cama, ainda sonolento)
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(Tavico, sonolento, afirma com um sorriso, tira a
cal•a e sobe no beliche de cima e cai no sono. Em
seguida, Pedro levanta, pega uma cueca na gaveta
da c„moda, senta-se na cadeira junto †
escrivaninha e se debru•a sobre ela.)

LUCAS

(Retornando do banho. Dˆ um tapinha no ombro de


Pedro) Pode ir Pedro, jŠ acabei!

PEDRO

(Levanta, sonolento. Olha para Tavico e comenta.)


Esse ‚ que ‚ sujeito de sorte, n„o tŠ nem a… pra
vida e vive nadando em dinheiro... (Dˆ um risinho,
p‚e a toalha, sai em seguida)

(Ouvem-se batidas na porta, Lucas vai atender)

LUCAS

(Abrindo a porta) Bom dia graciosa!


FAXINEIRA

(Πporta, observando o lado de dentro) Bom dia


Lucas! Posso entrar?

LUCAS

Claro! Entre!

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FAXINEIRA

(Entra com cautela, faz um sinal com a cabe•a.


Dirige o olhar para Tavico, comenta.) Sujeito
folgado! N„o sei como aguenta, tanta farra e chegar
todos os dias a essas horas da manh„! (Voltando-se
para Lucas) Bem, Lucas, vai chegar, hoje, pela
manh„, Juca, um sobrinho de Dona C‚lia, ele ‚ do
interior e vivia com o avŽ, mas ele morreu e Dona
C‚lia mandou chamar ele pra cŠ. Ele vai ficar nesse
quarto com voc‹s.

LUCAS

(Receptivo) Claro, graciosa! Diga a Dona C‚lia que


pode contar conosco.

FAXINEIRA

Ela vai contar mesmo. Mais tarde eu venho arrumar


o quarto. Se ‚ que isso pode ser chamado de
quarto. Coitado do menino! At‚ mais. (Saindo)

LUCAS

At‚, graciosa, diga a Dona C‚lia que n„o se


preocupe, trataremos o rapaz como se fosse nosso
irm„o.

PEDRO

(Entrando) O que graciosa queria t„o cedo?

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LUCAS

(Veste a cal•a) Veio avisar que teremos companhia


‚ um rapaz do interior. Ele vai ficar aqui conosco.

PEDRO

Que bom! (Veste a cal•a) Vou acabar de me vestir


pra irmos tomar caf‚. (Vestindo a camisa, olhando
para Tavico) Como ele ag’enta chegar t„o tarde,
todos os dias?
LUCAS

(Cal•a as meias e os sapatos) O que a farra n„o


faz?!

PEDRO

(Ajeitando os cabelos) Como ele consegue ter tanto


dinheiro? (Cal•a as meias e os sapatos. Saindo,
volta para pegar os ‡culos)

LUCAS

EstŠ bem, vamos deixar o Tavico de lado e vamos


tomar caf‚. (Sai se ajeitando)

(As luzes se apagam e reacendem com um foco em


penumbra sobre Tavico. De repente ouvem-se
vozes. Lucas e Pedro retornam, pegam os seus
pertences e saem em seguida. Ouvem-se passos e
vozes vindos do lado de fora do quarto. A porta se
abre. A faxineira entra acompanhada do jovenzinho,
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Juca, um rapazola, de apar…ncia p‰bere. Traja-se
elegantemente, de boina na cabe•a, al€m de um
sobre-tudo escuro, †s costas. Traz consigo uma
grande mala e uma bolsa † tira-colo.)

FAXINEIRA

(Apresentando o ambiente) Bem, meu querido, esta


‚ a sua cama! A escrivaninha voc‹ pode dividir com
os outros garotos. Voc‹ pode usar uma parte do
guarda-roupa, acho que dŠ pra voc‹ guardar as
suas coisas, apesar de uma bagagem t„o grande.
(Ri)

TAVICO

(Acorda e senta-se na cama) OlŠ! Novo inquilino?!


(Sorri)

JUCA

(envergonhado) OlŠ!

FAXINEIRA

(Tomando a frente) Tavico ele ‚ parente de Dona


C‚lia. Veio do interior. Ele vai ser colega de quarto
de voc‹s.

TAVICO

(Desce da cama com um pequeno pulo e aproxima-


se de Juca e lhe estende a mƒo) OlŠ! Seja bem-
vindo!
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JUCA

(Fica paralisado diante do rapaz. Por€m, tamb€m


estende a mƒo. Com voz tr…mula.) Oi! (Baixa os
olhos)

TAVICO

(Prontamente) Hei! (Mƒo no queixo de Juca) N„o


seja t„o envergonhado.

FAXINEIRA

(Interv€m) N„o assuste o menino. Ele acabarŠ se


acostumando. D‹ um tempo a ele.

TAVICO

(Risos) Desculpe gurizinho, s• estava brincando.


(Tocando no ombro, encorajando-o) Eu prometo
que seremos grandes amigos. Deixa eu guardar
isso. (Tenta arrancar a bolsa do ombro do jovem,
mas nƒo consegue) Vamos, eu guardo isso pra ti.
JUCA

(Reluta, mas acaba cedendo †s vontades de Tavico)


EstŠ bem!

FAXINEIRA

Bem, agora que voc‹s jŠ se conhecem, eu vou


deixar voc‹s ‘ vontade.

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TAVICO

(Riso ir„nico) Claro, graciosa! (Passa a mƒo nas


nˆdegas da faxineira)

FAXINEIRA

Ai, n„o me pegue com essas m„os bobas.

TAVICO

Pode deixar o guri comigo. (Conduz a faxineira at€ †


porta e retorna para perto de Juca) Acho que estŠ
faltando alguma coisa, n„o?

JUCA

(T‹mido) O qu‹?

TAVICO

(Prontamente em tom de brincadeira) Tu saber


quem eu sou, e eu saber quem ‚ tu.

JUCA

(Deixa escapar um riso) Meu nome ‚ Juca.

TAVICO

O meu ‚ Tavico, mas pode me chamar de Vico,


muito prazer. (Estende a mƒo e segura por algum
tempo) Tu n„o deve se preocupar com nada.
(Conduz Juca ao guarda-roupa) Tu guarda tuas
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coisas nesta parte. Ah! Pode usar a escrivaninha,
tamb‚m. Estou aqui pro que der e vier, ok?!

JUCA

EstŠ bem, obrigado! (Tira o sobre-tudo e o coloca


na cadeira)

TAVICO

Agora vŠ tomar um banho, voc‹ deve estar muito


cansado.

JUCA

Eu vou, sim.

TAVICO

(Pega um short que estˆ em cima da cama e veste)


Eu vou tomar um cafezinho, at‚ mais. Ah! Se quiser
dar um rol‚, tu pode contar comigo. (Saindo)

JUCA

(Prontamente) Um o qu‹?!

TAVICO

(Na porta) • como os guris daqui da cidade falam,


pra dizer uma volta... um giro pela cidade. (Sai)

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JUCA

Obrigado.
(Enquanto Tavico estˆ fora do quarto, Juca abre a
mala. Pega a toalha, o roupƒo, o chinelo e uma
cueca, tipo samba-can•ƒo. Senta-se † escrivaninha,
tira os sapatos e as meias, coloca-os ao lado do
guarda-roupa. Cal•a o chinelo. Debru•a-se sobre a
mesinha e cochila ali mesmo.)

TAVICO

(Entra silenciosamente e se aproxima de Juca) O


que houve, desistiu do banho?

JUCA

Eu?! (Sem a•ƒo por alguns instantes. Sai e retorna,


na porta) Onde fica o banheiro?

TAVICO

No fim do corredor, na Œltima porta ‘ direita.

JUCA
Obrigado. (Sai)

(Tavico aproveita a aus…ncia de Juca, e veste o


sobre-tudo e ensaia alguns passos de dan•a. Ouve-
se uma m‰sica dan•ante, em seguida gritos e
aplausos. Juca retorna e o surpreende.)

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TAVICO

(Justificando-se) S• estava provando, eu nunca tive


um casaco desses. Mas aqui voc‹ s• vai usar de vez
em quando... aqui n„o faz tanto frio. (Retira-o e p‚e
de volta)

JUCA

(Com as roupas no bra•o) N„o tem problema.


(Senta-se na cama, dobra as roupas e as deixa ali)
TAVICO

Agora ‚ minha vez de tomar banho. (Tira o short,


ficando somente de cueca, cal•a o chinelo que estˆ
embaixo da cama, pega a toalha e segue em
dire•ƒo † porta)

JUCA

(Enfˆtico) Voc‹ vai assim?!

TAVICO

Assim, como?
JUCA

Assim... s• de cueca?!

TAVICO

(Cinicamente) Ah! N„o tem problema. (Ri. Envolve-


se com a toalha e sai.)

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(Juca veste-se e sai em seguida para tomar caf€. As
luzes se apagam e reacendem com a entrada da
faxineira. De ar saliente, porta um balde, um
escovƒo, espanador e roupas de cama. Inicia a
tarefa.)

FAXINEIRA

(Muda os len•‡is, dobra as roupas, mas as mant…m


nos mesmos lugares. Pega algumas cuecas com as
pontas dos dedos, dˆ uma leve cheirada em uma
delas. Prontamente) Que horror. “! (P‚e a mƒo no
nariz e finge-se desmaiar, em seguida p‚e no saco
plˆstico. Resmungando.) Garotos mais desleixados
iguais a estes n„o hŠ em nenhum lugar dessa
cidade. (Passa o escovƒo no piso, abandona em
seguida. Continua a tarefa, cantarolando.) Lava
roupa todo dia... Que cheiro de macaco apanhando!
“! Que horror! (Pega um bom-ar no balde e o
aperta. Dˆ mais uma apertada e guarda. Continua a
cantarolar.) Que agonia... na quebrada da soleira...
(Š interrompida com a chegada de Tavico)

TAVICO

(Com a cueca na mƒo. Aproximando-se da


faxineira, agarra-a por trˆs.) Que coisinha mais
gostosa do papai.

FAXINEIRA

(Correspondido momentaneamente. Se dando


conta.) Olha aqui, cara de siri... se voc‹ pensa que
eu sou dessas, estŠ totalmente enganado, viu?!
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JUCA

(Na porta) Posso entrar?

FAXINEIRA

(Tentando escapar) Me largue! Seu, seu, tarado!


(Escapa) Me respeite!

(Juca entra pega uma pequena n€cessaire e sai em


seguida)

TAVICO

(Zombando) Meu chuchuzinho! DŠ um beijinho aqui


no gostosinho, dŠ! (segura-a pelo bra•o)

FAXINEIRA

(Escapa) Se voc‹ fizer isso novamente, vou contar


pro meu namorado, ai meu filho... (Faz sinal de
cortar as genitˆlias, recolhe o material. Faz careta.
Saindo, na porta. Dˆ l‹ngua.)

TAVICO

(Zombaria) Vai amorzinho, vai... (Veste-se e coloca


perfume)

JUCA

(Retornando) Vai sair? (Pega alguns livros da mala


e os deposita na escrivaninha. Senta-se.)

25
TAVICO

Vou resolver algumas paradas e de lŠ, vou ‘


faculdade.

JUCA

(Surpreso) Voc‹ faz faculdade?! Qual o curso?

TAVICO

Qual o curso?! (Hesita. Olha-se.) Educaƒ„o F…sica.

JUCA

Que legal! Eu pretendo fazer vestibular para l…ngua


e literatura.

TAVICO

(Surpreso) O qu‹?! Literatura?

JUCA

•! Literatura.

TAVICO

Pretende ser poeta?!


JUCA

N„o exatamente!

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TAVICO

Bem, estou indo, sen„o vou chegar atrasado. (Pega


a mochila na cabeceira da cama, ajeita-a †s costas)
Tchau! Poeta.

JUCA

Tchau!

(Com a sa‹da de Tavico, Juca Transfere todos os


pertences da mala para o guarda-roupa. Senta-se †
escrivaninha pega um dos livros e come•a a ler.
Pouca luz. Jˆ sonolento, fecha o livro e debru•a ali
mesmo. Entra Pedro. Juca acorda.)

PEDRO

(Portando a valise, deposita-a ao p€ da


escrivaninha.) Voc‹ ‚ o mais novo companheiro de
quarto?

JUCA

Sim, e voc‹, quem ‚?

PEDRO

Desculpe, eu sou Pedro. (Estende a mƒo)

JUCA

E eu, Juca.

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PEDRO

Seja bem-vindo!

JUCA

Obrigado.

PEDRO

O que pretende fazer aqui na cidade?

JUCA

Vou fazer um cursinho e prestar vestibular.

PEDRO

Bem que eu gostaria de estar no seu lugar. Eu tive


de parar os estudos, precisava trabalhar. Ajudar a
fam…lia, essas coisas. Mas um dia eu voltarei para
concluir. (Senta-se na cama)

JUCA

Voc‹ vai conseguir.

PEDRO

O que achou da cidade? (Tira os sapatos e as


meias)

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JUCA

Meu avŽ tinha toda raz„o. Aqui ‚ realmente uma


cidade maravilhosa.

PEDRO

Ela ‚ realmente linda. Bem, Juca, vou tomar banho.


Voc‹ jŠ rangou?

JUCA

Ainda n„o. Que horas s„o?

PEDRO

JŠ passa do meio dia.


JUCA

JŠ?!

PEDRO

Ent„o me espere pra irmos juntos, ok?

JUCA

EstŠ bem. Fique ‘ vontade. (Levantando)

PEDRO

N„o vou demorar. (Tira toda a roupa e se envolve


numa toalha) At‚ jŠ. (Sai)

29
LUCAS

(Entrando) OlŠ, tudo j•ia? (Deposita os livros na


escrivaninha)

JUCA

Tudo bem.
LUCAS

Ent„o voc‹ ‚ o Juca? Eu sou Lucas.

JUCA

Muito prazer.
LUCAS

Seja bem-vindo, Juca. (Estende a mƒo)

JUCA

(Tamb€m estende a mƒo) Obrigado.

LUCAS

Voc‹ perdeu o seu avŽ recentemente?

JUCA

Ele morreu faz pouco tempo... Eu morava com ele


desde que meus pais morreram, faz cinco anos...
n„o tinha com quem ficar lŠ na minha cidade, a…
minha tia C‚lia pediu que eu viesse para cŠ... Vou
tentar refazer a minha vida, agora sem ele... Vou
30
fazer um cursinho para prestar o vestibular no ano
que vem.

LUCAS

Pode contar com todos n•s, viu? (Dˆ um abra•o)


Essa sua decis„o de fazer letras tem a ver com o
seu gosto pela literatura?

JUCA

Eu gosto da nossa l…ngua e principalmente de nossa


literatura.

LUCAS

Voc‹ gosta de escrever ent„o! Que legal! JŠ


escreveu algo?

JUCA

Sim, tenho alguns poemas, qualquer dia desses eu


lhe mostro.

LUCAS

Olha que vou lhe cobrar hein! (Tira os sapatos e as


meias, e as coloca dentro, e p‚e ao p€ da cama.
Cal•a o chinelo.)

JUCA

Eu prometo que mostrarei.

31
LUCAS

O que achou da cidade? (Tira toda a roupa e veste o


roupƒo)

JUCA

Ela ‚ bel…ssima! • muito grande, nossa!

PEDRO

(Retornando do banho) E a…, Lucas?! Gostou da


novidade? Bacana, o Juca, n„o?

LUCAS

Bacana, mesmo. SerŠ um grande prazer conviver


com um carinha t„o inteligente quanto ele.

JUCA

(Envergonhado) Que nada, voc‹s ‚ que s„o legais.

PEDRO

Pelo visto o Œnico menos letrado aqui sou eu.

JUCA

Mas voc‹ pode mudar isso, ‚ s• querer.

LUCAS

• verdade, Pedr„o.
32
PEDRO

Quem dera poder voltar a estudar.

LUCAS

Saiba que nem tudo estŠ perdido.

JUCA

S• depende de voc‹. Se voc‹ se esforƒar vai


conseguir. Existem vŠrias escolas noturnas que
oferecem cursos para jovens e adultos que n„o
tiveram chance de estudar. A decis„o ‚ sua.

PEDRO

Um dia quem sabe! (Pausa) E voc‹ Lucas,


conseguiu emprego? (No guarda-roupa, pega uma
cal•a, uma camisa e uma cueca)

LUCAS

(Apresentando sinal de cansa•o) N„o. Andei a


manh„ inteira... pura perda de tempo. EstŠ muito
dif…cil, a falta de vagas estŠ em todos os setores.
Uma coisa absurda!

PEDRO

N„o fique chateado, amanh„, quem sabe, voc‹ tem


mais sorte.

33
LUCAS

•! Quem sabe. (Pausa) Voc‹s jŠ rangaram?

PEDRO

N„o, e voc‹?

LUCAS

Eu tamb‚m n„o. V„o voc‹s. Eu farei um lanche na


rua... Vou tomar banho e sairei em seguida. Vou
visitar um escrit•rio onde um amigo trabalha, quem
sabe terei sorte. Vou tomar banho e sairei em
seguida. (Tira o t…nis e as meias)

JUCA

Quem sabe voc‹ consegue.

(Os dois saem. Em seguida entra Tavico. P‚e a


mochila na cadeira.)
TAVICO

E a…, guri, tudo bem?

LUCAS

Tudo bem! Que novidade ‚ essa, Tavico, aqui a


essas horas?!

34
TAVICO

Vou descansar um pouco. (Tira toda a roupa e veste


um short e pula na cama)

(Juca e Pedro retornam do almo•o)

JUCA

(Para Tavico) Pensei que voc‹ fosse ficar fora o dia


inteiro?

PEDRO

(Desdenha) A gente nunca sabe a que horas ele


volta pra casa.

TAVICO

Que ‚ que foi?! SerŠ que n„o posso descansar?

LUCAS

Companheiros! Vou tomar banho... (Sai)

PEDRO

Bem amigos, tenho que ir agora. (Pega a valise) At‚


‘ noite (Saindo)

TAVICO

Juca, vamos dar um rol‚, logo mais ‘ tardinha? Pra


voc‹ ir se acostumando com o ritmo da cidade.
35
JUCA

(Prontamente) Claro!

TAVICO

Vou tirar um cochilo!

JUCA

EstŠ bem... (Senta-se † escrivaninha e cochila ali


mesmo)

(Lucas retorna do banho, troca de roupa e sai. As


luzes vƒo se apagando lentamente e reacendem em
seguida.)

TAVICO

(Pula da cama. Aproxima-se de Juca) Guri... Guri


acorda!

JUCA

(Acordando) Oi...

TAVICO

Vou comer alguma coisa e volto pra gente sair, ok?

JUCA

Estarei pronto, logo, logo...

36
(Juca troca de roupa. Tavico retorna e veste-se.
Ambos saem. As luzes se apagam por completo
reacendendo em seguida. Lucas e Pedro se
preparam para deitar. Blackout por alguns
instantes. As luzes reacendem, Juca entra, despe-se
e p‚e o roupƒo e vai para o banho. Lucas e Pedro
continuam dormindo. Juca retorna; pega um pijama
e veste. Deita. Nƒo consegue dormir, tenta vˆrias
posi•‚es. Levanta e senta-se † escrivaninha, abre
um livro, mas acaba pegando no sono ali mesmo.
luz em penumbra. Jˆ € madrugada, entra Tavico,
sorrateiramente e se aproxima de Juca, dˆ-lhe um
toque no ombro. Ele acorda assustado.)

TAVICO

(Sussurrando) O que houve?! VŠ pra cama. (Rindo)


Isso ‚ hora de guri estar fora da cama?! (Conduz
Juca at€ † cama, cobre-o carinhosamente) At‚
amanh„. (Sobe no beliche e deita)

JUCA

(Bocejando) At‚, Tavico...

(As luzes se apagam. O dia amanhece, luz em


penumbra. Pouco a pouco os garotos despertam do
sono. Pedro € o primeiro a levantar. Seguido de
Lucas. Ambos saem para o banho. Juca e Tavico
continuam dormindo. Pedro e Lucas retornam
minutos depois, vestem-se, pegam seus pertences e
saem. Juca desperta, ainda de olhos fechados,
espregui•a-se, levantando em seguida. Pega a
toalha, o chambre, p‚e o chinelo e vai para o
37
banho. Tavico continua dormindo. Momentos depois
Juca retorna com o pijama na mƒo, se aproxima de
Tavico, receoso, nota que ele continua dormindo.
Em seguida, troca de roupa e vai tomar caf€. Com a
sa‹da de Juca, o quarto escurece totalmente
voltando a se iluminar com o despertar de Tavico,
que, ainda sonolento, tento levantar-se, mas em
vƒo. Volta a dormir. Em seguida, Juca retorna,
portando um copo de leite e um pƒo envolvido no
guardanapo e deposita na escrivaninha. Pega a
pequena bolsa † tira-colo, olha para Tavico e sai.
Tavico acorda, agora, mais disposto, p‚e a toalha
em volta da cintura e sai, retornando em seguida. A
luz € central.)

TAVICO

(Chateado) Droga de pens„o, n„o sobrou nada do


caf‚! (Dirige-se † escrivaninha e percebe o copo de
leite e o pƒo. Sem muita cerim„nia, pega o copo
leva-o † boca, depois o pƒo. Ap‡s o lanche, retorna
† cama e pega no sono novamente.)

(As luzes voltam † penumbra. Entra Juca,


percebendo que Tavico ainda dorme, tenta nƒo
fazer barulho, deposita a bolsa na escrivaninha.
Pega o copo da refei•ƒo de Tavico, leva para a
cozinha. Tavico acorda senta-se na cama e olha a si
pr‡prio, numa verdadeira adora•ƒo narcis‹stica. Ao
retornar, Juca v… aquela cena, baixa a cabe•a,
envergonhado. Senta-se † escrivaninha, pega um
pequeno livro de poesia e folheia-o. Percebendo a
atitude de Juca, Tavico, pula da cama e se aproxima
dele. Dˆ-lhe um abra•o por trˆs.)
38
JUCA

(Irritado) Larga-me! Ficou maluco?!

TAVICO

Desculpe guri, s• estava brincando! S• queria


agradecer pelo caf‚ da manh„. Foi voc‹ quem fez
essa gentileza, n„o foi?! (Afasta-se)

JUCA

(Sem olhˆ-lo) Eu s• quis fazer-lhe um favor.

TAVICO

E eu agradeƒo muito, tŠ bem?! (Sorridente)

JUCA

Amanh„, voc‹ poderia mostrar-me a cidade? Eu


adorei o passeio de ontem. Eu preciso ver um
cursinho. Voc‹ poderia ir comigo?

TAVICO

Amanh„, eu n„o posso, guri, desculpa, tŠ. Tenho


que sair... vou estudar com um colega, tenho prova
‘ noite. Fica pra outro dia, ok?! (Tira a cueca, pega
a toalha e coloca em volta da cintura)

39
JUCA

(Desapontado) Tudo bem... (Pega alguns livros na


bolsa e come•a a folhear)

TAVICO

(Cantarolando, procura algo no guarda-roupa. Acha


uma cueca. Continua procurando, numa atitude
indecisa.) Tu tem uma camiseta legal? (Pega uma
cal•a)

JUCA

Camiseta?! (Levanta-se e vai † procura da pe•a)


Esta serve?

TAVICO

(Sorridente) Claro! Valeu! (Pega a camiseta e a


coloca na cama. Ajeita a toalha e sai.)

(Juca torna a sentar e retoma a leitura. Minutos


depois, Tavico retorna do banho, cantarolando e
arriscando alguns passos de dan•a.)

JUCA

(Sorri) Voc‹ ‚ muito engraƒado...

TAVICO

(Como se dan•asse para o amigo) New York... New


York...
40
JUCA

(Volta-se para Tavico, sorridente, em aprova•ƒo †


atitude do colega) Viu passarinho verde?!

TAVICO

(Aproximando-se de Juca) Vi, gurizinho... (Abra•a-


o, docemente)

JUCA

(Desconcertado) O que deu em voc‹?! (Volta aos


livros)

TAVICO

Estou apenas feliz! N„o posso?! (Canta e dan•a.


Puxa a toalha e gira em torno do corpo. Nesse
momento ouvem-se gritos e assovios. Joga a toalha
na cabeceira da cama.)

JUCA

(Fascinado com o ato do colega) Voc‹ ‚ muito


engraƒado, Tavico. (Ri)

LUCAS

(Entrando) OlŠ! Juca... Tavico. (Depositando os


livros na escrivaninha)

41
JUCA

(Prontamente) Como foi, conseguiu emprego?

LUCAS

Nada.

JUCA

Amanh„ voc‹ terŠ mais sorte.

TAVICO

(Entrando na conversa, ironicamente) Vem


trabalhar comigo... (Continua a vestir-se)

LUCAS

(Sem dar import•ncia a Tavico) Engraƒadinho. E


voc‹ o que tem feito? Deu uma sa…da?

JUCA

Bem. Eu jŠ dei uma sa…da, mas n„o vi muita coisa, a


cidade ‚ muito grande.

LUCAS

E do pouco que viu, o que achou? (Aproximando-se


do guarda-roupa)

42
JUCA

A cidade ‚ linda. Visitei algumas livrarias e outras


coisas mais.

LUCAS

Que •timo! (Quase dentro do guarda-roupa)

JUCA

Amanh„ irei ‘ procura de um cursinho.

LUCAS

Existem bons e baratos, ‚ s• procurar.

JUCA

JŠ conversei com alguns alunos do cursinho, aqui no


final da rua. Mas n„o gostei do m‚todo.

TAVICO

(Interrompendo) O gurizinho vai arrebentar, olha a…!


(Risos) N„o gostei do m‚todo...

LUCAS

Ent„o pretende ser um literato? (Aproxima-se de


Juca)

43
JUCA

(Encabulado) Eu gosto de literatura, pretendo dar


aulas. (Sem largar o livro)

LUCAS

EstŠ, bem, poeta... (Orgulhoso) Eu estou satisfeito


com o curso de Direito. (Tira os sapatos e as meias,
dˆ um cheirinho nelas e as coloca dentro deles.
Deixa ali.)

JUCA

Legal.

LUCAS

(Como se estivesse sonhando) Pretendo fazer


concurso para Juiz... (Empurra os sapatos para
baixo da cama)

JUCA

Eu lhe desejo boa sorte...

LUCAS

Eu vou precisar de muita sorte. (Desanimado)

TAVICO

(Terminando de se arrumar) Bem, guris, vou ‘ luta.


(Pega a mochila e sai)
44
JUCA

Tchau, Tavico. (Pausa) Voc‹ estŠ com algum


problema, Lucas?

LUCAS

(Recompondo-se) O que estŠ pegando ‚ a grana.


Estou aqui graƒas aos meus pais, tudo que eles
ganham da aposentadoria eles enviam para mim. E
quase n„o dŠ... Para piorar a situaƒ„o, a
mensalidade da faculdade vai aumentar, da… o meu
desespero, tenho que encontrar emprego o mais
rŠpido poss…vel. (Tirando as cal•as, e em seguida a
camisa ficando somente de cueca. Procura o chinelo
embaixo da cama, encontra-o e cal•a.)

JUCA

Eu sinto muito. Mas voc‹ n„o deve se desesperar


continue procurando. Se voc‹ precisar de algum
dinheiro ‚ s• falar... N„o tenho muito, mas se
precisar, pode contar comigo.

LUCAS

Obrigado, voc‹ ‚ um cara legal! (Senta-se na cama)

JUCA

Estou pensando em pedir ao Tavico para ajudar-me


a procurar um cursinho.

45
LUCAS

Isso mesmo, ele pode lhe ajudar. Ent„o, amig„o


vamos ‘ luta! Seja bem--vindo ao quarto de
pens„o! (Pega a toalha, p‚e em volta da cintura e
sai)

(Enquanto isso, assoviando, Juca veste um pijama e


arruma a cama. Em seguida, Pedro entra,
carregando a valise.)

PEDRO

Boa noite, Juca.

JUCA

Boa noite, Pedro. (Volta a sentar-se † escrivaninha,


e pega um livro)

PEDRO

(Deposita a valise junto † escrivaninha) Como foi o


seu dia, Juca? (Tira a camisa)

JUCA

Foi bom. Estive visitando algumas livrarias e fui


tentar ver um cursinho, mas ainda n„o escolhi.

PEDRO

O que n„o falta nesta cidade ‚ cursinho. (Senta-se


na cama e tira os sapatos e as meias)
46
JUCA

•, ainda n„o deu para decidir, mas estou


empenhado nessa tarefa.

PEDRO

• bom procurar o melhor, mesmo, pois aqui, o


vestibular ‚ muito concorrido.

LUCAS

(Entra com a cueca na mƒo, tomando a palavra) Ele


vai pedir a ajuda do Tavico e logo, logo eles
encontrar„o o melhor cursinho, tenha certeza disso.
(Estende a toalha e a cueca na cabeceira da cama.
Pega um short no guarda-roupa e veste.)

PEDRO

Com certeza. Tavico ‚ a melhor pessoa para essa


tarefa. (Tira as cal•as, ficando somente de cueca)

LUCAS

(Para Juca) Tavico ‚ quem mais tem tempo para dar


um passeio pela cidade. Aproveite!

JUCA

Ele ‚ um cara legal!

47
PEDRO

Isso mesmo. Peƒa a ele para lhe ajudar em tudo


que precisar, ele conhece toda a cidade. Inclusive
voc‹ pode at‚ pedir para ele te levar no trabalho
dele. (Pega a toalha e p‚e em volta da cintura)

JUCA

O que hŠ de especial com o trabalho de Tavico?

LUCAS

(Olha para Pedro com reprova•ƒo, desconversando)


E hoje, aonde voc‹ foi?

JUCA

Estive vendo mais livrarias, o que n„o falta aqui. Na


minha cidade s• existe uma, e ‚ uma dificuldade
enorme para se encontrar o livro que procuramos.

LUCAS

Ent„o, meu amigo, aqui voc‹ n„o terŠ esse


problema.

JUCA

Tem toda raz„o. (Mudando de assunto) Pedro por


que Tavico chega t„o tarde?

48
PEDRO

Deve ser por causa do trabalho dele.

JUCA

O que ele faz?! Que tipo de trabalho?

PEDRO

(Desconversando) Coisas do Tavico! Bem, se


precisar de algo, n„o se acanhe, eu s• n„o posso
ajudar com relaƒ„o ao cursinho, n„o conheƒo
nenhum, mas outros assuntos, pode contar comigo.
(Pega uma cueca)

JUCA

Obrigado, voc‹ tamb‚m pode contar comigo.

LUCAS

Pode contar comigo, tamb‚m, ok?

JUCA

Agradeƒo aos dois.

PEDRO

(Ž porta, para Lucas) E a…, carinha, conseguiu algo?

(Lucas responde negativamente com a cabe•a)


49
PEDRO

Que pena. (Sai)

LUCAS

Vamos jantar, Juca? (Veste a camiseta)

JUCA

Vamos. (Levanta-se e p‚e o roupƒo por cima do


pijama)

(Ambos saem juntos. As luzes apagam,


reacendendo com o retorno dos dois. Pedro jˆ
deitado.)

JUCA

N„o vai jantar, Pedro?

PEDRO

N„o, carinha, estou com muito sono... (Cobre-se


totalmente)

JUCA

Voc‹ quer um copo de leite?

PEDRO

(Descobre s‡ a cabe•a) N„o. N„o se preocupe,


obrigado. Boa noite pra voc‹s.
50
JUCA

Boa noite Pedro, durma bem!

LUCAS

Vou deitar, estou morrendo de sono, boa noite.


(Deita-se)

JUCA

Boa noite. (Senta-se † escrivaninha)

LUCAS

Voc‹ n„o vai deitar, Juca?

JUCA

Agora, n„o. Vou ler um pouco.

LUCAS

Vai ler o qu‹?

JUCA

Poemas.

LUCAS

Ent„o vou ficar um pouco com voc‹. (Levanta-se da


cama, pega o travesseiro e deita-se no chƒo, ao
lado de Juca)
51
(Foco de luz sobre os dois)

JUCA

Voc‹ gosta de poemas?

LUCAS

Sim, gosto muito!

JUCA

Qual o seu poeta predileto?

LUCAS

Gosto de Fernando Pessoa, Oscar Wilde. Federico


Garcia Lorca. E de tantos outros.

JUCA

Fernando Pessoa ‚ um dos meus favoritos.

LUCAS

Ele foi incr…vel!

JUCA

Voc‹ tem toda raz„o.

52
LUCAS

E voc‹, tem algo escrito?

JUCA

Sim. Quer ouvir?

LUCAS

Claro!

JUCA

(Pega um pequeno caderno, folheia-o e inicia a


leitura)
Ao entardecer...
(Em Play-Back)
De um belo dia de ver„o
O Sol estava a se esconder...
Num verdadeiro esbanjar de cores
Num verdadeiro narcisismo.
Aquele Sol...
Era diferente,
N„o sei explicar,
Nem me pergunte.
Decerto n„o saberia responder
S• sei que ele estava lŠ.
Mostrando-se pra mim
Como se quisesse me desafiar.
Esperto, ele.
Quando percebi
Entrei no jogo.
Seria bobo se n„o aceitasse,
53
Pois quem lucrou fui eu.
Fiquei a contemplar
Tanta beleza.
Que Jamais deixaria escapar...

LUCA

Lindo!

JUCA

O t…tulo ‚ "PŽr do sol".

LUCAS

Leia outro, por favor!

JUCA

Claro! (Folheia o caderno mais uma vez e encontra)


O titulo deste ‚ "Recordar ‚ Viver". (Inicia a leitura)
(Em Play-Back)
Se para alguns recordar ‚ sofrer
Pobre ‚ aquele que n„o tem saudades
Para sentir.
Se para alguns a lembranƒa
Faz entristecer...
Pobre ‚ aquele
Que n„o experimenta conhecer.
Se para alguns
A amizade ‚ menos importante,
Pobre ‚ aquele
Que n„o tem amigos com quem viver.
Se a saudade em alguns
54
Faz sofrer
A saudade em mim ‚ viver.
Porque faz parte de mim,
Um dia, sentirei saudades de voc‹.
Mas n„o sofrerei tanto assim.
Essa lembranƒa serŠ leve,
T„o leve quanto o frescor do orvalho da noite.
Sentirei tamb‚m
O frescor dessa saudade,
Que me nutrirŠ e farŠ continuar...
O sofrimento n„o serŠ t„o intenso...
Ainda que a dist”ncia seja imensa.
Lembrar-me-ei de voc‹
Como um sonho,
Que me farŠ viver.

LUCAS

(Demonstrando sinal de cansa•o) Leia mais um.

JUCA

(Folheia mais uma vez. Inicia a leitura.) Voc‹ ficou


distante de mim.

(Em Play-Back)
Mas n„o hŠ motivos
Para tanta indiferenƒa.
Sei que sua vida mudou
Mas n„o precisa
Esquecer-me.
N„o precisa
Ficar t„o distante.
Creio que nossas vidas
55
N„o mais ser„o as mesmas, eu sei.
Mas podemos ser felizes.
Voc‹ parece n„o querer ver
N„o precisa se afastar desse jeito
N„o podemos viver juntos, eu sei.
Se for assim eu aceito.
Sem cobranƒas, eu prometo.
N„o posso dizer adeus,
N•s somos velhos amigos.
E isso n„o pode ser desfeito
Nossa amizade
N„o tem preƒo.
N„o pode ser jogada
Ao vento desse jeito.
N„o hŠ problema
Se n„o podemos viver juntos.
N„o hŠ motivo para tanta indiferenƒa
Apesar de suas promessas
Que jamais me deixaria...
E eu tolo, acreditei.

LUCAS

Gostei, Juca, voc‹ ‚ realmente um poeta. Vou


dormir, estou muito cansado. (Levanta-se e vai
deitar)

JUCA

At‚ amanh„. (Bocejando) Vou ficar um pouco mais.


Boa noite!

56
LUCAS

Boa noite!

(Juca pega no sono. Tavico entra sorrateiramente e


se aproxima de Juca.)

TAVICO

(Quase sussurrando) Ei, amig„o!

JUCA

(Sonolento) OlŠ, Tavico!

TAVICO

(P€ de ouvido) Pelo visto voc‹ tem p‚ssimo hŠbito,


seus pais n„o te disseram que dormir sentado ‚
prejudicial ‘ saŒde?! (Sorri)

JUCA

Eu estava lendo, acabei pegando no sono.

TAVICO

(Conduz Juca at€ † cama. P‚e a mochila no chƒo,


despe-se e deita. Olha para baixo e sorridente,
sussurra para Juca.) Psiu! Gurizinho!

JUCA

(Abre os olhos) Oi...


57
TAVICO

(Sussurrando carinhosamente) N„o faƒa mais isso,


tŠ?!

(As luzes se apagam e reacendem em seguida.


Pedro e Juca despertam, um a um vai para o banho.
Os dois retornam, vestem-se, pegam seus
pertences e saem. Em seguida sai Tavico. Lucas que
continuou deitado, desperta, sai e volta em seguida,
com um copo de leite. Veste-se e sai em seguida.
Blackout. Durante o blackout entra uma m‰sica
suave. Abre-se um foco de luz sobre Lucas que se
encontra sentado † escrivaninha.)

LUCAS

(Em Play-Back, enquanto escreve) Meus queridos


pais. JŠ se passaram vŠrios meses desde a minha
chegada nesta cidade. Como as coisas s„o
diferentes agora com a chegada do Juca. Parece
que o ciclo se completou com a chegada de um
simples garoto do interior. Formamos hoje uma
grande fam…lia. Eu continuo estudando e
trabalhando. Em relaƒ„o aos meus sonhos, de um
dia chegar a ser Juiz, continuo a persegui-los.
Tomara que eu consiga. Quanto a Pedro, este
mudou de emprego, ‚ chefe de vendas de uma
grande multinacional francesa no ramo de tecidos
finos. Encontra-se, atualmente, em viagem de
neg•cios por conta do novo emprego creio que em
breve nos deixarŠ, pois a vida dele tomarŠ novos
rumos. O Tavico leva a mesma vida de sempre, pois
n„o parece almejar grande intento. O Juca, esse,
58
cada dia mais fascinado pela poesia. Passou no
vestibular t„o desejado, estŠ feliz com o curso e por
tudo nesta cidade. Com o decorrer do tempo se
tornaram amigos inseparŠveis. Ambos est„o
passando as f‚rias na cidade natal de Juca.
Despeƒo-me com muito carinho e com a esperanƒa
de um at‚ breve.

(Black-out. M‰sica suave. A luz reacende. Tavico e


Juca retornam das f€rias. Entra Tavico, trazendo
consigo uma grande sacola e p‚e pr‡xima †
escrivaninha, e volta para ajudar Juca com o
restante da bagagem composta de uma bolsa † tira-
colo e um pacote.)

TAVICO

(Sorridente) Pesadas, n„o?!

JUCA

(Rindo) S„o!

TAVICO

(Deposita os objetos ao lado da sacola.


Aproximando-se do amigo.) Guri, estas f‚rias foram
•timas. Tu precisava retornar, mesmo?

JUCA

(Sorridente, mas contido) • o in…cio do semestre, eu


n„o poderia ficar mais tempo...

59
TAVICO

• verdade. (Aceitando, ainda que com reprova•ƒo)

JUCA

Al‚m do mais voc‹ tamb‚m n„o poderia ficar por


muito tempo, esqueceu a sua faculdade?!

TAVICO

(Fingindo surpresa, com um tapinha na pr‡pria


testa) Tu tem raz„o... (Ajeita a bagagem e se
aproxima de Juca) Gurizinho, quero que saiba uma
coisa: Estas foram as f‚rias mais felizes de toda a
minha vida. Ou melhor, voc‹ foi a melhor coisa que
me aconteceu, viu?! (Toca-lhe o rosto, suavemente)

(Sƒo interrompidos pelas batidas na porta. Juca vai


atender.)

JUCA

(Abrindo a porta) Bom dia, graciosa! (Vai pegar um


pacote)

FAXINEIRA

(Entrando com um envelope preso † cintura) Bom


dia meninos pelo visto as f‚rias foram boas, est„o
rosados...

60
JUCA

(Sorridente) Foram sim.

FAXINEIRA

Resolveu tudo por lŠ, Juca?

JUCA

Sim... (Pega um pequeno pacote na sacola) Eu lhe


trouxe isto. (Entrega-a)

FAXINEIRA

(Recebendo com entusiasmo) Ah! Obrigado, voc‹ ‚


uma gracinha. (Saindo, mas retorna em seguida) Ia
esquecendo. Dona C‚lia pediu pra lhe entregar
isso... (Pega o pequeno envelope) • de Pedro, ele
estŠ na Franƒa, s• retorna quando estiver pr•ximo
da data do casamento dele.

JUCA

Ah! Obrigado. (Abre o envelope) Meu caro Juca...

(Reversƒo de luz para Pedro, trajando roupas de


inverno)

PEDRO

Caro amigo Juca. A melhor coisa que me aconteceu


foi t‹-lo conhecido. N„o fossem os teus conselhos
n„o teria a oportunidade que tenho agora. Foi
61
graƒas a voc‹ que, em uma das minhas visitas ‘
fŠbrica de tecidos conheci a linda Marie Berg. Ela ‚
uma bela jovem e estamos pensando em nos casar
e morar aqui na Europa. S„o pretens•es nossas!
Quanto a Paris, voc‹ estŠ cheio de raz„o quando
disse que ela ‚ a mais sedutora de todas as cidades.
Estou vivendo este sonho, apesar das dificuldades
que ainda tenho com a l…ngua francesa, estou
tentando superar e viver esses momentos e estou
vivendo por voc‹, caro amigo. Espero nos
encontrarmos em breve. Aceite um grande abraƒo
do seu amigo Pedro, e da minha Marie Berg, que,
apesar de n„o conhec‹-lo, nutre por ti uma doce
ternura. At‚ breve, meu amigo.

JUCA

(Emocionado. Sussurrando) Voc‹ merece, meu


amigo.

TAVICO

(Para Juca) Algum problema com o Pedro?


(Enxugando a lˆgrima que escorre no rosto do
amigo)
JUCA

(Envergonhado) N„o, s„o apenas boas not…cias...

FAXINEIRA

Que bom, Pedro ‚ um bom garoto. Eu vou deixar


voc‹s... Voc‹s precisam descansar. (Saindo)

62
TAVICO

(Acompanha a faxineira at€ † porta) Tchau,


saborosa!

JUCA

(Abre a sacola e retira a toalha, o chinelo, a cueca e


o roupƒo) Eu vou tomar banho. (Saindo)

TAVICO

Depois eu irei. (Despe-se, ficando apenas de cueca.


Deita-se e pega no sono.)

(As luzes se apagam e reacendem em seguida. Juca


retorna com as roupas †s costas, se aproxima e fica
a contemplar o amigo que dorme. Lucas o
surpreende.)

JUCA

(Percebe a presen•a do colega) Oi Lucas! (Nervoso,


dobra as roupas e as p‚em na cama)

LUCAS

(Discreto. Coloca a valise em cima da c„moda.)


Venha, d‹-me um abraƒo!(Tira os sapatos e as
meias) E a…, companheiro, como foi de viagem?!

JUCA

63
(Desconsertado) Fui bem. E voc‹, o que fez durante
as f‚rias?

LUCAS

Trabalhando, companheiro. Arranjei uma boa grana,


mandei a metade para os meus pais. Eles est„o
vindo me visitar. (Tira a cal•a)

JUCA

Que bom, Lucas! Fico feliz por voc‹.

LUCAS

Obrigado. Mas me conte. Como foi por lŠ? O Tavico


deu trabalho? (Olhando-o) Voc‹ estŠ diferente. EstŠ
mais corado. Conte--me as novidades. (Tira a
camisa, ficando somente de cueca. Pega a toalha e
envolve na cintura.)

JUCA

(Olhar obliquo, como se quisesse escapar †s


indaga•‚es do amigo) Bem, nossas f‚rias foram
•timas, Tavico ‚ um grande companheiro.

LUCAS

(Insiste) Isso eu sei, mas me conte as novidades.

64
JUCA

Nos divertimos muito. (Tirando as coisas da sacola e


pondo-as no guarda-roupa)

LUCAS

(Seguindo-o) Que bom. E os poemas, voc‹ tem


escrito?

JUCA

Sim, alguns.

LUCAS

Depois gostaria de v‹-los. Conversaremos mais


tarde, ok? (Pega uma cueca e sai)

(Juca se reaproxima de Tavico, cautelosamente. Hˆ


um momento em que ele parece acordar. Se afasta,
mas continua a observar o companheiro. Ouvem-se
passos. Juca, pega a sacola e a coloca em cima do
guarda-roupa.)

LUCAS

(Entrando com uma cueca na mƒo) N„o vai deitar?

JUCA

Estou sem sono. (Tira o roupƒo, veste o pijama e


senta-se † escrivaninha)

65
LUCAS

Eu gostaria de ouvir os novos poemas, mas estou


com muito sono. (Estende a toalha no lugar de
sempre, pega um short e veste, em seguida, deita)
Boa noite, carinha!

(Foco de luz sobre Juca)

JUCA

(Sentado † escrivaninha. Voltando-se para o colega)


At‚ amanh„! (Pega uma folha de papel e uma
caneta e come•a a escrever. Escreve as primeiras
palavras, amassa a folha e joga-a fora. Pega outra e
tenta mais uma vez.) Terra... (Olha para Tavico e
torna a escrever)

(Simultaneamente † escrita, entra o flash-back com


a voz de Juca)

Terra,
Terra vida.
Terra querida.
Terra que brota a vida,
Terra que brota a Šgua,
Terra que brota o amor.
Terra,
Terra vida,
Terra que me dŠ luz.
Terra que me conduz.
Terra,
Terra alegria.
Terra que me faz sorrir,
66
Terra que me faz sonhar.
Terra que me faz pensar.
Terra,
Terra ainda que perto, distante estŠ...
Terra,
Terra vida,
Terra querida.
Raz„o do meu querer,
Raz„o do meu fazer
Raz„o do meu sofrer.
Raz„o do meu viver...
Terra,
Terra, querida.
Se um dia eu morrer
Juro jamais te esquecer...

(Finaliza o Play-Back)

(Bocejando) Que sono! (Fecha o caderno e vai


deitar)

(A luz se apaga e reacende. Lucas desperta


cantarolando, pega a toalha e sai para o banho,
retornando em seguida, veste-se, pega os pertences
e sai. Foco de luz sobre a escrivaninha. Somente
Tavico e Juca estƒo deitados. Tavico desperta,
espregui•a-se, levantando em seguida. P‚e a toalha
em volta da cintura. Vai ao guarda-roupa, pega uma
cueca e sai retornando ap‡s o banho. Juca continua
deitado, por€m acordado, fingindo dormir, observa
atentamente todos os passos do amigo.)

67
TAVICO

(Observando Juca) Psiu! (Mexe na axila de Juca)


BŠh! Que gurizinho dorminhoco. (Senta-se ao lado
de Juca e mexe no nariz) Acorda, Tch‹!

JUCA

(Encolhendo-se com as c‡cegas) O que deu em


voc‹?!

TAVICO

(Carinhosamente) N„o tŠ com fome?!

JUCA

Estou, sim! (Risos, com as c‡cegas que o amigo faz


de vez em quando.)

TAVICO

(Voz dengosa) Ent„o, levanta! (Faz c‡cegas)

JUCA

(Dengoso) Eu quero ficar um pouco mais. (Encolhe-


se)

TAVICO

(Intensifica as c‡cegas. Voz mimada e cantada.)


Gurizinho preguiƒoso. Preguiƒoso! (Intensificando
ainda mais as c‡cegas) Vamos acordar.
68
(Novamente, voz cantada) O gurizinho, n„o quer
levantar! Levantar!

JUCA

(Revidando) Voc‹ n„o me deixa dormir. N„o me


deixa dormir.

(Em meio † brincadeira a toalha de Tavico se


desprende. Juca tenta escapar. Ambos caem no
chƒo e rolam um sobre o outro. Juca estˆ em
dec‰bito dorsal. Tavico ajoelhado sobre ele.
Paralisam, se dando conta da situa•ƒo. As luzes vƒo
se apagando suavemente.)

TAVICO

(Sussurra) Eu gosto tanto de ti! (Forma um murro,


carinhosamente.)

JUCA

Espere! N„o, por favor!

TAVICO

Psiuu! Eu n„o vou ti machucar! TŠ bem, gurizinho?


Meu gurizinho. (Sussurrando) Calma!

JUCA

N„o, por favor!

69
TAVICO

(Carinhoso) Calma! Confie em mim...

JUCA

(Temeroso) N„o me machuque, por favor!

(Blackout por alguns instantes, mas ainda ouvem-se


sussurros. A luz reabre em penumbra. Os tr…s estƒo
deitados. Juca desperta e senta-se na cama. Lucas
boceja, se levanta e abre o guarda-roupa, pega o
roupƒo e sai sonolento, acenando para Juca, que
olha para o amigo, como se quisesse dizer algo.
Levanta-se e vai procurar algo no guarda-roupa,
sem sucesso. Vai at€ † escrivaninha, senta-se na
cadeira, pega o poema que comp„s um outro dia e
l…. Vai ao guarda-roupa, pega algumas roupas e sai
para o banho. Lucas retorna, veste-se e sai em
seguida. Juca retorna, veste-se e sai. Tavico
levanta, se veste e sai. As luzes se apagam
suavemente e reacendem com a entrada da
faxineira.)

FAXINEIRA

(Entrando com o material para limpeza) AlŽ, alŽ,


responde... responde com toda sinceridade... (Pega
um pano e passa nos m‡veis, passa o escovƒo no
chƒo, aperta o bom-ar) Como esses garotos
conseguem viver dessa maneira. (Continua com a
tarefa, recolhe o restante das roupas. Arrisca uma
leve cheirada em uma das cuecas de Tavico) Ai que
horror! (Recolhe os restantes das roupas e p‚e no
70
saco plˆstico) Ufa! Terminei... (Recolhe o material,
dˆ um giro e sai.)

(Reversƒo de Luz para a cal•ada)

(Juca porta uma sacola. Depara-se com um grande


cartaz contendo o seguinte an‰ncio: “A Companhia
O Grande Leƒo apresenta esta noite o Show com os
mais belos GoGo Boys da temporada com a
participa•ƒo do Guri do Rio Gua‹ba”e, ao lado, a foto
de Tavico. Juca entra na casa de show, que estˆ
lotada, onde todos, num verdadeiro frenesi, gritam
e assoviam. Em seguida, ouve-se a voz do
apresentador em Play-back.)

VOZ DO APRESENTADOR

Boa noite! Agora, o momento mais esperado desta


noite. Ele, o mais belo GOGOBOY. O Guri do Rio
Gua…ba.

(Entra Tavico usando mˆscara de zorro, trajando


roupas pretas e uma t‰nica vermelha. Neste
momento as pessoas entram em del‹rio, os gritos e
assovios se intensificam. Juca, ali no canto. Tavico
tira pe•a por pe•a e a plat€ia responde a todo
instante, num verdadeiro del‹rio. Neste momento,
Juca procura um cantinho para nƒo ser visto, em
seguida sai. Tavico somente de sunga parcialmente
retirada do corpo, segura por uma das mƒos
protegendo a genitˆlia e sai.)

(Reversƒo de luz para o quarto de pensƒo)

71
(No quarto de pensƒo, Lucas dorme. Juca estˆ
deitado, com a entrada de Tavico, finge-se dormir.
Tavico despe-se, pega uma toalha, p‚e na cintura e
sai em seguida. Juca abre os olhos e olha em
dire•ƒo † porta. Ouvem-se passos. Com o retorno
de Tavico, Juca volta a fechar os olhos. Tavico retira
a toalha e veste um shorte e deita. As luzes se
apagam e reacendem em seguida. Lucas desperta e
vai para o banho. Em seguida Tavico acorda e
levanta-se.)

TAVICO

(Sorridente, cutuca Juca) Bom dia, gurizinho!

JUCA

(Abre os olhos) Bom dia. (Vira-se para o outro lado)

TAVICO

(Vai em dire•ƒo ao guarda-roupa. Pega uma cueca.


Olha para Juca, e se aproxima.) Ei, guri, n„o vai
levantar? JŠ ‚ tarde, hein!
JUCA

(Olhar firme) Tavico, onde voc‹ trabalha? Voc‹


nunca me convida para ir lŠ, por qu‹?

LUCAS

(Entrando) Bom dia.

72
JUCA

Bom dia Lucas.

LUCAS

Sobre o que voc‹s est„o conversando?

JUCA

Sobre o trabalho de Tavico.

TAVICO

(Retrucando) Voc‹ n„o irŠ gostar, faz muito


barulho, sabe como ‚ discoteca, muito barulho,
fumaƒa de cigarro, gente muito chata, al‚m do mais
voc‹ n„o gosta de cigarro, bebida, sabe como ‚!

LUCAS

• isso, com certeza Juca n„o gostarŠ do ambiente.


(Veste-se)

JUCA

Voc‹ me leva qualquer dia desses?!

TAVICO

Claro! Levo sim.

73
JUCA

Que tal hoje ‘ noite?

(Lucas e Tavico se olham)

TAVICO

Hoje ‘ noite?! N„o! N„o dŠ! Marquei com uma gata,


sabe, n‚?! N„o posso falhar, sen„o o que ela vai
pensar de mim?
JUCA

Amanh„, ent„o!

TAVICO

Sim, amanh„.

JUCA

EstŠ bem, amanh„!

TAVICO

(Acabando de se vestir) Vou resolver uma


paradinha, s• volto ‘ noite. At‚ mais.

LUCAS

Espere um momento, vou com voc‹.

(Ambos saem juntos)

74
JUCA

(Sussurrando) SerŠ que ele terŠ coragem de me


levar at‚ aquela casa? Vamos esperar pra ver!
(Torna a deitar)

(Black-out por alguns instantes. As luzes


reacendem. Juca se levanta e troca de roupa e
senta-se † escrivaninha. Pega no sono ali mesmo.
Em seguida Lucas entra.)

LUCAS

(Deposita os pertences na cama e dirige-se a Juca)


Juca. Juca! (Tentando acordˆ-lo) Amig„o, perdeu a
hora? Aonde vai, assim t„o bem vestido?!

JUCA

(Esfregando os olhos) Que horas s„o?

LUCAS

JŠ passa das onze e meia.

JUCA

Cad‹ Tavico?

LUCAS

Tavico? Bem... ele deve estar trabalhando.

75
JUCA

Trabalhando?! Mas ele prometeu...

LUCAS

Esqueceu que ele s• chega tarde? O que estŠ


havendo?

JUCA

Fiquei aqui o dia inteiro, esperando. Ele prometeu


me levar onde ele trabalha. (Desolado)

LUCAS

Onde ele trabalha?! Que papo ‚ esse?! Explique-me!

JUCA

Pelo visto ele me enganou.

LUCAS

O que estŠ havendo, Juca? Onde ele trabalha?! •


isso? Mas voc‹ sabe onde, o que faz?!

JUCA

N„o, n„o sei. Mas ele me prometeu que hoje me


levaria, serŠ que aconteceu alguma coisa?

76
LUCAS

• poss…vel. Voc‹ n„o quer tirar a roupa e deitar?


Amanh„ voc‹s conversam, estŠ bem? Voc‹ jŠ
jantou?

JUCA

N„o. • melhor deitar, estou morrendo de sono.

LUCAS

N„o quer comer alguma coisa, antes de deitar?

JUCA

N„o. N„o estou com fome.

(Juca troca de roupa e vai para a cama. Lucas se


despe e vai para o banho. Retorna, e senta-se †
escrivaninha. Entra Tavico.)

TAVICO

Que novidade ‚ essa, acordado a essa hora?

LUCAS

(Irritado) Cara, voc‹ ‚ louco, que hist•ria ‚ essa de


levar Juca onde voc‹ trabalha? Ele ‚ menor, ou
voc‹ esqueceu? Voc‹ estŠ louco?!

77
TAVICO
.
(Baixo) Claro que eu n„o vou levar!

LUCAS

• bom mesmo, que pense assim. (Baixo) Mas que


id‚ia maluca foi essa de deixŠ-lo esperando? Ele
estava todo arrumado, esperando por voc‹. O
pobrezinho ficou o dia inteiro aqui no quarto, sem
sequer fazer as refeiƒ•es. Que esp‚cie de amigo ‚
voc‹?!

TAVICO

Calma carinha! (Baixo) Eu sinto muito por tudo isso.


Eu n„o tive outra sa…da, juro. N„o sei porque ele
insiste tanto em ir no meu trabalho!

LUCAS

Como voc‹ vai fazer, ent„o? N„o pense que ele


desistirŠ da id‚ia.

TAVICO

Eu sei, mas terei que encontrar uma sa…da.

LUCAS

Essa eu quero ver. (Deita-se)

78
TAVICO

(Sussurrando) E agora?! (despe-se e deita)

(As luzes apagam e reacendem. Lucas vai para o


banho. Juca acorda, sai e volta em seguida, senta-
se † escrivaninha. Lucas retorna. Tavico continua
dormindo.)

LUCAS

OlŠ Juca? (Estende a toalha na cabeceira da cama)

JUCA

Bom dia Lucas. Tavico ainda n„o acordou.

LUCAS

Vai ver ele teve algum problema. (Pega a cal•a e


veste)
JUCA

• o que eu quero saber.

LUCAS

Voc‹ n„o vai ‘ universidade? (Vestindo a camisa)

JUCA

Irei mais tarde.

79
LUCAS

Tenho que ir ‘ luta. (Terminando de cal•ar os


sapatos. Olha-se no espelho, pega a valise) Ent„o
at‚ mais.

JUCA

At‚, Lucas!

(Lucas sai. Juca continua sentado † escrivaninha e


ali mesmo pego no sono.)

TAVICO

(Levanta e se aproxima de Juca, tentando acordˆ-


lo) Guri... guri, acorda!

JUCA

(Acordando) O que houve? Esperei a noite inteira.

TAVICO

(Explicando-se) Desculpe gurizinho. • que tive


problemas na faculdade, para n„o me atrasar, fui
direto pro trabalho, a… n„o deu pra voltar aqui, pra
lhe buscar, mas n„o se preocupe, um dia desses eu
levarei voc‹, prometo.

JUCA

Promete, mesmo?

80
TAVICO

Claro! Eu n„o iria negar isso a um amig„o como


voc‹.

JUCA

Eu vou cobrar, hein?

(Black Out por alguns instantes. As luzes


reacendem vagarosamente. Entra a faxineira e
realiza a sua tarefa em off. Com a sa‹da da faxineira
as luzes se apagam e reacendem com a entrada de
Lucas e Tavico.)

LUCAS

Tavico, e aquela hist•ria de levar o Juca na boate?

TAVICO

Ainda bem carinha, ele nunca mais pediu pra ir.


EstŠ sendo um al…vio. (Depositando a mochila na
cabeceira da cama)

LUCAS

SerŠ que ele esqueceu ou se cansou de tantas


mentiras que voc‹ contava para ele?

81
TAVICO

N„o sei, mas o importante ‚ que ele nunca mais


insistiu no assunto.

LUCAS

Por que serŠ? Ele estava t„o decidido.

TAVICO

Ele anda muito ocupado com as novas atividades


que assumiu, n„o v‹ que ele chega sempre tarde.

LUCAS

Vai ver que ‚ isso mesmo. HŠ meses ele jŠ n„o tem


tempo para as nossas noitadas po‚ticas. Mudando
de assunto, sabe que dia ‚ amanh„?

TAVICO

N„o, por qu‹?

LUCAS

• o aniversŠrio do Juca.

TAVICO

(Dˆ um tapinha na testa) Como pude esquecer,


carinha?!

82
LUCAS

Temos que fazer uma surpresa para ele.

TAVICO

Que tal fazer a comemoraƒ„o lŠ na boate?

LUCAS

Nem pensar, estŠ louco?!

TAVICO

Brincadeirinha.

LUCAS

Vamos preparar uma festinha para ele.

TAVICO

“tima id‚ia. Vou providenciar agora mesmo.


Amanh„ ele terŠ uma grande surpresa. (Sai)

(As luzes se apagam e reacendem vagarosamente


at€ que o ambiente fique pronto para a festa. Hˆ
m‰sica suave ao fundo. Entram Lucas e Tavico.)

TAVICO

Ficou uma beleza, n„o foi? S• falta o dono da festa.


Mas por que Juca estŠ demorando tanto?

83
LUCAS

Estranho, nas quartas-feiras ele chega cedo.

TAVICO

Deve ser o Žnibus.


LUCAS

Mas ele vem ‚ de tŠxi.

TAVICO

N„o pensei nisso. Voc‹ acha que aconteceu alguma


coisa?

LUCAS

Espero que n„o. Mas jŠ estou ficando preocupado.


Que horas s„o?

TAVICO

Quase meia noite. Vamos esperar mais meia hora,


caso n„o apareƒa a gente vai procurar por ele.

LUCAS

Vamos aguardar um pouco mais.

(Ouvem-se muito barulho no corredor. Tavico e


Lucas vƒo at€ † porta. Entra um homem carregando
Juca. Tavico ajuda. P‚e-no na cadeira. Em seguida
entra a faxineira, aflita.)
84
FAXINEIRA

O que aconteceu com ele?

TAVICO

Este moƒo trouxe Juca nesse estado.

LUCAS

Onde o senhor o encontrou?

TAXISTA

Na boate, onde pego ele todas as noites.

(Todos se olham interrogativos)

LUCAS, TAVICO E A FAXINEIRA

(Ao mesmo tempo) Na boate? Que boate?!

TAXISTA

Na boate, onde pego ele. (Para si mesmo) •


estranho, dia de hoje ele n„o vai lŠ! Eu tava no
ponto quando ele entrou, mas n„o vi sair. A… resolvi
entrar. Ele tava lŠ no canto... uma outra coisa
estranha, ele s• tomava refrigerante, mas hoje,
tomou um porre daqueles. Nunca vi esse garotinho
t„o triste, e olhe, eu pego ele hŠ mais de um ano, e
ele sempre apareceu na hora marcada. Hoje ele
deve tŠ muito triste, pra tomar um porre desse
tamanho.
85
FAXINEIRA

(Para Tavico) Isso deve ser obra sua, n„o?

TAVICO

Capaz! N„o tenho nada a ver com isso graciosa. A


gente tinha preparado uma surpresa pra comemorar
o aniversŠrio dele. Veja!

LUCAS

(Intercedendo) Eu sou testemunha, graciosa. Tavico


n„o fez nada do que voc‹ estŠ pensando.

FAXINEIRA

O que tŠ acontecendo? O que vou dizer a Dona


C‚lia? (Abra•a-o)

LUCAS

Para tudo hŠ uma explicaƒ„o. Amanh„


conversaremos, a… tudo se esclarecerŠ.

FAXINEIRA

(Irritada) Se voc‹ Tavico, tiver alguma coisa a ver


com isso, pode ir preparando as suas coisas porque
Dona C‚lia vai botar voc‹ pra fora daqui. Ah se vai!
(Sai)

86
TAXISTA

Bem, jŠ fiz a minha parte, vou tentar ganhar alguns


trocados.

TAVICO

Ele pagou a corrida?

TAXISTA

N„o se preocupe. Ele sempre paga no final do m‹s,


e olha, nesses meses todos, nunca falhou. Bom
menino. (Sai)

TAVICO

Obrigado moƒo. (Fecha a porta)

LUCAS

Tavico, Tavico, o que ‚ que voc‹ tem a ver com


essa hist•ria?! Voc‹ n„o seria t„o vil, seria?

TAVICO

Capaz! Lucas! N„o tenho nada a ver com isso.

LUCAS

Ent„o como ele foi parar na boate?

87
TAVICO

E eu sei! E se n„o for a mesma boate? Vamos


esperar at‚ amanh„...

(Ambos tentam levantar Juca, mas ele resiste)

JUCA

Voc‹s est„o me olhando com essas caras por qu‹?

TAVICO

O que aconteceu, guri?

JUCA

Voc...Voc‹ n„o sa... be, n„o sabe. Eu Estava lŠ


todas as noites. Vendo o mais belo Go... Go... Boy
do Rio Gua…ba. (Imita passos de dan•a, mas
cambaleia, ambos o seguram)

LUCAS

O que voc‹ estŠ falando Juca?

JUCA

De quem eu estou falando... Estou falando do Go,


Go Boy. Quem ‚ o Go, Go Boy do Rio Gua…ba? Ele, o
Go Go Boy exclusivamente ele. Tavico...

(Ambos se olham interrogativos)

88
LUCAS

Como voc‹ descobriu?

JUCA

Eu vi. HŠ muito tempo que eu sei. Todas as noites,


por todo esse tempo. LŠ no cantinho. Vendo voc‹,
se mostrando. Seu depravado. De-pra-va-do!

TAVICO

Me perdoe meu amigo.

JUCA

Perdoar. Perdoar nada! Seu traidor. Ainda diz que ‚


meu amigo. Judas!

TAVICO

Meu amigo, n„o fale assim. (Tenta tocˆ-lo)

JUCA

N„o toque em mim, seu traidor. Seu vendido, seu


depravado. Eu tenho nojo de voc‹. (Chora)
LUCAS

Vamos Tavico, Juca precisa descansar... amanh„


tudo serŠ diferente. (Leva-o para a cama)

(Black Out por algum tempo. Um foco de luz se abre


suavemente sobre a escrivaninha. Tavico estˆ
89
sentado velando o sono de Juca. Lucas acorda, vai
tomar banho e retorna em seguida, troca de roupa
e sai. Tavico continua ali mesmo. Juca acorda, mas
continua deitado.)

TAVICO

Meu amigo...

JUCA

(Choroso, vira-se para o amigo) Pensei que nossa


amizade jamais pudesse ser maculada. Sei que
seria dif…cil transpor algumas barreiras. As regras
s„o severas ou n•s as tornamos assim. Elas n„o me
permitem viver plenamente o que ora sinto. Talvez
as coisas pudessem ser diferentes, caso eu
entendesse o que estŠ se passando, mas n„o tenho
forƒas. Pois me sinto enfraquecido a cada dia.
Esperava que o sentimento que nutro por voc‹
pudesse continuar, apesar de tudo. Mas agora jŠ
n„o sei mais... Sinto um grande vazio no peito.
Vontade de dormir para sempre. Neste momento
sinto o ch„o se abrir numa escurid„o sem fim.

TAVICO

(Ajoelha-se ao p€ da cama) Oh! Grande amigo. Meu


bom amigo. Voc‹ precisa me perdoar. O que serŠ
de mim se voc‹ n„o me perdoar? SerŠ que
conseguirei sobreviver com essa culpa?

90
JUCA

Espero que voc‹ sobreviva. Eu sei que as


lembranƒas me far„o sofrer. Tentarei me nutrir
dessa saudade que poderŠ me fazer continuar,
quem sabe... Me lembrarei de voc‹ como um sonho.
Que me farŠ viver ou morrer...

TAVICO

Ent„o meu amigo... vamos esquecer o que houve.


Vamos pŽr uma pedra em cima do que aconteceu...

JUCA

Isso jŠ n„o mais serŠ poss…vel.

TAVICO

(Lamentando-se) Por que voc‹ faz isso comigo,


gurizinho... Meu gurizinho. Por qu‹? (Chora)

JUCA

Saia daqui e me deixe com a minha tristeza... (Vira-


se para o outro lado)

(Black-out por algum tempo. Juca se encontra


deitado, enfermo, de aspecto pˆlido e quase inerte,
trajando um surrado pijama. Entra a faxineira,
acompanhada de um m€dico.)

91
FAXINEIRA

(Aflita) Doutor, qual ‚ o problema do Juquinha? Ele


n„o quer comer, n„o sai do quarto. EstŠ sempre
com febre. Parece que o mundo acabou. (Ajoelha-se
ao p€ da cama) Na semana passada Dona C‚lia
levou ele no pronto socorro, os m‚dicos fizeram
vŠrios exames, mas eles n„o dizem nada. (Pega os
exames que estƒo na gaveta da escrivaninha e
entrega para o medico)

M•DICO

(Observando os exames) Realmente, pelos


exames... No momento ‚ o que posso dizer para a
senhora.

FAXINEIRA

(Esperan•osa) Como assim?! Ele n„o come... tŠ


desanimado, tŠ sem sangue, ainda assim n„o tŠ
doente? Como pode?!

M•DICO

• verdade... (Pensativo) Ele estŠ precisando de


outro especialista. (Senta-se na cama) Um
psiquiatra ... (Fazendo ausculta pulmonar)

FAXINEIRA

Logo agora que Dona C‚lia estŠ viajando... esse


pepino veio cair justamente nas minhas m„os.

92
M•DICO

Quem ‚ Dona C‚lia?

FAXINEIRA

A dona da pens„o. Ela ‚ parenta dele. O pobrezinho


n„o tem mais ningu‚m por ele. Ele s• pode contar
com ela e com a gente.

LUCAS

(Entrando) Ele n„o melhorou? (p‚e os pertences na


escrivaninha) E a… doutor, como ele estŠ? O que ele
tem?

M•DICO

Pelo visto estŠ tendo alguma dificuldade. Um


problema e n„o estŠ conseguindo lidar com ele.
Juca ‚ muito jovem. E os jovens passam por
transformaƒ•es... por mudanƒas ‘ vezes cru‚is.
Algumas pessoas se fragilizam diante dessas
mudanƒas. Isso ‚ natural. E nesse momento ele
estŠ precisando de ajuda, de muita ajuda. Ele
precisa de um psiquiatra ou um psic•logo.

FAXINEIRA

Isso ‚ culpa de Tavico, aquele c„o danado...

M•DICO

O que ele fez?


93
LUCAS

(Para a faxineira) Ora graciosa... (Para o m€dico)


Doutor ele teve uma discuss„o com um dos nossos
colegas de quarto.

FAXINEIRA

Discuss„o n„o... foi uma grande traiƒ„o.

M•DICO

(Pausa) Eu vou receitar um antit‚rmico.


(Arrumando o material)

JUCA

(Delirando, balbucia algumas palavras) Vic... Vic!

FAXINEIRA

(Comentando) Ele sempre fala estas palavras...


M•DICO

(Pensativo) No momento ‚ o que posso fazer. A


febre vai passar. Pense no que eu disse. Leve-o ao
profissional o mais rŠpido poss…vel.

LUCAS

Um profissional?

94
FAXINEIRA

Depois eu lhe explico.

M•DICO

Bem, tenho que ir agora, preciso visitar outros


pacientes. Qualquer coisa podem me chamar.
Tenham um bom dia. (Dˆ uma ‰ltima olhada em
Juca. Saindo.)

FAXINEIRA

Eu vou levar o senhor at‚ ‘ porta, Doutor. Lucas


fique ai com ele que eu volto jŠ.

(A faxineira retorna)

LUCAS

Que profissional ‚ esse que o m‚dico falou?

FAXINEIRA

Ele disse que Juquinha precisa de um psiquiatra ou


um psic•logo. SerŠ que Juquinha tŠ doente da
cabeƒa?

LUCAS

Ora, graciosa, n„o fale bobagem. Amanh„ mesmo


vou providenciar isso.

95
FAXINEIRA

Tudo culpa daquele c„o danada... Mas quando Dona


C‚lia chegar, ela vai ver o que ‚ bom pra tosse.

JUCA

(Balbuciando) VovŽ... vovŽ.

FAXINEIRA

Coitadinho, vive chamando o avŽ, quando n„o, fica


repetindo Vic... Vic.

LUCAS

Ele estŠ delirando... ‚ por causa da febre. (Toca a


testa do amigo)

FAXINEIRA

Lucas, fique com ele vou ter que limpar os outros


quartos. (Saindo)
TAVICO

(Entrando) OlŠ, gostosa!

FAXINEIRA

N„o toque em mim, seu c„o danado. (Sai)

TAVICO

Como ele estŠ, Lucas?


96
LUCAS

N„o estŠ nada bem. O m‚dico pediu que a gente o


levasse a um psic•logo. Voc‹ sabe porque ele estŠ
assim, n„o sabe?

TAVICO

At‚ voc‹ Lucas? JŠ n„o basta a gozaƒ„o da


graciosa, com aquela hist•ria de c„o danado?
LUCAS

Fique com ele, eu vou ver se consigo marcar com


um psic•logo. Vou tentar resolver isso antes de
minha viagem.

TAVICO

VŠ Lucas, vŠ! E n„o se preocupe eu pago.

LUCAS

Eu n„o vou demorar. (Sai)

TAVICO

(Senta-se, junto † Juca) Gurizinho eu n„o entendo.


Por que?! Por qu‹?! (Toca na cabe•a de Juca)

(As luzes vƒo diminuindo. Juca continua deitado.


Tavico pega no sono. O quarto estˆ em sil…ncio
total, que € quebrado pela entrada da faxineira
trazendo um copo d’ˆgua numa bandeja.)

97
FAXINEIRA

(Empurrando Tavico com o p€) Acorda, c„o danado,


traidor!

TAVICO

LŠ vem voc‹ com esse c„o danado. TŽ quase de


saco cheio.

FAXINEIRA

Ai que meda! Sai da… que eu quero dar o rem‚dio


pra Juquinha!

TAVICO

Sua chata.

(A faxineira faz careta. Tavico se levanta e vai


sentar-se † escrivaninha e fica ali observando. Pega
o caderno de poema de Juca e folheia-o)

FAXINEIRA

Juquinha, Juquinha... Tome o seu rem‚dio, tome.

(Juca acorda)

JUCA

N„o quero...

98
FAXINEIRA

Vai tomar sim.. Ou quer morrer?

JUCA

(Se vira para o outro lado) Prefiro morrer...


(A faxineira desiste e sai)

TAVICO

Guri... (Volta para perto de Juca) Meu guri. Meu


gurizinho! (Abra•a-o, fortemente)

JUCA

(Em prantos, abra•a-o) Tavico...

TAVICO

(Rindo. Segurando os ombros de Juca.) Ei! Eu estou


aqui...

JUCA

Eu sei... Eu sei...

TAVICO

Meu gurizinho! O que estŠ havendo, por que n„o


me dŠ a chance de explicar?!

99
JUCA

Por que voc‹ nunca me contou? Por que voc‹


trabalha naquele lugar?! Voc‹ se prostitui. Se
vende, n„o ‚? Voc‹ ‚ garoto de programa...

TAVICO

Calma, n„o ‚ assim como voc‹ estŠ pensando.

JUCA

Como n„o ‚ assim? E aquilo que voc‹ faz naquela


casa, ‚ o qu‹?!

TAVICO

Eu danƒo, sim. Eu sou danƒarino... • a minha


profiss„o.

JUCA

Danƒarino?! (Ri) Voc‹ ‚ Strip!

TAVICO

• o meu trabalho, eu sobrevivo dele. Entenda, ‚ um


trabalho como outro qualquer.

JUCA

Voc‹ sabe que n„o ‚ s• isso...

100
TAVICO

(Pausa) A maioria das pessoas tem preconceito


acerca dos danƒarinos de boate, mas fazer o qu‹!

JUCA

(Balbuciando) N„o ‚ s• por isso. (En€rgico) Pensa


que eu n„o via, voc‹ saindo com aquelas pessoas...
Vender o pr•prio corpo! N„o existe nada mais
deprimente que isso... Isso ‚ uma viol‹ncia contra
se mesmo... (En€rgico) SerŠ que voc‹ n„o percebe
o que estŠ fazendo?!

TAVICO

(Levanta-se e afasta-se de Juca) Eu sei disso, mas ‚


a vida que tenho pra viver. Quanto ao que faƒo, ‚
apenas uma das poss…veis formas de se vender.
Quando voc‹ trabalha dando a sua pr•pria vida por
um …nfimo salŠrio, n„o seria tamb‚m uma forma de
se prostituir, meu caro? Tudo ‚ uma quest„o de
ponto de vista. O meu trabalho, ‚ como outro
qualquer. A gente ganha o suficiente pra viver e n„o
precisa ter um diploma ou experi‹ncia. Voc‹ pensa
que eu n„o tentei fazer outras coisas? Tentei sim...
Voc‹ n„o imagina a dureza que foi a minha vida no
in…cio. At‚ p„o com banana eu comi pra n„o morrer
de fome. Implorando um emprego, mas n„o,
ningu‚m me abria as portas. Voc‹ n„o imagina o
quanto sofri, quando cheguei aqui. Estava cheio de
sonhos, como voc‹. Mas n„o tive a mesma sorte.
Foram vŠrias tentativas, mas nada! Um dia eu
estava num banco da praƒa quando se aproximou
101
uma senhora, me olhava como se quisesse me
devorar... vendo o meu corpo ela logo me ofereceu
trabalho. Era pra danƒar pra turistas em f‚rias.
Imediatamente aceitei e tudo parecia fantŠstico.
Eram roupas caras, sapatos... carteira sempre com
dinheiro. Um mundo que me deixava fascinado. Mas
com o passar do tempo, aquilo que parecia um
sonho, pouco a pouco foi se tornando um pesadelo.
Aquela doce senhora foi assassinada por um desses
fregueses que bebiam e ficavam violentos. Logo em
seguida mais um amigo foi tragicamente
assassinado. (Aproxima-se e volta a ajoelhar-se
pr‡ximo † cama de Juca) Da… em diante as coisas
comeƒaram a mudar, as dificuldades, o medo de
tamb‚m virar presunto, era um fantasma que me
atormentava a todo momento. Alguns dos meus
colegas, com medo retornaram pra suas cidades.
Alguns foram embora com os seus casos. Outros
foram tirados de lŠ por alguma madame
apaixonada, com a promessa de dias melhores.
Quantas e quantas vezes sonhava por uma chance.
Por algu‚m que me oferecesse uma oportunidade.
Algo diferente da vida que levo. Mas esse dia nunca
chegou.

JUCA

Voc‹ n„o pode continuar nessa vida... tente


procurar algo melhor.

TAVICO

(As palavras saem espremidas) E voc‹ acha que eu


n„o tentei?! (Mais contido) Mas as coisas se
102
tornaram dif…ceis. (Pausa) Logo ap•s aqueles
acontecimentos, fui convidado pra trabalhar em
outra casa noturna. Depois outra e outra at‚ parar
onde estou atualmente. Mas as coisas continuaram
da mesma forma, o perigo ‚ constante. Quando o
show acaba, hŠ sempre algu‚m ‘ nossa espera. •s
vezes homens, ‘s vezes mulheres... N„o podemos
escolher. Tudo para tentar sobreviver. N„o quero
que voc‹ pense que eu faƒo programa nas ruas,
nunca fiz! JŠ perdi vŠrios amigos que trabalhavam
nessas condiĥes.

JUCA

E a sua dignidade, isso n„o conta?

TAVICO

Voc‹ acha que eu gosto?! Voc‹ acha que amo fazer


isso?! N„o! N„o gosto. •s vezes o meu estŽmago
embrulha, ‘s vezes penso em deixar, mas para
fazer o qu‹?! (Choroso) Estou cansado disso, meu
amigo... (Chora)

JUCA

(Abra•a-o) Voc‹ n„o precisa se vender dessa


maneira! Precisa deixar essa vida, Tavico. (Tosse)

TAVICO

(Retruca) Pra viver de qu‹?! (Levanta-se)

103
JUCA

(Tosse mais uma vez) Voc‹ pode arranjar um


emprego, dar aulas. •, dar aulas! Voc‹ faz
faculdade de Educaƒ„o F…sica. Tente arranjar um
emprego numa dessas academias.

TAVICO

Faculdade... Faculdade nada! Eu nem sequer tirei o


primŠrio. Eu nunca tive chance, eu sempre trabalhei
feito um condenado, sempre sendo explorado. Meus
pais, coitados morreram muito cedo, numa vida de
exploraƒ„o, fui praticamente criado por uma tia e
um tio que bebia o tempo todo. A… decidi tentar a
vida na cidade grande, na esperanƒa de conseguir
algo melhor, mas veja, olhe pra mim, o que v‹?
Nada, n„o ‚?! O que sou na vida?! Nada! Um trapo
apenas!

JUCA

(Tentando levantar) N„o diga isso! (Tomba)

TAVICO

(Segura-o) Juca! Voc‹ n„o pode levantar! Venha


deitar.

JUCA

(Ofegante) Tavico, voc‹ precisa mudar de vida.

104
TAVICO

Mudar de vida, como? Pra qu‹?

JUCA

Tente descobrir voc‹ mesmo. Somente voc‹ poderŠ


encontrar o seu caminho...

TAVICO

(Ajoelha-se ao lado do amigo) Juca, quantas vezes


pensei em abandonar tudo isso, mas n„o tenho
forƒas! Como eu gostaria de ter uma outra vida.
Sem ter que me vender dessa forma. (Chora no colo
do amigo) Me ajude meu amigo... Sozinho eu
jamais conseguirei me reencontrar... JŠ tentei
vŠrias vezes, tudo em v„o.

JUCA

Meu querido, como gostaria de ajudŠ-lo. Como v‹


no momento, preciso eu, de ajuda. (Demonstrando
sinal de cansa•o)

TAVICO

Eu cuidarei de voc‹. Ou melhor, eu cuido de tu... e


tu cuida de mim. Que tal?

JUCA

“! Meu bom amigo... (Passa a mƒo no rosto de


Tavico)
105
TAVICO

Vamos embora daqui, s• n•s dois. Pra bem longe.

JUCA

Como gostaria de ser o vento que, sem temor, vai


ao longe em busca de emoĥes... (Sentando-se na
cama) Eu n„o posso, estou muito doente. • tarde
demais para n•s dois... (Chora) N„o hŠ mais tempo
para mim. Sinto-me t„o fraco. (Tosse)

TAVICO

Psiiiu! N„o fale assim. (Acalentando o amigo)

(Entra a faxineira com um prato de sopa)

FAXINEIRA

Juquinha, eu trouxe uma sopinha pra voc‹. (Para


Tavico) Pegue a cadeira pra mim seu imprestŠvel!

JUCA

Eu n„o quero, n„o estou com fome. (Virando-se


para o outro lado)

FAXINEIRA

Nada disso, voc‹ vai tomar nem que seja um


pouquinho. Voc‹ quer morrer de fome?

106
JUCA

N„o quero!

TAVICO

Toma, Guri!

FAXINEIRA

(Desistindo) Desse jeito, voc‹ n„o vai levantar


mais, vai morrer a… mesmo. (Para Tavico) Seu mal-
feitor desgraƒado... tudo culpa sua. Mas a sua
batata tŠ assando... deixa estar! (Saindo com a
bandeja, na porta. Para Tavico) Seu bandoleiro
imprestŠvel. (Sai)

TAVICO

(Aproximando-se de Juca) Por que n„o tomou,


gurizinho? Assim voc‹ n„o vai conseguir levantar.
(Sai)

(As luzes se apagam e reacendem vagarosamente.


Juca estˆ no quarto sozinho. Entra a faxineira, olha-
o por alguns instantes e sai. Aparece o espectro do
av„ de Juca, um senhor de idade jˆ avan•ada.)

JUCA

(Percebe o av„.) VovŽ?! • o senhor mesmo?

107
AV–

(Aproxima-se e abra•a-o) Ei! O que estŠ


acontecendo?

JUCA

(Choroso) VovŽ, vovŽ... Eu acho que vou morrer...


(Chora intensamente) Sinto uma tristeza t„o grande
que me consome a alma. Tenho vontade de morrer.
Ajude-me, por favor!

AV–

Meu netinho querido. O que estŠ acontecendo, h„n?

JUCA

Eu n„o sei, vovŽ... eu n„o sei. (Intensifica o choro)


N„o sei o que estŠ acontecendo comigo.

AV–

Vamos, meu netinho, me diga o que estŠ


acontecendo.

JUCA

(Mais contido) Na verdade, vovŽ... nem eu mesmo


sei como comeƒar.

AV–

Voc‹ precisa se abrir...


108
JUCA

Como ‚ dif…cil falar disso, vovŽ. Eu...

AV–

Tente falar, isso vai lhe fazer bem.

JUCA

(Recuperando-se) Eu sinto um enorme vazio no


peito, algo que me consome a cada dia. Quando eu
cheguei aqui, tive muito medo, pois estava sozinho,
mas os garotos foram legais comigo, principalmente
Tavico, esse ‚ o meu melhor amigo... Com ele
conheci todos os cantos dessa cidade maravilhosa.
Com o passar dos dias, dos meses nos tornamos
grandes amigos. Tudo que eu fazia era sempre
incluindo Tavico. Quando estava ao lado dele, eu
me sentia muito feliz. Tudo era motivo de alegria,
ele dizia que gostava do meu jeito, me chamava de
guri, meu gurizinho. Quando n•s n„o estŠvamos
juntos eu me sentia desamparado, perdido, muito
triste, mas quando ele chegava tudo voltava a ser
radiante. Sei que ‚ algo muito forte, que me toma o
fŽlego... Passado algum tempo as coisas foram
mudando... passei a sentir alegria e tristeza ao
mesmo tempo. Uma necessidade louca de estar
perto e ao mesmo tempo uma enorme vontade de
fugir dele. Mas de nada adiantava. Agora o que me
resta ‚ um enorme aperto no peito, um vazio.
Sensaƒ„o que insiste em me consumir. (Chora) Que
coisa ‚ essa? Por que estou sentindo isso, vovŽ?
Ajude-me, eu imploro!
109
AV–

(Abra•a-o fortemente) Meu querido voc‹ n„o tem


nada pra se envergonhar. Voc‹ n„o pode se punir
dessa maneira... Meu netinho, voc‹ precisa reagir.

JUCA

Reagir, como vovŽ se eu me sinto t„o frŠgil, diante


dessa coisa que me consome a cada dia.

AV–

Isso que voc‹ estŠ sentindo por esse rapaz, e que


tem tanto medo, chama-se amor... Esse sentimento
s• brota em pessoas especiais, pessoas de bom
coraƒ„o. Esse ‚ o mais nobre dos sentimentos.

JUCA

Mas vovŽ, como poderei amŠ-lo? Jamais


permitir„o...

AV–

Eu sei meu querido... eu sei. Mas voc‹ n„o pode


permitir que impeƒam isso... Voc‹ precisa se
fortalecer. Voc‹ precisarŠ de forƒas para enfrentar
as dificuldades. Coragem, meu netinho. Voc‹
precisarŠ enfrentar com muita coragem e sabedoria.
Essa luta serŠ Šrdua... eu sei, mas se voc‹ n„o tiver
coragem para enfrentar, de nada valerŠ ter vivido...
por isso meu querido, jŠ estŠ na hora de voc‹ sair
dessa cama e recomeƒar. Lutar pelo seu amor. S•
110
voc‹ poderŠ fazer isso. (Agasalha Juca e dˆ-lhe um
beijo na testa)

JUCA

Obrigado, vovŽ... Eu te amo.

AV–

Eu tamb‚m te amo, meu querido.

(Black-out. O av„ de Juca sai. As luzes reacendem


vagarosamente)

FAXINEIRA

(Entrando, euf‡rica) Juca! Juca! (Senta na cama)

JUCA

(Jˆ mais disposto) O que foi?!

FAXINEIRA

(Mostra os envelopes) Chegaram agorinha!

JUCA

Leia-as, para mim.

111
FAXINEIRA

(Abre a carta. Olha o remetente.) Essa foi Pedro


que mandou. • um convite de casamento. Ele estŠ
lhe convidando pra ser padrinho. Xi... N„o entendi
neca de nada... Que endereƒo mais doido. Veja,
Juca! (Entrega o envelope. Contente.) Voc‹ vai, n„o
vai?!

JUCA

Eles v„o se casar em Paris.

FAXINEIRA

Nossa, que chique! Se casar em Paris, igual a gente


famosa. Quem te viu, quem te v‹. (Abre a outra.
Olha o remetente.) Esta aqui ‚ de Lucas.

(O foco de luz no quarto de Juca diminui. Outro


reabre sobre Lucas, trajando roupas de clima muito
frio.)

LUCAS

(L… a carta) Caro amigo. Fiquei muito triste ao


deixŠ-lo naquelas condiƒ•es, mas espero que agora
voc‹ jŠ tenha superado e que estes olhinhos voltem
a brilhar novamente. Sinto saudades de suas
poesias e das nossas noites de leituras. Voc‹ foi
algo maravilhoso que aconteceu em nossas vidas. O
Pedro vai se casar em breve com a francesinha,
voc‹ jŠ deve estar sabendo. Talvez eu vŠ ao
casamento. Ele sempre agradece, pois diz que foi
112
graƒas a voc‹ que a vida dele mudou. Como estŠ
Tavico? Voc‹ jŠ o perdoou? Pois tamanha amizade
nunca foi vista. A saudade que sinto de voc‹s ‚
grande demais. Amig„o, voc‹ precisa reagir e ficar
forte para quando eu retornar fazermos as nossas
noitadas po‚ticas. Bem, estou escrevendo para lhe
dizer que aqui na Su…ƒa estŠ tudo bem. Estou
tentando resolver a barreira da l…ngua. Ficarei por
aqui at‚ o final de janeiro. A… companheiro, quando
retornar, hei de v‹-lo com a mais perfeita saŒde.
Despeƒo-me saudosamente.

(A luz sobre Lucas apaga ao final da leitura. Juca


estˆ em prantos.)

FAXINEIRA

N„o fique assim, n„o, Juquinha... (Abra•a-o)

(Blackout mais longo. Fundo musical melanc‡lico.


Acende um foco de luz sobre a escrivaninha, vazia.
A luz continua fixa naquele ponto. Entra Tavico,
portando um copo de leite. Vai ao guarda-roupa,
procura algo, mas nƒo encontra. Olhar vazio por
algum tempo. Senta-se na cadeira da escrivaninha.
Juca entra.)

TAVICO

OlŠ, gurizinho! (Enfˆtico) Eu n„o aguento mais esse


seu sil‹ncio... isso tŠ acabando comigo, guri. SerŠ
que tu n„o tem coraƒ„o? SerŠ que eu tenho que me
ajoelhar e te pedir perd„o?! N„o fique a… com esse
seu sil‹ncio... como se eu n„o existisse... (abra•a-
113
o) Meu guri... Fale comigo! N„o me deixe assim.
(Dˆ um beijo na boca de Juca)

JUCA

(Indiferente momentaneamente) Tavico. Tavico...

TAVICO

Meu querido... pensei que fosse te perder pra


sempre. Meu gurizinho querido. (Beija-o) Prometa
que nunca mais vai ficar de birra comigo... prometa!
(Beija mais uma vez)

JUCA

Eu prometo Tavico...

TAVICO

E promete nunca mais ficar doente, promete?

JUCA

Eu prometo... Eu prometo. (Abra•a-o)

TAVICO

Voc‹ ta melhor, ta?

JUCA

(Faz sinal de mais ou menos) Mas vou melhorar.

114
TAVICO

Vai, sim. (Dˆ outro abra•o em Juca)

(Blackout com m‰sica suave. As luzes vƒo


reacendendo. Tavico e Juca estƒo no parque. Juca
come algodƒo doce e Tavico come pipoca. Estƒo
radiantes. Cinco jovens se aproximam dos dois.)

VOZ DO PIT BOY 1

Ora, ora... como os dois pombinhos est„o felizes.

(Os rapazes cercam os dois)

TAVICO

Deixa dessa mano... Qual ‚ a de voc‹s?

PIT BOY 1

Qual ‚ a nossa?! (Desdenha) A bichona ‚ corajosa...


Olha a…, meu.

(Tavico € imobilizado por tr…s deles)

TAVICO

Me solte! O que deu em voc‹s?

PIT BOY 1

O que deu em n•s?! Voc‹ vai ver, o que deu em


n•s... Vamos mostrar pra ele pessoal...
115
(Blackout longo. Toda a cena de viol…ncia deverˆ
ocorrer durante o blackout, e em play-back.)

JUCA

(Intercede) N„o faƒam isso com ele!

VOZ DO PIT BOY 1

Veja! A bichinha ta defendendo a outra. Quem ‚ o


marido, hein? Qual das duas ‚ a mulherzinha?! Suas
bichas.

TAVICO

Deixe ele em paz!

VOZ DO PIT BOY 1

O viado ta defendendo a namoradinha. Veja o que


faƒo com bichinhas. (Esmurra Juca)
TAVICO

Por favor, n„o faƒam nada com ele!

VOZ DO PIT BOY 1

Vai ser dif…cil n„o fazer nada... N„o ‚ mesmo,


companheiros?

VOZES DE TODOS OS PIT BOYS

• isso a…!

116
VOZ DO PIT BOY 1

Vamo lŠ, gente! Vamo fazer a festa...

(Mais socos e pontap€s. Som de viatura policial se


aproximando.)

VOZ DO PIT BOY 1

Galera, sujou! Agora ‚ cada um por si... Vamo dŠ


no p‚!

VOZ DO POLICIAL 1

(Persegue um dos Pit Boys) Parado a…! (Captura) HŠ


muito tempo que eu estava querendo pegar voc‹s.
Dessa vez n„o escapam, seu marginal.

VOZ DO PIT BOY 2

Me largue! Voc‹ n„o sabe com quem estŠ se


metendo.

VOZ DO POLICIAL 1

Quem n„o sabe com quem se meteu foram voc‹s.

VOZ DO PIT BOY 2

Voc‹ pirou, cara?! Voc‹ ‚ um policial de merda!

117
VOZ DO POLICIAL 1

Merda ‚ voc‹, esc•ria da sociedade... Voc‹ ‚ que


n„o ‚ nada, seu lixo.

VOZ DO POLICIAL 2

(Para o policial um) Um dos garotos, estŠ muito


mal... Vou ter que chamar a ambul”ncia. (Pelo
rˆdio) Precisamos de uma ambul”ncia com
urg‹ncia... aqui para a Praƒa CentenŠrio. Jovem
aparentando dezesseis anos estŠ muito ferido e
desacordado. O outro estŠ ferido, mas estŠ
consciente. Ok?!

CENTRAL DE EMERG—NCIA

Entendido. Ambul”ncia a caminho...

VOZ DO POLICIAL 2

Ok! No aguardo.
VOZ DO PIT BOY 2

Me largue! Eu vou chamar meu pai.

VOZ DO POLICIAL 1

E voc‹ tem pai?

VOZ DO PIT BOY 2

(Desdenha) Engraƒadinho.

118
(Ouve-se som de ambul•ncia)

VOZ DO POLICIAL 2

Doutor tem dois feridos, mas o jovenzinho n„o sei,


n„o... estŠ sangrando muito.

VOZ DO M•DICO

Vamos ver... O que houve, aqui?

VOZ DO POLICIAL 1

Foram os malditos Pit Boys... A esc•ria da cidade.

VOZ DO M•DICO

(Cuidando de Juca) Como puderam fazer isso com


voc‹?

VOZ DO POLICIAL 1

Doutor, n•s vamos lavrar o flagrante e em seguida


iremos ao hospital.

VOZ DO M•DICO

EstŠ bem.

(Os policiais conduzem o Pit Boy dois at€ a viatura.


Ouve-se som de sirene se afastando do local.)

119
VOZ DA ENFERMEIRA

A coisa estŠ muito feia, doutor?

VOZ DO M•DICO

Muito feia. Esmagaram todos os ossos da face.

VOZ DA ENFERMEIRA

E o outro doutor?

VOZ DO M•DICO

N„o ‚ grave. Mas este aqui... Vamos colocŠ-lo na


maca com cuidado!

TAVICO

Juca, doutor, como ele estŠ?

VOZ DO MEDICO

O seu amigo? Ele foi ferido gravemente.

TAVICO

Ele vai sobreviver, n„o vai, doutor? A…, d•i muito


doutor. Doutor o senhor n„o me disse, ele vai ficar
bem, doutor?

120
VOZ DO M•DICO

Enfermeira, mais atadura. (Para Tavico) O caso dele


‚ grave, mas vamos aguardar o resultado das
radiografias, para termos certeza sobre o estado do
seu amigo. (Pausa) Pode andar?

TAVICO

Acho que sim. Ai..

VOZ DO M•DICO

Ent„o vamos para a ambul”ncia.


(A ambul•ncia sai levando os feridos. As luzes vƒo
reacendendo suavemente, na boate.)

VOZ DO APRESENTADOR

Boa noite, ap•s tr‹s meses longe dos palcos,


vitimado de ataques de Pit Boys, eis o mais sensual
GoGo Boy! O melhor! Ele, o Guri do Luar do Rio
Gua…ba!

(Entra Tavico, vestido numa grande t‰nica p‰rpura,


com detalhes em fios de ouro, cal•a preta e
camiseta branca. Dan•a. Gritos, fleches e aplausos
tomam conta do ambiente. Total del‹rio da plateia.
Entra Lucas, se aproxima de Tavico.)

LUCAS

(Alto) Tavico, estou vindo do hospital...

121
TAVICO

(Alto) E ent„o? Juca jŠ teve alta? JŠ vai pra casa?

LUCAS

N„o Tavico... O nosso Juca acaba de morrer.


(Tavico continua dan•ando e chorando. Entra o
Play-Back, com a voz dele, enquanto faz strip-
tease.)

TAVICO

(Play-Back) Essa dor que dilacera o meu corpo, que


corr•i minha alma. Este vazio que sinto parece me
sucumbir, • meu querido amigo, tu n„o sabe o
tamanho do meu sofrimento. Fui tomado pela
escurid„o, pois tu levaste a minha luz! Qu„o ego…sta
foste me deixando nas trevas. Por que n„o deixaste
algo para que me guiasse? A sua partida
transformou a minha vida em algo sem luz... Sem
brilho. Por que n„o deixou o brilho da sua presenƒa?
(Chora) “ querido amigo, se eu pudesse fazer voltar
o tempo, mas somente tu conhecia este segredo.
Com a tua presenƒa o tempo parecia n„o existir.
Tudo era duradouro e reluzente ‘ tua volta. Tu que
como ningu‚m soube fazer felizes as pessoas que o
cercavam. Nem este legado tu deixaste. Somente
tu, com o teu jeito puro, soube me amar,
capacidade que eu perdi hŠ muito tempo, mas tu
soubeste reacender em mim. “ meu gurizinho, me
perdoe, somente agora percebo como fui tolo
perdendo tanto tempo. Eu em minha cegueira, em
n„o me permiti ver o belo sentimento que tu nutria
122
por mim. Meu amigo, que dor eu sinto no peito.
(Secando as lagrimas) Se isto lhe serve de consolo,
meu amado, reconheƒo agora o quanto fui tolo. Mas
‚ tarde demais para n•s dois.

(Enquanto as luzes se apagam suavemente, ouve-


se a voz de Juca em Play-back)
... Desejaria ser o Vento que conduz a folha ao
longe, em busca de emoĥes.

Cai o pano.

123

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