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REFORMA E REVOLUÇÃO
EM ROSA LUXEMBURGO(*)
Donny Gluckstein
Como muitos que tem seguido os seus passos, Bernstein não estava, como ele
próprio afirmou, simplesmente modernizando a doutrina socialista ou criando
um "marxismo para hoje". Ele estava importando a política de uma classe
estranha ao campo da classe trabalhadora. Umas poucas citações tornam isso
claro. Enquanto Marx era um internacionaliza intransigente e chamara pela
união dos proletários do mundo todo, Bernstein considerava que "não pode
ser uma questão indiferente à social-democracia alemã se a nação alemã, a
qual tem realizado está realizando sua parte honorável no trabalho de
civilizar o mundo, deve ser mantida no Conselho das Nações".
Ele foi ainda mais longe: "Eu considero uma tarefa legítima da política
imperial alemã assegurar o direito a Ter uma voz". E em 1907, no Congresso
da Internacional, ele chegou a afirmar que: "os socialistas também devem
reconhecer a necessidade de os povos civilizados agirem como guardiões dos
não civilizados (...) Nossas economias estão baseadas em grande medida na
extração nas colônias de produtos que os povos nativos não tem idéia de como
usar."
Um aspecto mal tocado por Rosa, porque o termo tinha um significado pouco
imediato até 1917, era a "ditadura do proletariado". Existem agora
socialistas que afirmam que essa noção deve ser descartada por sua
associação com Stalin. Mas bem antes do stalinismo aparecia o achado de
Bernstein:
"A frase hoje é tão antiquada que ela somente pode ser reconciliada com a
realidade despindo a palavra ditadura de seu real significado e adicionando-
lhe algum tipo de interpretação mais suave. Toda a atividade prática está
dirigida à criação de circunstâncias e condições que renderão uma transição
mais segura (livre de explosões mais convulsivas) da moderna ordem social
para uma mais elevada (...) Mas a "ditadura das classes" pertence a uma
civilização mais baixa (...) ele somente serve para ser visto como um
retrocesso, como atavismo político."
Contudo o próprio Marx tinha absoluta clareza sobre a questão. Em sua
famosa carta a Weydemeyer em 1852, ele disse que não lhe era devido
nenhum crédito pela descoberta das classes ou da luta de classes, mas que
desejava ser lembrado por três pontos:
3) que essa própria ditadura nada mais é que a transição à abolição de todas
as classes e a uma sociedade sem classes(...)"
"Quando ele dirige suas flechas mais afiadas contra o nosso sistema
dialético, ele está atacando na realidade o modo de pensamento específico
empregado pelo proletariado consciente na luta pela libertação. É uma
tentativa de quebrar a espada que tem ajudado o proletariado a desvanecer a
escuridão de seu futuro(...)"
O tratamento dado por Rosa ao Estado tem uma notável qualidade atual:
"O desenvolvimento capitalista modifica essencialmente o Estado, ampliando
sua esfera de ação, impondo constantemente novas funções (especialmente
as que afetam a vida econômica) fazendo cada vez mais necessária a sua
intervenção e o seu controle na sociedade".
O contra-ataque de Rosa foi direto. Para furor dos dirigentes sindicais, ela
descreveu o sindicalismo como um "trabalho de Sísifo". [Sísifo era um
personagem da mitologia grega condenado eternamente a empurrar uma
pedra até o topo da montanha somente para vê-la rolar abaixo novamente.]
Embora os sindicatos sejam "indispensáveis", eles não podem tomar
gradualmente todos os lucros dos patrões, porque são continuamente
solapados pelos processos inerentes ao capitalismo - reestruturação,
recessão e assim por diante. Mas são vitais como "escolas de luta", para usar
o termo cunhado por Engels, e como um meio de "atenuar" a pressão dos
capitalistas sobre os salários e as condições de vida dos trabalhadores. Este
argumento acaba com as idéias dos burocratas de direita de que um dia possa
haver uma paz permanente negociada entre representantes "responsáveis"
de ambos os lados da indústria. Também destrói a idéia de que os sindicatos
possam construir um tal poder industrial que permita destruir o capitalismo.
Rosa não foi menos profética em seu tratamento do movimento político. Ela
não podia saber a direção precisa que tomaria o Partido Trabalhista
Britânico, nem do SPD (cujos líderes a assassinariam em 1919), mas este era
o futuro que ela previa para eles:
"À primeira vista o título deste livro pode parecer surpreendente. Reforma
social ou revolução? Pode, portanto, a social-democracia opor -se às reformas
sociais? Podemos contrapor a revolução social (...) às reformas sociais?
Certamente que não. A luta diária por reformas (...) oferece à social-
democracia o único meio de se engajar na guerra de classe proletária e
trabalhar na direção do objetivo final (...). Entre a reforma social e a
revolução a social-democracia vê um elo indispensável. A luta por reformas é
o meio, a revolução social, o fim.”
Vinte e sete anos mais tarde, em sua "Crítica ao Programa de Gotha", Marx
ainda estava discutindo o mesmo tema. Quando o SPD mostrava a contínua
influência de Lassale ele escreveu:
"O nosso partido está sendo forçado a reaceitar como dogmas idéias que
podem ter tido algum sentido em alguma época particular, mas que agora não
passam de um monte de lixo verbal obsoleto... Por que voltar atrás se o
verdadeiro estado de coisas já foi ‘colocado a nu’?”
Mas se existe alguma debilidade é o fato de que ela não combina sua crítica
cáustica de Bernstein com uma análise desenvolvida das raízes sociais e
organizativas do reformismo. Ela não extrai todas as lições do fato de ter
sido forçada a enfrentar, como um grande problema, um fenômeno que, de
acordo com Marx, teria estado a caminho de desaparecer.
Rosa assinala que a teoria oportunista de Bernstein "não é outra coisa senão
uma tentativa inconsciente para assegurar predominância aos elementos
pequeno-burgueses que entraram em nosso partido". Porém, uma infecção a
partir de fora pode ser combatida facilmente. De fato ela previu, no final de
Reforma ou Revolução, que o revisionismo de Bernstein era um instrumento
útil "através do qual a classe operária expressa sua fraqueza momentânea,
mas que, após uma inspeção mais acurada, rejeita-a com um gesto de
desprezo escarnecedor".
Mas infelizmente as raízes erram muito mais profundas do que ela supunha.
Como já foi apontado, Bernstein não inventou o reformismo. Ele simplesmente
cometeu o erro de expressá-lo por escrito. De importância igual, se não
maior, para o futuro do reformismo foram os funcionários do SPD, como
Auer. Sua reação ao debate era esclarecedor: "(...) todo esse barulho vindo
de Rosa, Mehring, Parvus (...) que se consideram os únicos proprietários da
verdade última e final (...) Quem se importa com as rígidas táticas [que eles]
têm pregado? Nenhuma alma sequer.
Assim foi que a campanha de Rosa contra o revisionismo parecia ter sucesso,
mas foi derrotado a longo prazo. Em 1898, 1899 e sobretudo em 1901, as
teorias de Bernstein foram energicamente condenadas em congressos do
SPD, e a questão foi, para todos os intentos e propósitos, resolvida a favor
do marxismo revolucionário. Contudo o processo de degeneração continuou
sem abatimentos, para expandir às claras no dia 4 de agosto de 1914, quando
o SPD juntou-se ao kaiser para lutar na guerra imperialista. Esse problema
não passou desapercebido por Rosa. Em 1904 ela escrevia: